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Diverticulose e Diverticulite

Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 60 anos, operário da construção civil, procura auxílio médico no serviço de emergência com ocorrências de dor abdominal, há dois dias, difusa, associada a vômitos e febre. O paciente relata apresentar constipação crônica e colonoscopia há cinco anos com divertículos de colo sigmoide. Ao realizar exame, verifica-se abdome distendido, doloroso à palpação difusa, principalmente no quadrante inferior esquerdo, com dor à descompressão brusca desse local. Os exames laboratoriais evidenciam leucocitose com desvio à esquerda. No raio X de abdome agudo, não há pneumoperitônio. Na tomografia computadorizada, de abdome, observa-se espessamento das paredes de colo sigmoide.

 

Definição

A doença diverticular do colo é caracterizada por herniações na parede colônica em locais de penetração vascular (Fig. 49.1). Ela é uma doença comum em países desenvolvidos e há um aumento de sua prevalência com a idade do paciente.

Diverticulose é o termo utilizado para descrever divertículos sem inflamação. Já a diverticulite ocorre quando há inflamação de um ou mais divertículos.

 

Epidemiologia

Nas últimas décadas, tem-se notado um aumento no número de pacientes com divertículos de colo. A real incidência é difícil de ser estimada, mas estudos recentes apontam uma prevalência de 12 a 49%, sendo essas taxas mais elevadas conforme a idade do paciente. A ocorrência varia de 10%, em pacientes com menos de 40 anos, para 50 a 70% naqueles com 80 anos ou mais. A prevalência é semelhante entre indivíduos de ambos os sexos, com índices de sangramento diverticular maiores em homens e de obstrução mais significativa em mulheres. Dez a 25% dos pacientes com diverticulose apresentarão quadro de diverticulite.

 

Anatomia Patológica

Os divertículos localizam-se paralelos às tênias, em locais de penetração das artérias que nutrem a mucosa do colo, onde ocorre fraqueza da parede. Eles afetam o colo sigmoide e descendente em mais de 90% dos pacientes. Podem variar de únicos a centenas, medindo entre 3 e 10 mm de diâmetro, mas podem alcançar mais de 2 cm.

 

 

Figura 49.1

Divertículos de colo.

 

Patogênese

A causa da doença diverticular ainda não foi completamente estabelecida. A patogênese envolve três grandes fatores: anormalidades estruturais do colo, relacionadas a alterações na composição da parede, como o colágeno e a elastina; alterações da motilidade intestinal, causando um aumento da pressão intraluminal; e dieta pobre em fibras.

 

Diverticulose

A diverticulose é diagnosticada devido à presença de um ou mais divertículos na parede do colo.

 

Sinais e sintomas

A maioria dos pacientes (75 a 80%) com diagnóstico acidental de diverticulose permanecem assintomáticos. Essa doença é caracterizada por dor abdominal inespecífica no abdome inferior sem evidências de processo inflamatório. A dor é em cólica, piorando com a alimentação, mas tem significativa melhora após evacuação ou eliminação de flatos. Os pacientes podem apresentar outros sintomas associados, como distensão abdominal e constipação. O exame físico frequentemente é normal, podendo alguns pacientes relatarem dor leve à palpação do quadrante inferior esquerdo do abdome.

 

Diagnóstico

O enema opaco foi considerado durante anos como o exame-padrão para o diagnóstico de diverticulose. Ele evidencia informações, como o número e a localização dos divertículos, mas não as lesões associadas. Hoje, o exame recomendado para esses pacientes é a colonoscopia, que deve ser realizada rotineiramente em todos os pacientes que apresentam doença sintomática, com o intuito de excluir lesões relacionadas à neoplasia. A colonoscopia é um método seguro, sendo limitada nos casos de espasmo ou estreitamento luminal.

 

Tratamento

Estudos mostram-se conflitantes no que se refere ao aumento da ingestão de fibras, observando uma melhora sintomática em pacientes com diverticulose, não sendo evidenciada, no entanto, a regressão dos divertículos. Não existem dados que comprovem a necessidade de exclusão de sementes da dieta.

Não há benefício com o uso de antiespasmódicos ou anticolinérgicos, também não existindo justificativa para a administração de analgésicos narcóticos e antibióticos em casos de doença diverticular não complicada. Tratamentos alternativos, como mesalazina e probióticos, têm sido recentemente propostos, mas nenhuma conclusão definitiva pode ser realizada até que grandes ensaios randomizados controlados por placebo estejam disponíveis.

 

Diverticulite

A diverticulite é a inflamação e/ou a infecção dos divertículos, sendo a complicação clínica mais comum nessa doença.

 

Fisiopatologicamente, como a diverticulite é desencadeada?

Os divertículos podem tornar-se agudamente inflamados por meio de fezes impactadas, causando obstrução do lúmen, com consequente ulceração da mucosa. Eles podem desenvolver perfuração microscópica, que são bem localizadas, contidas por gordura pericólica e mesentério, resultando em pequenos abscessos pericólicos. Quando a perfuração é macroscópica, o abscesso é mais extenso, com formação de grande massa inflamatória, podendo desenvolver fistulização.

 

Sinais e sintomas

As manifestações variam de acordo com a extensão da doença. Na maioria dos casos, os pacientes relatam constipação e dor no quadrante inferior esquerdo do abdome. É importante ressaltar que dor no abdome direito não descarta o diagnóstico de diverticulite, podendo ser encontrada na presença de colo sigmoide redundante, bem como de divertículos no colo direito (mais prevalentes na população asiática). Outros sintomas associados são náuseas, vômitos e diarreia. A hematoquezia é rara e deve sugerir outros diagnósticos.

Em relação ao exame físico, o paciente apresenta-se com dor à palpação do quadrante inferior esquerdo, defesa à palpação, podendo apresentar massa palpável. Os ruídos intestinais estão diminuídos, podendo ser normais no início da doença ou aumentados nos casos de obstrução colônica. A febre é um sintoma comum, assim como a leucocitose.

As consequências da diverticulite podem ser mais graves em pacientes imunocomprometidos, incluindo aqueles que realizaram transplante de orgãos, com infecção pelo vírus HIV ou em uso crônico de corticoides.

 

Diagnóstico

O diagnóstico da doença tem como base a história clínica e o exame físico do paciente, devendo ser instituído, nesses casos, o tratamento empírico. Os exames laboratoriais e de imagem são utilizados para a confirmação do diagnóstico ou para a exclusão de outras causas com sintomas semelhantes. A investigação complementar é reservada para os pacientes com diagnóstico incerto, pouca resposta ao tratamento empírico ou em casos de suspeita de complicações.

O diagnóstico diferencial é realizado com apendicite aguda, doença de Crohn, neoplasias de colo, colite isquêmica e pseudomembranosa e doenças ginecológicas.

 

Raio X

O raio X de abdome agudo deve ser feito nos pacientes com dor abdominal significativa para detecção de pneumoperitônio relacionado à macroperfuração. Em 30 a 50% dos pacientes com diverticulite aguda, o raio X de abdome evidencia alterações, como íleo, e sinais de dilatação ou obstrução intestinal.

 

Tomografia computadorizada (TC)

A TC de abdome com contraste venoso, oral e retal é o teste de escolha para confirmação de uma suspeita de diverticulite. O achado de infiltração da gordura pericólica é diagnóstico, bem como o espessamento da parede do colo e a formação de abscessos. Em pacientes com doença leve ou naqueles em que o diagnóstico é simples, a TC não é necessária.

 

Enema contrastado do colo

O enema opaco foi o teste padrão-ouro no diagnóstico de diverticulite e suas complicações durante anos, não sendo mais utilizado devido ao risco de extravasamento de contraste nos casos de perfuração.

 

Ultrassonografia

A ultrassonografia é raramente utilizada no diagnóstico da doença, mas tem seu papel na exclusão de doença ovariana em mulheres.

 

Exame endoscópico

A colonoscopia deve ser evitada para avaliação inicial dos pacientes com diverticulite aguda devido ao risco de perfuração. A retossigmoidoscopia com insuflação mínima é útil para exclusão de outros diagnósticos, como doença inflamatória intestinal, carcinoma ou colite isquêmica. A colonoscopia deve ser realizada de seis a oito semanas após a resolução do quadro para avaliação dos diagnósticos coexistentes, especialmente neoplasias.

 

Classificação de gravidade

A gravidade do quadro de diverticulite é classificada de acordo com os critérios de Hinchey (Tab. 49.1). A mortalidade é menor do que 5% nos pacientes em estágio I ou II, aproximadamente 13% para os que estão em estágio III e 45% no estágio IV.

 

 

Tratamento

Primeiramente, deve-se decidir sobre a necessidade de hospitalização. É preciso analisar a capacidade de ingesta por via oral, a gravidade da doença, as comorbidades e o suporte familiar. Pacientes com sintomas leves, sem sinais de peritonite e boa ingesta oral são candidatos a tratamento ambulatorial.

Em casos de pacientes com diverticulite complicada, ou aqueles não complicados, mas que são idosos, imunodeprimidos, com comorbidades graves, febre alta e leucocitose, a hospitalização é obrigatória.

 

Tratamento ambulatorial. Consiste em dieta líquida clara e uso de antibióticos de amplo espectro contra anaeróbios e gram-negativos, principalmente Escherichia coli Bacteroides fragilis (Tab. 49.2). Os pacientes apresentam melhora do quadro em 48 a 72 horas, quando a dieta deve passar a ser branda. O tratamento antibiótico deve ser mantido por 7 a 10 dias. Nos pacientes em que ocorre piora da dor, febre e incapacidade de manter dieta via oral, a hospitalização é indicada.

 

Tratamento hospitalar. Os pacientes com critérios que indiquem a necessidade de hospitalização devem permanecer sem receber nada por via oral (NPO) e deve ser iniciada infusão de líquidos intravenosos. Deve-se corrigir os distúrbios eletrolíticos e iniciar a administração de antibióticos de amplo espectro por via intravenosa (com cobertura para anaeróbios e gram-negativos) (Tab. 49.2). A melhora clínica é observada em 48 a 72 horas, e deve-se iniciar dieta progressiva.

 

Fonte: Salzman e Lillie.1

 

Nos pacientes que não apresentarem melhora, deve-se suspeitar e investigar complicações. A maioria dos pacientes hospitalizados por diverticulite aguda respondem ao tratamento conservador, mas 15 a 30% necessitam de intervenção cirúrgica.

A avaliação cirúrgica é necessária quando os pacientes não respondem ao tratamento clínico, apresentam recidivas frequentes, formação de abscesso e fístulas, sinais de obstrução e perfuração livre.

 

Complicações

Entre as complicações, estão abscesso, fístulas, obstrução intestinal e perfuração livre, que requerem tratamento cirúrgico.

 

Abscessos. Deve haver suspeita de abscesso nos casos de melhora clínica lenta, com febre e leucocitose persistente (mesmo na instituição de tratamento antibiótico por via intravenosa) ou presença de massa dolorosa no exame físico. Nesses casos, a TC é o melhor exame para o diagnóstico definitivo do abscesso e sua evolução, permitindo também a drenagem percutânea guiada. Nos abscessos pequenos pericólicos, o manejo pode ser conservador. Quando houver necessidade de tratamento cirúrgico, a ressecção em bloco com anastomose primária pode ser realizada.

 

Fístulas. Quando um abscesso se estende ou rompe para órgãos adjacentes, podem ocorrer fístulas, sendo a colovesical a mais comum (65% dos casos). As fístulas têm uma predominância de 2:1 em indivíduos do sexo masculino, atribuída pela proteção da bexiga pelo útero nas mulheres. Pneumatúria e fecalúria são sintomas comuns. Cistografia, cistoscopia e radiografia contrastada são úteis para o diagnóstico. A passagem de fezes pela vagina é patognomônica. O tratamento para as fístulas é cirúrgico com a ressecção e o fechamento destas.

 

Obstrução. A obstrução pode ser uma complicação aguda ou crônica da doença diverticular. Nos episódios de diverticulite aguda, pode ocorrer obstrução colônica parcial em decorrência do estreitamento luminal relacionado à inflamação pericólica e/ou compressão por abscesso. A ocorrência de obstrução completa é rara, podendo ocorrer íleo ou pseudo-obstrução.

Essas condições frequentemente melhoram com o tratamento clínico. Se a obstrução não melhorar, está indicada a intervenção cirúrgica. Episódios repetidos de diverticulite podem iniciar um processo de fibrose e estenose da parede do colo, podendo surgir um quadro de obstrução completa que requer tratamento cirúrgico.

 

Hemorragia. Os divertículos e as ectasias vasculares causam a maioria dos episódios de hemorragia digestiva baixa. Estudos recentes mostram que a etiologia mais comum, com 24 a 42% dos casos, é de origem diverticular. Existe uma associação entre o uso de anti-inflamatóriosnão esteroides (AINEs) e quadros de hemorragia diverticular. Pode haver hemorragia grave em 3 a 5% dos pacientes com diverticulose. O sangramento é de origem arterial, determinado pela ruptura dos vasos sanguíneos (vasa recta).

A apresentação clínica é de sangramento de início abrupto e indolor. Os pacientes podem apresentar dor leve no abdome superior com posterior urgência para defecar, com passagem de sangue vermelho ou acastanhado e coágulos. A hemorragia cessa espontaneamente em 70 a 80% dos pacientes.

O tratamento consiste em estabilização hemodinâmica com posterior exame endoscópico para descartar que a origem do sangramento seja no trato gastrintestinal alto. A sigmoidoscopia flexível é indicada no manejo inicial.

Se a etiologia não for encontrada, deve-se realizar outros exames, como angiografia e cintilografia. O tratamento cirúrgico é indicado para pacientes em que o tratamento clínico, endoscópico e angiográfico falhou.

 

Caso Clínico Comentado

O caso clínico do paciente em questão é típico de diverticulite não complicada.

Foi prescrita antibioticoterapia oral, com ciprofloxacina e metronidazol por 14 dias. O paciente apresentou melhora clínica.

Foi solicitada colonoscopia para ser realizada em 60 dias, com o objetivo de descartar doenças associadas.

 

Referência

1. Salzman H, Lillie D. Diverticular disease: diagnosis and treatment. Am Fam Physician. 2005;72(7):1229-34.

 

Leituras Recomendadas

Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ, editors. Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease. 9th ed. Philadelphia: Saunders; 2010.

Jacobs DO. Clinical practice. Diverticulitis. N Engl J Med.2007;357(20):2057-66.

Matrana MR, Margolin DA. Epidemiology and pathophysiology of diverticular disease. Clin Colon Rectal Surg. 2009;22(3):141-6.

Stollman NH, Raskin JB. Diagnosis and management of diverticular disease of the colon in adults. Ad Hoc Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. Am J Gastroenterol.1999;94(11):3110-21.

Stollman NH, Raskin JB. Diverticular disease of the colon. Lancet.2004;363(9409):631-9.

Vermeulen J, van der Harst E, Lange JF. Pathophysiology and prevention of diverticulitis and perforation. Neth J Med. 2010;68(10):303-9.