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Hiponatremia

Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Uma paciente do sexo feminino, 60 anos, branca, com diagnóstico recente de glioblastoma multiforme, realiza tratamento com temozolomida. Ela apresenta-se ao consultório do oncologista com queixa de sonolência. Os exames laboratoriais de controle estão todos normais, exceto por sódio de 115 mEq/L (VR: 135 a 145 mEq/L). A paciente relata três internações hospitalares nos últimos dois meses para correção de hiponatremia. Ela é encaminhada para nova internação, e solicita-se consulta com nefrologista. A paciente estava utilizando escitalopram há cerca de um mês, pois o quadro de sonolência foi interpretado como manifestação de depressão. Ela afirma não usar diuréticos ou outras medicações.

Ao realizar exame, ela apresenta-se afebril, com pressão arterial de 120/80 mmHg e frequência cardíaca de 80 bpm, sem alterações posturais, com peso de 50 kg. O exame segmentar é completamente normal, exceto pela presença de sonolência. Não há edema. A investigação laboratorial evidencia glicemia, perfil lipídico, proteínas totais e frações, função renal, suprarrenal e tireoidiana normais. A osmolaridade urinária é de 600 mOsm/L, e o sódio urinário, de 80 mmol/L.

 

Definição

A hiponatremia pode ser definida como uma concentração de sódio sérico [Na+] abaixo do limite da normalidade. Na maioria dos laboratórios, o valor corresponde a [Na+] inferior a 135 mEq/L. Recentemente, um estudo canadense envolvendo mais de 53 mil pacientes definiu hiponatremia como [Na+] menor que 138 mEq/L. Nesse estudo, os autores modificaram os valores de normalidade do sódio sérico para 138 a 142 mEq/L, por observarem que pacientes com níveis de sódio abaixo ou acima desses valores apresentavam um aumento significativo na mortalidade. Embora a maioria dos autores continue determinando hiponatremia como [Na+] menor que 135 mEq/L, esse estudo evidencia a necessidade de uma discussão sobre esses valores de referência.1-4

 

Epidemiologia

A hiponatremia é o distúrbio hidreletrolítico de ocorrência mais comum em pacientes hospitalizados. Em estudo recente realizado em dois hospitais de Boston, com cerca de 100 mil pacientes adultos hospitalizados entre 2000 e 2003, Waikar e colaboradores2 observaram uma prevalência de hiponatremia de 14,5%; quando a natremia foi corrigida para a concentração sérica de glicose, a prevalência ficou entre 11,8 e 12,8%, dependendo da fórmula utilizada. Em 2010, Funk e colaboradores3 avaliaram cerca de 150 mil pacientes internados em 77 unidades de terapia intensiva (UTI) da Áustria e identificaram hiponatremia, no momento da admissão, em 17,7% desses pacientes.

A hiponatremia é um importante fator prognóstico e tem sido associada a aumento no tempo de permanência hospitalar, necessidade de internamento em UTI, custo da hospitalização e mortalidade. Em pacientes com cirrose avançada, em lista de espera para transplante hepático, a prevalência de hiponatremia pode superar 30%. Nesses pacientes, foi evidenciado que a utilização do sódio sérico para ajustar o escore de MELD {MELDNa = MELD - Na - [0,025 × MELD × (140 - Na)] + 140} melhora a capacidade deste para predizer mortalidade e consequentemente aperfeiçoa os critérios de alocação para o transplante.

 

Patogênese

Do ponto de vista matemático, a concentração sérica de sódio é uma fração, expressa em miliequivalentes de sódio por litro de água.

 

[Na+] = miliequivalentes de sódio / litro de água

 

Como toda fração, o resultado pode ser alterado por modificações no numerador (sódio corporal total) ou no denominador (água plasmática na qual o sódio está diluído). Dessa forma, a hiponatremia pode ser o resultado de qualquer uma das situações citadas na Tabela 76.1.

A partir dessas situações é possível perceber que, exceto em casos de hipovolemia, a hiponatremia é causada por um aumento na quantidade de água plasmática (denominador), e não por uma redução do sódio corporal total (numerador). Observando mais cuidadosamente, nota-se que, mesmo em casos de hiponatremia hipovolêmica, há um excesso de água relativo à quantidade de sódio. Conclui-se, então, que a hiponatremia deve ser compreendida mais como um excesso de água do que como um déficit de sódio.

Os conceitos básicos relativos a concentração de sódio são vistos no Quadro 76.1.

 

Sinais e Sintomas

Os sintomas variam muito conforme a velocidade de instalação e a gravidade da hiponatremia. Hiponatremias agudas e graves geralmente são sintomáticas, podendo causar sonolência, coma, crises convulsivas e edema cerebral.

 

Qual a resposta fisiológica do organismo a um excesso de água?

O excesso de água no organismo causa a diluição do sódio sérico e a hiponatremia. Como a concentração sérica de sódio é o principal determinante da osmolaridade sérica (ver abaixo), a hiponatremia ocorre concomitantemente a hipo-osmolaridade.

 

Osmolaridade sérica calculada = 2 [Na+] (mEq/L) + Glicose (mg/dL) /  18 + Ureia (mg/dL)  / 6

 

Em um exemplo em que [Na+] é de 140 mEq/L, glicose de 90 mg/dL e ureia de 30 mg/dL, a osmolaridade sérica calculada é de 290 mOsm/L. Nesse caso, a concentração sérica de sódio contribui com 280 mOsm/L, enquanto a soma de glicose e ureia com apenas 10 mOsm/L.

 

 

 

 

 

Em pacientes com hipo-osmolaridade, o estímulo da sede e a secreção de ADH são cessados. Sem ADH, os túbulos coletores ficam impermeáveis à água, causando uma grande quantidade de excreção de urina diluída. O excesso de água é eliminado.

O metabolismo da água (osmorregulação) em relação ao metabolismo do sódio (regulação de volume) pode ser visto na Tabela 76.2.

 

Qual a capacidade dos rins de excretar água?

Havendo uma ingestão adequada de solutos, um adulto necessita excretar de 600 a 900 mOsm/L de sais de sódio, potássio e ureia. Considerando uma ingestão de água suficiente para inibir completamente a secreção de ADH, o nível da osmolaridade urinária pode reduzir para até 50 mOsm/L. Um indivíduo que precisa excretar 800 mOsm de soluto na urina com esse grau de diluição consegue atingir esse valor em 16 L de urina (800 ÷ 50). Portanto, mantida a capacidade renal de excretar água, um indivíduo deve ingerir mais de 16 L de água para desenvolver hiponatremia.

 

 

 

Por que, então, os rins dos pacientes hiponatrêmicos não excretam o excesso de água?

Secreção não osmótica de vasopressina. Quando a vasopressina (ADH), também denominado hormônio antidiurético, liga-se aos seus receptores nos túbulos coletores (V2), ocorre síntese e fosforilação de aquaporinas, proteínas capazes de inserir poros na membrana plasmática da célula tubular, tornando-a permeável à água. Nessa situação, há reabsorção de água dos túbulos coletores em direção ao interstício medular, concentrando a urina.

O ADH é tipicamente secretado em resposta a um déficit de água e hiperosmolaridade (Quadro 76.2) para promover retenção da água ingerida e correção do déficit. No entanto, existem outros estímulos para a secreção. Entre eles, o mais comum é a redução do volume intravascular efetivo (VIVE) por estímulo barorreceptor. Esse é o fator operante em casos de hiponatremia hipovolêmica e hiponatremia “hipervolêmica”, pois nesses estados edematosos, também há redução do VIVE e hipoperfusão de barorreceptores. A secreção de ADH também pode ocorrer em resposta à dor e às náuseas, manifestações muito comuns em pacientes no período pós-operatório. Já alguns medicamentos e tumores podem causar uma secreção inapropriada de ADH (SIADH).

Do ponto de vista prático, não se mede o ADH sérico, mas se infere a sua existência a partir da avaliação da urina. Uma urina concentrada (densidade urinária > 1.005 e osmolaridade urinária > 100 mOsm/kg) sugere a presença de ADH.

 

Redução na taxa de filtração glomerular. Pacientes com lesão aguda renal ou doença renal crônica apresentam uma redução global na capacidade de excretar água e solutos e podem desenvolver hiponatremia se houver ingestão de grandes quantidades de líquido hipotônico.

 

Mutações no receptor V2. Esse quadro clínico é idêntico ao da SIADH, de hiponatremia hipotônica euvolêmica com urina concentrada, mas os níveis séricos de ADH estão indetectáveis. Esses pacientes apresentam receptores V2 mutantes, constitutivamente ativos. Essa condição é também conhecida como síndrome nefrogênica da antidiurese inapropriada.

 

Situação particular: baixa ingesta de solutos

Para exemplificação, pode-se considerar o caso de um indivíduo que passa o dia inteiro apenas bebendo cerveja. A cerveja contém quantidades baixíssimas de sal, potássio e proteínas. Por conter glicose, essa bebida não apenas reduz a fome, mas também minimiza o catabolismo proteico. Nesse caso, possivelmente a produção de solutos é muito reduzida para serem excretados, por exemplo, 250 mOsm. Mesmo com a urina maximamente diluída (osmolaridade urinária de 50 mOsm/L), a capacidade de excreção de água livre diminui para 5 L (250 ÷ 50). Se houver ingestão de mais de 5 L de líquidos, o indivíduo pode desenvolver hiponatremia.

Essa situação, conhecida como potomania do bebedor de cerveja, ilustra como uma baixa ingestão de solutos pode reduzir a capacidade de excreção de água livre e favorecer o desenvolvimento de hiponatremia. A situação é particular, pois a urina diluída sugere que a capacidade renal de excretar água está normal. Embora a potomania do bebedor de cerveja seja relativamente rara, ela é ilustrativa de outras situações clínicas bem mais comuns em que ocorre fenômeno semelhante: idosos que se alimentam à base de chás e torradas (tea and toast disease) e pacientes em enfermarias ou UTIs submetidos à dieta zero ou baixa ingesta de solutos, mas que recebem infusões de soluções hipotônicas.

 

 

Pode haver hiponatremia mesmo que a capacidade renal de excretar água seja mantida?

Se a ingestão de água for superior à capacidade renal de excreção, o indivíduo desenvolve hiponatremia. Nessas situações, a urina está diluída, indicando que os rins estão tentando excretar o excesso de água. Como citado anteriormente, se a ingestão de solutos é normal, o indivíduo tem que ingerir mais de 10 L de água para desenvolver hiponatremia. Isso pode ocorrer em pacientes psiquiátricos, com polidipsia psicogênica. Às vezes, ingestões muito rápidas de quantidades não tão grandes de água podem causar hiponatremia. Santos-Soares e colaboradores5 relataram o caso de um homem de 34 anos, previamente hígido, que se apresentou à emergência com crises convulsivas e [Na+] de 123 mEq/L, após ingerir cerca de 8 L de água. Esse indivíduo estava jogando dominó em uma roda de amigos, e a aposta era que, quem perdesse uma rodada, teria que beber um copo de água (aproximadamente 200 mL). Esse rapaz perdeu uma rodada após a outra e acabou ingerindo cerca de 40 copos de água em um curto espaço de tempo.

Outras situações análogas são os afogamentos em água doce e as cirurgias endoscópicas, como a histeroscopia e a ressecção transuretral da próstata, em que pode haver absorção rápida de grande quantidade da água contida nas soluções de irrigação.

Nesses casos, cessando a ingestão excessiva de água, os rins excretam o excesso, e o [Na+] sérico é normalizado. No entanto, em casos de hiponatremia grave sintomática, o tratamento com solução salina hipertônica é indicado para reduzir o edema cerebral.

 

Etiologia e Diagnóstico

Em pacientes com hiponatremia, deve-se primeiramente descartar a possibilidade de uma pseudo-hiponatremia. Em casos de hiponatremia verdadeira, a osmolaridade sérica é sempre baixa. Se houver hiponatremia com osmolaridade sérica normal ou elevada, o diagnóstico é de uma pseudo-hiponatremia. Essas situações não representam distúrbios no metabolismo da água e não requerem medidas direcionadas para a correção do sódio sérico.

 

Pseudo-hiponatremia com osmolaridade sérica elevada

A manifestação mais clássica é a hiperglicemia, mas pode ocorrer também durante a administração de contraste iodado hiperosmolar. Nesse caso, há saída de água do líquido intracelular (LIC) para o líquido extracelular (LEC), procurando equilibrar a osmolaridade entre os dois espaços. Essa entrada de água no LEC dilui o sódio sérico. Com a correção da glicemia, os níveis de sódio sérico são normalizados sem que nenhuma outra medida seja necessária.

A fórmula a seguir pode ser utilizada para estimar os níveis de sódio sérico corrigido em um paciente com hiperglicemia.

 

Sódio corrigido = sódio medido + [1,6 x (glicose : 100)]

 

Pseudo-hiponatremia com osmolaridade sérica normal

Essa situação é classicamente relatada em casos de hiperproteinemias (p. ex., mieloma múltiplo) e dislipidemias graves (p. ex., hipertrigliceridemias) quando a fração aquosa do plasma está reduzida devido ao excesso de proteínas ou lipídeos. Esse fenômeno ocorria mais frequentemente quando o sódio sérico era medido por meio da técnica de fotometria de chama, mas tornou-se mais raro com os novos analisadores.

Como a avaliação da osmolaridade sérica não é realizada em diversos hospitais e laboratórios (e, quando realizada, o resultado pode demorar muito), na prática, é bastante comum descartar o diagnóstico de uma pseudo-hiponatremia com base em dados clínicos e dosando glicose, proteínas totais e frações, e perfil lipídico.

Descartada a possibilidade de diagnóstico de pseudo-hiponatremias, a próxima etapa é realizar uma avaliação da volemia. Diferentemente da osmolaridade plasmática, não há um exame laboratorial que evidencie o estado volêmico do paciente. A avaliação da volemia tem como base dados clínicos de anamnese e exame físico, bem como alguns exames laboratoriais. Para pacientes internados em UTIs, a avaliação clínica da volemia é ainda mais difícil, sendo necessárias medidas de pré-carga, débito cardíaco ou perfusão tecidual.

 

Hipovolemia: história que sugira baixa ingesta e/ou perdas (cutânea, gastrintestinal ou renal) excessivas, taquicardia e/ou hipotensão (sejam espontâneas ou com manobra postural). O sódio urinário está baixo e a osmolaridade urinária alta, indicando a retenção hidrossalina em resposta à hipovolemia verdadeira.

 

Hipervolemia: história e exame físico que sugiram uma síndrome edematosa, como ICC, cirrose ou síndrome nefrótica. Cada uma dessas síndromes apresenta sinais específicos ao exame físico, mas edema e ganho de peso ocorrem frequentemente em todas. Do mesmo modo, o sódio urinário está baixo e a osmolaridade urinária alta, mas essa retenção hidrossalina ocorre em resposta à hipovolemia relativa (redução no VIVE).

 

Euvolemia: não há dados de histórico e exame físico que sugiram hipo ou hipervolemia. Nesse grupo, tem-se a potomania do bebedor de cerveja (pois a ingesta excessiva de água pura não altera a volemia), alterações endócrinas (hipotireoidismo, insuficiência adrenal primária, hipo pituitarismo), diuréticos tiazídicos e SIADH (Quadro 76.3 e 76.4).

 

 

 

Manifestações clínicas

Em pacientes com hiponatremia, o LEC torna-se hipotônico em relação ao LIC, gerando desvio de água para o interior das células. Por isso, as principais manifestações clínicas da hiponatremia são neurológicas, pois, como a calota craniana impede a expansão do parênquima cerebral, o edema celular resulta em hipertensão intracraniana.

Dependendo da gravidade e da rapidez de estabelecimento dessa condição, a hiponatremia pode ser assintomática ou causar sonolência, estupor, coma e crises convulsivas. Por serem inespecíficos, esses sintomas podem ser compreendidos como manifestações clínicas da doença de base. Outras vezes, quadros de sonolência podem ser compreendidos como secundários à depressão.

A rapidez de estabelecimento da hiponatremia é um fator determinante na sintomatologia. Por exemplo, uma hiponatremia moderada aguda pode ser mais sintomática do que uma hiponatremia grave crônica. Isso porque, na hiponatremia crônica, mecanismos adaptativos atuam para reduzir a osmolaridade intracelular e consequentemente minimizar a entrada de água nas células e o edema cerebral. Para isso, os neurônios, inicialmente, excretam sais de sódio e potássio e, posteriormente, osmólitos orgânicos.

Esses mecanismos adaptativos precisam ser respeitados no momento do tratamento. Uma correção inadvertidamente rápida de hiponatremia crônica, ao elevar a osmolaridade do LEC, pode causar redução abrupta do volume neuronal com desmielinização de tronco cerebral, principalmente na ponte (mielinólise pontina). Como os danos neurológicos decorrentes da mielinólise pontina são irreversíveis, a melhor alternativa é a prevenção.

O resumo dos principais aspectos clínicos das hiponatremias pode ser visto na Tabela 76.3.

 

Tratamento

O tratamento adequado da hiponatremia requer a consideração de diversos fatores, como a rapidez de estabelecimento, gravidade, sintomatologia e diagnóstico etiológico.

 

Velocidade de instalação

Exceto em casos em que a hiponatremia desenvolve-se em ambiente hospitalar (p. ex., pós-operatório), é difícil determinar a duração do distúrbio. Como após 48 horas de hiponatremia os mecanismos adaptativos descritos anteriormente já estão operantes, é prudente tratar todos de forma lenta. A recomendação atual é de elevar o [Na+] em menos de 10 mEq/L nas primeiras 24 horas (o ideal é de 6 a 8 mEq/L) e menos de 18 mEq/L nas primeiras 48 horas.

 

 

Gravidade

Pacientes com hiponatremias graves (< 115 mEq/L) devem ser manejados em ambiente hospitalar, de preferência em unidades fechadas, onde seja possível realizar controle frequente (p. ex., de 4/4 horas) da natremia, especialmente nas primeiras 24 horas de tratamento.

 

Sintomatologia

A sistomatologia é determinada basicamente pela velocidade de estabelecimento e pela gravidade dessa condição. As hiponatremias agudas e graves, em geral são sintomáticas, podendo causar crises convulsivas (edema cerebral). Nesses casos, o [Na+] deve ser elevado em até 2 mEq/L/h nas primeiras duas horas, até que haja melhora nos sintomas. Em seguida, a velocidade de correção deve ser reduzida para não ultrapassar a recomendação de menos de 10 mEq/L nas primeiras 24 horas.

 

Diagnóstico etiológico

Sempre que possível, deve-se corrigir a causa da hiponatremia: reverter hipovolemia, suspender a utilização de um medicamento suspeito, interromper ingestão excessiva de água, repor um hormônio que esteja deficitário (hipotireoidismo, insuficiência suprarrenal, hipopituitarismo) e otimizar a doença de base (ICC, cirrose). O diagnóstico etiológico também é essencial para escolha da solução mais adequada de cloreto de sódio.

 

Hiponatremia hipovolêmica

Utiliza-se soro fisiológico a 0,9%. Ao rever a hipovolemia, o soro fisiológico remove o estímulo barorreceptor para secreção de ADH. Isso faz com que a osmolaridade urinária seja reduzida, e o excesso relativo de água, excretado. As hiponatremias unicamente hipovolêmicas em geral se apresentam em formas leves e não dominam o quadro clínico do paciente. Deve-se atentar mais para a correção da volemia. A correção do sódio ocorre “automaticamente”. Na maioria das vezes, não há necessidade do uso de fórmulas para cálculo da velocidade de correção. Se as fórmulas fossem utilizadas, elas subestimariam a velocidade de correção por não considerar a excreção de água livre que ocorre após a correção da volemia.

 

Hiponatremia hipervolêmica

A administração de cloreto de sódio não está indicada; dessa forma, não é necessário utilizar fórmulas. A correção do [Na+] depende da otimização do tratamento da doença de base, da restrição da ingestão de água (< 1.000 mL/ dia) e do uso de furosemida para reduzir a osmolaridade urinária e auxiliar a excreção do excesso de água. Recentemente, uma nova classe de medicamentos foi aprovada, nos Estados Unidos, para tratamento de pacientes com hiponatremia hipervolêmica.

Vaptans: inibidores dos receptores V2 de vasopressina que podem promover diurese de água livre de eletrólitos (“aquaréticos”). Podem ser administrados por via oral (tolvaptan) ou intravenosa (conivaptan, satavaptan, lixivaptan). Ainda não são comercializados no Brasil. Eles podem elevar o sódio sérico em pacientes com hiponatremia hipervolêmica. Estudos em pacientes com ICC observam que os vaptans elevam o sódio sérico e melhoram os sintomas, mas não reduzem a mortalidade.

 

Hiponatremia euvolêmica

Deve-se priorizar a identificação e a remoção do agente causal: repor hormônio tireoidiano em caso de hipotireoidismo, repor mineralocorticoide (fludrocortisona) em caso de hipopituitarismo ou insuficiência suprarrenal, suspender diuréticos tiazídicos ou drogas que estejam causando SIADH. Em um quadro de SIADH que não se pode remover a causa, o tratamento deve ter como prioridade a realização de medidas para restringir a ingestão (< 1.000 mL/dia) e aumentar a excreção urinária de água livre (Quadro 76.5).

 

Podemos tratar um paciente com hiponatremia por SIADH com NaCl a 0,9%?

Para exemplificação, pode-se considerar a paciente apresentada no caso clínico: o que aconteceria com o [Na+] após a administração de 1 L de NaCl a 0,9%?

No Brasil, não está disponível a solução salina hipertônica industrializada, sendo necessário, portanto, prepará-la.

De acordo com a fórmula de Adrogué e Madias (ver Tabela 76.4)7, a administração de 1 L de NaCl a 0,9% resultaria em aumento no sódio sérico de quase 2 mEq/L:

 

(154 + 0) – 115 / (50 x 0,4) + 1 = + 1,86 mEq/L

 

No entanto, sabe-se que, na prática, a administração de NaCl a 0,9% em geral não aumenta o sódio sérico de pacientes com SIADH, podendo, inclusive, piorar a hiponatremia.

As características das soluções para tratamento de pacientes com hiponatremia podem ser vistas na Tabela 76.5 e algumas fórmulas para correção de hiponatremia são apresentadas na Tabela 76.6.

Isso ocorre porque, como a paciente apresenta-se euvolêmica e, portanto, não precisa reter sódio, ela vai excretar todo o soluto (sódio + cloro) que for administrado. Porém como a urina está bastante concentrada, devido à presença de ADH, esse soluto será excretado por diluição em uma pequena quantidade de água. O cálculo a seguir leva em consideração a administração de NaCl a 0,9% (Quadro 76.6).

 

 

 

 

 

(510 + 0) – 115 / (50 x 0,4) + 1 = 18,8 mEq/L

 

Para a mesma paciente, se for infundido 1 L de NaCl a 3%, que contém 1.020 mOsm de solutos, haverá excreção obrigatória de 1,7L de urina (1.020 ÷ 600). Como a paciente recebeu esses solutos diluídos em apenas 1 L de água, ocorrerá perda efetiva de 700 mL de água, resultando em elevação do sódio sérico. De acordo com a fórmula de Adrogué e Madias,7 essa elevação será de quase 19 mEq/L.

 

 

 

Se o objetivo for elevar apenas 6 mEq/L em 24 horas, deve-se aplicar uma regra de três simples:

 

1.000 mL = 18,8 mEq

X mL = 8 mEq

 

Sendo X cerca de 425 mL de NaCl a 3% para administrar em 24 horas (18 mL/h em bomba de infusão).

Caso escolha-se utilizar a fórmula do déficit de sódio, o cálculo é feito da seguinte maneira:

 

([Na+] desejado – [Na+] do paciente) x ACT (123 – 115) x 20

 

Sendo X igual a 160 mEq de sódio. Como NaCl a 3% contém 510 mEq sódio em 1.000 mL, uma regra de três simples evidencia que, para administrar 160 mEq sódio, são necessários 310 mL de NaCl a 3%, que deverão ser administrados em 24 horas (13 mL/h em bomba de infusão).

Como ambas as fórmulas são imprecisas e apresentam diversas limitações (Quadro 76.7), muitos autores enfatizam que o mais importante é acompanhar o tratamento com controles frequentes do sódio sérico, a fim de verificar se o tratamento prescrito está produzindo o efeito desejado. Alguns sugerem que se pode administrar entre 20 e 30 mL/h de NaCl a 3%, sem nenhum cálculo prévio, desde que haja o acompanhamento rigoroso.

Recentemente foi proposta a administração em bólus de 100 mL de NaCl a 3% para pacientes com hiponatremia sintomática. Essa abordagem inicialmente foi recomendada, em 2005, para encefalopatia associada à hiponatremia do exercício, sendo adotada pelo Second International Exercise-Associated Hyponatremia Consensus Development Conference 2008.

Em artigo publicado em 2010,8 os autores sugeriram generalizar essa abordagem para todos os pacientes com encefalopatia associada à hiponatremia. Eles defenderam que essa medida aumenta rapidamente o sódio sérico, mas em apenas 1 a 2 mEq/L, o que seria ideal para melhorar o edema cerebral sem incorrer nos riscos de uma correção exagerada.

Com qualquer abordagem utilizada, o médico deve sempre estar atento para evitar uma correção de hiponatremia crônica, a fim de minimizar os riscos de mielinólise pontina. Em algumas situações clínicas em que a causa da hiponatremia pode ser revertida de forma rápida, há mais perigo de ocorrer uma correção exageradamente rápida (Quadro 76.8).

Havendo uma correção inadvertidamente rápida, deve-se interromper de forma imediata a administração de sódio e procurar conter a elevação do sódio sérico com infusão de soluções hipotônicas ou DDAVP.

 

 

 

 

 

 

Caso Clínico Comentado

Embora não tenha sido medida a osmolaridade sérica da paciente, é possível descartar o diagnóstico de uma pseudo-hiponatremia pela gravidade da redução no sódio sérico e por meio dos exames normais de glicemia, perfil lipídico, proteínas totais e frações.

Como a paciente não está edemaciada e não apresenta história ou achados de exame físico que sugiram hipovolemia, acredita-se que ela esteja euvolêmica. O sódio urinário de 80 mmol/L corrobora essa impressão clínica.

A osmolaridade urinária elevada indica a existência de ADH. Por não haver justificativa osmótica ou volêmica para essa secreção de ADH, o diagnóstico é de SIADH. A função renal, suprarrenal e tireoidiana precisam estar normais para que esse diagnóstico seja realizado. A causa mais provável de SIADH, nessa paciente, é o tumor cerebral. O antidepressivo inibidor da recaptação de serotonina que ela utiliza (escitalopram) também pode causar essa síndrome, mas a paciente já apresentava hiponatremia quando esse fármaco foi administrado. De qualquer modo, o uso do escitalopram foi interrompido.

O tratamento é iniciado com solução salina hipertônica, visando à elevação de apenas 6 mEq/L na concentração sérica de sódio nas primeiras 24 horas. Após 48 horas, o [Na+] é de 128 mEq/L, a solução salina hipertônica é suspensa, e a paciente tem alta em uso de restrição hídrica (800 mL/dia), dieta rica em solutos e furosemida, 40 mg. Uma semana após a alta, o [Na+] é de 134 mEq/L. Embora houvesse indicação para utilização de vaptans, essas medicações ainda não estão disponíveis para uso clínico no Brasil.

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Referências

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7.Adrogué HJ, Madias NE. Hyponatremia. N Engl J Med.2000;342(21):1581-9.

8.Moritz ML, Ayus JC. 100 cc 3% sodium chloride bolus: a novel treatment for hyponatremic encephalopathy. Metab Brain Dis.2010;25(1):91-6.

 

Leitura Recomendada

Feldman BJ, Rosenthal SM, Vargas GA, Fenwick RG, Huang EA,Matsuda-Abedini M, et al. Nephrogenic syndrome of inappropriate antidiuresis. N Engl J Med. 2005;352(18):1884-90.