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Terapia guiada pelo lactato em terapia intensiva

Terapia guiada pelo lactato em terapia intensiva

 

Terapia precoce guiada pelo lactato em terapia intensiva

 

Fator de impacto da revista (Am J Respir Crit Care Med) – 9,792

 

Contexto Clínico

O lactato isolado (2, 3) e a sua evolução (4) com o tratamento são marcadores prognósticos bastante conhecidos em terapia intensiva. Apesar disso, há pouca evidência se intervenções específicas para a redução do lactato são benéficas. Até o momento, apenas dois estudos propuseram-se a essa avaliação. Um estudo em pós-operatório de cirurgia cardíaca mostrou benefício em termos de morbidade ao se usar uma estratégia que contemplava o clareamento do lactato (5). Recentemente, um estudo em pacientes com sepse grave e choque séptico mostrou que uma estratégia de otimização hemodinâmica baseada no clareamento do lactato não foi inferior ao uso da saturação venosa central (6).

Embora se dê ênfase ao mecanismo anaeróbio de produção do lactato, postulando-se que a hiperlactatemia seja secundária a um desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio, esse fato não é totalmente real. A hiperlactatemia pode ser secundária à disfunção mitocondrial (7), à menor depuração do lactato (8), à produção pulmonar (9) e à atividade da bomba Na-K ATPase (10). Assim, estudos que tenham como objetivo a redução do lactato como consequência à maior oferta de oxigênio devem focar-se nas primeiras horas da doença crítica.

 

O Estudo

Os autores do presente estudo propuseram-se a avaliar o impacto de uma estratégia de otimização hemodinâmica que objetivava a redução do lactato nas primeiras 8h de estadia na UTI. Foram incluídos todos os pacientes admitidos com lactato maior ou igual 3mmol/l (27mg/dl) admitidos em 4 UTIs clínico-cirúrgicas holandesas. Foram excluídos pacientes com insuficiência hepática (INR>1,5 e encefalopatia), pós-operatório de cirurgia do fígado, com contra-indicações à cateterização venosa central, com crises epilépticas generalizadas, causa evidente de hiperlactatemia aeróbia (a critério do médico assistente) ou com ordens de não reanimação.

Após admissão na UTI, os pacientes eram randomizados para o grupo controle ou o grupo lactato e recebiam o tratamento de acordo com um protocolo pré-estabelecido durante as primeiras 8h. Nos dois grupos, usava-se de fluidos, vasopressores e inotrópicos com o objetivo de se manterem uma PAM > ou = 60mmHg, FC<100bpm, PVC 8-12mmHg (12-15mmHg naqueles sob ventilação mecânica), diurese > 0,5ml/kg/h, Hb > ou = 7,0g/dl (> ou = 10g/dl naqueles com sinais de isquemia cardíaca), SaO2 > ou = 92%. No grupo lactato, monitorava-se o lactato a cada 2h e a ScvO2. Caso esta fosse menor que 70%, aumentava-se a FiO2 se a SaO2 fosse  menor que 92%, transfundia-se até Hb de 7g/dl (ou 10g/dl naqueles com isquemia cardíaca) e tratava-se a dor, a agitação e a febre. Caso a ScvO2 fosse maior ou igual a 70% e o lactato estivesse maior ou igual a 2mmol/l (18mg/dl), avaliava-se a resposta a volume de acordo com a variação da PVC. Caso não houvesse resposta a volume, iniciava-se dobutamina. Caso houvesse suspeita de comprometimento da microcirculação, iniciavam-se vasodilatadores. O objetivo era reduzir o lactato em 20% a cada 2h até a normalização.

O desfecho primário do estudo era a mortalidade hosptialar. Os desfechos secundários foram mortalidade na UTI, em 28 dias, duração da ventilação mecânica, da terapia de reposição renal, do uso de vasopressores e inotrópicos e tempo de estadia na UTI.

 

Resultados

Foram incluídos 177 pacientes no grupo controle e 171 no grupo lactato. Não havia diferenças entre os dois grupos no momento da randomização. A redução do lactato foi atingida nos dois grupos (4,7 vs. 4,6mmol/l à admissão, 2,7 vs. 2,6 mmol/l em 8h e 1,7 vs. 1,6mmol/l em 9-72h, nos grupos controle e lactato respectivamente, p>0,05 para todos). Os pacientes do grupo lactato receberam mais volume nas primeiras 8h e mais vasodilatadores durante todo o período de acompanhamento.

A mortalidade hospitalar não foi diferente nos dois grupos (43,5 vs. 33,9%; p=0,067). Ao ajustar para APACHE II, SOFA, idade e sexo, observou-se uma redução da mortalidade hospitalar (HR 0,61; IC 95% 0,43-0,87; p=0,006). Os pacientes do grupo lactato apresentaram um desmame mais rápido da ventilação mecânica e dos inotrópicos. Além disso, estes pacientes saíram mais cedo da UTI (HR 0,65; IC 95% 0,50-0,85; p=0,002). Na análise de subgrupos, a admissão na UTI até 6h após a admissão hospitalar foi um fator que se associou a uma menor mortalidade no grupo lactato.

 

Aplicações Para a Prática Clínica

O presente estudo teve um resultado neutro quanto ao seu desfecho primário, que era a mortalidade hospitalar. Ao realizar uma análise estatística questionável, os autores acharam um benefício em termos de mortalidade. Realizar ajustes para variáveis que são diferentes nos dois grupos é um procedimento comum, mas nesse caso, os dois grupos tinham médias de idade, APACHE II e SOFA que não eram diferentes. De qualquer modo, os achados positivos nos desfechos secundários (menos tempo de UTI e menos tempo de ventilação mecânica) são interessantes, embora não definitivos. Outro ponto interessante é o benefício encontrado em pacientes que iniciaram a otimização hemodinâmica mais precocemente (em menos de 6h da admissão hospitalar), dado que já foi explorado em outras situações. Vale a pena ressaltar que os dois grupos usaram abordagens de bom senso (exceto pela PVC) e amplamente usadas quanto aos alvos hemodinâmicos e que ambos atingiram a redução do lactato e, talvez consequentemente, resultados que não foram tão diferentes. Juntando-se este estudo com o recentemente publicado que não mostrou diferenças quanto ao uso do lactato ou da ScvO2 como guia para otimização hemodinâmica (6), podemos considerar que tanto faz a abordagem usada, desde que ela seja introduzida o mais rapidamente possível para que se previnam as disfunções orgânicas.

 

Bibliografia

1.         Jansen TC, van Bommel J, Schoonderbeek J, Sleeswijk Visser SJ, van der Klooster JM, Lima AP, et al. Early Lactate-Guided Therapy in ICU Patients: A Multicenter, Open-Label, Randomized, Controlled Trial. Am J Respir Crit Care Med. 2010 May 12.

2.         Howell MD, Donnino M, Clardy P, Talmor D, Shapiro NI. Occult hypoperfusion and mortality in patients with suspected infection. Intensive Care Med. 2007 Nov;33(11):1892-9.

3.         Mikkelsen ME, Miltiades AN, Gaieski DF, Goyal M, Fuchs BD, Shah CV, et al. Serum lactate is associated with mortality in severe sepsis independent of organ failure and shock. Crit Care Med. 2009 May;37(5):1670-7.

4.         Nguyen HB, Rivers EP, Knoblich BP, Jacobsen G, Muzzin A, Ressler JA, et al. Early lactate clearance is associated with improved outcome in severe sepsis and septic shock. Crit Care Med. 2004 Aug;32(8):1637-42.

5.         Polonen P, Ruokonen E, Hippelainen M, Poyhonen M, Takala J. A prospective, randomized study of goal-oriented hemodynamic therapy in cardiac surgical patients. Anesth Analg. 2000 May;90(5):1052-9.

6.         Jones AE, Shapiro NI, Trzeciak S, Arnold RC, Claremont HA, Kline JA. Lactate clearance vs central venous oxygen saturation as goals of early sepsis therapy: a randomized clinical trial. JAMA. 2010 Feb 24;303(8):739-46.

7.         Brealey D, Brand M, Hargreaves I, Heales S, Land J, Smolenski R, et al. Association between mitochondrial dysfunction and severity and outcome of septic shock. Lancet. 2002 Jul 20;360(9328):219-23.

8.         Levraut J, Ciebiera JP, Chave S, Rabary O, Jambou P, Carles M, et al. Mild hyperlactatemia in stable septic patients is due to impaired lactate clearance rather than overproduction. Am J Respir Crit Care Med. 1998 Apr;157(4 Pt 1):1021-6.

9.         Kellum JA, Kramer DJ, Lee K, Mankad S, Bellomo R, Pinsky MR. Release of lactate by the lung in acute lung injury. Chest. 1997 May;111(5):1301-5.

10.       Levy B, Gibot S, Franck P, Cravoisy A, Bollaert PE. Relation between muscle Na+K+ ATPase activity and raised lactate concentrations in septic shock: a prospective study. Lancet. 2005 Mar 5-11;365(9462):871-5.