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Sepse e Nódulo Hepático

Quadro Clínico

Um paciente de 54 anos, sexo masculino, procura o pronto-socorro por estar com febre diária há cerca de cinco dias. Alega também dor abdominal em andar superior do abdômen, hiporexia e náuseas frequentes. Relata antecedente pessoal de diabetes mellitus em uso de metformina 850mg 2x/dia e glicazida 30mg 1/dia. Ao exame físico encontra-se em Glasgow 15. Ausculta cardíaca e pulmonar normais. Propedêutica abdominal demonstrando abdômen plano, ruídos hidroaéreos presentes, ausência de sinais de peritonite, porém com fígado 3cm abaixo do rebordo costal direito, doloroso à palpação, sem outras massas palpáveis. Membros inferiores sem edema, articulações sem achados. Apresentava os seguintes sinais vitais: FC de 104bpm, FR 26cpm, PA 116x58mmHg, saturação de oxigênio em 96% em ar ambiente, temperatura de 38,9oC.

O paciente foi levado à sala de emergência por hipótese de sepse grave de foco abdominal. A monitorização foi ligada, colhidos exames laboratoriais incluindo gasometria arterial com lactato e ministrada dose de 2g de ceftriaxone associado a 500mg de metronidazol, conforme protocolo local, após a coleta de dois balões de hemocultura. Os exames demonstraram apenas leucocitose e uma injúria renal aguda, com creatinina de 1,9mg/dL. Restante normal. Foi então solicitado ultrassom de abdômen, cujo principal achado pode ser visto na imagem 1.

 

Imagem 1 - Ultrassom de Abdômen

 

 

Diagnóstico e Discussão

Veja o que foi descrito no laudo do ultrassom:

Principais Achados:

Fígado de dimensões aumentadas do lobo direito, contornos regulares e bordos rombos, com ecogenicidade habitual e textura preservada, apresentando duas formações fortemente hipoecogênicas e heterogêneas no lobo direito, medindo 6,7 x 7,0 x 4,4 cm e 4,3 x 4,0 cm. Veia porta com calibre preservado. Vesícula biliar normodistendida, com paredes de espessura normal. Não há evidência de cálculos no seu interior. Ausência de dilatação de vias biliares.

Diante deste achado, foi feita hipótese diagnóstica de abscesso hepático. Para complementar foi feita tomografia de abdômen, que no caso foi sem contraste devido à presença de injúria renal aguda no paciente.

 

Imagem 2 - Tomografia de abdômen

                              

 

 

O laudo da tomografia confirmou o diagnóstico de abscesso hepático, como podemos ver por esta descrição: Fígado com dimensões aumentadas à custa do lobo direito, contornos regulares, apresentando formações arredondadas hipoatenuantes e heterogêneas, de limites mal definidos neste estudo sem contraste, localizadas nos segmentos V/ VIII com 7,5 x 5,7 x 6,9 cm (153 cc) e no segmento VII com 4,2 x 4,2 x 4,1 (37,6 cc), compatíveis com o diagnóstico referido de abscesso hepático.

Abscessos hepáticos são a forma mais comum de abscesso em vísceras, sendo responsável por quase 50% dos abscessos em vísceras conforme estudos. A incidência anual é de 2,3 casos por 100.000 habitantes e é mais comum em homens do que em mulheres. Os fatores de risco incluem diabetes (como no caso apresentado), doença biliar de base, doença pancreática ou transplantes hepático.

É uma doença com mortalidade entre 2 e 12%, sendo que o que mais influencia esta mortalidade são três fatores: necessidade de drenagem cirúrgica aberta, concomitância de câncer colorretal e infecção por anaeróbios. A patogênese é multifatorial, mas é muito comum haver doença biliar de base, sendo que há presença de obstrução biliar  em 40 a 60% dos casos. Outras origens são a presença de peritonite, fístulas entéricas, feridas cirúrgicas infectadas, ou ferimentos perfurantes no abdômen.  A maior parte dos abscessos é polimicrobiano, e pode envolver gram positivos, gram negativos e anaeróbios (incluindo Streptococcus milleri, S. constellatus  e S. Intermedius, Klebsiella pneumoniae, S. Aureus).

O tratamento inclui drenagem associada a antibioticoterapia. A drenagem preferencial é a guiada por imagem, que é menos mórbida. Abscessos com diâmetro =5 cm podem ser drenados por cateter percutâneo ou drenagem por agulha. Em abscessos maiores do que 5cm a drenagem por cateter é preferencial. Especificamente para abscessos únicos com mais de 5cm, a abordagem cirúrgica oferece o benefício de haver menor taxa de falência de tratamento, sendo o método de drenagem preferencial. A drenagem cirúrgica deve ser feita também em casos onde a drenagem percutânea não obteve resultado em até sete dias. Em casos de abscessos múltiplos ou loculados, a drenagem percutânea é viável.

A escolha  de antibióticos infelizmente não é baseada em ensaios clínicos randomizados. Recomenda-se a cobertura de gram positivos, gram negativos e anaeróbios, sendo o espectro definido pela provável flora do paciente. O tempo de tratamento ótimo também não é sabido. No geral são necessárias de quatro a seis semanas de tratamento, mas recomenda-se avaliar melhora clínica e radiológica para definir este tempo.

 

Bibliografia

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