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Glomerulonefrites Agudas

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

As glomerulonefrites agudas constituem um grupo de doenças caracterizadas clinicamente pelo início abrupto de edema, hipertensão, hematúria e proteinúria.

Histologicamente, caracterizam-se por uma reação inflamatória intraglomerular e proliferação celular, podendo levar à disfunção renal em graus variáveis. Um intenso comprometimento de função renal que evolui num período de dias a semanas caracteriza a glomerulonefrite rapidamente progressiva.

Glomerulonefrites agudas de etiologias diferentes podem evoluir com perda crônica e progressiva da função renal, condição denominada glomerulonefrite crônica.

O diagnóstico preciso e precoce é de extrema importância, uma vez que o tratamento e o prognóstico dependem fundamentalmente da etiologia envolvida.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

As glomerulonefrites agudas podem ser classificadas clinicamente de acordo com o sítio e a extensão da lesão em:

 

      primárias: patologias restritas ao rim;

      secundárias: quando associadas a doenças sistêmicas.

 

Quanto à etiologia específica, as glomerulonefrites podem ser classificadas em infecciosas e não infecciosas (Tabela 1).

 

Tabela 1: Classificação das glomerulonefrites agudas quanto à etiologia

Infecciosas

Não infecciosas

Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica (grupo A, beta-hemolítico)

Glomerulonefrites primárias: nefropatia da IgA, glomerulonefrite proliferativa mesangial, glomerulonefrite membranoproliferativa, glomerulopatia por IgM, glomerulonefrite rapidamente progressiva idiopática.

Glomerulonefrites não estreptocócicas: endocardite infecciosa, bacteriemia estafilocócica, pneumonia pneumocócica, meningococcemia, febre tifoide, sífilis secundária, infecção aguda viral (citomegalovírus, varicela, Epstein-Barr, coxsackie), micoplasma, toxoplasmose, malária, abscesso visceral, nefrite do shunt, hepatite B ou C com vasculite e/ou crioglobulinemia.

Glomerulonefrites secundárias a doenças sistêmicas: lúpus eritematoso sistêmico, púrpura de Henoch-Schönlein, vasculite necrotizante, síndrome de Goodpasture, granulomatose de Wegener.

 

Apesar da patogênese das glomerulonefrites agudas não ser totalmente esclarecida, existe um número considerável de dados clínicos, imunopatológicos e experimentais que suportam a hipótese de que mecanismos imunológicos sejam comuns às diferentes etiologias da síndrome. Acredita-se que tanto o sistema imune celular quanto o humoral estejam envolvidos.

A lesão humoral no glomérulo pode ser mediada por diversos mecanismos:

 

1.    Formação in situ do complexo antígeno-anticorpo. Neste caso, os anticorpos podem estar direcionados contra as seguintes estruturas:

      constituintes normais do glomérulo; p.ex., doença de Goodpasture (o antígeno é um elemento do colágeno que faz parte da estrutura da membrana basal glomerular).

 

2.    Antígenos “plantados” no glomérulo:

      exógenos: glomerulonefrite pós-estreptocócica;

      endógenos: nefrite lúpica (complexo histona-DNA).

 

3.    Deposição de complexo antígeno-anticorpo circulante.

 

A extensão da lesão tecidual depende de alguns fatores, como os sítios de deposição, a quantidade e as propriedades biológicas das imunoglobulinas formadoras dos depósitos.

Depósitos mesangiais causam proliferação das células mesangiais e expansão de matriz mesangial. Depósitos subendoteliais, por sua vez, estão em contato direto com a superfície dos capilares glomerulares e têm maior habilidade para recrutar células inflamatórias (neutrófilos e macrófagos) circulantes.

Quanto às características biológicas, sabe-se que algumas imunoglobulinas (como IgG) têm maior capacidade de fixar complemento do que outras (IgA) e, deste modo, apresentam maior potencial nefritogênico.

A deposição de imunocomplexos no rim promove a ativação de frações do complemento (C3a e C5b) e subsequente quimiotaxia de células inflamatórias (neutrófilos e monócitos). A resposta imune celular contribui para a infiltração dos glomérulos por células inflamatórias circulantes. Linfócitos T são encontrados no infiltrado inflamatório, contribuindo para a ativação de macrófagos. Macrófagos ativados liberam citocinas e moléculas de adesão. A ativação de células residentes, como as células mesangiais, também contribui para a produção de citocinas. Os macrófagos e as células mesangiais também são capazes de produzir proteases e oxidantes, responsáveis pela morte celular. Fatores de coagulação ativados podem levar à deposição de fibrina.

O infiltrado de neutrófilos causa obstrução do capilar glomerular e liberação de leucotrienos e tromboxanos, induzindo a vasoconstrição das arteríolas aferentes e queda da filtração glomerular. O aumento na reabsorção distal de sódio, secundário à diminuição na taxa de filtração glomerular, pode estar associado a hipervolemia, edema e hipertensão arterial.

Processos que inicialmente têm componente inflamatório potencialmente reversível podem evoluir com alterações hemodinâmicas (hipertensão e hiperfiltração glomerulares), esclerose glomerular e fibrose tubulointersticial, ocasionando sequelas e perda crônica de função renal.

Os fatores implicados na fisiopatologia estão diretamente associados aos achados da biópsia renal, sendo, portanto, de fundamental importância para o diagnóstico e o tratamento das glomerulonefrites agudas.

 

ACHADOS CLÍNICOS

O quadro clínico das glomerulonefrites agudas é variável e depende fundamentalmente da etiologia envolvida e do grau de comprometimento histológico. O espectro de manifestações clínicas é caracterizado por alguns achados gerais, como hematúria, oligúria, edema e hipertensão arterial (Tabela 2). Além disso, podem ocorrer proteinúria e perda de função renal.

 

Tabela 2: Achados clínicos gerais na glomerulonefrite aguda

Hipertensão arterial

Oligúria

Edema

Hematúria micro ou macroscópica

 

A extensão do comprometimento histológico é determinante para as manifestações clínico-laboratoriais e permite classificar as glomerulonefrites em:

 

1.    Glomerulonefrite focal: acometimento inflamatório de menos de 50% dos glomérulos. Estes pacientes habitualmente apresentam hematúria assintomática, proteinúria leve (usualmente < 1,5 g/dia) e, eventualmente, cilindros celulares. Exemplos: nefropatia da IgA, doença de membrana fina, nefrites hereditárias.

2.    Glomerulonefrite difusa: envolvimento de mais de 50% dos glomérulos. Classicamente, os pacientes apresentam início abrupto de hematúria micro ou macroscópica, oligúria, edema, hipertensão e queda na taxa de filtração glomerular. Os níveis de proteinúria tendem a ser mais elevados, podendo atingir níveis nefróticos. Exemplos: glomerulonefrite pós-infecciosa, nefrite lúpica, glomerulonefrite membranoproliferativa.

 

A seguir, serão brevemente descritos os aspectos clínico-laboratoriais mais relevantes para a glomerulonefrite pós-estreptocócica, tida como a causa mais comum e o protótipo das glomerulonefrites difusas agudas.

A glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE) acomete preferencialmente crianças (pico de incidência entre 6 e 10 anos de idade). Adultos também podem ser acometidos (raramente com mais de 40 anos de idade). Ocorre caracteristicamente após 1 a 2 semanas de um quadro de faringite ou piodermite por determinadas cepas do estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield, embora tenham sido descritos casos de glomerulonefrite após infecção provocada por estreptococo pertencente aos grupos C e G. O uso frequente de antibióticos tem diminuído consideravelmente a incidência desta patologia e acredita-se que muitos casos sejam subclínicos e de resolução espontânea.

O quadro clínico clássico da GNPE caracteriza-se por hematúria micro ou macroscópica, edema e hipertensão arterial, mas o espectro de apresentação inclui desde quadros clínicos frustros até insuficiência renal grave. A maioria dos pacientes (80%) apresenta elevação em marcadores imunológicos de infecção estreptocócica, como o anticorpo antiestreptolisina O (ASLO). A fase aguda cursa com hipocomplementemia, habitualmente à custa de redução do componente C3 do complemento, com normalização após 8 semanas. Caso a hipocomplementemia seja persistente, deve-se considerar outras possibilidades diagnósticas, como a glomerulonefrite membranoproliferativa ou a nefrite lúpica. Culturas de orofaringe ou pele não são necessárias.

Frente a um quadro clínico típico de GNPE em crianças, a biópsia renal não é necessária. No entanto, em casos que cursem com elevação progressiva de creatinina sérica, proteinúria nefrótica e história familiar de nefropatia, a biópsia renal pode ser indicada para possibilitar o diagnóstico definitivo. A imunofluorescência evidencia depósitos de IgG e C3 no mesângio e em alças capilares (padrão granular difuso).

A resolução espontânea da GNPE é comum, com taxas de cura de até 90% em crianças. Nos adultos, esta taxa situa-se entre 60 e 70%. A remissão das manifestações clínico-laboratoriais tem correlação com a resolução do processo fisiopatológico renal. Depósitos imunes subendoteliais responsáveis pela ativação de complemento, e consequente influxo local de células inflamatórias, são rapidamente clareados, contribuindo para resolução da disfunção renal (3 a 4 semanas) e da hematúria (3 a 6 meses). Depósitos subepiteliais (humps) são responsáveis por danos às células epiteliais manifestados pela proteinúria. Estes depósitos ficam separados das células circulantes pela membrana basal glomerular, o que limita sua remoção e contribui para a persistência da proteinúria. A proteinúria em níveis nefróticos pode persistir por mais de 6 meses. Proteinúria leve pode ser encontrada em 15% dos pacientes após 3 anos e em 2% dos pacientes após 10 anos.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Diante de um quadro clínico de glomerulonefrite aguda, os principais exames laboratoriais a serem solicitados são:

 

      urina I: permite detectar hematúria, leucocitúria estéril (a ser confirmada com urocultura), cilindros (celulares ou hemáticos) e proteinúria;

      proteinúria de 24 horas;

      função renal (ureia e creatinina séricas);

      ultrassonografia de aparelho urinário: fornece alguns parâmetros de viabilidade renal, além de permitir a identificação de eventuais patologias pós-renais.

 

Uma vez feito o diagnóstico de glomerulonefrite aguda, outros exames laboratoriais são solicitados de acordo com a suspeita clínica, no intuito de determinar a etiologia da doença:

 

      dosagem de complemento: as glomerulonefrites podem ser classificadas em normo ou hipocomplementêmicas (Tabela 3);

      pesquisa de anticorpos antiestreptocócicos (suspeita de glomerulonefrite pós-estreptocócica);

      FAN e anti-DNA para investigação de lúpus eritematoso sistêmico;

      ANCA (especialmente em casos de glomerulonefrite normocomplementêmica);

      pesquisa de anticorpo anti-MBG (principalmente quando a imunofluorescência apresentar um padrão linear de depósito);

      pesquisa de crioglobulinas;

      sorologias para HIV, hepatites B e C;

      hemoculturas e ecocardiograma (suspeita de endocardite ou nefropatia do shunt).

 

Tabela 3: Glomerulonefrites aguda normo e hipocomplementêmicas

Complemento sérico reduzido

Complemento sérico normal

Patologias renais primárias: glomerulonefrite membranoproliferativa tipos I (50 a 80%) e II (90%).

Patologias renais primárias: nefropatia da IgA, glomerulonefrite rapidamente progressiva idiopática, doença do anticorpo antimembrana basal.

Patologias renais secundárias: glomerulonefrite pós-estreptocócica (90%), lúpus eritematoso sistêmico (classe III, 75% e classe IV, 90%), crioglobulinemia (85%), endocardite bacteriana (90%), nefropatia do shunt (90%).

Patologias renais secundárias: poliangeíte microscópica, granulomatose de Wegener, púrpura de Henoch-Schönlein, doença de Goodpasture, abscesso visceral.

As porcentagens indicam as frequências aproximadas de C3 consumido.

 

No contexto de uma glomerulonefrite aguda, a biópsia renal nem sempre está indicada. Quadros sugestivos de glomerulonefrite pós-estreptocócica, por exemplo, apresentam um prognóstico habitualmente favorável e podem ser conduzidas mediante acompanhamento clínico-laboratorial. Um parâmetro particularmente importante nestes casos é a normalização do complemento sérico, que deve ocorrer em até 8 semanas.

Pacientes que cursam com alteração de função renal devem ser submetidos à biópsia renal, visando ao diagnóstico definitivo. É importante salientar que a biópsia não deve retardar a instituição do tratamento, especialmente nas suspeitas de glomerulonefrite rapidamente progressiva.

O padrão histopatológico das glomerulonefrites agudas à microscopia óptica é pouco específico. Caracteriza-se pela presença de glomérulos difusamente hipercelulares, com proliferação de células mesangiais e endoteliais, associado a infiltrado de neutrófilos e monócitos (Figura 1).

 

Figura 1: Glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica.

Cortesia de Dra. Denise Malheiros, HC-FMUSP.

 

Além disso, a microscopia óptica pode evidenciar a presença de crescentes (Figura 2). Crescentes são achados histológicos que correspondem à presença de pelo menos 2 camadas de células epiteliais glomerulares e fagócitos mononucleares ocupando parcial ou totalmente o espaço de Bowman. Constituem uma resposta inespecífica à rotura do capilar glomerular e extravasamento de fibrina e elementos inflamatórios para o espaço de Bowman.

A presença de crescentes associada a doenças renais primárias ou secundárias está relacionada a maior alteração da função renal com prognóstico potencialmente pior.

 

Figura 2: Glomerulonefrite crescêntica.

Cortesia de Dra. Denise Malheiros, HC-FMUSP.

 

A presença ou ausência de componentes do complemento e imunoglobulinas ao exame de imunofluorescência, assim como sua distribuição e padrão, são de fundamental importância para o diagnóstico etiológico:

 

      depósito de IgG em padrão linear caracteriza a glomerulonefrite por anticorpo antimembrana basal glomerular e a síndrome de Goodpasture (acometimento simultâneo de pulmões e rins);

      o padrão granular está presente na maioria das glomerulonefrites. Atenção especial ao predomínio de IgA (encontrado na nefropatia por IgA) e no padrão full house (imunofluorescência rica com presença de IgA, IgG, IgM, C3 e C1q), característico da nefrite lúpica;

      padrão pauci-imune: imunofluorescência negativa ou pobre, presente nas vasculites sistêmicas e patologias relacionadas ao ANCA.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Os dados de história clínica, exame físico, exames complementares e biópsia renal são fundamentais para a elucidação da etiologia da glomerulonefrite. Seguem alguns tópicos relevantes que devem ser considerados para suspeita clínica de determinadas etiologias.

 

Glomerulonefrite Pós-infecciosa Não-estreptocócica

      Contexto clínico de endocardite bacteriana (atenção especial a portadores de próteses valvares e usuários de drogas ilícitas), pacientes com shunts ou abscessos viscerais;

      presença de sintomas sistêmicos, como febre, emagrecimento, artralgias e anemia;

      geralmente há consumo dos componentes do complemento C1q, C3 e C4;

      podem ser detectados no sangue vários autoanticorpos como ANCA (antineutrophil cytoplasmic antibody), FAN (fator antinúcleo), fator reumatoide e crioglobulinas, devido à estimulação policlonal de linfócitos B.

 

Nefropatia da IgA

      Pico de incidência na 2ª e 3ª décadas de vida;

      apresentação clássica: hematúria macroscópica que se manifesta 2 a 3 dias após um quadro infeccioso, habitualmente de orofaringe;

      também pode se manifestar de forma insidiosa, com hematúria microscópica, proteinúria não nefrótica, associados ou não a hipertensão arterial e perda de função renal, ou ainda por meio de síndrome nefrótica clássica (10% dos casos);

      aumento na concentração sérica de IgA em 50% dos pacientes;

      imunofluorescência revela predomínio de depósitos de IgA no mesângio, podendo haver, em menor intensidade, deposição de IgG, IgM ou componentes do complemento.

 

Púrpura de Henoch-Schönlein

      Forma sistêmica da nefropatia da IgA, caracterizada por uma vasculite de pequenos vasos com depósitos predominantes de IgA;

      púrpura, principalmente em membros inferiores, artralgias e dor abdominal;

      mais comum em crianças.

 

Glomerulonefrite Membranoproliferativa (GNMP)

      Caracterizado por proliferação mesangial e espessamento com duplicação da membrana basal do capilar glomerular;

      pode ser primária/idiopática ou secundária;

      a apresentação clínica mais comum é a síndrome nefrótica (em 16 a 30% dos pacientes pode se apresentar como glomerulonefrite aguda);

      de 30 a 50% dos pacientes apresentam níveis reduzidos de C3 e CH50;

      a forma idiopática é mais frequentemente encontrada em adultos jovens, enquanto a secundária é mais comum em adultos;

      a GNMP secundária, encontrada em 50% dos pacientes, pode se associar a doenças infecciosas (vírus da hepatite C e B, HIV, esquistossomose, endocardite, abscessos viscerais, shunts, malária, micoplasma e Epstein-Barr), autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico, crioglobulinemia, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren), paraproteinemias (nefropatia de cadeia leve, mieloma múltiplo, macroglobulinemia de Waldenström) e microangiopatia trombótica (síndrome hemolítico-urêmica, síndrome anticorpo antifosfolípide, anemia falciforme, nefrite por radiação);

      a investigação de quadros sistêmicos é obrigatória e alguns exames laboratoriais são necessários, como pesquisa de anti-DNA, crioglobulina, sorologias para hepatite B e C, enzimas hepáticas e, em casos selecionados, avaliação de neoplasias, incluindo imunoeletroforese de proteínas sérica e urinária.

 

Nefrite Lúpica (NL)

      Mais comum em mulheres, na faixa etária entre 20 e 30 anos;

      presença de sinais e sintomas sistêmicos, como artrite, rash malar, febre, úlceras orais, alterações hematológicas (plaquetopenia, anemia hemolítica, linfopenia), serosite e sintomas neurológicos;

      a imunofluorescência é habitualmente rica, com presença de IgG, IgA, IgM e frações do complemento (C3 e C1q);

      títulos elevados de FAN, presença de anticorpo anti-DNA e hipocomplementemia (75 a 90% dos pacientes).

 

Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva (GNRP)

      Caracterizada histologicamente pela presença de crescentes;

      os pacientes apresentam frequentemente achados clássicos de síndrome nefrítica (hematúria, oligúria e hipertensão) acompanhados de rápida perda de função renal;

      atentar para sintomas sistêmicos (como febre e perda de peso), além de aspectos individuais de cada doença;

      quanto ao mecanismo fisiopatológico envolvido, podem ser classificadas em nos tipos descritos a seguir.

 

Glomerulonefrite Pauci-imune

Responsável por 50% dos casos. Trata-se de uma vasculite de pequenos vasos com pico e incidência na 6ª década de vida. A doença pode ser limitada ao rim (glomerulonefrite rapidamente progressiva idiopática) ou decorrer de doença inflamatória sistêmica (granulomatose de Wegener, doença de Churg-Strauss ou poliangeíte microscópica). Cerca de 90% das vasculites pauci-imunes apresentam ANCA positivo, sendo que o ANCA-c (antiproteinase 3) é mais comum em granulomatose de Wegener e o ANCA-p (antimieloperoxidase), na poliangeíte microscópica e na doença de Churg-Strauss. Imunofluorescência negativa ou pobre é característico.

 

Associadas ao Depósito de Imunocomplexos

Corresponde a 30 a 40% dos casos. Exemplos: glomerulonefrites infecciosas (pós-estreptocócica, nefrite do shunt e endocardite), nefropatia da IgA e nefrite lúpica.

 

Associada ao Anticorpo Antimembrana Basal Glomerular (anti-MBG)

Responsável por 10 a 20% dos casos. A presença de envolvimento pulmonar é mais comum em homens jovens e caracteriza a doença de Goodpasture. O acometimento renal isolado é chamado de doença por anticorpo antimembrana basal glomerular, sendo mais comum em idosos. A sorologia para o anticorpo antimembrana basal glomerular pode ser realizada. A imunofluorescência evidencia o padrão linear de depósitos de IgG ao longo da membrana basal.

 

TRATAMENTO

O tratamento de suporte é preconizado para todas as glomerulonefrites agudas e visa ao controle dos sinais e sintomas clínicos, como segue.

 

Medidas para Retenção Hídrica

      Dieta hipossódica e restrição hídrica;

      se necessário, usar diuréticos (de alça ou em associação), com controle diário de peso;

      tratamento da hipertensão com hipotensores;

      se o paciente persistir com congestão pulmonar não responsiva às medidas clínicas, indicar hemodiálise ou ultrafiltração.

 

Uremia

      Dieta hipoproteica;

      Tratamento dialítico mediante indicações habituais.

 

A decisão a respeito do tratamento específico deve ser tomada mediante a avaliação de diversos fatores:

 

      estado clínico do paciente;

      etiologia da glomerulonefrite;

      manifestações clínico-laboratoriais;

      probabilidade de remissão da doença;

      efeitos colaterais do tratamento proposto.

 

A análise da biópsia renal é de fundamental importância, uma vez que pode auxiliar no diagnóstico etiológico e fornece dados de prognóstico, como crescentes, esclerose glomerular, acometimento túbulo-intersticial.

Seguem algumas considerações a respeito do tratamento específico de acordo com a etiologia da glomerulonefrite aguda. Uma revisão detalhada de aspectos referentes ao tratamento está alem dos objetivos deste texto.

 

Glomerulonefrite Pós-estreptocócica

      Não estão indicados antibióticos, a não ser que haja um processo infeccioso ativo no momento;

      o uso de antibiótico profilático também não é recomendado, uma vez que a recidiva é extremamente rara;

      em casos de insuficiência renal grave (glomerulonefrite rapidamente progressiva), o tratamento com pulsos de metilprednisolona (seguido de corticoide oral) associado a imunossupressores pode ser indicado. Os casos devem ser avaliados cautelosa e individualmente, uma vez que ainda há controvérsias na literatura quanto aos riscos e benefícios deste tratamento.

 

Glomerulonefrite Pós-infecciosa Não estreptocócica

      O tratamento baseia-se no controle da infecção. Recomenda-se a retirada de shunts e a drenagem de abscessos viscerais, além da cobertura prolongada de antibioticoterapia;

      há relatos de boa resposta ao uso de plasmaférese em pacientes já tratados com antibioticoterapia adequada e não responsivos à imunossupressão;

      nos casos de glomerulonefrite crescêntica, deve-se aguardar o controle adequado da infecção, antes de se considerar o uso de drogas citostáticas ou pulso com metilprednisolona.

 

Nefropatia da IgA

      Em função da variabilidade de apresentação clínico-laboratorial, os esquemas terapêuticos devem ser discutidos individualmente;

      o uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (iECA) e bloqueadores do receptor AT1 da angiotensina II (BRA) parecem ter benefício na redução da proteinúria;

      a presença de proteinúria acima de 1 g/dia, a despeito do tratamento com iECA/BRA, habitualmente é indicação de tratamento com uso de corticoide;

      nos casos de glomerulonefrite crescêntica, seguir o esquema descrito em glomerulonefrite rapidamente progressiva por imunocomplexos, com o uso de corticoide e imunossupressores.

 

Glomerulonefrite Membranoproliferativa

      Ainda não existe tratamento eficaz para a forma idiopática desta glomerulonefrite;

      aspirina e dipiridamol têm sido prescritos na tentativa de limitar a ativação plaquetária secundária à proliferação celular, porém com resultados pouco animadores;

      o uso de corticoide pode ser realizado em crianças;

      quando se apresenta sob a forma de glomerulonefrite crescêntica, preconiza-se o regime proposto para as crescênticas por imunocomplexos;

      nos casos de GNMP secundária, a abordagem terapêutica visa controlar o fator etiológico. Assim, nos casos de associação com vírus C, o mais importante é diminuir a carga viral. Quando a lesão é muito agressiva, admite-se o uso de corticoide e imunossupressores, apesar do risco de aumento da carga viral. Outros recursos, como plasmaférese e anticorpo monoclonal contra molécula CD20 (rituximabe), também têm sido testados, com alguns resultados positivos.

 

Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva

      Trata-se de um grupo heterogêneo de patologias;

      diagnóstico e tratamento precoces são importantes para permitir a viabilidade renal;

      o tratamento das patologias que levam à GNRP geralmente requer uma fase de indução com imunossupressão mais agressiva (visando à remissão da doença) e uma fase de manutenção, na qual o intuito é prevenir recorrências com a menor toxicidade possível;

      de uma maneira geral, a indução é feita por meio da pulsoterapia com metilprednisolona (500 a 1.000 mg por 3 dias seguidos), seguida de prednisona oral 1 mg/kg/dia durante 8 semanas. A este esquema, associa-se ciclofosfamida oral ou endovenosa por 6 meses;

      durante a fase de manutenção, a dose de corticoide é reduzida e a ciclofosfamida é substituída por azatioprina;

      na presença de sintomas pulmonares, a plasmaférese está sempre indicada;

      a resposta renal à plasmaférese é melhor em pacientes não dialíticos.

 

ALGORITMO

 

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