FECHAR

MedicinaNET

Home

Efeito de betabloqueadores no tratamento da DPOC

Área de atuação: Medicina Ambulatorial, Medicina Hospitalar

 

Especialidade: Clínica Médica, Cardiologia, Pneumologia

  

Contexto clínico

A coexistência de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doença cardiovascular é comum em função do tabagismo, que está na gênese de ambas, além de concomitância de outros fatores de risco e do processo inflamatório sistêmico produzido pela DPOC. Os betabloqueadores são recomendados no tratamento da insuficiência coronariana e da insuficiência cardíaca, mas são tradicionalmente contraindicados em pacientes com DPOC, pelo risco de broncoespasmo. No entanto, alguns estudos já sugerem que o uso de betabloqueadores cardiosseletivos, ou seja, aqueles com atividade preponderante nos receptores ß1, em pacientes com DPOC, não se associam a aumento das exacerbações ou piora na qualidade de vida. Além disso, as causas cardiovasculares são a principal causa de morte em pacientes com DPOC. O objetivo desse estudo foi avaliar se o uso de betabloqueadores, em conjunto com as medicações indicadas para DPOC, associa-se a redução da mortalidade, admissão hospitalar e exacerbações.

 

O estudo

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo. Os dados foram coletados de um grande banco de dados escocês de pacientes com DPOC de 2001 a 2010. Foram coletados dados sobre o uso das seguintes medicações, além de betabloqueadores: corticosteroides inalatórios (CI), beta-agonista de longa ação (LABA) e tiotrópio. A associação com os desfechos analisados foi ajustada para as seguintes variáveis: admissões por causas respiratórias e cardiovasculares, diabetes, tabagismo, idade, sexo, drogas cardiovasculares (aspirina, estatinas, bloqueadores de canal de cálcio e inibidores da enzima de conversão da angiotensina), volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) previsto e saturação arterial de oxigênio ao repouso.

Foram incluídos 5.977 pacientes com mais de 50 anos de idade. Os betabloqueadores eram seletivos em 88% dos casos. O uso de betabloqueador não teve nenhum efeito deletério quanto à função pulmonar em pacientes em uso de CI (VEF1 = 1,55 L ao final do acompanhamento com betabloqueador vs. 1,63 L sem betabloqueador) e LABA (VEF1 = 1,57 L quando em uso de betabloqueador e CI vs. VEF1 = 1,54 L quando em uso de CI, mas sem betabloqueador).

Após a correção para os fatores mencionados, o uso de betabloqueador associou-se a uma redução de 22% na mortalidade (intervalo de confiança de 95% de 8 a 33%). Nas comparações quanto ao uso de medicações, a associação de betabloqueador foi benéfica em todas as associações estudadas. O infarto agudo do miocárdio foi causa de morte em 22% dos pacientes que morreram durante o período de acompanhamento.

O uso de corticosteroides orais definiu um episódio de exacerbação e foi reduzido em pacientes que usaram betabloqueador, assim como o número de admissões hospitalares.

 

Aplicações para a prática clínica

Este estudo reforça dados de estudos anteriores que mostraram a segurança do uso de betabloqueadores cardiosseletivos em pacientes com DPOC. Além disso, ele sugere uma redução da mortalidade com o uso destas drogas. Obviamente, tal achado é inspirador em uma doença com prognóstico tão ruim. De qualquer modo, este achado deve ser confirmado em um estudo clínico prospectivo. A princípio, parece não haver um racional fisiopatológico forte para esse benefício no que diz respeito à função pulmonar (os autores postulam um aumento dos receptores ß2 com o uso de bloqueadores ß1, o que melhoraria a função pulmonar), entretanto, parece que sua ação de redução de mortalidade geral pode estar associada principalmente a uma redução de morte por doença cardiovascular, mesmo sabendo que houve redução semelhante de mortalidade por IAM e DPOC no presente estudo. Um estudo de autópsias realizado em 2009 (2) mostrou que entre pacientes internados com DPOC que morreram nas primeiras 24 horas de internação e cuja causa primária de morte havia sido declarada como insuficiência respiratória secundária à progressão da DPOC, apenas 14% (na autópsia), de fato, morreram em decorrência da progressão da doença. As principais causas primárias de morte nestes pacientes foram: insuficiência cardíaca (37,2%), pneumonia (27,9%) e tromboembolismo pulmonar (20,9%). Além disso, vale lembrar que os betabloqueadores também eram proscritos no tratamento da insuficiência cardíaca e hoje são recomendados em todas as diretrizes, após alguns grandes e marcantes estudos clínicos. Por ora, iniciar e manter betabloqueadores cardiosseletivos (atenolol, bisoprolol) em pacientes com indicação do seu uso (insuficiência cardíaca, insuficiência coronariana) e DPOC parece ser uma conduta correta.

 

Glossário

Estudo de coorte retrospectiva: estudo que se propõe a analisar retrospectivamente, em geral a partir de um banco de dados, se a exposição a um fator (no caso do estudo, o uso de betabloqueadores) associa-se a um determinado desfecho, como mortalidade.

Intervalo de confiança: estimativa, por métodos estatísticos, do intervalo em que se encontra a real proporção de um desfecho (ou de sua redução) encontrado no estudo de uma amostra. No presente estudo, a mortalidade foi reduzida em 22% (estimativa pontual nesta amostra), mas, na realidade, a verdadeira redução de mortalidade na população da qual a amostra foi retirada está no intervalo entre 8 e 33%. Em outras palavras, se repetíssemos este estudo 100 vezes com diferentes amostras retiradas da mesma população, a estimativa pontual da redução de mortalidade estaria entre 8 e 33% em 95 destes estudos.

 

Bibliografia

1.   Short PM, Lipworth SI, Elder DH, Schembri S, Lipworth BJ. Effect of beta blockers in treatment of chronic obstructive pulmonary disease: a retrospective cohort study. BMJ. 2011 May 10;342:d2549. (Fator de impacto:12.827). [Link para Abstract] (Fator de impacto:12.827).

2. Zvezdin B, Milutinov S, Kojicic M, Hadnadjev M, Hromis S, Markovic M et al. A postmortem analysis of major causes of early death in patients hospitalized with COPD exacerbation. Chest. 2009; 136:376–3