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Condicionamento isquêmico remoto e proteção miocárdica

Condicionamento isquêmico remoto e proteção miocárdica

 

Condicionamento isquêmico remoto antes da admissão hospitalar, como complemento à angioplastia, e efeito sobre a recuperação do miocárdio em pacientes com infarto agudo do miocárdio1

 

Fator de impacto da revista (Lancet): 28.409

 

Contexto Clínico

O infarto agudo do miocárdio é uma das principais causas de morte em todo o mundo. Com o uso das terapias de reperfusão houve redução importante do tamanho do infarto e melhora do prognóstico destes pacientes. No entanto, também foi demonstrado que a restauração do fluxo sangüíneo leva a uma cascata de eventos que leva a aumento da resposta inflamatória e lesão, causando morte celular, fenômeno conhecido como lesão de reperfusão. Modelos animais sugerem que até 50% do tamanho final do infarto é relacionado à restauração do fluxo e a lesão de reperfusão. Inúmeras terapias, incluindo estatinas, eritropoetina, ANP, ciclosporina, adenosina e nicorandil, tem sido utilizadas na tentativa de reduzir a lesão de reperfusão.

Desde a década de 80, inúmeros estudos têm demonstrado que estímulos mecânicos levando a períodos curtos de isquemia seguidos de reperfusão têm efeito cardioprotetor e podem levar a redução da lesão de reperfusão. Estes estímulos são chamados de condicionamento isquêmico. Os primeiros estudos animais de reperfusão realizaram os períodos breves de isquemia na mesma artéria onde seria causado posteriormente o infarto, e demonstraram efeito cardioprotetor com redução significativa do tamanho do infarto. Este mecanismo ficou conhecido como condicionamento isquêmico local. Na década de 90 estudos semelhantes demonstraram o mesmo benefício quando a isquemia foi realizada em outra artéria do coração; a este fenômeno deu-se o nome de condicionamento isquêmico intra-orgão. Mais recentemente, inúmeras publicações demonstraram que mesmo a isquemia controlada de outros órgãos, como rins, fígado ou mesmo extremidades tem a capacidade de desenvolver resposta cardioprotetora semelhante. Este fenômeno recebeu o nome de condicionamento isquêmico remoto. Devido a sua fácil realização, este último tem sido a forma mais habitual de pesquisa em condicionamento isquêmico.

Muitos estudos também avaliaram o momento mais adequado para a realização do condicionamento isquêmico. Pode-se realizar o condicionamento antes da ocorrência do episódio isquêmico (pré-condicionamento), durante o episódio isquêmico (Peri-condicionamento), ou logo após o evento (pós-condicionamento isquêmico). Do ponto de vista prático, somente os dois últimos teriam potencial utilidade clínica, já que não se pode prever o momento em que ocorrerá o evento isquêmico, para se realizar o pré-condicionamento.

No entanto, até o presente momento a maior parte dos estudos avaliou o condicionamento isquêmico somente em situações controladas como trabalhos experimentais ou durante procedimentos médicos eletivos. 

 

O Estudo

O presente estudo teve como objetivo a avaliação do uso do condicionamento isquêmico remoto em extremidades superiores como forma de redução da área de infarto do miocárdio em pacientes com síndromes coronarianas agudas com supra desnivelamento do segmento ST submetidos à terapia de reperfusão através da angioplastia primária. Todos os pacientes receberam cuidados habituais para o quadro de infarto agudo do miocárdio.

O condicionamento isquêmico foi realizado com isquemia intermitente em um dos membros superiores realizada com 4 ciclos de insuflação de um manguito de pressão arterial por 5 minutos seguida de desinsuflação por 5 minutos. Para a avaliação da área de miocárdio em risco os pacientes receberam sestamibi na chegada, com posterior leitura do tamanho da área isquêmica durante o infarto. Após 30 dias foi realizada nova cintilografia miocárdica de perfusão em repouso onde foi quantificada a área final do infarto. A diferença de proporção entre as duas áreas foi considerada como área de miocárdio salva durante o procedimento. A proporção de área salva pelo procedimento foi então comparada entre os dois grupos.

 

Resultados

Foram randomizados 333 pacientes com um primeiro episódio de infarto agudo do miocárdio. Como a randomização foi realizada durante o transporte para angioplastia primária, 82 pacientes foram excluídos na chegada ao hospital por não preencherem os critérios de inclusão. Outros 105 pacientes foram excluídos por não completarem o seguimento.

A área de miocárdio salva foi de 0,75 no grupo tratado e de 0,55 no grupo controle, com uma diferença média de 0,10. A freqüência de eventos cardiovasculares e morte no seguimento foi baixa, porem semelhante em ambos os grupos. A freqüência de angioplastia com sucesso, o fluxo final da artéria e o uso de medicações adjuvantes foi semelhante em ambos os grupos.

 

Aplicações para a Prática Clínica

Apesar de inovador e de um desenho extremamente rígido e interessante, o presente estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, pela forma como foi desenhado o estudo um número excessivo de pacientes foi excluído tanto na chegada quanto durante o seguimento. Desta forma, a análise principal dos dados não pode ser realizada pela intenção de tratar, mas sim per protocol. Além disso, o estudo é um estudo de avaliação de conceito fisiopatológico, e como tal o desfecho principal foi um desfecho substituto (redução da área de infarto) e não um desfecho de significância clínica.

Como um estudo de comprovação de um fenômeno fisiopatológico, este estudo não apresenta ainda aplicações clínicas diretas, servindo apenas como subsídio para a realização de estudos randomizados com desfechos clínicos.

No entanto, pela fácil aplicabilidade do método, provavelmente teremos estudos clinicamente significativos para definição de real benefício clinico, assim como das indicações clínicas e forma mais benéfica do seu uso.

 

Bibliografia

  1. Botcher HE et al. Remote ischemic conditioning before hospital admission, as a complement to angioplasty, and effect on myocardial salvage in patients with acute myocardial infarction: A randomized trial. Lancet 2010 Feb 27; 375:727
  2. Prasad, A et al. Reperfusion injury, microvascular dysfunction, and cardioprotection. The “dark side” of reperfusion. Circulation 2009;120:2105-2112.
  3. Kharbanda, RK et al. Translation of remote ischaemic preconditioning into clinical practice. Lancet 2009;374:1557-65.