Paciente de 47 anos do sexo masculino, com antecedente de diabetes melito em uso de glibenclamida 10 mg/dia, e HAS em uso de hidroclorotiazida 25 mg/dia, iniciou na madrugada com quadro de dor intensa na articulação de primeiro metatarso de membro inferior direito, com edema e hiperemia local.
Paciente com quadro de monoartrite em primeira articulação metatarsofalângica, com instalação súbita de aparecimento noturno, em pacientes com fatores de risco como diabetes melito e em uso de tiazídico leva a pensar obrigatoriamente no diagnóstico de artrite gotosa, em uma situação em que o diagnóstico é de tal probabilidade que diagnósticos diferenciais, no caso, são de muito baixa probabilidade.
A gota é uma doença antiga, conhecida e descrita primeiramente por Hipócrates no século V a.C; Galeno descreveu os tofos. A doença é caracterizada pela deposição de cristais de monourato de sódio decorrente do aumento dos níveis de ácido úrico em articulações, tecidos periarticulares, tecido subcutâneo e rins, levando a processo inflamatório.
É uma afecção relativamente comum, com incidência de 0,2 a 0,35 a cada mil habitantes e prevalência de 5 a 28/1.000 homens e 1 a 6/1.000 mulheres. Predomina no sexo masculino (95%), numa proporção de 20:1, e aumenta com a idade, predominando entre 40 e 60 anos de idade e em negros, possivelmente associado à hipertensão. Em países ocidentais desenvolvidos, por exemplo, a prevalência é de pelo menos 1% dos homens adultos. Existe uma tendência hereditária nos casos de gota. Os valores de ácido úrico são relacionados com o risco de desenvolver gota; em pacientes com concentração de ácido úrico maior que 9 mg/dL, é de cerca de 4,9%.
São preditores do desenvolvimento de gota:
valores da uricemia;
HAS;
uUso de diuréticos tiazídicos e de alça;
obesidade;
ingesta alcoólica importante.
O ácido úrico quase sempre é presente na forma de monourato monossódico, que se mantém em concentração sérica aproximada de 7 mg/dL. Sua eliminação renal tem 4 componentes:
filtração glomerular;
reabsorção tubular;
secreção tubular;
reabsorção em outros locais alem do túbulo.
Cerca de 90% dos casos de gotas se devem à hiperuricemia decorrente da hipoexcreção renal do ácido úrico associados a um defeito tubular, e os 10% restantes são causados pelo aumento da síntese de ácido úrico (defeitos enzimáticos, alto turnover e dieta rica em purinas). As condições que geram a hiperuricemia estão relacionadas na Tabela 1. Esse excesso de cristais no sangue e no líquido sinovial ultrapassa o limiar de solubilidade e se precipita; então, ele é fagocitado e, a partir disso, inicia-se uma cadeia de eventos inflamatórios dentro da articulação, que se configura como sua expressão máxima (artrite gotosa).
Tabela 1: Condições associadas à hiperuricemia
Hipoexcreção |
Aumento da síntese |
Endócrinas: obesidade, hipotireoidismo, cetoacidose diabética, diabetes insípido, hiperparatireoidismo |
Hereditários: deficiência de G6PD e HGPRT (síndrome de Lesch-Nyhan) e hiperprodução de PRPP |
Drogas: diuréticos, ciclosporina, etanol, salicilatos em alta dose, pirazinamida, etambutol, laxativos |
Doenças: psoríase, hemólise, policitemia vera, mieloproliferativas, obesidade, glicogenose III, V e VII, síndrome de lise tumoral |
Renais: insuficiência renal crônica, síndrome de Bartter, desidratação, HAS, restrição salina, doença renal policística |
Drogas: etanol, warfarina, vitamina B12, frutose, ácido nicotínico, citotóxicos |
Miscelânea: toxemia gravídica, síndrome de Down, sarcoidose, acidose lática |
|
A concentração do ácido úrico depende do equílibrio entre a produção e a excreção de uratos. Quando essa concentração aumenta, pode ocorrer deposição dos cristais de monourato de sódio, resultado do aumento da saturação de ácido úrico nos líquidos orgânicos. Em média, é necessário excretar 700 mg/dia de ácido úrico em 24 horas para poder manter a concentração do ácido úrico em níveis que impliquem risco de levar à deposição.
Caracteriza-se por níveis elevados de ácido úrico sérico (> 7 mg/dL). Quando os níveis da uricemia aumentam, a solubilidade do ácido úrico se reduz e aumenta progressivamente a possibilidade dele se depositar nos tecidos sob a forma de cristais.
Indivíduos hiperuricêmicos têm maior chance de desenvolver gota que normouricêmicos, porém a maioria permanece assintomática, não necessitando de nenhuma medida terapêutica. Assim, na ausência de uma causa inequívoca causadora da hiperuricemia, como neoplasias e doenças mieloproliferativas e manifestações como artrite gotosa, não se deve considerar a hiperuricemia como doença com necessidade de intervenção. Por outro lado, sugere-se que níveis de ácido úrico = 13 mg/dL devam ser tratados, pois há risco de complicações (nefrite intersticial).
Outro grupo de risco são pacientes com hiperuricemia e excreção de ácido úrico nas 24 horas maior que 1.100 mg. Sabe-se que tais pacientes têm risco acima de 50% de desenvolver cálculos urinários, o que justificaria intervenção nesta população. Por outro lado, sabe-se que pacientes com insuficiência cardíaca grave pode desenvolver hiperuricemia marcante associada à hipoperfusão renal; tais pacientes apresentam baixa expectativa de vida e não é justificada a intervenção neste grupo. Outro subgrupo com indicação de intervenção são pacientes que serão submetidos a quimioterapia citotóxica com alto risco de desenvolver síndrome de lise tumoral; neste caso, o uso de alopurinol ou rasburicase associada à hidratação é indicado.
A descrição clássica da gota é a crise de artrite noturna monoarticular da primeira articulação metatarsofalângica (podagra) extremamente dolorosa, com duração de 5 a 7 dias, mas com maior intensidade da dor nas primeiras 12 horas. Presença de calor, edema e eritema na articulação são frequentes e, por vezes, a hiperemia articular pode ser confundida com quadro de celulite. Sintomas sistêmicos como febre, calafrios e mal-estar são descritos em alguns pacientes. Em seguida, com a evolução da doença, as articulações tarsometatarsais, tornozelos, joelhos, punhos, dedos e cotovelos são acometidas nessa ordem de frequência. Alguns fatores podem desencadear a crise aguda, tais como a ingesta de álcool e de excesso de purina, exercícios, desidratação, trauma, cirurgia e radioterapia.
Após a crise aguda, o paciente pode entrar no período intercrítico, que tem duração variável e imprevisível. Caso não receba tratamento adequado, as crises tendem a ser oligoarticulares e, a seguir, poliarticulares, com menores intervalos intercríticos até o momento em que se tornam uma condição poliarticular crônica, inclusive com destruição das estruturas articulares.
Os rins são um dos órgãos mais atingidos pela deposição dos cristais, sendo o acometimento extra-articular mais comum nessa doença. Os achados podem variar desde a nefrolitíase por urato em 33% dos casos até precipitação intratubular com oclusão do lúmen (nefropatia aguda por urato) e comprometimento do interstício (nefropatia por urato).
Causa importante de insuficiência renal aguda oligúrica, ocorre principalmente em pacientes com síndrome de lise tumoral, que ainda apresenta entre suas manifestações acidose, hipercalemia, hipocalcemia e hiperfosfatemia. Esses pacientes podem apresentar diminuição rápida do fluxo urinário em virtude da obstrução intraluminal do néfron distal e da dilatação dos túbulos proximais. A precipitação de ácido úrico também ocorre na vasa recta, causando lesões ao néfron distal.
Deve-se ainda lembrar da associação entre gota e hiperuricemia com a síndrome metabólica; portanto, existe uma associação de indivíduos gotosos com hipertensão arterial, diabetes, intolerância à glicose, resistência à insulina e dislipidemia.
O diagnóstico de gota é baseado numa conjunção de achados:
1. História: monoartrites sucessivas, acometimento da podagra, sexo masculino, idade acima de 40 anos, história familiar de gota e urolitíase.
2. Hiperuricemia acima de 7 mg/dL.
3. Cristais de monourato de sódio em tofos, líquido sinovial e sinóvia. É o dado que sela o diagnóstico.
4. Quadro radiográfico sugestivo, principalmente cistos e erosões em “saca-bocado”.
Os seguintes critérios para o diagnóstico propostos pelo American College of Reumathology são mostrados na Tabela 2.
Tabela 2. Critérios diagnósticos do American College of Reumathology
Critérios maiores |
Critérios menores |
Presença de cristais de urato no líquido sinovial durante crise aguda de artrite |
Inflamação articular súbita |
Presença de tofos |
Mais de uma crise de artrite aguda |
|
Acometimento monoarticular |
|
Rubor local |
|
Acometimento de primeira articulação metatarsofalângica |
|
Acometimento de primeira articulação metatarsofalângica unilateral |
|
Comprometimento tarsal unilateral |
|
Suspeita da presença de tofos |
|
Hiperuricemia |
|
Edema articular simétrico à radiografia |
|
Cistos subcondrais sem erosões vistos à radiografia |
|
Cultura de líquido sinovial negativa na vigência de crise |
A presença de um critério maior ou 6 critérios menores confirma o diagnóstico. Alguns autores já propuseram outros achados de história como critérios para o diagnóstico retrospectivo de gota, incluindo: história de 1 ou mais ataques de monoartrite seguidos de período intercrítico, tempo com máximo de inflamação dentro de 24 horas, resolução rápida dos sintomas com colchicina, primeiro ataque em podagra unilateral, lesão sugestiva de tofo, hiperuricemia e lesões císticas subcondrais em exame de imagem.
Na fase aguda da gota, o principal diagnóstico diferencial é com artrite infecciosa e com outras artropatias por cristais (pirofosfato, oxalato). Na fase de oligoartrite, merece ser diferenciada das artropatias soronegativas.
Na fase crônica, deve ser diferenciada das outras condições reumatológicas que cursam com poliartrite crônica, tal como a artrite reumatoide.
A dosagem no soro de ácido úrico varia de acordo com o sexo, sendo considerado normal nas mulheres até 6,5 mg/dL e até 7 mg/dL nos homens. A dosagem é importante para avaliar a necessidade de terapia hipouricemiante. O diagnóstico de gota hipoexcretora ou hiperprodutora é feito levando-se em consideração a excreção urinária e o clearance de ácido úrico. Em geral, excreta-se de 300 a 800 mg em 24 horas, dando um clearance medido acima de 6,5 mL/min. Habitualmente, quando este valor está acima de 7,5mL/min e excreta em número absoluto acima de 1 g/dia, tem-se o diagnóstico de gota hiperprodutora, e quando este encontra-se abaixo de 5 mL/min ou de 300 mg/dia, o de hipoexcretora, desde que o paciente não esteja tomando medicações que afetem esse balanço do ácido úrico.
Durante a crise de gota, podem existir leucocitose e elevação das proteínas de fase aguda, além de elevação da proteína C reativa e da velocidade de hemossedimentação.
Por conta do comprometimento renal e do sistema coletor na gota, é importante avaliar por meio da dosagem da creatinina.
A artrocentese com a análise do líquido sinovial é o exame definitivo para o diagnóstico e deve ser realizada quando possível para o diagnóstico. Em geral, nota-se um líquido de aspecto inflamatório, ou seja, turvo, com viscosidade reduzida, acima de 2.000 células com predomínio de polimorfonucleares, podendo ser acima de 50.000 células. O diagnóstico diferencial que se impõe nessas condições é o de artrite séptica. Entretanto, a cultura e o Gram são negativos e o que sela o diagnóstico é a presença de cristais em forma de agulha com birrefringência negativa à luz polarizada. Essa mesma análise pode ser feita na punção de um tofo.
Em fases iniciais, podem não ocorrer alterações radiográficas. Já na fase aguda, pode haver edema de partes moles nas articulações afetadas. Quando a doença se torna crônica, podem-se evidenciar erosões ósseas marginais denominadas lesões em “saca-bocado”, cistos com margem esclerótica (imagem em concha) e, de modo interessante, espaço articular e densidade óssea preservados. Tardiamente, pode-se observar estreitamento articular, osteófito, anquilose e osteopenia. A ultrassonografia dos rins e das vias urinárias deve ser utilizada visando a detectar a presença de nefrolitíase por cálculos de ácido úrico.
A suspeita deve ser realizada em pacientes com alto risco (obesos, hiperuricêmicos, em uso de quimioterapia citotóxica), que desenvolvem quadro de oligúria e perda de função renal associada a níveis aumentados de ácido úrico com presença abundante de ácido úrico e cristais no sedimento urinário. Em adultos, pode ser útil a relação do ácido úrico urinário/creatinina urinária maior que 1, que é sugestiva de nefropatia por ácido úrico.
A excreção urinária de ácido úrico é rotineiramente diminuída em pacientes com outras causas de insuficiência renal; por outro lado, as concentrações séricas de ácido úrico não são preditivas de nefropatia aguda por urato.
Não existe dieta específica para o paciente com gota, porém é importante evitar os excessos alimentares. Caso exista algum tipo de alimento que individualmente desencadeia crises, o indivíduo deve evitá-lo; dieta pobre em purinas muitas vezes não é palatável. Um estudo demonstrou que dieta com poucos carboidratos, desenvolvida para melhora de síndrome metabólica, conseguiu diminuir a uricemia em 17%. A redução do peso na obesidade reduz per si os níveis de ácido úrico. Deve-se combater o etilismo (álcool aumenta a produção e reduz a secreção do urato) e controlar as outras comorbidades presentes nos pacientes gotosos. Importante ressaltar a retirada de medicações que geram a hiperuricemia, exceto naqueles casos em que tais fármacos sejam essenciais. Medicações como tiazídicos, diuréticos de alça e ciclosporina devem, se possível, ser descontinuados.
As crises agudas de gota podem ser tratadas com anti-inflamatórios não hormonais (AINH), sejam tradicionais ou seletivos para a Cox-2, obtendo-se uma resposta comparável de ambos, como demonstrado em um estudo comparando a indometacina com o etoricoxibe. A corticoterapia oral (prednisona 20 a 40 mg/dia), intra-articular (triancinolona 20 a 40 mg), intramuscular (betametasona ou trianmcinolona) ou intravenosa (dexametasona 4 a 6 mg) pode ser utilizada, principalmente naqueles casos em que o uso de AINH é contraindicado. A colchicina foi bastante utilizada no passado para controle agudo, porém, em razão de seus efeitos colaterais e da dificuldade na posologia, está sendo cada vez mais abandonada para essa indicação. A dose da colchicina é de 1,5 a 3 mg por 3 a 6 dias, e os efeitos colaterais incluem náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal em cólica; o aparecimento destes sintomas indica suspensão ou redução da medicação.
Alguns estudos demonstraram benefício similar e, às vezes, até um pouco superior aos dos anti-inflamatórios com o uso de cortrosina. Pacientes com artrite gotosa atingindo 1 a 2 articulações podem ter benefício com corticoide intra-articular. O uso de opioides é uma opção em pacientes refratários, mas não existem estudos controlados para validar tal alternativa.
O tratamento da hiperuricemia leva em consideração que, em 90% dos casos, a hipoexcreção é a justificativa fisiopatológica, sendo racional o uso de uricosúricos como base do tratamento. A benzbromarona (Narcaricina®), disponível em comprimidos de 100 mg, é uma medicação barata, eficiente e disponível no Brasil. Inicia-se com 25 mg/dia numa única tomada diária e pode-se elevar conforme a resposta do paciente até 200 mg/dia, sempre monitorando o ácido úrico sérico e o urinário, além de efeitos colaterais que são essencialmente crises de nefrolitíase e, mais raramente, alterações hepáticas. A probenecida e a sulfimpirazona também agem como uricosúricos.
No caso de indivíduos hiperprodutores, o alopurinol (um inibidor da síntese de ácido úrico) é utilizado. No Brasil, comprimidos de 100 e 300 mg estão disponíveis. Sua dosagem varia de 100 a 600 mg/dia sendo possível uma única tomada diária. Deve-se ressaltar que tal medicação apresenta uma série de efeitos colaterais hepáticos, hematológicos, renais e alérgicos que devem ser vigiados. Deve-se ainda ressaltar que não existem estudos que indiquem que a abordagem com drogas uricosúricas seja superior ao uso de alopurinol. Mesmo em pacientes hipoexcretores, vale lembrar que insuficiência renal e antecedente de calculose por cálculo de ácido úrico é contraindicação para a terapia uricosúrica.
Ressalta-se que, durante o período de crise da gota, as medicações que atuam reduzindo os níveis séricos de ácido úrico não devem ser suspensas ou introduzidas, pois podem agravar a crise.
Para o período intercrítico e associadamente às medicações de base (benzbromarona e alopurinol), a colchicina é utilizada na dosagem de 1 a 2 mg/dia durante 6 meses desde o último episódio crítico, como profilaxia de crises.
Em pacientes com nefropatia aguda por ácido úrico, é importante manter pH alcalino com solução bicarbonatada. Alopurinol pode ser utilizado, mas drogas uricosúricas são contraindicadas. É descrito o uso de uricase, que é uma droga uricolítica, e seu uso pode ser superior ao alopurinol.
Assim, no paciente deste caso, a abordagem inicial seria a punção do líquido sinovial. Confirmando-se o diagnóstico, os AINH são a primeira opção para o tratamento.
São substâncias anti-inflamatórias, analgésicas e agentes antipiréticos usados para reduzir a dor e o edema e melhorar a função em pacientes com as mais diferentes formas de artrite. No entanto, tais drogas nunca demostraram alterar a história natural de qualquer doença. Existem pelo menos 20 diferentes anti-inflamatórios disponíveis para o uso. Atualmente, os inibidores específicos da cicloxigenase-2 (COX-2) estão disponíveis com eficácia semelhante, mas com significante diminuição das manifestações gastrintestinais e efeitos plaquetários.
O mecanismo primário de ação do AINH é a inibição da síntese de prostaglandina. Eles inibem especificamente a cicloxigenase, reduzindo a conversão do ácido araquidônico em prostaglandina. Existem pelo menos duas isoformas de enzimas COX e elas diferem sobretudo na sua regulação e expressão. A COX-1 é expressa constitutivamente na maioria dos tecidos e é inibida por todos os AINH em vários graus. A outra isoforma, COX-2, é uma enzima induzível, geralmente não detectável na maioria dos tecidos. Sua expressão é aumentada nos estados de inflamação ou experimentalmente em resposta a estímulo mitogênico. Acredita-se que a eficácia clínica dos AINH decorra de seus efeitos na COX-2, enquanto a maioria dos efeitos tóxicos é secundária à inibição da COX-1.
Lesão da mucosa gastrintestinal, rash, nefrite intersticial, insuficiência renal aguda (IRA), necrose papilar, inibição da agregação plaquetária (irreversível pelo AAS), hepatotoxicidade (tanto hepatocelular quanto colestática), pancreatite (AAS e sulindaco), cefaleia, zumbido e tonteiras, meningite asséptica (ibuprofeno), rinite e asma em atópicos (AAS), HAS, descompensação de ICC, toxicidade da medula óssea (fenilbutazona).
Úlcera péptica ativa, insuficiência renal, ICC e hepatopatia.
Tabela 3: Drogas anti-inflamatórias não hormonais
AINH |
Nome comercial |
Dose habitual |
Uso aprovado pelo FDA |
Classificação na gravidez | |
Ácido carboxílico |
Vários |
500 mg |
AR, OA, EA, AIJ, RPM |
C; D se dose alta no 3º trimestre | |
Aspirina |
2,4 a 6 g/24 h 4 a 5 vezes/dia | ||||
Ácido propiônico Ibuprofeno |
Motrin®, Ibuprofeno® |
600, 800 mg; máx.: 3.200 mg/dia |
AR, OA, AIJ |
B; D (3º trimestre) | |
Naproxeno |
Naprosin®, Flanax® |
250, 500 mg 2 vezes/dia; máx.:1.500 mg/dia |
AR, OA, AIJ, RPM |
B; D (3º trimestre) | |
Cetoprofeno |
Profenid® |
75 mg 3 vezes/dia |
AR, OA |
B; D (3º trimestre) | |
Derivados do Ácido Acético Indometacina |
Indocid® |
25, 50 mg 3 a 4 vezes/dia; máx.: 150 mg/d |
AR, OA, G, EA |
B; D (uso por mais de 48 h ou em mais de 34 semanas de gravidez) | |
Sulindaco |
Clinoril® |
150, 200 mg 2 vezes/dia |
AR, OA, AS, RPM, G |
B; D no termo | |
Diclofenaco |
Voltaren® |
50 mg 3 vezes/dia, 75 mg/dia |
AR, OA, EA |
B; D (3º trimestre) | |
Ácido Enólico Piroxicam |
Feldene® |
10, 20 mg /d |
AR, OA, |
B; D (3º trimestre) | |
Fenilbutazona |
Butazona® |
100 mg 2 vezes/dia; máx.: 600 mg/dia |
EA, G | ||
Meloxicam |
Movatec® |
7,5 mg/dia; máx.: 15 mg/dia |
OA, AR | ||
Fenamato Ácido mefenâmico |
Ponstan® |
250 mg 4 vezes/dia |
AR, OA |
C | |
Inibidores de COX-2 Rofecoxibe |
Vioxx® |
25 mg/dia; máx.: 50 mg/dia |
OA |
C; D (mais de 34 semanas) | |
Celecoxibe |
Celebra® |
100 a 200 mg/dia |
OA, AR | ||
Etoricoxibe |
Arcoxia® |
90 a 120 mg/dia |
OA | ||
Valdecoxibe |
Bextra® |
10 a 20 mg/dia |
OA | ||
AR: artrite reumatoide; OA: osteoartrite, EA: espondilite anquilosante; G: gota; AIJ: artrite idiopática juvenil.
Perfil hepático e renal, hemograma. Profilaxia de lesão de mucosa gastrintestinal em indivíduos de risco (mais de 60 anos de idade, uso concomitante de corticoides e anticoagulantes, passado de úlcera péptica) com inibidores de bomba de prótons, famotidina ou misoprostol.
Varia de acordo com a droga. Elas são contraindicadas principalmente no último trimestre da gravidez e no trabalho de parto.
São substâncias naturalmente produzidas pelo córtex das adrenais, derivam do colesterol e, por uma série de reações enzimáticas, chegam ao cortisol ou hidrocortisona, cuja produção diária basal está em torno de 20 mg/dia.
Genômico e não genômico. O mecanismo genômico se faz pela interação esteroide-receptor de esteroide no núcleo celular, por meio do bloqueio ou facilitação da transcrição para a síntese proteica de dezenas de substâncias importantes, por exemplo, para o processo inflamatório. A ação não genômica se dá pela alteração das propriedades físico-químicas das membranas celulares, estabilizando, por exemplo, a membrana dos eritrócitos na anemia hemolítica autoimune. O primeiro mecanismo despende mais tempo para início da sua atuação, já que requer síntese proteica; o segundo se faz em minutos.
Praticamente em quase todas as enfermidades reumatológicas, com rápido início de ação. Droga altamente eficaz, no entanto, deve ser utilizada na menor dose possível e por tempo necessário, ambos pré-estabelecidos em razão de seus efeitos colaterais.
Concomitantemente ao uso de esteroides, deve-se administrar pelo menos cálcio (mínimo de 1 g/dia) e vitamina D (mínimo de 400 UI/dia). A densitometria óssea pode estar indicada no início do tratamento e a cada 6 meses ou anualmente durante o uso do corticoide.
Até 0,3 mg/kg/dia (dose baixa), 0,4 a 0,9 mg/kg/dia (dose moderada) e 1 a 2 mg/kg/dia (dose alta), de prednisona ou prednisolona. Deve-se utilizar a tabela de equivalência de doses para os outros corticoides (Tabela 4).
Tabela 4: Equivalências sistêmicas dos corticoides
Glicocorticoide |
Classificação na Gravidez |
Dose Equivalente (mg) |
Potência Anti-inflamatória Relativa |
Potência Mineralocorticoide Relativa |
Ligação Proteica (%) |
Meia-vida Plasmática (min) |
Meia-vida Biológica (h) |
Ação Rápida | |||||||
Cortisona |
D |
25 |
0,8 |
2 |
90 |
30 |
8 a 12 |
Hidrocortisona |
C |
20 |
1 |
2 |
90 |
80 a 118 |
8 a 12 |
Ação Intermediária | |||||||
Metilprednisolona |
- |
4 |
5 |
0 |
- |
78 a 188 |
18 a 36 |
Prednisolona |
B |
5 |
4 |
1 |
90 a 95 |
115 a 212 |
18 a 36 |
Prednisona |
B |
5 |
4 |
1 |
70 |
60 |
18 a 36 |
Triancinolona |
C |
4 |
5 |
0 |
- |
200+ |
18 a 36 |
Ação Longa | |||||||
Betametasona |
C |
0,6 a 0,75 |
25 |
0 |
64 |
300+ |
36 a 54 |
Dexametasona |
C |
0,75 |
25 a 30 |
0 |
- |
110 a 210 |
36 a 54 |
Mineralocorticoide | |||||||
Fludrocortisona |
C |
- |
10 |
125 |
42 |
210+ |
18 a 36 |
Oral, intravenosa, intramuscular, intra-articular, intralesional, retal e tópica (cutânea, ocular e otológica).
Nas situações de emergência com risco de morte, de gravidade ou falha na terapêutica habitual são utilizados os corticoides na forma de pulsoterapia. Ou seja, são administradas doses elevadas em curto período (geralmente 3 dias). Utilizam-se, por essa via, de imediato, os mecanismos não genômicos de atuação dos corticoides.
A metilprednisolona é o fármaco mais utilizado e com grande experiência e comprovação nos trials clínicos.
A dose indicada é de 1 g/dia durante 3 dias (10 a 30 mg/kg/dia). Deve ser administrada diluída em solução fisiológica ou glicosada (500 mL, no mínimo em 250 mL). O tempo mínimo de administração é de 3 horas.
Metilprednisolona frascos-ampolas de 40 mg, 125 mg, 500 mg e 1.000 mg (Solu-Medrol®).
Quando não estão sob controle clínico, hipertensão arterial sistêmica, infecção atual, hiperglicemia e distúrbios hidroeletrolíticos passam a ser contraindicações relativas ao uso do corticoide.
HAS, hipotensão, retenção hídrica, extrassístoles, ritmo juncional, bradicardia sinusal, rubor facial, convulsão, euforia, alucinações e cefaleia. Raramente, EAP e até morte súbita.
Ivermectina (200 mcg/kg/dia por 2 dias); albendazol (400 mg/dia por 3 dias) ou tiabendazol (25 mg/kg 2 vezes/dia, por 2 dias).
Deve-se afastar quadro infeccioso bacteriano e tuberculose. Caso haja suspeita, realizar radiografias de tórax. Profilaxia com isoniazida (400 mg/dia), durante o uso de corticoterapia em dose elevada permanece um tema controvertido, devendo-se pesar os riscos do uso dos tuberculostáticos para a profilaxia.
Antes da realização de pulsoterapia, o estado cardiovascular do indivíduo deve ser conhecido e estável. Caso haja desequilíbrio hidroeletrolítico, este deve ser corrigido antes da infusão. Se for possível, é desejável fazer a monitoração eletrocardiográfica contínua durante a infusão e nas primeiras 24 horas seguintes. Tem-se descrito bradicardia sinusal, geralmente assintomática, até o 7º dia pós-pulso.
Classe C. Os seres humanos possuem a beta-hidroxilase placentária que inativa a maioria dos corticoides, exceto a betametasona e a dexametasona. Assim, as outras substâncias são seguras, quando utilizadas de forma controlada em doses moderadas.
Substância do grupo dos analgésicos e antipiréticos, sem ação anti-inflamatória. Também denominado pelos britânicos acetaminofeno.
Desconhecido; sem ação anticicloxigenase (COX), incluindo a controvertida COX-3.
Antitérmico e analgésico para a maioria das condições álgicas. Em reumatologia, tem grande indicação na osteoartrose e em condições dolorosas em que se precisa ter ação gastrintestinal quase nula, particularmente nos idosos.
A dose indicada é de 0,5 a 4 g/dia. Deve-se evitar dose acima de 4 g/dia, pelo risco de hepatotoxicidade.
Comprimidos de 500 mg e 750 mg. Frasco com 15 mL, 200 mg/mL (Tylenol®).
Hepatotoxicidade em dose elevada. No Reino Unido, representa a principal causa de insuficiência hepática aguda grave. Não administrar em deficientes de G6PD.
Classe B.
1. Mecanismo de ação
Paralisia do citoesqueleto de membrana inibindo a fagocitose, por meio da sua interação com a tubulina.
2. Usos
Crise aguda de artrites microcristalinas (gota, pseudogota). Também utilizada na doença de Behçet, contratura de Dupuytren, dedo em gatilho e febre familiar do Mediterrâneo.
3. Doses
Na crise de gota, inicia-se 1 mg, seguido de 0,5 mg a cada 1 a 2 horas até o máximo de 8 mg ou se aparecerem sintomas de intoxicação (náuseas, vômitos e diarreia); não repetir até 3 dias. É um esquema trabalhoso e de difícil manuseio, preferindo-se hoje o uso de AINH como primeira opção; a segunda opção são os corticoides, ficando a colchicina como terceira opção no tratamento dessa crise. A colchicina provê alívio até 48 horas após o seu uso.
Na profilaxia de gota, indica-se 0,5 a 1 mg/dia; em 75 a 85% das vezes, previne os ataques.
Na doença de Behçet, inicia-se com 1 mg/dia numa única tomada diária, podendo-se chegar até 4 mg/dia dependendo da resposta e dos efeitos adversos.
4. Apresentação
Comprimidos de 0,5 mg (Colchicina e Colchis®).
5. Efeitos colaterais
Náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal são mais comuns (> 10%). Anorexia, alopecia, hemocitopenias e neuropatia periférica são mais raras.
6. Monitoração
Hemograma e função renal.
7. Classificação na gravidez
Classe C (via oral) e classe D (via parenteral).
1. Mecanismo de ação
Inibe a enzima xantina oxidase, responsável pela transformação da hipoxantina em xantina e, a seguir, em ácido úrico. É metabolizado em oxipurinol, que também é um inibidor da xantina oxidase.
Atua no catabolismo das purinas, reduzindo a produção de ácido úrico, sem interromper a produção de purinas vitais.
2. Usos
Prevenção de artrite e nefropatia gotosa.
3. Doses
Gota leve: 200 a 300 mg/dia. Em casos graves, 400 a 600 mg/dia, nos hiperprodutores. Nos idosos ou com disfunção renal, iniciar com 100 mg/dia.
a dose deve ser corrigida na insuficiência renal, sendo dada dose pós-hemodiálise. Para via oral:
Clearance |
Dose |
140 mL/min |
400 mg/dia |
120 |
350 |
100 |
300 |
80 |
250 |
60 |
200 |
40 |
150 |
20 |
100 |
10 |
100 cada 2 dias |
0 |
100 cada 3 dias |
4. Apresentação
Comprimidos de 100 mg e 300 mg (Zyloric®, Allopurinol® e Uricemil®).
5. Efeitos colaterais
Rash (1,5 a 10%), frequentemente associado com ampicilina e amoxicilina, devendo-se suspender a droga imediatamente após início. Síndrome de Stevens-Johnson; náuseas (1,3%), vômitos (1,2%) e disfunção renal (1,2%) são outros efeitos.
O risco de hipersensibilidade é possivelmente maior nos usuários de tiazídicos e inibidores da enzima conversora de angiotensina.
6. Monitoração
Hemograma, ácido úrico sérico, funções hepática e renal, especialmente no início da terapia. O paciente deve ingerir entre 10 e 12 copos d’água/dia.
7. Interações medicamentosas
Álcool e uricosúricos reduzem sua efetividade.
A azatioprina eleva sua toxicidade e deve ter sua dosagem reduzida de 1/3 a 1/4, pois seu metabolismo é inibido. O uso de vitamina C acidifica a urina e facilita a litogênese. Ocorre aumento da neurotoxicidade da vidarabina. Eleva a ciclosporinemia e aumenta a captação hepática de ferro na reposição de ferro.
Prolonga a meia-vida dos anticoagulantes orais e da teofilina; compete com a excreção da clorpropamida, elevando seu nível sérico.
8. Classificação na gravidez
Classe C.
1. Mecanismo de ação
Bloqueiam a reabsorção tubular do filtrado e reduzem o pool metabólico de uratos, prevenindo assim, a formação de novo tofo e reduzindo o tamanho dos já existentes. Também, quando administradas concomitante com colchicina, podem levar a menor frequência de ataques recorrentes de gota.
As seguintes drogas podem ser utilizadas: probenecida, sulfimpirazona e benzobromarona.
2. Usos
Indicados nos casos de gota com aumento da frequência ou severidade de ataques agudos.
3. Dose
Probenecida: iniciar com 0,5 g/dia, com aumento gradual até 1 a 2 g/dia.
Sulfimpirazona: 50 a 100 mg 2 vezes/dia inicialmente, com aumento gradual de 200 a 400 mg 2 vezes/dia.
Benzobromarona: iniciar com 25 a 50 mg/dia até 200 mg/dia.
4. Apresentação
Probenicida: comprimidos de 500 mg.
Sulfimpirazona: comprimidos de 100 e 200 mg (Anturane®).
Benzobromarona: comprimidos de 100 mg (Narcaricina®).
5. Efeitos colaterais
Probenecida: cefaleia, tontura, anafilaxia. Raramente: anemia hemolítica, anemia aplásica, necrose hepática, anafilaxia.
Sulfimpirazona: náusea, dispepsia, anemia. Mais raramente: agranulocitose, trombocitopenia, anemia aplástica.
6. Monitoração
Urina I – manter pH urinário acima de 6,0 para evitar precipitação de cristais de ácido úrico (uso de agentes alcalinizantes: citrato de potássio 30 a 80 mEq/dia) –, hemograma, função renal.
7. Interações medicamentosas
Aumenta a ação de várias drogas: inibidores ACE, aciclovir e outros antivirais, alopurinol, cefalosporina, ciprofloxacino, diuréticos, leflunomida, metotrexato, micofenolato mofetil, AINH, penicilina, salicilatos, lovastatina e metformina.
8. Classificação na gravidez
Probenecida: classe B.
"Perfeito,rapido e objetivo,explanando exatamente duvidas no cotidiano.Obrigado"