FECHAR

MedicinaNET

Home

Diretriz – Manejo das Complicações Agudas da Anemia Falciforme

Contexto Clínico

Novas abordagens clínicas e tratamentos aumentaram a sobrevida de pacientes com doença falciforme. Ainda assim, a média de vida destes pacientes continua a ser de duas a três décadas a menos que o restante da população. Essa menor expectativa de vida é em parte devido a complicações agudas da doença falciforme. A complicação mais comum são as crises álgicas, conhecidas também como crises vaso-oclusivas agudas. Uma crise álgica falciforme é definida como a dor resultante de isquemia do tecido causado por vaso-oclusão mais comumente ocorrendo em ossos e na medula óssea.

Além das crises álgicas, outras complicações agudas comuns da doença falciforme incluem febre relacionada a infecções, injúria renal aguda (IRA), complicações hepatobiliares, anemia aguda, crise de sequestro esplênico, síndrome torácica aguda, acidente vascular cerebral, priapismo e condições oculares agudas, tais como oclusão da artéria central da retina.

Esta parte das diretrizes em doença falciforme apresenta recomendações para a avaliação e gestão destas complicações agudas comuns da doença falciforme.

O objetivo deste capítulo de diretrizes sobre pacientes com anemia falciforme é apresentar recomendações baseadas em evidências sobre o manejo das complicações agudas (exceto a crise álgica, disponível em outro texto) na doença falciforme. Para isso as seguintes perguntas foram respondidas:

Nas pessoas com anemia falciforme e injúria renal aguda, quais são as estratégias mais eficazes para reduzir a mortalidade e o risco de desenvolver doença renal terminal?

Em homens com anemia falciforme com priapismo agudo, que é a eficácia relativa entre tratamento conservador, tratamento farmacológico, transfusão e cirurgia sobre os resultados de detumescimento e incidência de impotência futura?

Nas pessoas com anemia falciforme, qual o manejo adequado de colelitíase e colecistite para resolver os sintomas e prevenir complicações peri-operatórias? Qual é a estratégia de tratamento mais eficaz para as pessoas com anemia falciforme que apresentam sequestro hepático agudo e colestase intra-hepática aguda para reduzir a mortalidade e resolver os sintomas?

Nas pessoas com anemia falciforme com anemia aguda e sequestro esplênico ou hiperesplenismo, quais são as estratégias mais eficazes para reduzir a mortalidade, corrigir a anemia e prevenir a recorrência?

Nas pessoas com anemia falciforme e síndrome torácica aguda, qual é o tratamento mais eficaz (entre transfusão simples, transfusão com troca, a terapia de suporte, esteroides e/ou antibióticos) para reduzir a mortalidade, resolver a dor e evitar a deterioração clínica?

Nas pessoas com anemia falciforme com AVC, qual é a estratégia mais eficaz de tratamento (transfusão, trombolíticos, hidroxiureia, ou outras terapias) para reduzir a mortalidade, preservar a função neurológica, e reduzir as taxas de recorrência?

Nas pessoas com anemia falciforme e sintomas oculares agudos, qual é a estratégia de manejo ideal para preservar a visão e evitar complicações oculares em longo prazo?

 

Diretrizes

Febre

Nas pessoas com anemia falciforme e uma temperatura maior ou igual a 38,5°C, avaliar imediatamente com história e exame físico, hemograma completo, contagem de reticulócitos, hemocultura (e urocultura quando houver infecção do trato urinário suspeita) (Consenso de Especialistas).

Em crianças com anemia falciforme e uma temperatura maior ou igual a 38,5°C, prontamente administrar antibióticos empíricos por via parenteral com cobertura para Streptococcus pneumoniae e organismos entéricos gram-negativos. Tratamento ambulatorial posterior usando um antibiótico oral é viável em pessoas com quadro leve (Consenso de Especialistas). 

Hospitalizar pessoas com anemia falciforme e uma temperatura maior ou igual a 39,5°C para observação e antibioticoterapia endovenosa (Consenso de especialistas).

Nas pessoas com anemia falciforme, cuja doença febril é acompanhada de falta de ar, taquipneia, tosse e/ou estertores, realizar as recomendações já descritas e obter um raio X de tórax imediato para investigar Síndrome Torácica Aguda (Consenso de Especialistas).

Pessoas febris com anemia falciforme que tiverem dor óssea localizada ou multifocal, especialmente quando acompanhada de eritema e edema, devem ter a hipótese de  osteomielite bacteriana no diagnóstico diferencial (Consenso de Especialistas).

 

Injúria Renal Aguda

No caso de um aumento agudo na creatinina sérica de maior ou igual a 0.3 mg / dL,

Monitorar a função renal diariamente, incluindo creatinina sérica e balanço hídrico (Consenso de Especialistas).

Evite potenciais drogas nefrotóxicas incluindo contrate iodado (Consenso de Especialistas)

Avaliar o paciente completamente para todas as etiologias potenciais em consulta com um nefrologista, conforme necessário (Consenso de Especialistas).

Não dê transfusões de sangue para tratar Injúria Renal Aguda a menos que haja outras indicações de transfusão (Consenso de Especialistas).

Use a terapia de substituição renal (por exemplo, hemodiálise), quando necessário para a injúria renal aguda (Consenso de Especialistas).

 

Priapismo

Para um episódio de priapismo com duração de 4 horas ou mais, iniciar intervenções que incluem:

Hidratação oral ou intravenosa vigorosa e a analgesia por via oral ou intravenosa (Recomendação Forte, evidência de baixa qualidade);

Consulta com um urologista para avaliar se é necessária outra intervenção para os sintomas que não remetem com o tratamento médico conservador inicial (Consenso de Especialistas).

Não use terapia de transfusão para tratamento imediato de priapismo associado com doença falciforme (Recomendação Moderada, evidência de baixa qualidade).

Consulte um hematologista para uma possível transfusão pré-operatória se for necessária a intervenção cirúrgica (Consenso de Especialistas).

 

Complicações Hepatobiliares

Trate colecistite aguda em crianças e adultos com anemia falciforme com antibióticos e peça avaliação cirúrgica (Consenso de Especialistas).

Tratar cálculos biliares assintomáticos com a espera vigilante em crianças e adultos com anemia falciforme. Em aqueles que desenvolvem sintomas específicos para cálculos biliares, tratar com colecistectomia. A abordagem laparoscópica é preferida se cirurgicamente viável e disponível (Forte recomendação, evidência de qualidade moderada).

Consulte um especialista em doença falciforme para uma possível transfusão pré-operatória se for necessária a intervenção cirúrgica (Consenso de Especialistas).

Em crianças e adultos com anemia falciforme e sinais e sintomas de sequestro hepático aguda ou colestase intra-hepática aguda, proporcionar hidratação, repouso, observação atenta e consultar um especialista em doença falciforme (Consenso de Especialistas).

Em crianças e adultos com anemia falciforme e is e sintomas de possível sequestro hepático agudo ou colestase intra-hepática aguda grave, obter consulta urgente com um especialista em doença falciforme para confirmação diagnóstica (Consenso de Especialistas).

Em crianças e adultos com anemia falciforme com diagnóstico confirmado de sequestro hepática aguda ou colestase intra-hepática aguda graves, realizar transfusão simples ou com troca (Consenso de Especialistas).

 

Anemia Aguda

Durante todas as doenças agudas em pessoas com anemia falciforme, obter uma contagem de reticulócitos e hemograma, repetir diariamente em todos os pacientes internados, e comparar os resultados com as medições anteriores do paciente (Consenso de Especialistas).

Avaliar as pessoas com anemia falciforme, cuja concentração de hemoglobina é de 2 g/dL ou mais abaixo da sua linha de base (ou menos de 6 g / dL, quando a linha de base é desconhecida) para a possibilidade de sequestro esplênico agudo, um episódio aplástico, uma reação hemolítica transfusional tardia, síndrome torácica aguda, e infecção (Consenso de Especialistas).

Use transfusão simples em pessoas com anemia falciforme e anemia aguda, cujos sintomas são devidos a anemia (Consenso de Especialistas).

Realize hemograma e contagem de reticulócitos prontamente e de novo 7 a 10 dias mais tarde, em irmãos e outros com doença falciforme que estão expostas a uma pessoa com um episódio aplástico (Consenso de Especialistas).

Gerenciar evento aplástico com transfusão de glóbulos vermelhos imediata com objetivo de restabelecer a hemoglobina a um valor seguro (não necessariamente de base). O isolamento de pacientes hospitalizados (precauções de gotículas) é necessária para impedir a propagação do parvovírus B19 para as mulheres grávidas e os outros com doença falciforme ou imunidade comprometida (Consenso de Especialistas).

 

Sequestro Esplênico

Em pessoas com hipovolemia devido a sequestro esplênico agudo grave, fornecer imediatamente ressuscitação volêmica (Recomendação Forte, evidência de baixa qualidade).

Em consenso com um especialista em doença falciforme, realize transfusão para pacientes que têm sequestro esplênico agudo com anemia grave para aumentar a hemoglobina para um nível estável, evitando o excesso de transfusão (Recomendação Forte, evidência de baixa qualidade).

Em consenso com um especialista em doença falciforme, avalie a indicação de esplenectomia em pessoas com o sequestro esplênico agudo recorrente ou hiperesplenismo sintomático (Recomendação Moderada, evidência de baixa qualidade).

 

Síndrome Torácica Aguda

Avaliar as pessoas com anemia falciforme que desenvolverem manifestações agudas de trato respiratório (tosse, falta de ar, taquipnéia, retrações, ou pieira) com ou sem febre para a possibilidade de Síndrome Torácica Aguda. Isto deve incluir um raio X de tórax e medição da saturação de oxigênio por oximetria de pulso (Consenso de Especialistas).

Hospitalizar pessoas com Síndrome Torácica Aguda (Consenso de Especialistas).

Tratar as pessoas com anemia falciforme que têm Síndrome Torácica Aguda com uma cefalosporina intravenosa, um antibiótico macrolídeo oral, oxigênio suplementar (para manter a saturação de oxigênio superior a 95%), e acompanhar continuamente sintomas de broncoespasmo, anemia aguda e hipoxemia. (Recomendação Forte, evidência de baixa qualidade).

Em pessoas com anemia falciforme, dar transfusão de sangue simples (10 ml / kg de glóbulos vermelhos), para melhorar a capacidade de transporte de oxigênio para as pessoas com síndrome torácica aguda sintomática cuja hemoglobina esteja pelo menos 1,0 g / dL abaixo da linha de base. Se hemoglobina basal é de 9 g / dl ou mais, a transfusão de sangue pode não ser necessária (Recomendação Fraca, evidência de baixa qualidade).

Em pessoas com doença HbSC ou HbS ß+ talassemia com síndrome torácica aguda, as decisões sobre a transfusão devem ser feita em consenso com um especialista em doença falciforme. (Recomendação Forte, evidência de baixa qualidade).

Em todas as pessoas com anemia falciforme, realizar transfusão com troca de urgência quando houver uma progressão rápida da síndrome torácica aguda manifestada por saturação de oxigênio abaixo de 90% mesmo com oxigênio suplementar, aumento do desconforto respiratório, infiltrado pulmonar progressivo e / ou diminuição na concentração de hemoglobina a despeito de transfusão (Recomendação Forte, evidência de baixa qualidade).

Estimular o uso de espirometria de incentivo, enquanto acordado. (Forte recomendação, evidência de qualidade moderada).

 

Acidente Vascular Cerebral

Nas pessoas com anemia falciforme que se apresentam com dor de cabeça grave, alteração do nível de consciência, convulsões, problemas de fala e / ou paralisia, avaliar a possibilidade de AVC, peça avaliação neurológica e faça uma tomografia computadorizada (TC) de crânio, seguida por ressonância magnética (RM) ou angiografia por ressonância magnética (ARM), se disponível (Consenso de Especialistas).

Em consulta com um especialista em doença falciforme, realize transfusão de troca em pessoas com anemia falciforme que desenvolvem AVC confirmado por neuroimagem (Consenso de Especialistas).

Iniciar pronta avaliação, o que inclui consulta neurológica e realização de neuroimagem, em pessoas com anemia falciforme que têm sinais ou sintomas consistentes com ataque isquêmico transitório (Consenso de Especialistas).

Em crianças e adultos que tiveram um acidente vascular cerebral, iniciar um programa de transfusões mensais. (Força moderada, evidência de baixa qualidade).

Em crianças e adultos que tiveram um acidente vascular cerebral, se não for possível implementar um programa de transfusão, iniciar a terapia com hidroxiureia. (Força moderada, evidência de baixa qualidade).

 

Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas (DMOS)

Nas pessoas com anemia falciforme que apresentam deterioração grave durante uma crise vaso-oclusiva, imediatamente avaliar a possibilidade de DMOS (Consenso de Especialistas).

Em pessoas com anemia falciforme e insuficiência respiratória, dar suporte respiratório com oxigenação suplementar e ventilação mecânica quando necessário (Consenso de Especialistas).

Use a terapia de substituição renal (por exemplo, hemodiálise), quando necessário para a injúria renal aguda (Consenso de Especialistas).

Nas pessoas com anemia falciforme e DMOS, iniciar imediatamente transfusão simples ou com troca em consenso com um especialista em doença falciforme ou hematologista (Consenso de Especialistas).

 

Condições Oculares Agudas

Examinar imediatamente para procurar hifema em qualquer pessoa com anemia falciforme que se apresenta com trauma ocular. Se hifema estiver presente, consulte imediatamente um oftalmologista para condução do caso (Consenso de Especialistas).

Encaminhe prontamente pacientes com doença falciforme que tenham sinais e sintomas como protrusão do olho, alterações na acuidade visual (flashes ou fosfemas) e perda unilateral ou bilateral de visão para um oftalmologista capaz de realizar um exame de fundo de olho para avaliar a acuidade visual, a pressão intra-ocular, e a periferia da retina (Consenso de especialistas)

Conduza complicações oculares agudas em conjunto com um oftalmologista, um hematologista, ou outros especialistas com experiência em doença falciforme (Consenso de especialistas).

 

Bibliografia

Yawn BP et al. Management of sickle cell disease: Summary of the 2014 evidence-based report by expert panel members. JAMA 2014 Sep 10; 312:1033 (link para o artigo).

 

Evidence-Based Management of Sickle Cell Disease. Expert Panel Report, 2014. U.S. Department of Health & Human Services. National Institutes of Health. Disponível em: http://www.nhlbi.nih.gov/health-pro/guidelines/sickle-cell-disease-guidelines/