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Arritmias

 

Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

  

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 76 anos, vem à consulta por sentir palpitações e também relata que já faz uma semana que as sente rápidas e irregulares, sem outros sintomas associados. Afirma que há dois anos vem apresentando episódios semelhantes. O paciente apresenta diagnósticos de hipertensão arterial e diabetes melito, em uso de hidroclorotiazida, 25 mg, e metformina, 850 mg. Ao realizar exame, verificam-se: bom estado geral, frequência cardíaca de 145 bpm, pressão arterial de 156/90 mmHg; aparelho cardio vascular: ritmo irregular, 2 tempos, sem sopros; aparelho respiratório: murmúrio vesicular uniformemente distribuído, sem ruídos adventícios; extremidades: aquecidas e bem perfundidas.

 

Definição    

As arritmias cardíacas são alterações na atividade elétrica normal do coração e podem ser classificadas em bradiarritmias, definidas por frequência cardíaca (FC) menor do que 50 bpm, ou taquiarritmias, FC maior do que 100 bpm (Quadro 1.1).

 

Epidemiologia        

A prevalência das arritmias cardíacas na população varia a arritmia mais comum, com prevalência de 0,2% em indivíduos < 55 anos e de 8 a 10% em > 80 anos.

 

Patogênese

Os mecanismos causadores das arritmias cardíacas podem ser divididos em anormalidades da formação e/ou da condução dos estímulos elétricos. Os mais comuns são reentrada, atividade deflagrada pós-potencial e automatismo anormal. A reentrada depende da existência de zonas com diferentes velocidades de condução. Para que se forme uma reentrada, é necessário haver bloqueio unidirecional em zona de condução lenta e retorno do impulso por outra via (p. ex., taquicardia supraventricular por reentrada nodal atrioventricular e taquicardia ventricular em zona de cicatriz de infarto). A atividade deflagrada ocorre por oscilações no potencial de ação da membrana, dependentes de um potencial prévio (p. ex., torsade de pointes). O automatismo ocorre por despolarizações espontâneas da célula miocárdica (p. ex., taquicardia atrial automática).

 

Bradiarritmias

Doença do nó sinusal

A doença do nó sinusal pode manifestar-se como bradicardia sinusal, parada sinusal, bloqueio sinoatrial e síndrome bradicardia-taquicardia. O diagnóstico de doença do nó sinusal, no entanto, deve ser feito com cautela, uma vez que indivíduos normais podem apresentar bradicardia sinusal de 35 a 40 bpm e pausas sinusais de 2 a 3 segundos.

 

 

Bloqueios atrioventriculares

Os bloqueios atrioventriculares (BAV) são classificados de acordo com o nível de bloqueio no sistema de condução. O BAV de primeiro grau caracteriza-se por um intervalo P-R maior do que 0,20 s, sendo que todos os impulsos são conduzidos. No BAV de segundo grau, nem todos os impulsos são conduzidos, podendo ser classificado em Mobitz tipo I (ou Wenckebach) e Mobitz tipo II. No tipo I, ocorre um prolongamento progressivo do intervalo P-R, precedendo onda P não conduzida. No bloqueio tipo II, os intervalos PR que precedem a onda P não conduzida são constantes. Já no BAV de terceiro grau ou bloqueio completo, nenhum estímulo atrial é conduzido aos ventrículos e não há correlação entre as ondas P e os complexos QRS (dissociação atrioventricular).

 

Taquiarritmias

Taquiarritmias com QRS estreito (< 120 ms)

As taquicardias com QRS estreito são de origem supraventricular e podem ser divididas entre dependentes e independentes do nó atrioventricular (AV), conforme a participação do nó AV como parte fundamental do circuito da taquicardia.

 

Dependentes do nó AV

Taquicardia supraventricular por reentrada nodal atrioventricular: A taquicardia por reentrada nodal AV é a taquicardia supraventricular mais frequente. A FC é geralmente entre 150 e 250 bpm, apresentando início e término súbitos. Do ponto de vista eletrocardiográfico, caracteriza-se pela ausência de ondas P visíveis ou na porção final do QRS (Fig. 1.1).

 

Taquicardia supraventricular por reentrada atrioventricular: Esse tipo de taquicardia ocorre nos pacientes que apresentam via acessória de condução atrioventricular. Se há condução anterógrada (Wolff-Parkinson-White [WPW]), o ECG apresenta intervalo PR menor do que 120 ms, QRS com mais de 120 ms e com empastamento inicial (onda delta), e alterações secundárias no segmento ST-T no sentido oposto ao do complexo QRS. A taquicardia supraventricular por reentrada AV apresenta-se com FC entre 150 a 250 bpm. Na forma ortodrômica (um estímulo elétrico é conduzido aos ventrículos pelo nó AV, retornando ao átrio pela via acessória), o QRS é estreito. Na forma antidrômica, o ECG é de uma taquicardia com QRS largo.

 

 

Figura 1.1

Taquicardia por reentrada nodal atrioventricular; frequência cardíaca de 180 bpm.

 

Independentes do nó AV

Taquicardia  atrial: Caracteriza-se  eletrocardiograficamente por FC entre 120 a 220 bpm e por apresentar ondas P de morfologia diferente da onda P sinusal. Uma forma particular de taquicardia atrial é a taquicardia atrial multifocal, caracterizada pela presença de ondas P de, pelo menos, três diferentes morfologias, e associada com  descompensação  de  doença  pulmonar  obstrutiva crônica ou de cardiopatia.

 

Fibrilação atrial: Trata-se da arritmia crônica mais comum, tendo a idade como principal fator predisponente. No ECG, caracteriza-se por ausência de ondas P, presença de pequenas oscilações na linha de base, de amplitude e morfologia variáveis (chamadas ondas F) e intervalos RR variáveis aleatoriamente. A FC geralmente varia entre 140 a 180 bpm, podendo ser maior ou menor dependendo do período refratário do nó AV (Fig. 1.2).

 

Flutter atrial: O flutter atrial ocorre com mais frequência em pacientes com cardiopatia estrutural. No ECG, observa-se uma linha de base com ondas regulares em formato de “dentes de serra”, em geral com frequência de aproximadamente 300 ciclos por minuto (ondas F). A frequência ventricular depende do grau de bloqueio AV (Fig. 1.3).

 

Taquicardias com QRS largo (> 120 ms): As taquiarritmias com QRS longo são, em grande maioria, de origem ventricular. Entretanto, taquiarritmias supraventriculares também podem apresentar-se com complexo QRS alargado na presença de bloqueio de ramo ou de via acessória com condução anterógrada.

 

Taquicardia ventricular: O diagnóstico de taquicardia ventricular (TV) é dado pela ocorrência de uma série de três ou mais batimentos ventriculares consecutivos com FC maior do que 100 bpm. Arbitrariamente, define-se TV sustentada quando essa tem uma duração maior do que 30 segundos ou requer interrupção por instabilidade hemodinâmica. Quanto à morfologia, pode ser monomórfica ou polimórfica.

 

 

Figura 1.2

Fibrilação atrial; frequência cardíaca de 140 bpm.

 

Figura 1.3

Flutter atrial; frequência cardíaca de 150 bpm.

 

Sinais e Sintomas

As arritmias cardíacas podem ser sintomáticas ou assintomáticas. Sinais e sintomas associados a arritmias cardíacas incluem palpitações, pré-síncope ou síncope, dispneia, angina, hipotensão e choque.

 

Diagnóstico

A definição do tipo de arritmia depende de uma avaliação adequada do ritmo. É essencial buscar a identificação da presença de onda P e de sua relação com o complexo QRS. A realização de ECG, no momento dos sintomas, nem sempre é possível. Usa, então, métodos de monitoração, como o Holter e o monitor de eventos.

O estudo eletrofisiológico invasivo (EEF) possibilita o registro da atividade elétrica intracardíaca por meio de eletrocateteres multipolares. O EEF pode ser indicado para o diagnóstico diferencial de taquiarritmias, estratificação de risco de morte, avaliação de síncope e bradiarritmias.

 

Tratamento

Bradiarritmias

No caso de instabilidade hemodinâmica, o tratamento deve ser imediato. Para isso, administra-se atropina, intravenosamente, na dose de 0,5 mg, a cada 3 a 5 minutos, até dose máxima de 3 mg.

Não havendo resposta à atropina, usa-se marca-passo temporário, transvenoso ou transcutâneo, ou infusão de catecolaminas: dopamina ou adrenalina. A indicação posterior de implante de marca-passo definitivo deve ser criteriosamente avaliada.

 

Taquicardias com QRS estreito (< 120 ms) dependentes do nó AV

Taquicardia supraventricular por reentrada nodal atrioventricular

Nos pacientes estáveis, massagem do seio carotídeo e administração de adenosina na dose de 6 a 12 mg, IV, em bólus. Não havendo resposta, as opções são betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio e digital. A amiodarona é uma alternativa na disfunção ventricular esquerda. Havendo instabilidade hemodinâmica, faz-se a cardioversão elétrica sincronizada, 50 a 100 J. Quanto ao manejo crônico, há indicação crescente de ablação por radiofrequência, com cura em 94 a 99% dos casos.

 

Taquicardia supraventricular por reentrada atrioventricular

A forma mais comum de taquicardia associada à síndrome de WPW é a taquicardia supraventricular por reentrada AV, forma ortodrômica. O tratamento é semelhante ao da taquicardia supraventricular por reentrada nodal atrioventricular.

 

Taquicardias com QRS estreito (< 120ms) independentes do nó AV

Taquicardia atrial

Havendo a possibilidade de intoxicação digitálica, deve-se suspender a administração do fármaco e corrigir eventuais distúrbios hidreletrolíticos. Se não houver, as opções de tratamento são betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, sotalol, amiodarona e, eventualmente, ablação.

 

Fibrilação atrial

Em pacientes hemodinamicamente instáveis, o tratamento de escolha é a cardioversão elétrica sincronizada, com carga inicial de 100 a 200 J.

Nos pacientes hemodinamicamente estáveis, busca-se o controle da reposta ventricular ou o controle do ritmo. As drogas para o controle da resposta ventricular são betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio ou, em pacientes com disfunção ventricular esquerda ou níveis pressóricos limítrofes, digoxina ou amiodarona. O controle do ritmo pode ser realizado por meio da cardioversão química ou elétrica. As opções para a cardioversão química são amiodarona e propafenona. Caso seja uma fibrilação atrial com menos de 48 horas de duração, pode-se realizar cardioversão com baixo risco de embolização sistêmica. Caso tenha mais de 48 horas de duração, a cardioversão deverá ser precedida pela realização de ecocardiograma transesofágico a fim de excluir a presença de trombo em átrio esquerdo ou anticoagulação prévia do paciente por três a quatro semanas. Após a cardioversão, deve-se realizar anticoagulação no paciente por três a quatro semanas. A dronedarona é uma nova opção de droga antiarrítmica que reduziu o número de hospitalizações por causa cardiovascular e morte. A ablação por radiofrequência pode ser considerada em casos refratários.

 

Flutter atrial

O tratamento de flutter atrial segue a mesma estratégia utilizada para a fibrilação atrial, inclusive com relação à necessidade de anticoagulação. Ressalta-se que tanto o controle da resposta ventricular quanto a cardioversão química são mais difíceis no flutter do que na fibrilação atrial. A cardioversão elétrica apresenta elevada taxa de sucesso e pode ser realizada com níveis mais baixos de energia, iniciando-se com 50 a 100 J. Diferentemente da fibrilação atrial, a ablação por radiofrequência do flutter atrial já é um procedimento com técnica bem estabelecida, com sucesso em 95 a 100% dos casos, podendo ser considerado como opção inicial de tratamento.

 

Taquicardias com QRS largo (> 120 ms)

Taquicardia ventricular

A taquicardia ventricular sem pulso deve ser tratada da mesma maneira que a fibrilação ventricular: desfibrilação com carga inicial de 200 J. Nos casos de taquicardia ventricular com pulso, porém com instabilidade hemodinâmica, o tratamento utilizado é a cardioversão elétrica sincronizada com carga inicial de 100 J. Em pacientes estáveis, a opção inicial pode ser amiodarona ou lidocaína.

Após controle do episódio agudo, deve-se identificar a presença ou não de cardiopatia estrutural e instituir seu tratamento específico. Outras medidas incluem a manutenção com drogas antiarrítmicas, colocação de cardioversor-desfibrilador implantável e, em casos específicos, ablação por radiofrequência.

 

Caso Clínico Comentado

O paciente em questão, que é hipertenso e diabético e apresenta palpitações irregulares há uma semana, realizou ECG, por meio do qual constatou-se: fibrilação atrial, FC de 140 bpm e alterações inespecíficas da repolarização ventricular. Nesse caso de fibrilação atrial, estável hemodinamicamente, com caráter recorrente e presente há uma semana, a opção inicial de tratamento é o controle da resposta ventricular. As alternativas farmacológicas disponíveis são os betabloqueadores ou os bloqueadores dos canais de cálcio. Além do controle da resposta ventricular, considerando-se a presença de fatores de risco, como idade, hipertensão arterial e diabetes melito, deve-se indicar para o paciente tratamento crônico com anticoagualante oral.

 

Leituras Recomendadas

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