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hipocalemia

A hipocalemia é um problema relativamente comum. A entrada de potássio no organismo ocorre ou por via oral ou via soluções endovenosas, sua concentração é influenciada pela translocação para as células e cerca de 95% do potássio corporal se encontra no meio intracelular, principalmente em células musculares. Em quantidades absolutas, temos uma concentração intracelular de potássio de 140mEq/L e no meio extracelular 3,5 – 5,0mEq/L. Esse gradiente entre os dois meios é responsável pela excitabilidade nervosa e muscular, que inclui o miocárdio. Pequenas alterações no potássio sérico podem implicar profunda alteração na condução e excitabilidade do coração, podendo alterar a função e o ritmo cardíacos e, inclusive, causar parada cardiorrespiratória. A hipocalemia é definida por uma concentração sérica de potássio menor que 3,5mEq/L, e ocorre por deficiência de K corporal ou por troca do meio extracelular para intracelular. Entre os principais fatores que facilitam o aparecimento de hipocalemia temos:

 

1-Diminuição da ingesta de potássio: raramente é causa de hipocalemia, pois a ingesta diária é de cerca de 40-120 meq ao dia, sendo a maioria excretado pela via urinária, mas esta excreção pode diminuir para 5-25 meq ao dia em pacientes com baixa ingestão de potássio. A diminuição da ingesta de potássio isoladamente raramente é causa de hipocalemia, mas pode potencializar outras causas de hipocalemia.

 

2-Aumento da entrada do potássio para meio intracelular: pode ser influenciada por vários fatores, entre eles:

a)Equílibrio ácido-básico: na vigência de alcalose ocorre aumento da entrada do potássio nas células em troca de íons H+ para neutralizar o aumento do PH, o inverso ocorre em pacientes com acidose metabólica. Quando ocorre hipocalemia, esta é um fator importante em perpetuar a alcalose metabólica, pois promove a reabsorção de bicarbonato.

b)Insulina: A ação da insulina é, principalmente, em músculo esquelético com aumento da Na/K/ATPase com aumento da entrada de potássio no meio intracelular. Assim aumento da insulina predispõe a hipocalemia, isto é particularmente observado em pacientes na fase de recuperação de cetoacidose diabética ou hiperglicemias severas.

 c) Tônus adrenérgico: As catecolaminas como a epinefrina via receptor beta2 promovem a entrada do potássio para o meio intra-celular predispondo a hipocalemia. O risco de hipocalemia associado ao uso de beta-adrenérgicos como broncodilatadores para asma é particularmente elevado em pacientes com uso concomitante de diuréticos e em gestantes pré-trabalho de parto.

d) Aumento da aldosterona: aumenta a atividade da Na/K/ATPase com entrada do potássio no meio intracelular. O excesso de mineralocorticoide também aumenta perda renal de potássio.

e) Paralisia periódica hipocalêmica: condição, também, associada com transferência de potássio para meio intracelular, ocorre por defeito canais iónicos musculares, em muitos casos é associada com hipertireoidismo que por si só pode causar este shift pelo aumento do tônus catecolaminérgico. Durante ataques os níveis de potássio sérico podem ficar em torno de 1,5-2,0 meq/l e os ataques podem ser precipitados por exercício físico, stress e ingesta aumentada de carboidratos.

f) Aumento importante na produção de células sanguíneas: aumento agudo de produção de células hematopoiéticas, como acontece na reposição de vitamina B12 e ácido fólico na anemia megaloblástica, leva a aumento da captura de potássio por estas novas células e hipocalemia.

g) Hipotermia: A hipotermia desloca o potássio para o meio intracelular.

h) Intoxicação por bário: bloqueia os canais de potássio nas células impedindo a translocação para o meio extracelular do potássio.

i) Cloroquina: É descrita hipocalemia por deslocamento do potássio para meio intracelular, por mecanismo não completamente explicado e que é exacerbado pelas catecolaminas.

 

3-Perdas extrarrenais de potássio

Podem ocorrer via gastrointestinal através de diarreia e vômitos. A gastroenterite infecciosa é uma causa comum de hipocalemia, diarreia por uso de laxativos, preparo de colonoscopia, pólipos secretores. Os Vipomas, em particular, são tumores associados à secreção de polipeptídeo intestina associada à diarreia abundante e hipocalemia grave. Vômitos em grande quantidade, por sua vez, podem causar hipovolemia e alcalose, levando ao hiperaldosteronismo secundário, que, associado à bicarbonatúria, pode ocasionar grande perda urinária de potássio. Na síndrome de Olgilvie, ou pseudo-obstrução colônica aguda, pode ocorrer uma diarreia secretória com grande quantidade de potássio devido ativação colônica da secreção de potássio.

 

4-Perdas renais de potássio

Podem ocorrer por múltiplos mecanismos, a maior parte da excreção renal ocorre pela secreção de potássio no néfron distal principalmente em células do ducto coletor; esta perda é influenciada por ação da aldosterona e pela quantidade de sódio e água que chega aos néfrons.  O uso de diuréticos e diurese osmótica como as que ocorrem em hiperglicemias graves são outra causa de hipocalemia.

As síndromes com excesso de mineralocorticoides incluem o hiperaldosteronismo primário em que as adrenais produzem aldosterona independente da secreção de renina renal, estenose da artéria renal ou hipertensão renovascular que tem aumento da aldosterona secundário a produção aumentada de renina, os tumores produtores de renina também apresentam efeito semelhante. A deficiência da enzima 11-beta-hidroxiesteroide-desidrogenase ou síndrome do excesso aparente de mineralocorticoide, é causada pela incapacidade da conversão do cortisol em cortisona, o cortisol, ao contrario da cortisona age no receptor mineralocorticoide com ação similar a da aldosterona causando hipertensão, hipocalemia, alcalose metabólica e em crianças dificuldade em ganhar peso.

A síndrome de Liddle´s é uma causa de hipocalemia associada com reabsorção de sódio e secreção de potássio, trata-se de uma rara doença genética autossômica dominante com alteração da função dos canais de sódio do túbulo coletor e causa hipocalemia, alcalose metabólica e aumento da pressão arterial.

Como já discutido acima, perda de íons H+ associada a vômitos, também, aumentam a perda de potássio via urinária pela bicarbonatúria;outra causa de perda de potássio urinário é hipomagnesemia , o mecanismo que esta perda ocorre não é completamente conhecido mas parece envolver os canais de potássio celulares.

A anfotericina está associada à hipocalemia por perda de potássio urinário, que ocorre em até 50% dos pacientes em uso da medicação, ocorre por interação do medicamento com esteroides das membranas tubulares renais, pode ainda ocorrer acidose tubular renal associada.

As nefropatias perdedoras de sal também podem causar hipocalemia por mecanismos similares aos dos diuréticos, as duas principais são as síndromes de Bartter´s e Gittelman´s, na primeira mutações de proteínas transportadoras mimetizam o uso de furosemida e a segunda mimetiza o uso de diuréticos tiazídicos. As doenças túbulo-intersticiais também podem evoluir com hipocalemia.

 

5-Outras causas:

Perda de potássio pelo suor podem ocorrer, principalmente, em ambientes quentes; pacientes com fibrose cística, em particular, são suscetíveis a hipocalemia por este mecanismo. Perdas por diálise, também, são outro mecanismo raro de hipocalemia, assim como plasmaférese principalmente quando usado albumina como fluído de reposição.

A reabsorção de sódio nos ductos coletores ocorre por canais seletivos de sódio, criando carga eletronegativa que promove secreção de hidrogênio e potássio.

 

Didaticamente, podemos dividir as causas de hipocalemia em causas associadas com HAS ou sem HAS, nesta divisão temos:

 

Pacientes com hipocalemia e HAS:

 

-Hiperaldosteronismo com HAS: hiperaldosteronismo primário

-HAS maligna

-HAS renovascular com estenose da artéria renal

-Tumor secretor de renina

-HAS renal e uso de diuréticos

-Síndrome de Liddle

-Deficiência de 11-B hidróxiesteroide

-Hiperplasia adrenal congênita

 

Pacientes com hipocalemia e PA normal:

 

-Acidose tubular renal do tipo I distal

-Acidose tubular renal proxinmal do tipo II

-Síndrome de Barter

-Síndrome de Gittelman

-Hipomagnesemia

-Uso de anfotericina B

-Medicamentos como beata-agonistas e diuréticos (obs: pacinte pode ter HAS prévia)

-Diarreia e/ou vômitos

-Perda por sudorese excessiva

-Paralisia periódica hipocalêmica

-Insulinoterapia

-Reposição de vitamina B12 e ácido Folico

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Manifestações clínicas

Assim como na hipercalemia, os principais efeitos deletérios são em nervos e músculos, inclusive no miocárdio.

 

As manifestações clínicas são dependentes:

-Severidade da hipocalemia: raramente há qualquer manifestação com potássio maior que 3mEq/L exceto em pacientes com instalação abrupta.

-Velocidade de instalação da hipocalemia: quando hipocalemia tem instalação rápida as manifestações podem aparecer com concentrações maiores de potássio sérico, um exemplo são os pacientes com paralisia periódica hipocalêmica, em que há manifestações mais graves para uma mesma concentração sérica de potássio que não causa sintomas em um paciente em uso crônico de diuréticos.

-Presença de doenças associadas: cardiopatia prévia, principalmente isquêmica, idade avançada e uso de digital aumentam o risco de complicações da hipocalemia.

 

Nas hipocalemias mais graves (< 3,0mEq/L) podem surgir:

-Mialgia, fraqueza muscular, podendo evoluir para tetraplegia flácida. Isso ocorre devido ao menor potencial de membrana em repouso ocasionado pela hipocalemia, dificultando a despo­larização; usualmente só ocorre com níveis de potássio abaixo de 2,5 meq/l. A fraqueza muscular inicia em membros inferiores, progredindo, posteriormente, para tronco e membros superiores, podendo causar até mesmo paralisia.

-Rabdomiólise, eventualmente com mioglobinúria e insuficiência renal por lesão pela mioglobina, ocorre devido à inibição da liberação do potássio intracelular que ocorre na hipocalemia.Esta saída de potássio das células facilita vasodilatação e a perda deste feito pode levar a isquemia com leso muscular. Caso ocorra lesão celular importante, os potássios podem ter hipercalemia. Estes pacientes devem ser tratados com hidratação agressiva.

-Íleo paralítico: associado a vômitos e à distensão abdominal ocorre pelas alterações de repolarização muscular.

-Poliúria: a hipocalemia pode levar à tubulopatia e pode dificultar a reabsorção de água pelos ductos coletores causando diabetes insipidus nefrogênico secundário.

-Intolerância à glicose: A hipocalemia dificulta a secreção de insulina pelo pâncreas, este efeito pode explicar pelo menos parcialmente a piora do controle do diabetes em pacientes tomando diuréticos tiazídicos.

-Alcalose metabólica: pode ser tanto causa como consequência da hipocalemia, pois a reabsorção tubular proximal de bicarbonato pode ser aumentada; e estimular a produção e excreção de ácido pelo túbulo distal (o túbulo distal aumenta a reabsorção de K+ em troca da excreção de H+), assim manifestações de alcalse como sonolência, espasmos musculares entre outras são comuns nesses pacientes.

-Distúrbios do ritmo cardíaco: incluem extrassístoles ou taquiarritmias. Alterações características no ECG podem ocorrer e serão discutidas em exames complementares. Liberação de adrenalina durante episódios de estresse pode piorar a hipocalemia.

 

Exames complementares

Exames complementares poderão ser úteis; a seguir discutiremos suas aplicações e indicações:

 

a) ECG.

Não existe uma boa correlação entre a hipocalemia e alterações de ECG. Isso quer dizer que pacientes com potássio de 2,8mEq/L podem ter onda U proeminente, já outros pacientes com potássio em torno de 2,0mEq/L pode não apresentar esta alteração. De forma geral, as alterações eletrocardiográficas podem ser sutis, mas devem ser prontamente reconhecidas. As alterações incluem achatamento da onda T, aparecimento das ondas U, depressão do segmento ST, prolongamento do intervalo PR e depois do intervalo QU, arritmias e por final parada cardíaca que pode ser principalmente em atividade elétrica sem pulso ou assistolia.

Apesar da correlação entre os níveis de potássio e as alteração eletrocardiográficas ser imperfeita a figura abaixo sumariza esta relação.

 

 

b) Outros exames: alterações de glicemia e outros eletrólitos podem ocorrer concomitante a hipocalemia, assim é indicado as dosagens de glicemia, sódio, magnésio, cálcio e função renal. A hipomagnesemia em particular é muito associada com hipocalemia.

 

c) Avaliação da excreção urinária de potássio: O modo mais acurado de medir a secreção de potássio urinário é através de coleções urinárias de 24 horas. Em pacientes com hipocalemia a excreção urinária é de 25-30meq ao dia, se as perdas diárias forem maiores que isto, existe pelo menos uma contribuição da perda urinária no aparecimento da hipocalemia. A mínima concentração urinário que se consegue obter é 5-15 meq/dia , valores neste nível confirmam que a causa da hipocalemia não é por perda urinária. A relação do potássio urinário com a creatinina também pode ser avaliada, usualmente esta relação é menor que 13 meq/grama de creatinina.

 

O Gradiente urinário transtubular de potássio (TTKG) é uma Formula que pode ser utilizada para avaliação destes pacientes. A Formula do gradiente é a seguinte:

 

           TTKG   =    K+ na urina/K+ plasma /Osmolalidade Urina/Osmolalidade Plasma

 

Espera-se que, em situações de hipocalemia, os rins sejam capazes de reabsorver mais de 90% do potássio filtrado (excretar < 15mEq ao dia). hipocalemia com um TTKG > 4 sugere que a depleção de potássio é de causa renal. Em indivíduos normais em dieta regular este gradiente é de 8-9, quando estes mesmos indivíduos recebem sobrecarga de potássio este gradiente chega a 11.

 

d) Gasometria arterial: Pode ajudar no diagnóstico diferencial da hipocalemia:

-Acidose metabólica sem perda de potássio urinário, ocorre principalmente em diarréias graves por laxativos e adenomas vilosos.

-Acidose metabólica com perda de potássio pode ocorrer em cetoacidose diabética e acidose tubular renal do tipo 1 e 2.

-Alcalose metabólica sem perda de potássio urinário: ocorre em pacientes com vômitos com perda de suco gástrico, também pode ocorrer em alguns quadros de uso de laxativos ( mais comum acidose metabólica).

-Alcalose metabólica com perda de potássio urinário e pressão arterial normal: ocorre em paciente com vômitos e síndrome de Bartter´s e Gitelman´s.

-Alcalose metabólica com perda de potássio urinário e HAS: ocorre em pacientes com hipertensão em uso de diuréticos, doença renovascular e pacientes com excesso de mineralocorticoides. 

 

A relação de potássio/creatinina urinária pode sugerir a causa de hipocalemia, este gradiente é menor que 13 quando a hipocalemia é causada por shifts celulares, perdas gastrointestinais, uso de diuréticos prévio e pobre ingesta. Valores maiores são associados a perda urinária de potássio significativa.

 

Tratamento

O tratamento da hipocalemia inclui o tratamento da doença de base e reposição do potássio, lembrando que a dose oral não deve exceder 20-40 meq de potássio e a reposição endovenosa é indicada se severa ou sintomática com potássio menor que 3 meq/l.

O grau de depleção de potássio corporal é variável, mas, em regra geral, para cada 1mEq/L de redução na concentração sérica haverá um déficit corporal total de 200 a 400mEq. Isso tem uma implicação: após correção da concentração sérica do potássio, podem ser necessários vários dias de reposição para recompor os estoques corporais do íon (no compartimento intracelular). Devemos lembrar que paciente com deficiência de magnésio podem evoluir com hipocalemia refratária, portanto a concentração sérica de magnésio precisa ser corrigida antes da correção da hipocalemia.

Algumas regras básicas devem ser lembradas ao realizar a reposição e incluem:

 

-Preferir a via oral principalmente se potássio acima de 3 meq/l;

-Evitar soluções de potássio muito concentradas endovenosas devido ao risco de flebite;

- Concentração máxima em veia periférica = 40 mEq/ L.;

-Concentração máxima em acesso venoso central: 60 meq/l;

-Velocidade ideal de reposição: 5-10 meq/hora;

-Velocidade máxima de reposição: 20-30meq/hora;

-Evitar reposição em solução glicosada, pois aumenta a secreção de insulina e pode piorar a hipocalemia;

-Como déficit corporal é usualmente importante a reposição deve permanecer por dias a semanas.

 

As principais soluções de reposição de potássio são as seguintes:

KCl xarope 6 % : 15 mL tem 12 mEq de potássio. Dose usual: 10 a 20 mL após às refeições, 3 a 4 vezes ao dia.

KCl comprimidos: 1 comprimido tem  6 mEq de potássio. Dose usual: 1 a 2 comprimidos após às refeições, 3 a 4 vezes ao dia.

KCl 19,1% - injetável: cada 1 mL tem 2.5 mEq de potássio. As ampolas são de 10 ml, portanto cada ampola tem 25 mEq de potássio, estas são diluídas em solução fisiológica.

 

Preparações de potássio mais usadas:

KCl xarope 6%: 15mL tem 12mEq de potássio. Dose usual: 10 a 20mL após as refeições, 3 a 4 vezes ao dia.

KCl comprimido: 1 comprimido tem 6mEq de potássio. Dose usual: 1 a 2 comprimidos após as refeições, 3 a 4 vezes ao dia.

KCl 19,1% – IV: cada 1mL tem 2,5mEq de potássio.

 

Referências

Mount DB, Zandi-Nejad K. Disorders of potassium balance. In: Brenner and Rector's The Kidney, 8th ed, Brenner BM (Ed), WB Saunders Co, Philadelphia 2008. p.547.

 

Rose BD, Post TW. Clinical Physiology of Acid-Base and Electrolyte Disorders, 5th ed, McGraw-Hill, New York 2001. p.863.

 

Gennari FJ. Hypokalemia. N Engl J Med 1998; 339:451.