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Asma – Aspectos na Infância e Uso dos Dispositivos Inalatórios

INTRODUÇÃO

A asma é a doença crônica mais comum na infância e resulta da interação entre predisposição genética e exposição a alérgenos e irritantes ambientais. Além disso, por se tratar de uma doença crônica, o processo inflamatório está presente mesmo fora dos períodos de exacerbação pulmonar, o que é a base da importância do tratamento de manutenção.

Segundo o estudo ISAAC sobre a prevalência de asma e doenças alérgicas, realizado em vários países do mundo, o Brasil ocupa o 8º lugar no ranking mundial de ocorrência da doença. Nos grandes centros urbanos, até 20% população pediátrica em idade escolar apresenta algum sintoma de asma.

Pesquisas realizadas na América Latina a respeito da situação de controle clínico, gravidade e uso de medicamentos para asma revelaram que, nos grandes centros, metade dos asmáticos apresentava sintomas diários e despertares noturnos, ou seja, não estavam controlados de sua doença. Apesar disso, menos de 10% dos pacientes faziam uso regular de medicação para controle da asma. Quanto aos medicamentos para asma vendidos no Brasil, verificou-se que 80% estão representados por drogas de resgate e apenas 13% por drogas para controle e prevenção das exacerbações.

Segundo dados do Datasus de 2009, o Brasil vem registrando, nos últimos anos, cerca de 360 mil hospitalizações anuais por asma, com gastos de mais de 100 milhões de reais, colocando a asma no 3º lugar das causas de internações no país. Um dos principais motivos para estes elevados índices apresentados é a falta de conhecimento e orientação sobre a própria doença por parte dos pacientes e dos pais de crianças com asma. Um estudo norte-americano revelou que mais de 90% dos asmáticos avaliados necessitavam de moderada ou muita orientação sobre a doença. Por sua vez, muitos profissionais de saúde também não estão preparados para orientar e tratar de asmáticos.

 

TRATAMENTO

A importância do tratamento da asma reside no fato de se tratar de uma doença crônica, para a qual ainda não existe cura. O principal objetivo é, então, melhorar a qualidade de vida do asmático diminuindo exacerbações, internações, gastos, faltas na escola e no trabalho e a mortalidade. Com isso, consegue-se que a asma seja vista com mais otimismo quanto às suas possibilidades terapêuticas, atenuando o caráter estigmatizante do diagnóstico de asma que, até poucos anos, por conta das limitações dos tratamentos disponíveis na época, significava muito sofrimento e angústia pelo resto da vida daquele paciente diagnosticado.

Sabe-se que a função pulmonar de todas as pessoas diminui ao longo dos anos após os 20 anos de idade e de forma mais acentuada nos asmáticos. No entanto, se esses pacientes forem tratados de forma adequada, as perdas vão se assemelhar às do resto da população saudável, além de evitar o remodelamento irreversível das vias aéreas.

Atualmente, busca-se o controle clínico dos pacientes, que podem ser avaliados observando-se alguns itens propostos pelas mais recentes diretrizes brasileiras para o manejo da asma. São eles:

 

      a frequência de sintomas diurnos, de despertares noturnos e da necessidade de medicamentos para resgate/alívio;

      a limitação de atividades;

      a frequência e a intensidade das exacerbações;

      a função pulmonar.

 

O esquema proposto pode ser observado na Tabela 1.

 

Tabela 1.

 

Controlado

Parcialmente controlado (pelo menos 1 em qualquer semana)

Não controlado

Sintomas diurnos

Nenhum ou mínimo

2 ou mais/semana

3 ou mais parâmetros em qualquer semana

Despertares noturnos

Nenhum

Pelo menos 1

Necessidade de medicamentos de resgate

Nenhuma

2 ou mais/semana

Limitação de atividades

Nenhuma

Presente em qualquer momento

PFE ou VEF1

Normal ou próximo do normal

< 80% do predito ou do melhor pessoal, se conhecido

Exacerbação

Nenhuma

1 ou mais/ano

1 em qualquer semana

 

Analisando tais fatores, o médico deve decidir quanto à necessidade de modificações no esquema terapêutico, conforme recomendações também preestabelecidas nas diretrizes supracitadas.

O tratamento da asma tem duas modalidades básicas: o tratamento de manutenção e o tratamento da crise. O objetivo do tratamento de manutenção é prevenir os sintomas e as exacerbações, contando com o uso de corticoides inalatórios como principais agentes anti-inflamatórios. Já o tratamento da crise visa ao alívio dos sintomas de broncoespasmo durante as exacerbações e tem como principais medicamentos usados os broncodilatadores beta-2 agonistas de curta duração.

A via inalatória é a via de escolha para o tratamento da asma, uma vez que, através dela, as drogas são depositadas no órgão especificamente envolvido pela doença. Esta via de administração proporciona rápido início de ação (estudos demonstram pico de ação de broncodilatadores em 30 minutos após o uso pela via inalatória e de 2 horas quando usada via oral), efeito máximo com menores dosagens (30 a 40 vezes menores que as doses necessárias na via oral para algumas drogas) e, com isso, menos efeitos colaterais, pela menor absorção sistêmica. Há relatos do uso da via inalatória de 4 mil anos atrás, com a inalação de vapores da combustão de Datura, uma raiz com propriedades anticolinérgicas.

Atualmente, conta-se com basicamente 3 tipos de dispositivos inalatórios: os nebulizadores, os aerossóis dosimetrados e os inaladores de pó. Todos têm como principal objetivo a geração de aerossóis, que são suspensões de partículas sólidas ou fluidas num gás. A maioria dos dispositivos gera aerossóis heterodispersos, isto é, com partículas de tamanhos variados. Diz-se que um aerossol é respirável, ou seja, com capacidade de alcançar e se depositar nas vias aéreas de menor calibre quando metade de suas partículas tem diâmetro de massa entre 1 e 5 micra.

A deposição pulmonar média dos aerossóis inalados para o tratamento da asma é de aproximadamente 10% da dose fornecida, podendo variar de acordo com a droga em questão, o tipo de dispositivo, a técnica de uso e o grau de obstrução das vias aéreas, entre outros. Esta deposição das partículas dos medicamentos se dá por meio de 3 mecanismos: impactação, sedimentação gravitacional e difusão browniana. Na impactação, partículas maiores de 5 micra se depositam na orofaringe e bifurcação de grandes vias aéreas. Na sedimentação gravitacional, as partículas respiráveis (1 a 5 micra) se depositam nas vias aéreas de menor calibre. Na difusão browniana, partículas menores de 1 micra são inaladas e exaladas em seguida, podem nem mesmo se depositar nos pulmões.

Antes de iniciar a descrição mais detalhada dos dispositivos inalatórios, é muito importante observar que as pesquisas científicas, por meio de meta-análises, já comprovaram que não existe diferença significativa entre os dispositivos quando usados corretamente. Por outro lado, existem aspectos que devem ser considerados antes de escolher um determinado dispositivo para tratamento da asma. Os mais importantes são os seguintes:

 

      disponibilidade do dispositivo para o medicamento que se pretende usar;

      adequação para a gravidade e a idade do paciente;

      habilidade do paciente para usar o dispositivo corretamente;

      custo-efetivo ou disponibilidade no sistema de saúde;

      melhora da adesão com o uso de um mesmo tipo de dispositivo para o tratamento da crise e de manutenção;

      durabilidade, portabilidade, uso domiciliar/hospitalar;

      preferência do médico e do paciente.

 

Nebulizadores

Os nebulizadores podem ser do tipo ultrassônico ou à pressão. A deposição pulmonar média dos aerossóis inalados com esse tipo de dispositivo fica ao redor de 10% da dose fornecida.

Os nebulizadores são eficazes e apresentam vantagens, como a capacidade de gerar elevada porcentagem de partículas respiráveis, poderem ser usados por qualquer faixa etária e a volume corrente, mesmo durante obstruções/crises graves, sem necessitar da colaboração dos pacientes etc. Por outro lado, comparativamente aos outros dispositivos disponíveis no mercado, pode-se dizer que os nebulizadores estão, de certa forma, ultrapassados. Como desvantagens, podem ser citadas a demora em inalar uma dose de medicamentos e o difícil controle da quantidade realmente inalada, o fato de necessitar de uma fonte de energia ou gás para o funcionamento, o alto custo na aquisição e manutenção do equipamento etc.

 

Aerossóis Dosimetrados

Os aerossóis dosimetrados, sprays, ou popularmente “bombinhas”, são os dispositivos inalatórios mais usados em todo o mundo desde a década de 1950, quando foram criados. No interior do frasco, a droga fica distribuída num meio líquido constituído por uma mistura de propelentes e agentes dispersantes. A deposição pulmonar média é de 10% da dose de medicamento fornecida por cada jato, quando utilizado de maneira correta.

Uma das principais desvantagens dos sprays talvez seja justamente a técnica de uso, que requer certo grau de coordenação do paciente. Também pode ser citado como desvantagem o estigma do uso das “bombinhas”, sendo que muitos pacientes têm medo de usá-las. Por outro lado, os sprays contam com vantagens fundamentais, como o fato de estarem disponíveis para a maioria dos medicamentos inalatórios, serem portáteis, multidoses e terem baixo custo.

A técnica mais básica de uso dos aerossóis dosimetrados deve seguir os passos abaixo:

 

      posição: sentado/em pé para facilitar os movimentos torácicos respiratórios;

      retirar a tampa e observar se há algum corpo estranho;

      agitar por 3 a 5 segundos;

      posicionar o bocal a 3 a 5 cm da boca;

      expirar e então inspirar lenta e profundamente enquanto dispara-se o spray;

      inspirar até a capacidade pulmonar total;

      realizar apneia de 10 segundos;

      esperar 30 a 60 segundos para a segunda dose, se for o caso;

      lavar a boca após o uso.

 

Apesar de aparentemente simples, muitos pacientes encontram dificuldades na técnica básica ou simplesmente são incapazes de realizá-la, por conta da idade ou de condição clínica incompatíveis com o procedimento. Por isso, para facilitar o uso dos aerossóis dosimetrados, é possível indicar seu uso com espaçadores.

Para crianças maiores de 6 a 7 anos de idade, o uso do spray com espaçador deve ser realizado da seguinte forma:

 

      posição: sentado/em pé;

      retirar a tampa e observar se há corpo estranho;

      agitar por 3 a 5 segundos;

      spray acoplado ao espaçador na vertical: bocal diretamente na boca;

      expirar e então inspirar lenta e profundamente enquanto se dispara o spray;

      inspirar até a capacidade pulmonar total;

      realizar apneia de 10 segundos;

      esperar 30 a 60 segundos para a segunda dose, se for o caso;

      lavar a boca após o uso.

 

Além de facilitar a técnica, o uso dos espaçadores permite que ocorra uma desaceleração do jato, que impactaria em grande parte na orofaringe. Permite ainda que haja evaporação do propelente, fazendo com que as partículas de medicamento diminuam de diâmetro e possam alcançar mais facilmente as vias aéreas de menor calibre, aumentando a deposição pulmonar para até 20% da dose fornecida.

Para crianças menores de 6 a 7 anos de idade e idosos que tenham dificuldade para realizar as técnicas anteriores, orienta-se o uso de espaçador bivalvulado com máscara, como segue:

 

      posição: sentado/em pé;

      retirar a tampa e observar se há corpo estranho;

      agitar por 3 a 5 segundos;

      spray acoplado ao espaçador na vertical: máscara sobre a boca e o nariz;

      acionar o spray enquanto respiram normalmente;

      aguardar 6 a 8 ciclos respiratórios;

      esperar 30 a 60 segundos para a segunda dose, se for o caso;

      lavar a boca e o rosto após o uso.

 

A limpeza domiciliar dos espaçadores pode ser realizada com lavagens semanais com água e detergente neutro. Em seguida, a orientação é que o espaçador seja deixado de molho por 30 minutos em uma solução de 1 litro de água e 2 gotas de detergente neutro, devendo secar espontaneamente após este procedimento. Com isso, forma-se um filme de detergente que reduz a carga eletrostática das paredes do espaçador, reduzindo a deposição das partículas de medicamento que ocorre a cada vez que um jato é liberado durante o uso, conforme já comprovado por estudo científico. Em larga escala, como em hospitais, existem outras técnicas de higienização, por exemplo, exposição ao óxido de etileno, álcool etc. A esterilização com óxido de etileno, como para alguns instrumentos cirúrgicos, aumenta a vida útil dos espaçadores em relação a outros métodos.

Uma das queixas mais frequentes está relacionada à dificuldade de saber quando o spray está vazio. Segundo pesquisas científicas, o melhor método seria anotar a data de início do uso e o número de doses usadas sucessivamente até o limite indicado na embalagem pelo fabricante. Alguns autores sugerem mergulhar o frasco na água; se estiver vazio, ele boia, porém, este procedimento poderia obstruir a válvula do spray e inutilizá-lo. Atualmente, alguns fabricantes incluem contadores de doses acoplados ao frasco, solucionando o problema.

Outra novidade são os aerossóis que usam o HFA (hidrofluoralcano) como propelente, em detrimento ao CFC (clorofluorcarbono). Aquele promove uma nuvem de jato mais ampla, com menor velocidade e com partículas menores e mais homogêneas, aumentando a deposição pulmonar da droga. O HFA não é lesivo para a camada de ozônio como o CFC, cuja produção tem sido eliminada em vários países, inclusive para fins medicinais, conforme acordado no Protocolo de Montreal de 2002.

Por fim, é muito importante saber o que apontam as evidências científicas a respeito do uso de spray com espaçador versus nebulizador na crise de asma. Segundo as pesquisas, não há dúvidas de que os broncodilatadores beta-2 agonistas de curta duração são os medicamentos de escolha para alívio dos sintomas da crise asmática, e, quando usados através do spray com espaçador, observa-se uma eficácia equivalente ou superior ao uso do nebulizador. Mesmo para crianças, o uso de spray com espaçador na crise de asma é preferível à nebulização em razão de maior conveniência, maior deposição pulmonar, menor risco de eventos adversos e menor custo. Os nebulizadores são considerados, portanto, uma segunda opção, por liberarem doses pouco precisas, serem mais caros, consumirem muito tempo e necessitarem de manutenções mais frequentes.

 

Inaladores de Pó

Nos inaladores de pó, a droga está ligada a uma substância sólida, por exemplo, albumina ou lactose, que funciona como um carreador, melhorando as propriedades de aerossolização da droga. No Brasil, estão disponíveis 5 tipos destes dispositivos, todos ativados pela força inspiratória do paciente que deve gerar um fluxo inspiratório alto para que ocorra o desacoplamento entre a droga e o carreador. O carreador possui diâmetro de massa muito maior que o da droga, e se não for desagregado desta com o uso correto do inalador de pó, fica prejudicada a deposição pulmonar do medicamento, sendo que o binômio droga + carreador acaba retido nas vias aéreas de maior calibre.

Desse modo, a técnica de uso dos inaladores de pó é uma de suas principais desvantagens, sendo que exige fluxos inspiratórios de moderados a altos, limitando seu uso em algumas situações, como durante crises mais graves de asma em que o paciente pode perder a capacidade de gerar fluxos elevados. Além disso, nem todas as medicações estão disponíveis para este tipo de dispositivo e alguns deles são mais sensíveis à ação prejudicial da umidade. Por outro lado, são dispositivos bastante utilizados no tratamento de manutenção e apresentam como vantagens a exigência de menor coordenação para o uso, já que são ativados pela respiração do paciente, além de serem portáteis e, alguns, multidoses.

 

CONCLUSÃO

Todos os dispositivos apresentados são bons quando utilizados corretamente. A técnica de uso de cada paciente deve ser checada e reorientada a cada consulta, uma vez que esta é uma importante fonte de insucesso do tratamento para a asma. A escolha de um dispositivo deve ser direcionada para aquele que proporcione maior benefício ao paciente, com menor custo e melhor adesão.

 

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