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Teste de esforço em diabéticos

Devemos realizar teste de esforço (TE) em pacientes diabéticos assintomáticos?

 

Resposta ao teste de esforço máximo e mortalidade por doença coronariana em homens com diabetes mellitus.

Lyerly GW et al. Maximal Exercise Electrocardiography Responses and Coronary Heart Disease Mortality Among Men WithDiabetes Mellitus. Circulation. 2008;117:2734-2742 [Link Livre para o PubMed].

 

Fator de impacto da revista: 10,940

 

Contexto Clínico

            Pacientes diabéticos tem um risco 2 a 4 vezes maior de doença cardiovascular prematura e morte do que indivíduos sem diabetes. Logo, segundo os autores, um diagnóstico não invasivo de doença cardiovascular subclínica seria potencialmente importante, pois poderia indicar uma otimização das medidas de prevenção secundária nesta população de alto risco.

 

O Estudo

            2854 homens com diabetes sem doença cardiovascular conhecida (idade média de 49,5 anos) e que completaram um teste de esforço máximo entre os anos de 1974 e 2001 foram seguidos até 2003, com uma média de 16 anos de seguimento.

 

Resultados

            A análise multivariada (ajustes para idade, glicemia plasmática, tabagismo, índice de massa corpórea, hipercolesterolemia, hipertensão e história familiar de doença cardiovascular ou DM) mostrou um risco aumentado de mortalidade cardiovascular nos pacientes com teste de esforço duvidoso ou anormal, com risco relativo de mortalidade cardiovascular de 1,68 (IC 95% 1,01 a 2,77) e 2,21 (IC 95% 1,41 a 3,46) respectivamente.

 

Aplicação para a Prática Clínica

            Primeiramente, devemos lembrar as indicações mais aceitas para se realizar um TE em pessoas assintomáticas:

 

  • As principais sociedades de medicina preventiva são unânimes em recomendar contra o rastreamento em adultos de baixo risco cardiovascular, tão comuns nos check-ups de consultório.
  • Diabéticos que iniciarão programa de exercícios rigoroso provavelmente se beneficiam do TE, visto que um diabético tem risco cardiovascular semelhante a um doente com doença cardiovascular estabelecida.
  • TE também deve ser considerado em homens acima de 40-45 anos, mulheres acima de 50-55 anos ou pessoas com múltiplos fatores de risco cardiovascular que iniciarão atividade física rigorosa.
  •  

                Devemos então, baseado neste estudo, realizar teste de esforço em todos os diabéticos, mesmo naqueles que não planejam iniciar um programa de atividade física intensa?

     

                Não, este estudo não traz novas informações que corroborem este tipo de recomendação. Como ressaltado previamente, um diabético tem alto risco cardiovascular, semelhante a de um doente com doença cardiovascular estabelecida. Desta forma, a detecção de isquemia silenciosa não afetaria em nada a TERAPÊUTICA, que é toda dirigida para diminuição do risco cardiovascular, e que inclue controle pressórico e lipídico rigorosos, aspirina em baixas doses, suspensão de tabagismo, alimentação adequada e manutenção de um peso saudável, pois todas estas recomendações valem tanto para os pacientes com isquemia silenciosa quanto para os pacientes sem isquemia silenciosa. No caso do paciente desejar iniciar um programa de atividade física, aí sim um teste de esforço estaria indicado.

                Logo, este estudo (que é observacional) mostra que o teste de esforço tem valor prognóstico, ou seja, indica que diabéticos com TE positivo tem mortalidade maior do que os com TE negativo, mas isso não necessariamente implica que devamos realizar TE em diabéticos assintomáticos. Para que esta pergunta tenha uma resposta baseada em evidências, o ideal seria avaliar, num ensaio clínico randomizado em diabéticos assintomáticos, o efeito do TE sobre desfechos clínicos importantes como morbimortalidade cardiovascular e geral.

     

    Dicas de medicina baseada em evidências e epidemiologia

     

    Rastreamento de doenças

                O objetivo do rastreamento (também chamado de screening, check-up ou detecção precoce) é detectar doenças (ou fatores de risco para doenças) antes de sua manifestação clínica através de marcadores bioquímicos, exames de imagem e, mesmo, medidas antropométricas com o objetivo de mudar o curso natural da doença. Existe uma percepção muito disseminada, inclusive entre profissionais de saúde, de que diagnóstico precoce é sinônimo de melhor prognóstico, entretanto isto nem sempre é verdade. Ao lado de um potencial benefício de um diagnóstico precoce correm outras variáveis como a rotulação do paciente, efeitos adversos do método de rastreamento e do tratamento da suposta doença, ansiedade gerada pela detecção de uma doença assintomática, resultados falsos-positivos levando a investigações adicionais e tratamentos desnecessários e perigosos, resultados falsos-negativos levando a uma falsa segurança, e custos, que podem ser elevados a depender do tipo de rastreamento e tratamento em questão, reduzindo ainda mais os escassos recursos destinados à saúde.

                A disseminação de um grande número de testes com essa finalidade ganha espaço na prática médica contemporânea em decorrência de um sem número de fatores: pessoas leigas e a maioria dos médicos não estudiosos do assunto têm dificuldade de entender a ausência de benefício, ou mesmo a possibilidade de malefício, de alguns procedimentos diagnósticos em pessoas assintomáticas. Assim é importante frisar que rastreamento, mais até do que a prática investigativa habitual, deve ser baseado em evidências de melhor qualidade, inclusive com implicações éticas, uma vez que os malefícios potenciais do rastreamento recairão sobre indivíduos saudáveis assintomáticos.

    Há uma distinção entre teste de rastreamento e programa de rastreamento. Um teste de rastreamento é o teste inicial utilizado para se encontrar uma condição patológica. Um programa de rastreamento, entretanto, inclui o teste de rastreamento (por ex uma mamografia), os testes de seguimento para confirmar o teste inicial (biópsia de mama), e o tratamento para a condição encontrada (cirurgia, radioterapia, quimioterapia). Os testes de rastreamento em si não produzem nenhum benefício, mas têm potencial para produzir malefícios, que por vezes podem ser sérios. Desta forma, a unidade de análise deve ser o programa de rastreamento e não o teste em si.          Alguns pré-requisitos devem ser observados antes que um programa de rastreamento seja incorporado à prática clínica. Alguns destes requisitos dizem respeito a características do próprio teste, outros se referem a características da doença que se quer rastrear, o sistema de saúde deve apresentar os serviços e os recursos necessários para concluir o programa e não apenas oferecer o teste de rastreamento e, por último, deve preferencialmente haver evidências de boa qualidade de que o teste (utilizado dentro de um programa) reduz algum desfecho clínico importante, com custo e efeitos adversos toleráveis (tabela 1). Em relação à doença, é necessário que seja uma doença de alta prevalência e de impacto importante na saúde da população. Rastrear uma doença rara é contraproducente não só em termos de custo (o número de pacientes rastreados necessários para se diagnosticar 1 caso seria muito elevado) como também em termos de impacto na saúde da população. Por outro lado rastrear o resfriado comum, que é altamente prevalente, também é contraproducente, uma vez que é uma doença de rápida instalação e resolução espontânea. Em relação ao teste, é necessário que seja um teste com boa sensibilidade (para que não se deixem passar casos sem diagnóstico) e com razoável especificidade (caso contrário o número de falsos-positivos seria proibitivo). Além disso, o teste precisa ser razoavelmente simples, de baixo custo, de fácil acesso e sem grandes efeitos colaterais, para propiciar uma boa aderência. Rastrear uma doença através de um teste invasivo como uma angiografia ou uma laparoscopia provavelmente geraria mais malefícios do que benefícios. Por ultimo, deve haver boas evidências de que determinado teste aplicado em indivíduos assintomáticos tem a capacidade de fazer um diagnóstico precoce e que tal diagnóstico precoce irá representar um melhor prognóstico para o indivíduo rastreado. As melhores evidências nestes casos são provenientes de ensaios clínicos randomizados, desenhados para responder se o teste aplicado em assintomáticos diminui a incidência de desfechos clinicamente significantes, particularmente mortalidade. Evidências provenientes de estudos observacionais não controlados podem conter importantes vieses. A tabela 2 mostra algumas medidas utilizadas para avaliar a efetividade de programas de rastreamento.

     

    Tabela 1: Características de um programa de rastreamento ideal

    Características de doença

             Impacto significante sobre a saúde da população

             Período assintomático durante o qual a detecção é possível

             Melhor prognóstico com o tratamento instituído no período assintomático

    Características do teste

             Suficientemente sensível para detectar a doença durante a fase assintomática

             Suficientemente específico para minimizar os resultados falso-positivos

             Aceitável para os pacientes (simples e inócuo)

             Custo aceitável

    Características da população a ser rastreada

             Prevalência da doença suficientemente elevada para justificar o rastreamento

             Acesso adequado aos serviços de saúde relevantes

             Pacientes conscientes da provável necessidade de mais exames e tratamento

    Características do sistema de saúde

             Recursos e serviços disponíveis para levar o programa adiante

     

    Tabela 2: Medidas de efetividade do rastreamento

    Risco relativo e redução de risco relativo (RR e RRR)

    Ganho em expectativa de vida

    Custo por caso detectado

    Custo por vida salva

    Ganho em anos de vida ajustados por qualidade (QALYs)

    Número necessário para rastrear (NNR)*

    * indica o número de indivíduos que devem ser rastreados em determinado intervalo de tempo para se prevenir uma morte causada pela condição em questão.

                Na tentativa de avaliar com isenção todas as evidências relacionadas a exames de rastreamento, surgiram algumas forças-tarefas governamentais, particularmente a americana e a canadense (US Preventive Services Task Force - http://www.ahrq.gov/clinic/USpstfix.htm -  e Canadian Task Force - http://www.ctfphc.org/guide.htm ) que lançam recomendações baseadas na avaliação minuciosa dos estudos pertinentes. Ao contrário destas forças-tarefas, as sociedades de especialistas lançam diretrizes (guidelines) e recomendações que nem sempre são embasadas nos achados dos estudos disponíveis avaliados criteriosamente, levando a recomendações de inúmeros exames de pouca utilidade clínica, custo excessivo e, por vezes, causadores de desconforto e prejuízo aos pacientes. Nestes casos só se contribui para a medicalização social, que, em se tratando de rastreamento, é visível com a histeria dos “check ups completos” como sendo a salvação para todos os problemas de saúde.