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Manejo dos abscessos cutâneos

Os abscessos são uma das doenças de pele mais comuns. A incidência de abscessos tem aumentado, e este aumento coincidiu com o aparecimento de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) na comunidade, o que dificulta seu manejo. Em muitas partes do mundo, infecções MRSA são atualmente a causa mais comum de abscessos cutâneos. Eles podem ainda causar pneumonia necrotizante, fasceíte necrotizante, púrpura fulminante e sepse grave.

Os abscessos cutâneos são coleções de pus abaixo da derme no tecido subcutâneo podendo atingir tecidos mais profundos.

 

          Diagnóstico

Um abcesso da pele é o resultado de uma infecção, embora sejam descritos abscessos estéreis causados por substâncias irritantes à pelo e que causam acúmulo de pus na derme ou no tecido subcutâneo. Na apresentação temos um nódulo edemaciado e eritematoso, hipersensível com massa flutuante, muitas vezes com áreas de celulite associada. O diagnóstico de um abcesso da pele com base no exame físico é muitas vezes simples e se mostra correto quando realizada a incisão e drenagem. No entanto, abcessos que se estendem mais profundamente na derme e subcutâneo, especialmente aqueles associados com celulite extensa, podem ser mais difíceis de diagnosticar por causa do endurecimento dos tecidos sobrejacentes  impedirem  que pontos de flutuação sejam observados. Em geral, os abscessos são dolorosos e pode ocorrer adenopatia regional associada, já sintomas sistêmicos como febre e calafrios são raros. Os abscessos podem ainda apresentar drenagem espontânea. Os abscessos podem ser secundários à bacteremia sistêmica, mas mais frequentemente são causados por infecções locais.

Avaliações clínicas dos médicos durante o exame físico em pacientes com abscessos cutâneos são variáveis. Em um estudo, envolvendo 349 crianças que se apresentam no hospital com infecções da pele e dos tecidos moles, concordância entre os médicos assistentes foi relativamente ruim e não foi associada com a experiência do médico.

Estudos em adultos e crianças que sugerem ultrassonografia de partes moles aumenta o diagnóstico, a precisão da detecção e o manejo. Em um estudo prospectivo, a ultrassonografia resultou em uma mudança no manejo em 56% dos casos. Um estudo envolvendo crianças com sinais e sintomas de infecção da pele e dos tecidos moles mostra que para a detecção de abcessos a ultrassonografia foi significativamente mais sensível e específica do que exame físico. Em outro estudo pediátrico, por outro lado, a ultrassonografia só melhorou a precisão diagnóstica quando o exame clínico não indicava claramente a presença de uma lesão de pele requerendo drenagem.

Além disso, ultrassonografia realizada após a evacuação do fluido é útil para assegurar a adequação da drenagem. A ultrassonografia realizada por um médico experiente deve ser considerada para grandes e endurecidas áreas de celulite aparente na qual o clínico acredita que o exame físico não se pode descartar um abcesso profundo, em particular para pacientes tratados para celulites em que antibiótico inicial não resolveu os sintomas.

Fatores de risco incluem colonização de narinas ou pele por S.aureus principalmente se MRSA. Contato com outros pacientes com abscessos, condições que levem à imunossupressão, diabetes e abscessos cutâneos prévios também aumentam o risco.

Microbiologicamente, a grande maioria dos abscessos cutâneos são associados à infecção por S.aureus, quando contaminação próxima a áreas específicas como vulvo-vaginal podemos ter múltiplos micro-organismos.

Os estreptococos de pele podem eventualmente estar envolvidos e quando folículos envolvidos podem ser encontrados pseudomonas, cândida e outras espécies.

 

          Tratamento

Aspiração com agulha tem sido utilizada tanto para diagnóstico quanto para  tratamento de abcessos. Apesar de aspiração de pus poder confirmar a presença de um abscesso, uma ausência de material purulento aspirado não necessariamente exclui a presença de um abscesso e a aspiração com agulha pode não ser suficiente para drenar todo o pus. Para lesões pequenas, o uso de compressas quentes com compressão local pode ser suficiente para a resolução do quadro, porém em todos os outros casos vai  requerer incisão e drenagem, e se possível o material deve ser mandado para cultura. Se existe risco de endocardite, profilaxia deve ser realizada conforme indicações tradicionais.

A maioria dos abscessos pode ser manejada ambulatorialmente. Abscessos maiores podem necessitar da avaliação de uma cirurgia ou em um departamento de emergência, onde os recursos adicionais podem ser úteis. O tratamento primário é incisão e drenagem; a incisão deve ser longa o suficiente para garantir a drenagem completa. Um erro comum é fazer uma incisão que não é profunda o suficiente para drenar totalmente a cavidade do abcesso. Um cuidado especial deve ser tomado antes da incisão na pele sobre estruturas críticas, tais como grandes vasos e nervos. Um pequeno estudo entre adultos sugeriu que muitos abcessos podem ser adequadamente drenados através de uma incisão curta (comprimento médio de 1 centímetro). Para lesões pequenas (isto é, <2 cm) sugestivas de um abcesso, tais como aquelas que têm endurecimento central,  mas não claramente flutuantes, um tratamento aceitável é a aplicação de calor local com seguimento. Antibióticos sistêmicos devem ser dados para pacientes com sinais sistêmicos de infecção. Em um estudo em departamento de emergência a drenagem de abscesso foi classificado como o segundo procedimento mais doloroso, após  passagem de sonda nasogástrica, assim o procedimento deve ser realizado cuidadosamente e com anestesia local. Apesar da anestesia local ou regional ser adequada, sedação ou anestesia geral deve ser considerada para pacientes com grandes abscessos, para as crianças e para pacientes com abscessos localizados em áreas particularmente sensíveis.

Técnicas de drenagem têm sido investigadas. Em um estudo, o sucesso foi menos frequente com aspiração com agulha guiada por ultrassonografia comparado à incisão e drenagem com taxas de suscesso de 26% e 80%, respectivamente. Assim, se a aspiração com agulha é escolhida como tratamento, o paciente deve ser avisado da eventual necessidade da realização posterior de uma incisão se a drenagem não for bem sucedida.

Realizando duas incisões (por exemplo, 4 a 5 mm cada) através das quais loculações são abertas e irrigação realizada, com colocação de drenos através das incisões, tem sido proposta como uma abordagem menos dolorosa para as crianças que evita a necessidade de manter curativos. A maioria dos abscessos, entretanto pode ser drenada com incisão pequena e única.

Após a incisão e drenagem, a cavidade do abcesso tradicionalmente tem sido deixada para curar espontaneamente, a fim de evitar a prematura reaproximação das bordas da ferida e recorrência de abscesso. No entanto, alguns estudos sugeriram que o fechamento primário após  incisão e drenagem pode levar a melhores resultados. Uma revisão sistemática mostrou que o tempo de cura foi significativamente mais curto após o fechamento primário. Fechamento primário de abscessos drenados deve ser considerado para grandes incisões (isto é, > 2 cm), especialmente de áreas cosmeticamente importantes, e pode justificar encaminhamento para um especialista.

O fechamento primário não deve ser realizado em pacientes com cistos sebáceos infectados, ou gânglios linfáticos, ou outras infecções de lesões cutâneas crônicas, pacientes em que a adequação de drenagem está em dúvida, e pacientes que têm infecção sistêmica ou um fator de risco para a infecção sistêmica (por exemplo, diabetes).

O tratamento antibiótico é controverso e se indicado em áreas com alta prevalência de MRSA deve ser realizada cobertura para estes. Nos EUA um estudo mostrou que o abscesso se deveu a MRSA comunitário em 63% dos pacientes. Investigações da eficácia do antibiótico adjuvante no tratamento de pacientes com abscesso drenados não têm mostrado benefício claro. As taxas de cura com drenagem por si só são de cerca de 85%. Os estudos mostram que a recorrências das lesões é um pouco menor no grupo que utiliza antibióticos. A Infectious Diseases Society of America (IDSA) recomenda o tratamento antibiótico sistêmico.

Além de incisão e drenagem, para pacientes com doença grave ou extensa (por exemplo, vários sítios da infecção) ou com progressão rápida da doença e celulite associada, sinais e sintomas de doença sistêmica, condições coexistentes associadas ou imunossupressão, extremos de idade,  abcesso em área  de difícil drenagem (por exemplo, rosto, mãos, ou genitália), flebite séptica associada, ou um abcesso que não responde à incisão e drenagem são indicações absolutas de antibioticoterapia e se toxicidade sistêmica indicações de antibioticoterapia parenteral. Em crianças, abscessos com diâmetro > 5cm são associados à taxa elevada de fracasso terapêutico e internação, mas em adultos a evidência é pobre.

Antibioticoterapia empírica em nosso meio pode ser com cefalosporinas de primeira geração como a cefalexina 500 mg a cada 6 horas por sete dias, associados ou não a antibioticoterapia local, em locais com maior resistência ou fatores de risco para S.aureus MRSA resistente, os antibióticos prescritos devem ter atividade contra MRSA. A maioria dos pacientes que têm um abscesso menor pode usar antibióticos orais ambulatorialmente como sulfametoxazol-trimetropim, clindamicina e tetraciclina, que tem atividade in vitro contra mais de 90% dos MRSA isolados.

 Outros antibióticos com atividade anti-MRSA para o tratamento da pele e infecções cutâneas incluem vancomicina, linezolida, daptomicina, telavancina, tigeciclina, e ceftaroline. O surgimento de resistência à clindamicina e tetraciclinas  tem sido observado em algumas comunidades e os médicos devem, portanto, ser cientes de padrões locais de suscetibilidade.

Apesar de drenagem do abscesso parecer  improvável para bacteremia, a American Heart Association indica que o uso pré-procedimento de um regime de antibióticos para o tratamento da infecção  ser razoável no caso de pacientes que têm as mesmas lesões cardíacas de alto risco. A profilaxia antibiótica é recomendada em pacientes submetidos a procedimentos dentários.

Algumas lesões não flutuantes sem coleção detectável por ultrassonografia ou exame físico podem ser um abscesso na fase inicial de desenvolvimento, essas lesões frequentemente têm uma área central de endurecimento que pode mais tarde evoluir para um abscesso. Essas lesões são difíceis de distinguir da celulite, uma infecção para os quais a causa é menos certa, mas que é muitas vezes considerada  devido ao estreptococos, tais como Streptococcus pyogenes.

Uma opção de antibiótics para infecções MRSA resistentes é, por exemplo, a clindamicina 300-600 mg a cada 8 horas por sete dias.

As culturas têm sido recomendadas para pacientes tratados com antibióticos, pacientes com grave infecção local e com sinais de doença sistêmica, e em pacientes sem uma resposta adequada ao tratamento inicial; culturas também têm sido recomendadas quando    preocupação sobre uma epidemia.

 

          Prevenção

Presume-se que a colonização pelo MRSA  precede a infecção. No entanto, apesar de MRSA ser agora uma frequente causa da infecção da pele e dos tecidos moles, a prevalência de colonização na população em geral é baixa, com apenas 1,5% das colonizadas por MRSA com cepas comunitárias representando menos de 20%.

Esses resultados sugerem que a MRSA associado à comunidade pode colonizar outros locais do corpo, pode ter virulência, características que aumentam a sua eficiência em causar infecção após a colonização quando comparado com o S.aureus meticilino-sensíveis.

Descolonização do paciente e de contatos domiciliares podem ser considerados para pacientes com infecções recorrentes, e dois estudos recentes sugerem que podem ser eficazes. Em um estudo randomizado, envolvendo 183 crianças com pelo menos um episódio de abscesso por S.aureus e colonização das narinas anteriores, axilas, ou pregas inguinais, a descolonização foi realizada com a utilização de um regime de cinco dias de higiene, tratamento com mupirocina nasal e lavagem com clorexidina do corpo, foi associada a diminuição de risco absoluto de 20% de novas infecções no período do estudo.

Esse regime tem sido recomendado para pacientes com infecções recorrentes que são colonizados com MRSA em narinas anteriores e axilar e região inguinal, ou outras áreas, e o tratamento pode ser extendido aos outros membros da família.

Outra abordagem, dirigida apenas ao paciente com duas ou mais infecções cutâneas por MRSA é o uso durante dez dias de mupirocina nasal, duas vezes por dia, lavagem corporal com hexaclorofeno diária e um antibiótico anti-MRSA oral também, com diminuição significativa do risco de infecção.

Se a clorexidina é usada, o cuidado deve ser tomado para evitar  olhos e ouvidos, e depois de ter sido aplicada à pele deve ser lavado, banhos diluídos em água sanitária são uma alternativa menos cara.

 

 

          Referências

1-Stevens DL, Bisno AL, Chambers HF, et al. Practice guidelines for the diagnosis and management of skin and soft tissue infections: 2014 update by the infectious diseases society of America. Clin Infect Dis 2014; 59:147.

 

2-Singer AJ, Talan DA. Management of skin abscesses in the era of methicillin-resistant Staphylococcus aureus. N Engl J Med 2014; 370:1039.