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Câncer de pulmão

Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Uma paciente do sexo feminino, 46 anos, trabalhadora rural, sem história de tabagismo, procurou atendimento devido a dispneia progressiva com três meses de evolução e escarro hemoptoico que iniciou há duas semanas. Ao realizar exame físico, apresentou emagrecimento e discretos estertores crepitantes bilaterais. A partir do raio X de tórax, foi possível verificar diversas opacidades de menos de 1 cm em ambos os pulmões.

A avaliação diagnóstica com citologia de escarro foi negativa, tendo-se realizado biópsia transtorácica com agulha de nódulo periférico que identificou adenocarcinoma de pulmão. As tomografias para estadiamento evidenciaram lesões anteriores e lesão metastática na suprarrenal esquerda. Com o diagnóstico final de adenocarcinoma de pulmão de estágio IV, foi iniciado tratamento quimioterápico paliativo.

 

Definição e Epidemiologia

O câncer de pulmão é considerado a neoplasia maligna mais comum, apresentando aumento progressivo de sua incidência mundial nos últimos anos. Foi o câncer que mais afetou indivíduos no Brasil, sendo responsável por 14.715 óbitos no ano 2000. Está associado ao tabagismo em 90% dos casos.

O Quadro 64.1 mostra os tipos histológicos de carcinoma brônquico encontrados em um estudo realizado no Sul do Brasil.

 

Fatores De Risco

O tabagismo é, sem dúvida, o principal fator de risco associado ao desenvolvimento do câncer de pulmão. Outros fatores de risco reconhecidos são agentes químicos, como arsênico, asbesto, berílio, cádmio, cloreto de vinil e cromo, baixa ingestão de frutas e verduras, doença pulmonar obstrutiva crônica, fatores genéticos e história familiar de câncer de pulmão.

 

Sinais e Sintomas

Os sintomas variam conforme a localização do tumor. Os tumores centrais podem apresentar manifestações como tosse, sibilos, estridor, hemoptise e pneumonia. Já os tumores de localização periférica são geralmente oligossintomáticos, causando dor somente quando invadem a parede torácica (Tab. 64.1).

O tumor com apresentação no ápice pulmonar em geral compromete as raízes nervosas de C8-T1, causando a síndrome de Pancoast, que se caracteriza por dor no ombro com irradiação para o membro superior do mesmo lado.

Embora muitos pacientes apresentem sintomas secundários ao comprometimento local pelo tumor, a apresentação pode ocorrer por meio de sintomas denominados paraneoplásicos, geralmente de natureza endócrina ou neurológica.

 

 

 

Hipercalcemia. A hipercalcemia é o achado mais frequente dos distúrbios paraneoplásicos. Ocorre em cerca de 20% dos casos, estando mais associada à histologia escamosa. Acredita-se ser causada por secreção de peptídeo análogo ao paratormônio.

 

Hiponatremia e secreção inapropriada de hormônio antidiurético. Caracterizam-se por hiponatremia refratária em paciente euvolêmico. Essas manifestações ocorrem em 15% dos casos de CPPC.

 

Produção ectópica de hormônio adrenocorticotrófico. Com quadro agudo, em geral apresenta alterações bioquímicas, como hipocaliemia, hiperglicemia e hipertensão em vez de síndrome de Cushing. Pode ocorrer em até 5% dos casos de CPPC.

 

Síndromes paraneoplásicas neurológicas. Esse é um grupo heterogêneo de síndromes neurológicas, sendo as mais comuns a síndrome de Eaton-Lambert, encefalite paraneoplásica, neuropatia sensório-motora e degeneração cerebelar.

 

Classificação

Do ponto de vista histológico, podemos classificar os tumores de pulmão em quatro grupos principais: escamoso, de pequenas células, adenocarcinoma e carcinoma de grandes células (Quadro 64.2)

 

 

 

Nas Figuras 64.1, 64.2, 64.3 e 64.4 podemos observar Raio X de tórax e tomografia computadorizada de tórax com tumores pulmonares de diferentes tipos.

 

 

Figura 64.1

Carcinomas brônquicos centrais. (A) De tipo escamoso, na região hilar do pulmão direito. (B) De tipo de pequenas células, determinando atelectasia dos lobos inferior e médio à direita e com volumosas adenopatias mediastinais.

 

 

Figura 64.2

(A) Aspecto tomográfico: tumor periférico (adenocarcinoma) no lobo superior do pulmão esquerdo. Massa grosseiramente circunscrita, bosseleada, com halo de infiltração periférica. (B) e (C) Reconstrução: situação do tumor dentro da caixa torácica.

Fonte: Moreira e colaboradores.3

 

 

Figura 64.3

Carcinoma de tipo escamoso, escavado, em lobo superior do pulmão direito, com paredes espessas e irregulares, e adenomegalias paratraqueais do mesmo lado. (A) Raio X

(B) Tomografia computadorizada. Fonte: Moreira e colaboradores.2

 

 

Figura 64.4

Nódulo solitário de pulmão (adenocarcinoma). (A) Tomografia computadorizada com reconstrução axial; (B) Tomografia computadorizada de tórax com reconstrução sagital; (C) Tomografia computadorizada focada no nódulo que tem áreas de broncograma aéreo no seu interior.

Fonte: Moreira e colaboradores.3

Patogênese

Apesar das diversas descobertas moleculares nos últimos anos, ainda se sabe pouco sobre o desenvolvimento de lesões neoplásicas pulmonares.

 

Acredita-se que o câncer de pulmão desenvolva-se a partir de lesões pré-malignas, sendo três as principais:

Displasia escamosa e carcinoma in situ;

Hiperplasia adenomatosa atípica;

Hiperplasia de células neuroendócrinas pulmonares difusas.

 

Muitas alterações genéticas estão associadas a neoplasias pulmonares. As mais comuns são a hiperexpressão do oncogene myc no CBPPC e CBPNPC, além da ativação do oncogene K-ras, principalmente no subtipo adenocarcinoma.

Na maioria dos casos, são verificadas anormalidades no gene p53 e em um gene supressor tumoral no cromossomo 3p.

Recentemente, anormalidades na cascata associadas ao receptor de fator de crescimento epidérmico (EGFR) foram identificadas, motivando o desenvolvimento de drogas para a inibição dessa via.

A ativação do receptor cursa com sua autofosforilação, induzindo uma cascata de eventos que resulta na proliferação celular, na inibição da apoptose, na angiogênese, na invasão e no crescimento celular. As drogas que inibem essa via são os inibidores de tirosina quinase, como gefitinibe e erlotinibe, causando apoptose e regressão tumoral.

 

Desenvolvimento do carcinoma escamoso

Acredita-se que as anormalidades genéticas ocorram em sequência, iniciando no tecido histologicamente normal e com frequência progressiva à medida que as alterações histológicas aumentam (Fig. 64.5). Além disso, as mutações tendem a seguir uma sequência com a perda progressiva de alelos no cromossomo 3p e 9p21. Alterações mais tardias incluem 8p21-23, inativação de 3p14 e TP53.

Outra alteração inicial é a hiperexpressão de receptores do fator de crescimento endotelial vascular de forma progressiva, acompanhando o grau de malignidade das lesões.

No exame citopatológico apresentado na Figura 64.6, evidencia-se a presença de carcinoma escamoso.

 

Desenvolvimento do adenocarcinoma

Muitas alterações moleculares que ocorrem em casos de hiperplasia adenomatosa atípica (HAA) também são observadas nos casos de adenocarcinoma (Fig. 64.7) e reforçam o caráter pré-neoplásico dessa lesão. A mais importante delas é a ocorrência de mutações no gene K-ras. Outras alterações relevantes são a hiperexpressão da ciclina D1, p53, inativação de LKB1 e alteração funcional das telomerases.

Duas vias foram identificadas na gênese dos adenocarcinomas, uma relacionada ao desenvolvimento neoplásico em fumantes e outra em não fumantes, como pode ser verificado na Figura 64.8.

A tomografia computadorizada de tórax e o exame de escarro evidenciando adenocarcinoma podem ser vistos na Figura 64.9.

 

 

Figura 64.5

Patogênese molecular do carcinoma de pulmão de células escamosas. Foram reconhecidas várias anormalidades moleculares sequenciais na patogênese de múltiplas fases do carcinoma de células escamosas do pulmão, que foram detectadas em indivíduos de alto risco.

 

Desenvolvimento de carcinoma de pequenas células

Não foi identificada lesão pré-maligna associada ao desenvolvimento do carcinoma de pequenas células. Esse fato sugere que o carcinoma de pequenas células pode desenvolver-se diretamente a partir de tecido histológico normal, sem passar por uma sequência complexa pré-neoplásica.

O exame citopatológico evidenciando carcinoma de pequenas células pode ser visto na Figura 64.10.

 

Desenvolvimento de carcinoma de grandes células

O desenvolvimento de carcinoma de grandes células é pouco frequente e não tem bom prognóstico por se desenvolver muito rapidamente. É formado por grandes células poligonais, com núcleos também grandes, nucléolos proeminentes e citoplasma moderadamente abundante (Fig. 64.11)

 

 

Figura 64.6

Exame citopatológico evidenciando carcinoma escamoso.

Fonte: Moreira e colaboradores.3

 

 

Figura 64.7

Exame citopatológico evidenciando adenocarcinoma.

Fonte: Moreira e colaboradores.3

 

Diagnóstico

A avaliação diagnóstica é voltada para a comprovação histológica da neoplasia e consequentemente para sua diferenciação celular (p. ex., adenocarcinoma ou carcinoma epidermoide) (Fig. 64.12).

 

Tratamento

O tratamento é definido conforme o estadiamento do tumor:

Estágio I e II (T1-T2, N0, M0). Deve-se realizar ressecção cirúrgica e quimioterapia adjuvante para estágio IB e II. A radioterapia isolada pode ser utilizada se o procedimento cirúrgico for contraindicado.

 

Estágio IIIA (T1-T3, N1-2, M0). Efetua-se tratamento quimioterápico pré-operatório ou quimioterapia e radioterapia concomitantes como tratamento definitivo.

 

 

 

Figura 64.8

Patogênese molecular do adenocarcinoma de pulmão. Pelo menos duas vias moleculares foram identificadas no desenvolvimento do adenocarcinoma pulmonar, relacionadas com tabagismo e não-tabagismo.

HAA – hiperplasia adenomatosa atípica; CBA – carcinoma broncoalveolar.

 

 

Figura 64.9

Tomografia computadorizada e exame citopatológico do escarro, evidenciando adenocarcinoma de padrão acinar.

Fonte: Moreira e colaboradores.2

 

 

Figura 64.10

Carcinoma de pequenas células. Células redondas com núcleos densos, sem nucléolos aparentes. Citoplasma escasso ou não aparente.

Fonte: Moreira e colaboradores.3

 

EstágioIIIB(T1-3,N3ouT4Nqq). Se não há derrame pleural associado, o tratamento consiste em quimioirradiação. Se existe derrame pleural associado, os pacientes são tratados como EC IV.

 

Estágio IV (Tqq, Nqq, M1). O tratamento consiste em quimioterapia paliativa.

 

 

 

Figura 64.11

Exame citopatológico evidenciando carcinoma de grandes células.

Fonte: Moreira e colaboradores.3

 

As drogas utilizadas no tratamento são as seguintes:

Platinas

As platinas ligam-se de forma covalente ao DNA, causando a desestruturação dele e morte celular por apoptose.

 

Taxanos

Os taxanos promovem a agregação de tubulina e formam complexos estáveis com os microtúbulos, inibindo sua função normal. Consequentemente, as células não conseguem completar a mitose.

 

Alcaloides da vinca

A vimblastina é a medicação mais estudada nesse contexto. Age por meio da inibição dos microtúbulos durante a mitose.

 

Antimetabólitos

Os antimetabólitos atuam por meio da inibição da timidilato sintetase, enzima envolvida na síntese de purina e timidina. Com a produção inibida de ácidos nucleicos, a célula desenvolve apoptose.

 

Inibidor da tirosina quinase

O inibidor da tirosina quinase age por inibição da fosforilação intracelular da tirosina quinase associada à via hiperativada do EGFR. É uma droga ativa principalmente em portadores de mutação no gene do EGFR.

 

 

Figura 64.12

Esquema indicativo dos procedimentos diagnósticos dependendo da lesão de apresentação.

TC, tomografi a computadorizada; PET, tomografi a por emissão de prótons.

 

Caso Clínico Comentado

No caso clínico em questão, destaca-se o fato de a paciente não apresentar história de tabagismo (o principal fator de risco). Sabe-se, atualmente, que o desenvolvimento de câncer de pulmão em pacientes não tabagistas parece seguir um processo evolutivo diferente em comparação ao de pacientes que fumam. Além disso, o adenocarcinoma é o subtipo histológico mais frequente em não fumantes. Essa característica é mais evidente em pacientes do sexo feminino e jovens. O principal benefício do tratamento quimioterápico é o aumento do tempo de sobrevida e a melhora da qualidade de vida, retardando o aparecimento de sintomas significativos, como dispneia e dor. A sobrevida mediana para adenocarcinoma metastático de pulmão atualmente é de cerca de 12 meses.

 

Referências

1.Travis WD, Brambilla E, Müller-Hermelink HK, Harris CC, editors. Pathology and genetics of tumors of the lung. In: Travis WD, Brambilla E, Müller-Hermelink HK, Harris CC, editors. Pathology and genetics of tumors of the lung, pleura, thymus and heart. Lyon: IARC; 2004. p. 9-124.

2.Moreira JS, Fogaça CP, Severo LC, Prolla JC. O exame do escarro. In: Silva LCC, organizador. Pneumologia: princípios e prática. Porto Alegre: Artmed; 2012. p. 140-6.

3. Moreira JS, Geyer GR, Hochhegger B, Camargo JJ. câncer de pulmão. In: Silva LCC, organizador. Pneumologia: princípios e prática. Porto Alegre: Artmed; 2012. p. 565-83.

 

Leituras Recomendadas

Abeloff MD, Armitage JO, Niederhuber JE, Kastan MB, McKena WG, editors. Clinical oncology. 4th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2008.

DeVita VT, Lawrence TS, Rosenberg SA, editors. Devita, Hellman, and Rosenberg’s cancer: principles and practice of oncology. 8th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008.

Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2004 [capturado em 15 set. 2012]. Disponível em: www.inca.gov.br/.