Paciente do sexo feminino, 8 anos de idade, com diagnóstico de infecção pelo HIV aos 3 anos de idade por transmissão vertical, foi admitida no pronto-socorro com história de cefaleia intensa, náuseas, vômitos e dorsalgia há 8 dias, sem outros sinais ou sintomas. Ao exame físico, encontrava-se em regular estado geral, descorada, com fáceis de dor, desidratada (devido aos vômitos), sem outras alterações. Necessitava de vários analgésicos para o controle temporário da cefaleia, além de antieméticos. A paciente havia recebido tratamento para sinusite aguda com amoxicilina-clavulanato por 10 dias antes do início do quadro.
A terapia antirretroviral (TARV) foi iniciada há 3 anos com zidovudina (AZT), lamivudina (3TC) e nevirapina (NVP), por queda do linfócito T CD4+. Sempre apresentou boa adesão à TARV, com boa evolução clínica, atingindo e mantendo carga viral indetectável (< 50 cópias/mL) e normalização do CD4 após 3 meses do início da TARV.
Os exames laboratoriais iniciais não evidenciaram alterações. A tomografia computadorizada de crânio foi considerada normal. Diante disso, foi indicada coleta de líquido cefalorraquidiano (LCR). Durante a coleta, evidenciou-se pressão liquo´rica aumentada (80 cmH2O), com celularidade e bioquímica normais. Após a realização do procedimento, a paciente apresentou amaurose súbita transitória (duração de alguns minutos), persistindo com alterações de campo visual. Foi feita hipótese diagnóstica de pseudotumor cerebral e iniciada acetazolamida. O diagnóstico foi confirmado pela ressonância nuclear magnética (RNM) e pela fundoscopia. A RNM (Figura 1) demonstrou aumento dos espaços liquóricos, elevação das papilas ópticas e sela túrcica vazia, com tais achados favorecendo a possibilidade de hipertensão intracraniana idiopática. A avaliação oftalmológica evidenciou disco óptico com bordas elevadas, borradas e hiperemiadas (papiledema).
Com o uso da acetazolamida, observou-se melhora progressiva da sintomatologia e das alterações visuais. A paciente recebeu alta após 11 dias de internação, assintomática, com melhora do papiledema, em uso de acetazolamida e da TARV.
Este caso chama a atenção inicialmente pela cefaleia intensa e aguda. Crianças com quadros como este devem ser avaliadas cuidadosamente. Como a criança apresentava carga viral indetectável e CD4 normal, a probabilidade de alguma infecção oportunista era pequena. A realização de uma TC antes da coleta liquórica era importante para descartar efeito expansivo. A realização da fundoscopia também deveria ter sido realizada antes da coleta liquo´rica. A hipertensão liquórica com TC normal leva a hipótese de pseudotumor cerebral.
Figura 1. RNM de crânio.
Pseudotumor cerebral (PTC), também conhecido como hipertensão intracraniana idiopática, é uma síndrome neurológica caracterizada por sinais e sintomas de pressão intracraniana elevada, pressão liquórica elevada com LCR normal, sem hidrocefalia, massas, lesões estruturais ou vasculares em exames de neuroimagem, e sem etiologia identificada.
Os casos de pseudotumor cerebral podem ocorrer em crianças de todas as idades. Em adultos, a associação de PTC e obesidade está bem estabelecida. Todavia, tal fator parece ser menos comum
Os relatos de casos de PTC em pacientes com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) são escassos na literatura, sobretudo pacientes pediátricos, e não há associação descrita com a infecção ou com as drogas antirretrovirais.
Em crianças, cefaleia é o sintoma mais comum nos casos de PTC, ocorrendo em aproximadamente 90% dos casos. Outros sintomas sistêmicos incluem náuseas, vômitos, hiporexia, sonolência, parestesia de membros, ataxia e irritabilidade. Dentre as alterações visuais, as mais observadas são diplopia, fotofobia, perda visual e obscurecimento visual transitório. As crianças têm uma maior incidência de disfunção da motilidade ocular. Papiledema, notado em um exame de rotina numa criança assintomática, é o sinal mais observado em crianças menores, sendo frequentemente bilateral, e a causa primária de prejuízo visual. Paralisia de VI nervo craniano, unilateral ou bilateral, é muito comum. Diplopia e estrabismo são frequentemente observados pelos pais.
Dentre os exames de imagem, a RNM é considerada atualmente o padrão-ouro para o diagnóstico de pseudotumor cerebral, com boa sensibilidade para diagnóstico de trombose venosa cerebral e tumores, tais como gliomatose cerebral.
A punção lombar é necessária para confirmar a pressão intracraniana elevada e descartar meningite. Pressão maior do que 20 cmH2O é considerada elevada.
Quanto ao tratamento, os objetivos principais consistem em melhorar os sintomas e os déficits visuais, a fim de evitar cegueira definitiva. A acetazolamida é o medicamento de escolha, consistindo num inibidor da anidrase carbônica que reduz a taxa de produção liquo´rica, consequentemente reduzindo a pressão do LCR. Nos casos idiopáticos, após introdução da medicação, observa-se diminuição da intensidade da cefaleia, redução do papiledema e estabilização da função visual ao longo de vários meses. A cefaleia pode responder ao tratamento sintomático com anti-inflamatórios não hormonais. As opções cirúrgicas de tratamento incluem fenestração da bainha do nervo óptico e procedimentos de derivação (derivação lomboperitoneal e ventriculoperitoneal).
Nas crianças, o prognóstico de PTC tende a ser favorável, observando-se resolução do papiledema numa média de 4 a 6 meses, com uma taxa de recorrência < 22%. É altamente recomendado que os pacientes sejam monitorados para recorrências das alterações visuais.
1. Le C, DeFreitas D. HIV-associated pseudotumor cerebri: a case report and literature review. AIDS Read. 2008 Dec; 18(12):611-2.
2. Standridge SM. Idiopathic intracranial hypertension in children: a review and algorithm. Pediatr Neurol. 2010 Dec; 43(6):377-90.
3. Phillips PH. Pediatric pseudotumor cerebri. Int Ophthalmol Clin. 2012 Summer; 52(3):51-9, xii.