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Síndrome do intestino irritável

A síndrome do cólon irritável ou do intestino irritável é definida como uma  síndrome cursando com dor abdominal crônica e alteração do hábito intestinal na ausência de causa orgânica. A prevalência é de 15% na população adulta norte-americana, sendo 3 vezes maior em mulheres, um estudo europeu encontrou prevalência de 11,5%, sendo considerada hoje como o mais comum distúrbio gastrointestinal diagnosticado nos Estados Unidos da América. Apenas 15% dos afetados procura atenção médica, ainda assim representa de 25-50% das consultas com gastroenterologistas.

Dividida em quatro subcategorias conforme sintoma principal: dor abdominal, diarreia, constipação e diarreia associada com a constipação. Iremos comentar sobre estas formas ao discutir o quadro clínico destes pacientes.

 

Fisiopatologia

A fisiopatologia ainda não é conhecida, vários fatores são estudados, ainda sem esclarecimento completo, mas as principais alterações aceitas como apresentando relação causal são a motilidade gastrointestinal e a hipersensibilidade visceral. Iremos citar os principais fatores associados à síndrome:

Alterações na motilidade intestinal: é um dos principais fatores implicados, o estresse psíquico e fisiológico pode alterar a contratilidade do cólon, também são relatadas alterações no complexo neuronal migratório em intestino. Os sintomas dolorosos parecem frequentemente estar associados com atividade motora irregular do intestino delgado. Não existe de qualquer forma um padrão motor definido e patognomônico de alteração nestes pacientes.

Hipersensibilidade visceral: estudos de distensão do reto-sigmoide com balão mostram que os pacientes com intestino irritável com dor com distensão menor do que em controles, outros estudos mostram diferentes níveis de ativação de hipotálamo e cíngulo nestes pacientes sugerindo distúrbio primário central.

Fatores psicossociais: estresse  psicológico pode alterar função motora no intestino delgado e cólon em estudos experimentais, também parece ser maior a chance de paciente com sintomas psicológicos como somatização, depressão e ansiedade de ter síndrome do intestino irritável.

Alterações de neurotransmissores: alterações nas concentrações de serotonina em sistema nervoso central e trato gastrointestinal também podem estar envolvidos na fisiopatologia da síndrome. A serotonina estimula fibras vagais extrínsecas e eferentes intrínsecas, resultando em respostas fisiológicas como secreção intestinal e reflexos peristálticos como náuseas, vômitos e dor abdominal. Outros neurotransmissores que podem ter papel em distúrbios gastrointestinais funcionais incluem o gene da calcitonina, acetilcolina, substância P, VIP e óxido nítrico.

Infecção e inflamação: pacientes hipocondríacos ou com eventos estressores quando com infecção entérica aguda têm maior chance de desenvolver síndrome do intestino irritável. Estudos histológicos mostram algumas alterações de ativação de sistema imune nestes pacientes e aumento do número de linfócitos, mastócitos e citocinas na mucosa intestinal.

 

Quadro Clínico

Os pacientes com síndrome do intestino irritável podem ter predomínio de sintomas como diarreia, dor abdominal ou constipação. Alguns autores dividem estes pacientes em quatro subtipos:

 

-Predomínio de constipação: neste caso, mais de 25% das fezes são endurecidas, sendo amolecidas em menos de 25% dos casos.

-Predomínio de diarreia: neste caso, fezes amolecidas em mais de 25% dos casos com fezes endurecidas em menos de 25% dos casos.

-Misto: alternância de fezes amolecidas e endurecidas, ocorrendo em mais de 25% dos casos fezes endurecidas e em mais de 25% dos casos fezes amolecidas.

-Incaracterístico: alguns pacientes têm predomínio de dor abdominal ou outros sintomas sem alterações de hábito intestinal importante.

 

A dor abdominal em pacientes com síndrome do intestino irritável é, na maioria das vezes, em cólica com variação de intensidade e com periodicidade, e raramente altera o sono do paciente, a localização da dor é variável nos diferentes estudos e sintomas como anorexia e perda de peso são raros e sugestivos de outros diagnósticos.

A diarreia, por sua vez, é referida como fezes amolecidas e com frequência um pouco maior que a habitual de volume pequeno ou moderado, cerca de 50% dos pacientes refere perda de muco nas fezes.

A constipação ocorre em períodos entremeados de hábito normal ou com diarreia, estes períodos de constipação podem durar dias a meses, as fezes se tornam endurecidas com necessidade de esforço evacuatório maior

Sintomas extraintestinais podem ocorrer e incluem dispauremia, dismenorreia, alteração da função sexual, aumento de frequência e urgência urinária e sintomas sugestivos de fibromialgia.

 

Critérios Diagnósticos

Em pacientes com diarreia crônica, descartar quadros funcionais é de extrema importância, sendo o mais importante a síndrome do intestino irritável. Estes pacientes com síndrome do intestino irritável frequentemente apresentam dor em cólica no quadrante inferior direito do abdôme, a diarreia é usualmente apenas no período em que paciente está acordado, não necessitando  levantar à noite com urgência intestinal. Existem dois critérios diagnósticos para síndrome do intestino irritável, respectivamente critérios de Manning e de Roma, que são especificados na tabela abaixo:

 

Tabela: Critérios de Manning para síndrome do intestino irritável

 

Alivio da dor com a defecação

Evacuações mais frequentes quando inicia a dor abdominal

Fezes mais amolecidas quando inicia a dor

Distensão abdominal visível

Passagem de muco pelas fezes

Sensação de evacuação incompleta

 

 OBS: A probabilidade do diagnóstico aumenta com o número de critérios em pacientes de 40 anos  com todos os critérios tem 80% de probabilidade de apresentar síndrome do intestino irritável

 

Tabela: Critérios de Roma para síndrome do intestino irritável

 

1-Dor ou desconforto abdominal recorrente pelo menos três dias da semana nos últimos três meses

2-Melhora com defecação

3-Início associado com alteração na frequência de evacuações

4-Início associado com mudança na consistência das fezes

 

OBS: Para o diagnóstico é necessário o critério 1, mais dois critérios.

 

Exames Complementares

Como se trata de um diagnóstico de exclusão, é necessário avaliação mínima com história, exame físico e exames complementares. A realização de hemograma completo, bioquímica com função hepática e TSH são realizados em quase todos os pacientes. Outros exames dependem da forma de apresentação:

Forma com predomínio de diarreia: neste caso, exame protoparasitológico de fezes e coprocultura são importantes. Os exames coprológicos com pesquisa de leucócitos fecais e lactoferrina para descartar diarreia inflamatória são importantes em casos duvidosos. Exames para rastreamento para doença celíaca com pesquisas de anticorpos IgA antiendomisio  e antitransglutamidase podem ser úteis. A colonosopia ou retosigmoidoscopia é um próximo, e eventualmente testes para diarreia secretória podem ser necessários, nestes casos o paciente costuma ter diarreias de alto volume e que não melhoram com o jejum, o que deixa o diagnóstico de síndrome do intestino irritável improvável.

Forma com constipação: radiografias de abdôme para avaliar a presença de fezes fazendo o diagnóstico de constipação. Colonoscopia ou retosigmoidoscopia são indicados, em pacientes com menos de 50 anos de idade a maioria dos especialistas prefere fazer retosimoidoscopia devido baixa probabilidade de neoplasia, em pacientes com mais de 50 anos a colonoscopia é o exame preferido. Exames baritados e outros são indicados conforme a situação clínica.

 

Existem os chamados sinais de alarme para consideração de outros diagnósticos que incluem:

 

-Sangue oculto nas fezes positivo;

-Sangramento retal;

-Anemia;

-Anorexia;

-Perda de peso;

-Diarreia persistente com desidratação;

-Constipação severa;

-Impactação retal;

-História familiar de câncer de trato gastrointestinal, doença inflamatória ou doença celíaca;

-Alteração de exames laboratoriais como anemia, elevação de provas inflamatórias e alterações hidroeletrolíticas.

 

Neste caso, os exames indicados para a suspeita diagnóstica correspondentes estão indicados.

 

Tratamento

Um dos elementos mais importantes é a relação médico-paciente, um estudo demonstrou que uma intervenção aumentando a atenção dada aos pacientes, mesmo sem outras intervenções terapêuticas, foi associada com melhora significativa dos sintomas.

A educação do paciente é importante com a orientação e o esclarecimento assim como retirada dos anseios do mesmo em relação a sua doença, lembrando que a sobrevida destes pacientes é igual à população normal e raramente um diagnóstico orgânico relacionado aos sintomas do paciente aparece durante o seguimento, também se deve estabelecer um plano com expectativas realísticas em relação à melhora dos sintomas.

Os pacientes devem ser instruídos a realizar um diário alimentar com a  identificação de alimentos que desencadeiam sintomas. Recomendações gerais em relação à alimentação incluem evitar alimentos produtores de gás, como feijão, cebolas e outros vegetais produtores de gás, bananas, pães e alimentos gordurosos. Pode ainda se fazer uma tentativa retirando lactose da alimentação com alguns pacientes apresentando melhora. Outros passos que podem ser realizados incluem retirar glúten da dieta e cortar carboidratos principalmente produtos contendo sorbitol, também a retirada de cafeína e álcool pode ser benéfica. Em pacientes em que a constipação é o sintoma predominante  deve-se evitar alimentos constipantes e adicionar 20-30 gramas de fibras na dieta, embora a evidência do benefício para adição de fibras na dieta seja pequena.

Atividade física teve benefício em alguns estudos e atividade regular por 40-60 minutos na maioria dos dias da semana deve ser encorajada.

A abordagem nos pacientes é principalmente baseada nos sintomas, assim temos abordagem dependente do sintoma predominante de forma que teremos:

 

Pacientes em que dor é o sintoma predominante:

 

-mudar dieta;

-uso de anticolinérgico e antiespasmódicos para dor como hiosciamina;

-nitratos são outra opção para dores funcionais de trato gastrointestinal;

-antidepressivos tricíclicos em doses usuais de 25-75 mg de amitriptilina ou nortriptilina;

-uso de outros antidepressivos como os inibidores da recaptação da serotonina;

-Uso de analgésicos incluindo anti-inflamatórios e opioides.

 

Pacientes em que a diarreia é o sintoma predominante:

 

-Mudança de dieta;

-Uso de antidiarreicos como a loperamida: dose inicial de 4 mg;

- Outros antidiarreicos, como colestiramina.

 

Pacientes em que a constipação predomina:

 

-Mudança de dieta;

-laxativo osmótico como lactulose;

-outros laxativos;

-Inibidores da 5HT4 como tegaserode não são mais indicados, pois podem aumentar eventos cardiovasculares.

 

A prescrição para este paciente dependerá do sintoma apresentante, assim além das mudanças de dieta poderemos recomendar, se com dor, uso de hiosciamina a cada seis horas com analgésico associado, como a dipirona. Se o paciente apresentar diarreia a loperamida pode ser usada em dose inicial de 4mg ao dia, com dose máxima de 16 mg ao dia que raramente é necessária, se o paciente apresenta constipação à lactulose em dose inicial de 10-15 ml duas vezes ao dia, podendo ser aumentado até dose de 60 ml três vezes ao dia. Se sintomas depressivos associados, os antidepressivos tricíclicos serão opção interessante, pois a paciente é jovem e sem contraindicações aparentes à medicação.

Outras medicações tem sido recentemente estudadas para a síndrome. A lubiprostona é uma medicação cujo uso tem sido recentemente estudado para pacientes com síndrome do intestino irritável, trata-se de um ativador de canais de cloro que aumenta a secreção intestinal de fluídos ricos em cloro, a medicação teria o potencial de melhorar sintomas em pacientes com a forma da síndrome com a constipação, mas outros estudos são necessários antes de a medicação poder ser recomendada. Ativadores da guanil-ciclase como o linaclotide estão sendo estudados, tendo o potencial de benefício de melhorar vários sintomas da síndrome como dor abdominal, desconforto, eructação entre outros sintomas, em pelo menos dois estudos a medicação foi superior ao placebo, mas novos estudos ainda são necessários antes da medicação  ser recomendada.

 

Bibliografia Recomendada

1-Drossman DA, Thompson WG. The irritable bowel syndrome: review and a graduated multicomponent treatment approach. Ann Intern Med 1992; 116:1009.

 

2-American College of Gastroenterology Task Force on Irritable Bowel Syndrome, Brandt LJ, Chey WD, et al. An evidence-based position statement on the management of irritable bowel syndrome. Am J Gastroenterol 2009; 104 Suppl 1:S1.

 

3- Drossman DA, Camilleri M, Mayer EA, Whitehead WE. AGA technical review on irritable bowel syndrome. Gastroenterology 2002; 123:2108.

 

4- Camilleri M. Peripheral mechanisms in irritable bowel syndrome. N Engl J Med 2012; 367:1626.

 

5- Drossman DA, Chey WD, Johanson JF, et al. Clinical trial: lubiprostone in patients with constipation-associated irritable bowel syndrome--results of two randomized, placebo-controlled studies. Aliment Pharmacol Ther 2009; 29:329.

 

6- Rao S, Lembo AJ, Shiff SJ, et al. A 12-week, randomized, controlled trial with a 4-week randomized withdrawal period to evaluate the efficacy and safety of linaclotide in irritable bowel syndrome with constipation. Am J Gastroenterol 2012; 107:1714.