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Restrição de sal na hipertensão resistente

Restrição de sal na hipertensão resistente

 

Efeitos da redução de sódio na dieta na pressão arterial em indivíduos com hipertensão resistente: resultados de um estudo randomizado1 [Link para o Abstract]

 

Fator de impacto da revista (Hypertension). 7,368

 

Contexto Clínico

            Uma maior ingestão de sal se associa à hipertensão arterial e a um maior risco cardiovascular. É possível que esse efeito seja ainda mais importante na população brasileira, que herdou a tradição portuguesa de salgar os alimentos em excesso. Em linhas gerais, os estudos que analisaram a ingestão de sal na dieta mostraram o seguinte:

 

1.     A ingestão excessiva de sal é causadora de hipertensão arterial: Um estudo clássico de 1988 chamado INTERSALT3,4 analisou a ingestão de sódio em 10.074 homens e mulheres com idade entre 20 e 59 anos, em 52 comunidades localizadas em 32 países. Tão ou mais importante que a verificação de que consumos maiores de sal se associavam a níveis mais elevados de pressão arterial foi a constatação de que quanto maior a ingestão de sal mais elevados os níveis de pressão arterial com o aumento da idade. A curva do aumento na pressão arterial com a idade foi mais acentuada nas localidades onde a ingestão de sal é maior (população portuguesa, por exemplo), e a pressão arterial simplesmente não aumentou com maiores idades nas populações em que o consumo de sal é muito baixo, como é o caso dos índios yanomamis no Brasil e outras populações remotas. Na próxima semana comentaremos este estudo em nosso site.

2.     Diminuir a ingestão de sal na dieta reduz a pressão arterial: Ensaios clínicos randomizados demonstraram redução na pressão arterial com menor ingestão de sal.5,6,7,8 O mais conhecido destes estudos é a segunda fase do estudo DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension),9 que randomizou pacientes para dietas com 3, 6 ou 9 gramas de sal (ingestão diária média de um norte americano). Comparando-se o grupo que ingeriu 3 g de sal com o que ingeriu 9 g, houve redução média de 6,7 mmHg na pressão sistólica e de 3,5 mmHg na pressão diastólica. O efeito foi mais intenso quando se associou à restrição de sal uma dieta rica em frutas, vegetais e laticínios desnatados e ao mesmo tempo pobre em gorduras saturadas (primeira fase do estudo DASH).10

3.     Maior ingestão de sal aumenta diretamente o risco cardiovascular e a mortalidade: um estudo de coorte populacional finlandês mostrou uma relação direta entre maior consumo de sal e risco cardiovascular e mortalidade.11 Para um aumento de 6 g na ingestão diária de sal, mostrou-se aumento no risco de doença coronária de 56% (RR = 1,56; p <0,05), de doença cardiovascular de 36% (RR = 1,36; p < 0,05) e de mortalidade geral de 22% (RR = 1,22; p<0,05)

 

            No entanto, é interessante ressaltar que, apesar dos enormes benefícios que a diminuição da ingestão de sal pode trazer para todas as pessoas (hipertensos ou não), seja pela prevenção de hipertensão arterial quanto pela provável diminuição do risco cardiovascular e mortalidade, a redução na pressão arterial causada por poucas semanas de diminuição na ingestão de sal é relativamente modesta. As metanálises existentes mostram que a diminuição de sal na dieta em pacientes hipertensos diminui a pressão arterial sistólica de 3,7 a 7 mmHg e a diastólica de 0,9 a 2,5  mmHg5-8, o que indica que esta medida isolada provavelmente não é suficiente para se prescindir da terapia medicamentosa. Já em pacientes com hipertensão resistente ao tratamento (hipertensão não controlada apesar de utilização de 3 ou mais drogas) não se sabe qual seria o efeito da redução de sal na dieta.

 

O Estudo

            Trata-se de um ensaio clínico randomizado, cruzado (crossover study – ver Dicas de Epidemiologia e Medicina baseada em Evidências) de 4 semanas de duração. Doze pacientes consecutivos com hipertensão resistente (ver definição acima) foram randomizados para dieta pobre em sódio (50 mmol ou 3g de sal/24 horas x 7 dias) ou dieta rica em sódio (250 mmol ou 15g de sal/24 horas x 7 dias). Posteriormente os indivíduos permaneceram 2 semanas sem intervenção (wash-out) e foram submetidos à outra dieta. Foram avaliados os níveis de BNP, atividade plasmática de renina, aldosterona urinária de 24 horas, sódio plasmático, potássio plasmático e pressão arterial em 24 horas.

 

Resultados

            A excreção urinária média de sódio nos grupos foi de 46,1 mmol/24 horas versus 252 mmol/24 horas comparando-se as dietas, indicando que as metas e a aderência à ingestão de sódio propostas foram excepcionais. Baixa ingestão de sódio comparada a alta ingestão de sódio diminuiu a pressão arterial sistólica em 22,7 mmHg e a pressão arterial diastólica em 9,1 mmHg, valores muito superiores aos observados em pacientes sem hipertensão resistente. A atividade plasmática de renina aumentou e o BNP diminuiu durante a dieta com baixa ingestão de sal, indicando redução no volume intravascular.

 

Aplicações para a Prática Clínica

            Alguns estudos sugerem que a prevalência de hipertensão resistente seja ao redor de 20% a 30% dos pacientes hipertensos2 e, portanto, a restrição de sal na dieta é uma intervenção com grande potencial para melhorar o controle desta população.  Os achados deste estudo mostram que a magnitude do benefício da restrição de sal nesta população pode ser enorme, similar a adição de 2 novos antihipertensivos ao tratamento medicamentoso2, e uma explicação possível para a magnitude destes achados seria a expansão de volume plasmático nos hipertensos resistentes, visto que a redução do sódio na dieta se associou a sinais indicativos de redução do volume plasmático (aumento de renina e diminuição de BNP) neste estudo.2  Os achados desta publicação tem que ser replicados em outros estudos, visto que o número de pacientes analisados foi pequeno (n=12) e o tempo de cada dieta foi curto (apenas uma semana). Uma crítica que pode ser feito ao desenho do estudo é o fato de a dieta com muito sal ser uma dieta razoavelmente diferente, em termos de concentração de sal, da dieta habitual média de populações urbanas ocidentais. Assim, é possível que parte do efeito observado possa ser resultado de um aumento, ou no mínimo manutenção, da pressão no grupo de dieta com muito sal. De fato, observamos que a média dos níveis pressóricos de base foi quase idêntica à média após a intervenção no grupo com muito sal. No entanto, mesmo que novos estudos não mostrem benefícios tão significativos na população de hipertensos resistentes é importante recomendar a diminuição de sal na dieta, visto que mesmo que os benefícios sejam mais modestos, não são desprezíveis, além do potencial benefício em se diminuir a progressão da hipertensão e diminuir diretamente o risco cardiovascular. Tal medida deve ser enfatizada em todas as consultas e, se os alvos pressóricos não forem atingidos, é necessário acrescentar novas medicações até que isso ocorra.

 

Dicas de Epidemiologia e Medicina baseada em Evidências

Estudo cruzado (crossover trial)

            O ensaio clínico cruzado é um tipo de ensaio clínico comparando duas ou mais intervenções em que os participantes, depois de completar um dos tratamentos, são movidos para o outro tratamento. Cada participante recebe, de forma aleatória, tanto a intervenção em estudo como o controle ou placebo. Por exemplo, para uma comparação dos tratamentos A e B, metade dos participantes é designado aleatoriamente para recebê-los na ordem A >> B e metade na ordem B >> A. Um problema com este tipo de desenho é que os efeitos do primeiro tratamento podem persistir durante o período em que o segundo tratamento é administrado. Por isto geralmente se realiza um período sem intervenção entre os dois tratamentos chamado de washout, cuja duração irá depender do tipo de intervenção (leva em conta o tempo presumido do efeito que a intervenção pode exercer). A principal vantagem deste desenho de estudo é que há necessidade de um menor número de participantes e os participantes são seus próprios controles.

 

Bibliografia

1.     Pimenta E, Gaddam KK et al. Effects of Dietary Sodium Reduction on Blood Pressure in Subjects With Resistant Hypertension: Results From a Randomized Trial. Hypertension. 2009;54:00-00. [Link para o Abstract]

2.     Appel LJ. Another Major Role for Dietary Sodium Reduction: Improving Blood Pressure Control in Patients With Resistant Hypertension. Hypertension 2009 54: 444-446

3.     Intersalt Cooperative Research Group. Intersalt: an international study of electrolyte excretion and blood pressure. Results for 24 hour urinary sodium and potassium. BMJ 1988;297:319-28.

4.     Elliott P et al. Intersalt revisited: further analyses of 24 hour sodium excretion and blood pressure within and across populations. BMJ 1996;312:1249-1253. [Link livre para o Artigo Completo]

5.     Midgley JP, Matthew AG, Greenwood CMT, Logan AG. Effect of reduced dietary sodium on blood pressure: a meta-analysis of randomized controlled trials. JAMA. 1996;275:1590 –1597.

6.     He FJ, MacGregor GA. Effect of modest salt reduction on blood pressure:a meta-analysis of randomized trials. Implications for public health. J Hum Hypertens. 2002;16:761–770.

7.     Cutler JA, Follmann D, Allender PS. Randomized trials of sodium reduction: an overview. Am J Clin Nutr. 1997;65:643S– 651S.

8.     Law MR, Frost CD, Wald NJ. Analysis of data from trials of salt reduction. BMJ. 1991;302:819–824.

9.     Sacks FM. Effects on Blood Pressure of Reduced Dietary Sodium and the Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH) Diet. N Engl J Med 2001; 344:3-9.

10.  Appel LJ et al. A Clinical Trial of the Effects of Dietary Patterns on Blood Pressure. N Engl J Med 1997;336:1117-24. [Link livre para o Artigo Completo].

11.  Tuomilehto J. et al. Urinary sodium excretion and cardiovascular mortality in Finland: a prospective study. Lancet 2001; 357:848:109

12.  Cavalcanti EFA, Bensenor IM. Alimentação e risco cardiovascular. In Orientação Nutricional: Perda de Peso e Saúde Cardiovascular; 1ª edição 2005; Editora Sarvier.