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Rastreamento do diabetes gestacional

Rastreamento para Diabetes Mellitus Gestacional: Recomendações do USPSTF (U.S. Preventive Services Task Force)

 

Rastreamento para Diabetes Mellitus Gestacional: Recomendações do USPSTF.

The U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med 2008; vol: 148 (10):759-765.[Link Livre para o Artigo Original]

 

Fator de Impacto da Revista: 14,780

 

Contexto Clínico

            Diabetes gestacional refere-se a qualquer grau de intolerância à glicose iniciado ou diagnosticado durante a gestação, enquanto que diabetes pré-gestacional refere-se ao diabetes diagnosticado antes da gestação. Sabe-se que gestantes com diabetes pré-gestacional estão sob risco aumentado de várias complicações tanto maternas como fetais, entretanto o grau de risco a que estão submetidas as gestantes com Diabetes gestacional é mais controverso. O método de Rastreamento de DM gestacional é motivo de grande controvérsia. Existem inúmeros protocolos que incluem teste de tolerância de 1h com 50g de glicose, teste de tolerância de 1 e 2h com 75 g de glicose, glicemia de jejum + fatores de risco para DM gestacional. Após o Rastreamento com qualquer um destes métodos, as gestantes com Rastreamento positivo são submetidas ao teste confirmatório (“gold standard”) que é o teste de tolerância à glicose de 3h com 100g de glicose (o diagnóstico é confirmado se duas ou mais medidas se igualarem ou excederem os seguintes valores: 95, 180, 155 e 140 mg/dl para jejum, uma, duas ou três horas após a ingestão de 100 g de glicose), ou o teste de tolerância à glicose de 2h com 75g de glicose. Nos EUA o teste de Rastreamento mais comumente usado é o teste de tolerância de 1h com 50g de glicose, sendo variavelmente definido como positivo se a glicemia após 1h da ingestão for maior que 130 mg/dl, ou 140 mg/dl. No Brasil também há uma grande variação na maneira de rastrear o DM gestacional. As recomendações do Projeto Diretrizes incluem glicemia de jejum com avaliação de fatores de risco na primeira consulta de pré-natal ou teste de tolerância oral à glicose com 50g entre a 24ª e 28ª semana de gestação, com confirmação utilizando-se o teste de tolerância oral à glicose com 75g ou 100g.

 

O Estudo

As recomendações são baseadas na revisão prévia de 2003 e na busca de estudos de 2000 a 20071.

Dois pesquisadores independentes realizaram a busca de estudos que incluíram Diabetes gestacional e no mínimo um dos seguintes desfechos: mortalidade neonatal, lesão do plexo braquial, fratura clavicular, admissão à UTI por hipoglicemia, hiperbilirrubinemia, síndrome do estresse respiratório, mortalidade materna, pré-eclâmpsia ou hipertensão induzida pela gravidez. Dois pesquisadores avaliaram criticamente os relatos encontrados e fizeram uma quantificação pelo rigor metodológico conforme critérios da própria USPSTF. (ver dica de epidemiologia e medicina baseada em evidências).

A procura de estudos foi adequada (incluiu o MEDLINE e Cochrane Central Register of Controlled Trials). Não foi possível expressar os resultados de forma quantitativa (metanálise) devido à grande heterogeneidade dos estudos. De maneira geral, é possível afirmar que a revisão foi adequada, é de moderada qualidade, embora seja difícil ter uma estimativa quantitativa dos resultados.

 

Resultados

O USPSTF não encontrou nenhum ensaio clínico randomizado conduzido adequadamente que tenha examinado o benefício do Rastreamento do DM gestacional comparado a não Rastreamento (vide aula “Princípios do Rastreamento” para uma explicação mais detalhada sobre como avaliar o benefício de um teste ou programa de Rastreamento de doenças). Apenas 2 ensaios clínicos estudaram o tratamento comparado ao não tratamento do DM gestacional em populações previamente rastreadas.

O mais recente foi o estudo ACHOIS2, publicado em 2005, que mostrou que o tratamento de 1000 gestantes com DM gestacional leve diagnosticado após a 24ª semana com dieta, monitorização da glicemia capilar e insulina se necessário melhorou o desfecho neonatal composto (vide “Dicas de Medicina baseada em Evidências” sobre desfechos compostos) comparado a não tratamento. O desfecho neonatal composto incluía um ou mais dos seguintes: morte, distócia de ombro, fratura de clavícula e paralisia de nervo periférico. Entretanto, a distócia de ombro foi o único dos desfechos isolados que compunham o composto a atingir significância estatística, sendo a principal responsável pela diferença no desfecho composto. Distócia de ombro é um desfecho que o USPSTF não considera como desfecho final de saúde (o USPSTF considera desfechos clínicos finais mortalidade perinatal, lesão de plexo braquial, fratura de clavícula, mortalidade materna, pré-eclampsia e admissão na unidade intensiva neonatal por hipoglicemia, hiperbilirrubinemia ou síndrome do desconforto respiratório), uma vez que distócia de ombro nem sempre leva a um desfecho clínico ruim. Além disso, dos outros desfechos avaliados no estudo ACHOIS (admissão a unidade intensiva neonatal, icterícia necessitando fototerapia, necessidade de indução do parto, parto cesárea, e ansiedade, depressão e estado de saúde materno), mais neonatos de mães do grupo da intervenção necessitaram de terapia intensiva neonatal (p=0,01), além de haver um número maior de indução de parto no grupo intervenção (p<0,001). Após 3 meses do parto, num subgrupo de mulheres que respondeu a um questionário, houve uma menor incidência de depressão materna pós-parto no grupo da intervenção (p=0,001) e uma melhora auto referida no estado de saúde. Entretanto estas diferenças podem ser devidas ao efeito Hawthorne e não ao tratamento em si, uma vez que o estudo foi “desmascarado” (“unblinded”), isto é, tornou-se aberto, antes da aplicação dos questionários no terceiro mês do puerpério.

O segundo estudo que comparou tratamento com não tratamento foi um estudo de 19663 que mostrou que o tratamento de gestantes rastreadas de alto risco para DM gestacional reduzia o risco de macrossomia (considerado um desfecho intermediário e não final, pois a macrossomia em si não deve ser considerada um desfecho patológico), mas não reduziu mortalidade perinatal.

Os autores ressaltam que estudos prospectivos avaliando desfechos clínicos materno-fetais significativos de acordo com vários níveis de glicemia, ajustados para obesidade, ajudariam a compreender melhor que níveis de glicemia constituem, de fato, importante risco materno-fetal, e aguardam os resultados do estudo “Hyperglicemia and Adverse Pregnancy Outcomes” (vide comentário deste estudo publicado logo após estas recomendações).

O USPSTF conclui que as evidências atuais são insuficientes para avaliar o balanço entre benefícios e malefícios da prática do Rastreamento de diabetes mellitus gestacional, tanto antes como após a 24ª. Semana de gestação.

 

Sugestão para a Prática Clínica

            O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda que todas as gestantes sejam rastreadas para DM gestacional através de história clínica, avaliação de fatores de risco ou um exame laboratorial de Rastreamento. Reconhecem que gestantes de baixo risco têm menos probabilidade de se beneficiarem do Rastreamento com exame laboratorial.

O American Diabetes Association declara que gestantes de baixo risco não precisam de Rastreamento com exame laboratorial.

O American Academy of Family Physicians conclui que as evidências são insuficientes para recomendar a favor ou contra o Rastreamento universal de DM gestacional em gestantes assintomáticas.

O Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira/Conselho Federal de Medicina, embora discuta os prós e contras e as controvérsias do Rastreamento de DM gestacional, preconiza o Rastreamento universal conforme descrito anteriormente.

Até que evidências melhores estejam disponíveis, recomenda-se que os médicos discutam sobre a questão do Rastreamento do DM gestacional com suas pacientes e decidam caso a caso sobre a necessidade de rastrear. A avaliação de risco para DM gestacional na primeira consulta é parte essencial dos cuidados de pré-natal.

 

Dicas de Medicina Baseada em Evidências e Epidemiologia

 

Estudos Selecionados na Revisão Sistemática ou Metanálise: Passaram por Uma Avaliação? Essa Avaliação Pode Ser Reproduzida?

Mesmo que uma revisão sistemática ou metanálise inclua apenas estudos julgados adequados, ainda é importante que esses estudos sejam avaliados e tenham uma boa qualidade.  Estudos menos rigorosos tendem a superestimar a efetividade de uma intervenção preventiva ou terapêutica. Alguns autores seguem listas extensas de perguntas, enquanto outros formulam três ou quatro perguntas mais importantes para verificar a validade do estudo. Preferencialmente, a avaliação da validade dos estudos deve seguir os princípios previamente delineados, claros e reprodutíveis

            Como visto, decidir quais artigos incluir, o quanto eles são válidos, a retirada dos dados dos estudos, enfim, todo esse processo requer análise e julgamento. Portanto, idealmente tudo isso deve ser feito por dois ou mais pesquisadores, de forma independente. Isso propicia maior rigor metodológico e menor probabilidade de erro em cada decisão. Isso inclui a avaliação dos estudos que tiveram a mesma magnitude de base medida. O pesquisador deve investigar a extensão na qual as diferenças entre estudos individuais são maiores do que o esperado se todos os estudos estivessem medindo o mesmo efeito de base e as diferenças observadas entre os estudos se devessem somente à chance. Essa análise estatística é chamada de teste de heterogeneidade (que é um teste de homogeneidade). Um teste de homogeneidade significativo implica que as diferenças observadas no tamanho do efeito são menos prováveis de serem devidas a chance isoladamente. Heterogeneidade significa que existe uma baixa probabilidade das diferenças nos resultados dos estudos originais serem devido a chance isoladamente, indicando que diferenças nos pacientes, exposição ou metodologia dos estudos são os responsáveis pela variação no efeito do tratamento. Infelizmente, um teste não significativo para heterogeneidade não descarta importantes diferenças nos estudos. Idealmente, quanto maior a semelhança entre os estudos, e maior for a semelhança entre os resultados, mais forte é o valor de uma metanálise.

           

Bibliografia

1.Hillier TA, Vesco KK, Pedula KL, et al. Screening for gestational diabetes mellitus: a systematic review for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med 2008;148(10):766-75.[Link Livre para o Artigo Original].
2.Crowther CA, Hiller JE, Moss JR, McPhee AJ, Jeffries WS, Robinson JS. Australian Carbohydrate Intolerance Study in Pregnant Women (ACHOIS) Trial Group. Effect of treatment of gestational diabetes mellitus on pregnancy outcomes. N Engl J Med. 2005;352:2477-86.[Link Livre para o PubMed].

3.O’Sullivan JB, Gellis SS, Dandrow RV, Tenney BO. The potential diabetic and her treatment in pregnancy. Obstet Gynecol. 1966;27:683-9. [Link Livre para o PubMed].