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Estudo randomizado de rastreamento de câncer de próstata

Área de atuação: Medicina ambulatorial

 

Especialidade: Medicina Interna, Medicina de Família e Comunidade, Urologia

  

Contexto clínico

A questão do rastreamento de câncer de próstata ainda está aberta. Dois grandes estudos publicados em 2009 [The Prostate, Lung, Colorectal, and Ovarian (PLCO) Cancer Screening Trial e o European Randomised Study of Screening for Prostate Cancer (ERSPC)]2,3 trouxeram novas informações para o debate, mas não foram suficientes para resolver o impasse definitivamente. Os defensores do rastreamento enfatizam os achados do PLCO, e os críticos do rastreamento se baseiam nas conclusões do ERSPC para corroborar com suas impressões. Além disso, os resultados favoráveis da prostatectomia radical comparados à conduta expectante (watchful waiting) de um estudo escandinavo de 20084 estimularam ainda mais o debate sobre a detecção precoce do câncer de próstata, particularmente o rastreamento com PSA.

 

O estudo

Trata-se de um ensaio clínico randomizado de base populacional, realizado na cidade de Norrköping na Suécia. Todos os homens entre 50 e 69 anos de idade identificados em 1987 por um Registro Nacional de Saúde (n=9.026) foram incluídos. Da população em estudo, 1.494 homens foram alocados aleatoriamente (inclusão de cada sexto homem de uma lista de datas de nascimento) para receberem rastreamento de câncer de próstata. Estes homens foram convidados para rastreamento de câncer de próstata a cada três anos de 1987 a 1996. Nas duas primeiras ocasiões (1987 e 1990), o rastreamento foi realizado apenas por meio do toque retal. A partir de 1993, passou a incluir a dosagem de PSA com um valor de corte de 4 mcg/L. No quarto rastreamento (1996), apenas homens com 69 anos de idade ou menos foram convidados. Os desfechos avaliados foram a mortalidade específica por câncer de próstata até 31 de dezembro de 2008 e os dados sobre estadiamento dos tumores, grau e tratamentos realizados.

As participações nos quatro rastreamentos (1987 a 1996) foram, respectivamente, de 78%, 70%, 74% e 74%. Houve uma incidência de 85 casos de câncer de próstata (5,7%) no grupo de rastreamento e 292 casos diagnosticados (3,9%) no grupo controle. A porcentagem de homens com tumores localizados foi significativamente maior no grupo de rastreamento do que no grupo controle (56,5% vs. 26,7%; p< 0,001) O risco relativo (RR) para morte por câncer de próstata no grupo submetido a rastreamento foi de 1,16 (IC95% 0,78 – 1,73). Numa análise utilizando o modelo de Cox que comparou a sobrevida específica de câncer de próstata no grupo controle com o grupo rastreado, o RR de morte por câncer de próstata foi de 1,23 (IC95% 0,64 – 1,92; p=0,13). Os autores concluem que, após 20 anos de seguimento, a taxa de morte por câncer de próstata não diferiu significativamente entre homens no grupo controle e aqueles no grupo de rastreamento.

 

Aplicações para a prática clínica

Este estudo contribui com informações adicionais importantes sobre a controversa questão do rastreamento de câncer de próstata. Diferentemente dos outros dois grandes estudos sobre rastreamento de câncer de próstata2,3, o presente estudo foi realizado numa população com baixas taxas de rastreamento de base (iniciou-se num momento e num país onde esta prática não era rotineira), com informações completas sobre o estágio dos tumores, o grau dos tumores e o tratamento tanto no grupo de rastreamento como no controle, e mostrou que o risco de detecção exagerada (overdiagnosis) e tratamento excessivo (overtreatment) no grupo exposto ao rastreamento são consideráveis. Assim, além de não observar diferenças significativas na taxa de mortalidade por câncer de próstata com o rastreamento, o estudo lembrou-nos dos custos envolvidos nesse rastreamento, tanto financeiros como psicossociais.

Pacientes assintomáticos submetidos a intervenções preventivas que não produzem um grande benefício têm mais chance de experimentar apenas os malefícios da intervenção, que incluem a falsa ideia de proteção (quando o exame de rastreamento é negativo), a taxação (labelling) e a cascata de intervenções adicionais (quando o exame de rastreamento é positivo), os efeitos colaterais de intervenções adicionais e de tratamentos potenciais, o estresse de toda a situação nos casos com rastreamentos positivos e a detecção exagerada que, talvez, seja o pior efeito colateral do rastreamento, porém o menos conhecido e comentado. Este tipo de problema (diagnósticos em pessoas sem sintomas e cujo benefício do tratamento é incerto) tem sido alvo de muitas discussões e controvérsias e tem aparecido na literatura sob várias denominações, como pornoprevenção, prevenção quaternária, medicalização social, disease mongering e, mais recentemente, overdiagnosis. É um tema que precisa passar a efetivamente fazer parte da academia, sobretudo das disciplinas mais tradicionais da medicina, como ortopedia, ginecologia/obstetrícia, clínica cirúrgica, clínica médica e suas respectivas subespecialidades, uma vez que este tipo de problema é tanto mais frequente quanto mais especialização ocorre e, principalmente, quando especialistas são os médicos de primeiro contato com os pacientes. Esta é uma situação muito comum em nosso país, particularmente nos serviços de saúde suplementar e serviços particulares, embora também ocorra com grande frequência nos serviços públicos.

Quanto à questão do rastreamento do câncer de próstata em si, este estudo vem corroborar ainda mais a noção que, pouco a pouco, ganha mais adeptos ao redor de todo o mundo:,a de que o rastreamento não deve ser oferecido pelo médico de forma rotineira, como parte de um programa institucionalizado de rastreamento, mas sim discutido, mostrando os prós e os contras aos pacientes que procurem seu médico com esta demanda.

 

Glossário

Prevenção quaternária: termo muito utilizado no contexto da atenção primária para designar a atividade preventiva cujo objetivo é evitar a exposição de pacientes a intervenções desnecessárias (tanto preventivas como diagnósticas e terapêuticas) ou cujo balanço entre risco e benefício é muito desfavorável. Inclui também evitar a exposição desnecessária de pacientes a especialistas (função filtro), uma vez que o especialista no local errado do sistema de saúde (p. ex., na porta de entrada) pode causar mais malefício do que benefício. Assim, para exemplificar esta questão com os resultados do presente estudo, um urologista, especialista de extrema importância, não deve ser o médico de primeiro contato com pessoas que procuram os serviços de saúde, pois indicariam rastreamento de câncer de próstata de forma sistemática para seus pacientes. O especialista (no caso, o urologista) deveria receber dos generalistas pacientes que tenham uma probabilidade de doença mais elevada ou até tenham um diagnóstico que necessita de confirmação ou de uma intervenção terapêutica especializada. A discussão dos vários tipos de rastreamento de doenças deveria ser da alçada do generalista, uma vez que são pessoas sadias que procuram intervenções preventivas, e não pessoas doentes que necessitam de tratamentos altamente especializados.

 

Bibliografia

1.   Sandblom G, Varenhorst E, Rosell J, Löfman O, Carlsson P. Randomised prostate cancer screening trial: 20 year follow-up. BMJ. 2011 Mar 31;342:d1539. doi: 10.1136/bmj.d1539. [Link para Abstract] (Fator de impacto: 12.827).

2.   2.Andriole GL, Crawford ED, Grubb RL 3rd, Buys SS, Chia D, Church TR, et al. Mortality results from a randomized prostate-cancer screening trial. N Engl J Med. 2009 Mar 26;360(13):1310-9. Epub 2009 Mar 18.

3.   Schröder FH, Hugosson J, Roobol MJ, Tammela TL, Ciatto S, Nelen V, et al. Screening and prostate-cancer mortality in a randomized European study. N Engl J Med. 2009 Mar 26;360(13):1320-8. Epub 2009 Mar 18.

4.   Bill-Axelson A, Holmberg L, Filén F, Ruutu M, Garmo H, Busch C, et al. Radical prostatectomy versus watchful waiting in localized prostate cancer: the Scandinavian prostate cancer group-4 randomized trial. J Natl Cancer Inst. 2008 Aug 20;100(16):1144-54. Epub 2008 Aug 11.

Comentários

Por: Norberto Pastore Filho em 21/02/2012 às 11:23:44

"Muito bom, fica um ponto a ser discutido sobre fazer ou nao rastreamento. Hoje, há publicidade e incentivo aos homens para procurarem seu urologista aos 40 anos, nao há?"