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Dexametasona na meningite bacteriana em crianças

Dexametasona na meningite bacteriana em crianças

 

O comprometimento auditivo em crianças com meningite bacteriana é pouco melhorado pela dexametasona ou glicerol1 [Link para Artigo Completo].

 

Fator de impacto da revista (Pediatrics): 4,789

 

Contexto Clínico

            Inúmeros estudos avaliaram a dexametasona na prevenção da perda auditiva em crianças com meningite bacteriana, mas os resultados foram variáveis. Acredita-se que a dexametasona previna ou melhore o comprometimento auditivo, especialmente na meningite pelo Haemophilus influenzae tipo b (Hib), se introduzida antes do tratamento com antibiótico, mas nenhum estudo isoladamente documentou este efeito. Toda informação disponível deriva de metanálises nas quais populações muito diferentes foram combinadas. Sendo assim, este estudo objetivou comparar os efeitos de dexametasona e/ou glicerol com placebo sobre a audição (medida em três níveis) em crianças com meningite tratadas com ceftriaxone.

 

O Estudo

            Trata-se de um ensaio clínico randomizado no qual crianças com meningite bacteriana com idade entre 2 meses e 16 anos, foram randomizadas para 4 grupos distintos: dexametasona intravenosa, glicerol oral, ambos agentes ou duplo placebo. Todos os pacientes foram tratados com ceftriaxone. A apresentação clínica à admissão foi avaliada pela escala de coma de Glasgow. Os desfechos avaliados foram a capacidade para se escutar sons > 40 dB, = 60dB ou = 80 dB, com estes limites indicando comprometimento auditivo leve, moderado a grave e grave, respectivamente. Todos os testes foram realizados e interpretados por um audiologista externo. A influência de covariáveis sobre os grupos de tratamento foi examinada por regressão logística.

 

Resultados

            Foram incluídas 383 crianças, a maioria com Haemophilus influenza tipo b ou Streptococcus pneumoniae, 101 receberam dexametasona, 95 receberam dexametasona e glicerol, 92 receberam glicerol e 95 receberam placebo. Apenas a apresentação clínica à admissão (avaliada pela escala de coma de Glasgow) e idade precoce foram preditores independentes de comprometimento auditivo em todos os níveis testados. Para cada redução de um ponto na escala de Glasgow houve um aumento de risco de 15 a 21%, com um odds ratio de 1,20; 1,21 e 1,15 (IC 95% 1,06 –1,35; 1,07–1,37 e 1,01–1,31 com p=0,005; 0,003 e 0,039) para perda auditiva leve, moderada a grave e grave, respectivamente. Para cada aumento de um mês na idade dos pacientes houve uma redução no risco de comprometimento auditivo de 2 a 6% (p=0,0001; 0,0007 e 0,041, respectivamente). Nem a dexametasona nem o glicerol preveniram a perda auditiva nos níveis testados independentemente do agente causal ou do momentop de introdução do antibiótico. Vale a pena lembrar que, embora estatisticamente não significantes, os odds ratios para a comparação de dexametasona com placebo foram todos menores que 1 (0,72; 0,73 e 0,40), sendo que este último (para o nível de 80 dB) apresentou um IC 95% de 0,15 – 1,10.

 

Aplicações para a Prática Clínica

A perda auditiva pós meningite bacteriana é relatada em 30 a 50% das meningites por pneumococo, 10 a 30% por Hib e 5 a 25% por meningococo.

O impacto da perda auditiva numa criança é muito grande, gerando isolamento social e custos para a sociedade. Desta forma, não existem dúvidas, de que o ideal seria a prevenção das meningites com o uso de vacinas, o que, infelizmente ainda não acontece nos países pobres. No Brasil, com a introdução da vacinação contra Hib no Programa Nacional de Imunização (PNI), há mais de uma década, tivemos praticamente o desaparecimento da meningite por este agente. Entretanto, as meningites meningocócica e pneumocócica ainda são muito frequentes em nosso país. É com bastante ansiedade que aguardamos a introdução da vacina pneumocócica conjugada 10-valente ainda este ano no PNI.

Até o momento o tratamento disponível que pode diminuir a seqüela auditiva nas meningites é o uso de dexametasona antes da primeira dose de antibiótico, entretanto com resultados bastante controversos em inúmeros estudos, com benefício demonstrado especialmente na meningite por Hib.

O uso do glicerol também foi avaliado em alguns estudos demonstrando diminuição da seqüela auditiva nas meningites por Hib.

Este estudo tenta responder uma pergunta importante: o uso da dexametasona, do glicerol ou de ambos tem impacto na perda auditiva? Nenhuma das medicações preveniu a perda auditiva. Mas, a dexametasona mostrou uma tendência para proteção, particularmente para o nível de 80 dB (OR:0,40 IC 95% 0,15 – 1,10). Possivelmente, existe um subgrupo de pacientes que se beneficia do uso da dexametasona, o que não foi possível identificar no estudo.

Uma lição importante pode ser tirada deste estudo: a apresentação clínica à admissão (avaliada pela escala de coma de Glasgow) e idade precoce são preditores independentes de comprometimento auditivo, independente do agente etiológico, do momento da primeira dose de antibiótico, ou do uso de dexametasona e/ou glicerol.

Na opinião destes editores, como os resultados dos diversos estudos já publicados que avaliam o benefício da dexametasona na perda auditiva na meningite bacteriana são bastante divergentes, esta droga deve continuar sendo usada nas meningites bacterianas, até que estudos maiores sejam realizados e esclareçam esta questão.

 

Bibliografia

1. Peltola H, Roine I, Fernández J, Mata AG, Zavala I, Ayala SG, Arbo A, Bologna R, Goyo J, Lopez E, Miño G, Andrade SD, Sarna S, Jauhiainen T. Hearing Impairment in Childhood Bacterial Meningitis Is Little Relieved by Dexamethasone or Glycerol. Pediatrics 2010;125(1):e1–e8.