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Avaliação do Risco de Complicações Cardiovasculares Pós-Operatórias

Embora a grande cirurgia não cardíaca tenha  o potencial para melhorar a qualidade e prolongar a duração de vida de um paciente, a cirurgia pode também precipitar complicações, tais como a morte por causas cardíacas como infarto do miocárdio, morte súbita cardíaca ou insuficiência cardíaca. A avaliação do risco perioperatório é difícil e depende de fatores relacionados ao paciente e fatores relacionados ao procedimento.

 

Epidemiologia

No mundo todo, mais de 200 milhões de adultos são submetidos a uma grande cirurgia não cardíaca a cada ano, com a idade média e risco de complicações cardíacas neste grupo cada vez maior. Cada ano, mais de 10 milhões de adultos em todo o mundo têm uma grande complicação cardíaca nos primeiros 30 dias após uma cirurgia. Se as causas não cardíacas de morte perioperatória forem consideradas como uma categoria separada, seria possível classificar as complicações cardíacas  como a terceira principal causa de morte nos EUA, o que representa pelo menos um terço das mortes no período perioperatório.

Grandes estudos de coorte prospectivos têm demonstrado que várias condições cardíacas crônicas, como doença arterial coronariana, são um fator de risco para complicações cardíacas após cirurgias. Um grande estudo de 1995 demonstrou que em pacientes não selecionados com menos de 40 anos de idade o risco de infarto miocárdico perioperatório é de 1,4% e de morte por doença cardiovascular de 1%, esse risco aumenta com a idade e em pacientes com fatores de risco específicos para complicações cardiovasculares.

Além do antecedente de doença coronariana, foi demonstrado que algumas doenças crônicas, como a insuficiência renal, são fortemente associados com complicações cardíacas perioperatórias. Essa relação pode indicar que essas condições são um equivalente cardíaco de risco e implicam em um risco semelhante a de um paciente com antecedente de infarto do miocárdio prévio. Essas condições relacionadas podem exacerbar o risco cardíaco através de outros mecanismos, além de isquemia coronariana, tais como sangramento.

As condições pré-operatórias que estão associados de forma independente com complicações cardíacas perioperatórias incluem a doença arterial coronariana de alto risco (ou seja, o infarto do miocárdio prévio, angina classe funcional III ou IV dentro de seis meses antes da cirurgia), acidente vascular cerebral derrame dentro de três meses antes da cirurgia e implante de stent coronariano no prazo de seis meses antes da cirurgia. Condições crônicas, como doença arterial coronária ou insuficiência renal, e as condições que ocorrem durante e após a cirurgia aumentam a probabilidade de que os pacientes terão uma complicação pós-operatória ou complicações cardíacas intraoperatórias, ou que evoluam  para óbito depois de uma cirurgia de emergência cardíaca.

A cirurgia de emergência é um problema nesses pacientes, a sua definição é como a cirurgia que se não for realizada com menos de 24 horas depois de um evento agudo pode evoluir para óbito, e cirurgia de urgência é definida como a cirurgia realizada de 24 a 72 horas depois de um evento agudo. Nesses casos, os riscos cardíacos são muitas vezes secundários e a avaliação perioperatória não costuma contraindicar esses procedimentos, embora esses pacientes estejam  em risco aumentado de mortalidade cardiovascular quando comparados a pacientes que serão submetidos a cirurgias não consideradas de emergência. De qualquer forma, esses pacientes precisam de avaliação e monitorização cuidadosa no perioperatório e as medidas pré-operatórias de diminuição de risco cardiovascular têm pouco papel.

Certas condições aumentam o risco cardiovascular de uma cirurgia não cardíaca, como fraturas de quadril que são associadas a processos inflamatórios e de hipercoagulabilidade, ou estados catabólicos que aumentam o risco de uma complicação cardíaca perioperatória de um paciente.

A cirurgia e a anestesia estão associadas com a ativação do sistema nervoso simpático, inflamação, hipercoagulabilidade, compromisso hemodinâmico e cardíaco, sangramento e hipotermia, todos os quais podem desencadear complicações cardíacas, assim a avaliação do risco do procedimento e de cada tipo de anestesia também fazem parte da avaliação desses pacientes.

 

Escores de Risco e Risco Associado aos Procedimentos Cirúrgicos

Todos os pacientes que serão submetidos a um procedimento cirúrgico não cardíaco devem ser submetidos a alguma avaliação de seu risco perioperatório. Essa avaliação inclui história e exame físico completos, além do uso de alguma escala de risco.

Uma estimativa pré-operatória precisa do risco de eventos cardíacos perioperatórios, importante por várias razões. Em primeiro lugar, há uma exigência ética de informar aos doentes com precisão sobre os benefícios e os riscos da cirurgia. Preferências e valores dos pacientes podem variar substancialmente, e os pacientes requerem estimativas precisas sobre os riscos e benefícios, a fim de tomar decisões informadas sobre se devem ou não se submeter à cirurgia. Estimativa acurada do risco cardíaco também pode informar as decisões sobre o tratamento (por exemplo, se usar uma abordagem endovascular ou uma abordagem cirúrgica aberta) e orientar as decisões sobre a localização do cuidado pós-operatório (unidade de terapia intensiva ou enfermaria) e intensidade de cuidados pós-operatórios. Existem três métodos de estimativa de risco perioperatório cardíaco: índices de risco clínico, teste cardíaco não invasivo e medição dos níveis de biomarcadores cardíacos.

O modelo de risco melhor validado é o Cardiac Risk Index (CRI). Suas vantagens são que ele é simples e prático e não necessita de uma calculadora de risco. No entanto, não informa risco entre os pacientes submetidos à cirurgia de emergência, e tende a subestimar o risco em comparação com os últimos estudos. O primeiro escore de risco aceito proposto por Goldman e colaboradores em 1977 e que tem sido utilizado há muitos anos, e foi modificado por Lee em 1999 criando o RCI ,  é composto dos seguintes critérios:

 

-Cirurgia de alto risco (cirurgia vascular ou intratorácica e intraperitoneal);

-História de doença coronariana (exceto se revascularização tiver sido realizada);

-História de insuficiência cardíaca;

-História de doença cerebrovascular;

-Diabetes mellitus em uso de insulina;

-Creatinina > 2,0 mg/dl.

 

São atribuídos a cada um destes fatores 1 ponto. O risco de um evento cardiovascular grave como edema agudo de pulmão, infarto do miocárdio perioperatório, fibrilação ventricular, bloqueio atrioventricular  completo ou morte súbita cardíaca é de 0,5% em pacientes com pontuação  zero, 1,3% com 1 ponto, com 3,6% 2 pontos, e de 9,1% com >=3 pontos. A classificação dos pacientes e a taxa de complicações podem ser resumidas na tabela abaixo:

 

Variáveis

Operação de alto risco intrínseco

Doença arterial coronária

insuficiência cardíaca congestiva

Doença cérebro-vascular

Diabetes com insulinoterapia

Creatinina pré-operatória > 2,0 mg/dl

Número de variáveis

Classe de risco

% complicações

nenhuma

I

0,5

1

II

1,3

2

III

4

> 3

IV

9

 

Em relação aos procedimentos cirúrgicos, a American Heart Association (AHA) classifica os procedimentos cirúrgicos da seguinte maneira:

 

Tabela : Classificação do risco intrínseco às operações, diretriz da AHA

 

Alto

Intermediário

Baixo

Operações vasculares arteriais, exceto carótida

Endarterectomia de carótida

Procedimentos endoscópicos

Operações intratorácicas e intraperitoneais de urgência/emergência

Operações intratorácicas, intraperitoneais

Operação de catarata

 

Operações de cabeça e pescoço e urológicas

Operação de mama

 

Operações ortopédicas

Operações ortopédicas

 

Em um estudo, o escore NSQIP-MICA mostrou ter um desempenho preditivo que foi superior ao do CRI. Embora o índice NSQIP MICA tenha o potencial de melhorar a estimativa de risco, ele subestima risco real porque a definição de infarto do miocárdio em que o estudo foi baseado demonstra apenas alterações eletrocardiográficas. O escore NSQIP-MICA tem a desvantagem de depender de um calculador de risco, os níveis de creatinina nesse escore que foram considerados de risco foram valores de creatinina > 1,5 mg/dl.

Uma outra forma de calcular o risco perioperatório é a escala  ACS-NAQUIP utilizada pela American Heart Association, tendo sido derivada do NSQIP: MICA, que inclui  20 fatores de risco compostos pelos seguintes:

-Cirurgia de alto risco (procedimento com risco inerente maior do que 1 a 5%, incluem principalmente os grandes procedimentos cirúrgicos, procedimentos intermediários têm risco entre 1 a 5%, todos os procedimentos cirúrgicos de emergência devem ser considerados de alto risco);

-História de doença isquêmica coronariana prévia;

-Insuficiência cardíaca prévia;

-História de acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório;

-Diabetes mellitus com a utilização de insulina;

-Injúria renal aguda;

-Idade;

-Classificação da American Association of Anestesyology (ASA que vai de 1 a 6);

-Estado funcional pré-operatório;

-Classificação da ferida;

-Uso de esteroides;

-DPOC;

-Tabagismo;

-Índice de massa corpórea;

-HAS;

-Presença de ascite;

-Tipo de ferida cirúrgica;

-Necessidade de diálise;

-Cirurgia de emergência ou não;

-Sexo feminino ou masculino;

-Presença de sepse;

-Dependência de ventilação mecânica.

 

Outro fator clínico preditor de eventos cardiovasculares é a fibrilação atria, mas não entra na classificação de risco. Essa classificação utiliza um calculador que estima o risco de eventos cardiovasculares, o que dificulta seu uso na beira do leito.

 

Avaliação

Além da procura dos fatores de risco cardíaco deve-se verificar a capacidade funcional do paciente, se é capaz de cuidar de si mesmo, se é capaz de realizar atividades como subir um lance de escadas ou caminhar em velocidade em torno de 5 Km/hora, o que caracteriza um gasto energético maior do que 4 METS (equivalentes metabólicos), pacientes que não realizam essas atividades devem ser avaliados com maior cuidado. A capacidade de realizar atividades, como trabalho pesado, por exemplo,  mover móveis, implica em subir alguns lances de escada que equivalem a 4-8 METS o que resulta na capacidade de se envolver em atividade física extenuante, como esporte competitivo,chegando  em gasto > 10 METS. Quanto maior for essa capacidade de realizar atividade física, menor provavelmente será o risco cardiovascular associado com o procedimento cirúrgico.

Alguns fatores de risco implicam em risco extremamente elevado de complicações com o procedimento, estes incluem infarto agudo do miocárdio recente, angina instável de classe funcional III ou maior, insuficiência cardíaca descompensada e doença valvular cardíaca hemodinamicamente instável, como estenose aórtica severa, que tem alto risco de eventos cardíacos graves. É preciso  idealmente ter essas condições compensadas antes de se contemplar a realização de um procedimento cirúrgico não cardíaco, na exceção de casos de cirurgia de emergência ou urgência, assim em pacientes com esses fatores a decisão é por intervenção  antes da realização do procedimento cirúrgico.

Ao iniciar a avaliação perioperatória deve-se determinar se existe a presença de fatores de risco cardíacos, pode-se utilizar uma das três escalas de risco discutidas na sessão anterior, a mais utilizada pela literatura é a da ACS-NAQUIP utilizada pela American Heart Association, que inclui  20 fatores de risco, neste caso pode-se utilizar um calculador de risco disponível na Internet (www.riskcalculator.facs.org).

Os pacientes com risco cirúrgico de eventos cardiovasculares considerado baixo têm risco considerado < 1%, estes pacientes em geral não necessitam de outras intervenções e podem realizar a cirurgia sem maiores problemas.

Pacientes com risco > 1% são avaliados em relação a sua capacidade funcional, se esta é maior do que 4 METS a recomendação é para realizar a cirurgia sem outras intervenções.

Em pacientes com risco > 1% e baixa capacidade funcional ( < 4 METS ou não conhecida) é recomendada a realização de testes de estresse não invasivos e conforme os seus resultados é indicado ou não um procedimento de revascularização miocárdica.

 

Testes Cardíaco Não Invasivos

Índices clínicos de risco são conhecidos por subestimar o risco em alguns pacientes porque muitos destes  têm estado funcional diminuído e pouca atividade metabólica antes da cirurgia, de forma que quando um evento com sobrecarga metabólica, como uma grande cirurgia, é realizado, isquemia antes inaparente pode se manifestar. Em um estudo, por exemplo, antes de grandes cirurgias 22% dos pacientes eram completamente dependentes funcionalmente (isto é, dependentes de outras pessoas para as atividades da vida diária) e 20% eram parcialmente dependentes. Em alguns pacientes, a doença cardíaca não é reconhecida porque não houve  sintomas devido à sua imobilidade. Devido a essa limitação dos índices de riscos clínicos, os pesquisadores têm tentado avaliar se o teste não invasivo cardíaco pode melhorar a predição de risco.

Em geral, testes de estresse cardíaco não são indicados em pacientes que serãosubmetidos à cirurgia não cardíaca, exceto se outros fatores de risco são associados, mas se recomenda considerar exames não invasivos de estresse cardíaco em pacientes com capacidade funcional limitada que, com base em fatores clínicos, são considerados como tendo um risco de um grande evento cardíaco de 1% ou mais, e em quem o resultado do teste influenciaria tratamento. Estudos têm mostrado que a evidência de isquemia cardíaca no teste indica um risco aumentado de complicação cardíaca perioperatória; no entanto, uma meta-análise mostrou que um terço dos infartos do miocárdio ou mortes ocorreram em pacientes com resultados normais em um teste de estresse pré-operatório com tálio-201.

Um estudo prospectivo avaliou a capacidade da angiotomografia de coronária para melhorar predição de risco perioperatório em 955 pacientes que tiveram ou estavam em doença cardiovascular. O exame foi superior ao índice de risco cardíaco (CRI) para detectar eventos cardiovasculares, mas superestimou os riscos nos pacientes sem evento primário. A superestimação do risco pode ter consequências negativas. Por exemplo, muitos pacientes que têm um resultado positivo no teste de estresse cardíaco pré-operatório são encaminhados para angiografia coronária invasiva, para revascularização, que pode não ser necessária. O resultado pode ser que a cirurgia não cardíaca seja atrasada por meses, até que o paciente seja submetido à revascularização miocárdica que pode fornecer nenhum benefício. Devido a uma superestimação do risco cardíaco, alguns pacientes podem decidir adiar ou cancelar a cirurgia benéfica porque eles (e seus os médicos) incorretamente acreditam que o risco seja excessivo.

A mensuração dos níveis de biomarcadores cardíacos tem sido recentemente avaliada, mas seu benefício é principalmente no pós-operatório para monitoração de eventos cardiovasculares. Em uma meta-análise um nível pré-operatório elevado de peptídeo natriurético tipo B [BNP] >=92 ng por litro  ou pró-BNP >=300 ng por litro foi o mais forte preditor independente pré-operatório da relação de desfecho primário. O estudo mostrou que, em comparação com um modelo clínico pré-operatório isoladamente, no pré-operatório medição de níveis de peptídeo natriurético melhorou estimativa de risco entre ambos os pacientes que tiveram o resultado primário e os que não tiveram. Embora uma meta-análise de estudos menores que envolveu apenas pacientes submetidos à cirurgia vascular sugeriu que limites inferiores BNP também podem fornecer informações importantes sobre o prognóstico, faltam dados para estabelecer os limiares de NT-proBNP para previsão independente de risco cirúrgico.

O custo do peptídeo natriurético é muito menor do que o custo de um teste de stress. Além disso, os resultados podem ser obtidos em minutos. A mensuração dos níveis de peptídeo natriurético é, portanto, preferível aos testes de estresse, porque é mais precisa e conveniente, mais rápida. Na verdade, a mensuração dos níveis de peptídeo natriurético custa menos do que uma avaliação de um internista ou cardiologista, de modo que o teste pode ser usado para decidir quais pacientes devem ser encaminhados para consulta com um especialista.

 

Intervenções Cardíacos Perioperatórias

A revascularização miocárdica antes de uma cirurgia não cardíaca foi avaliada em um estudo. Este estudo incluiu pacientes que foram submetidos à cirurgia vascular eletiva e que tiveram pelo menos uma artéria coronária com uma estenose de pelo menos 70% e que foi adequada para revascularização. Os 510 participantes foram aleatoriamente designados para revascularização arterial coronária antes da cirurgia vascular ou sem revascularização coronária antes da cirurgia vascular. Não houve efeito significativo sobre o desfecho primário de sobrevivência a longo prazo. Além disso, o estudo não mostrou nenhum benefício a curto prazo da revascularização coronária pré-operatória.

Em pacientes com angina classe funcional III ou IV  realizar revascularização coronária antes da cirurgia pode ser prudente; no entanto, uma avaliação individual do risco-benefício é necessária em doentes com condições de risco de vida (por exemplo, câncer ou trauma) que necessitam de cirurgia não cardíaca imediata. Em pacientes que recebem um stent coronário, cirurgia não cardíaca deve, idealmente, ser adiada por seis meses.

O uso de betabloqueadores e agonistas a 2 -adrenérgicos para minimizar as consequências negativas da resposta ao estresse simpático perioperatório tem sido objetivo de estudos. Uma meta-análise recente que incluiu dados de mais de 10.000 pacientes mostrou  que o betabloqueio reduziu o risco de infarto do miocárdio não fatal, mas aumentou o risco de morte, acidente vascular cerebral não fatal, hipotensão e bradicardia. Os dados mostraram que hipotensão clinicamente significatica foi um forte preditor independente de AVC e morte. O estudo de Ponderlamans que mostrou grande benefício com o uso de betabloqueadores em pacientes com isquemia miocárdica que seriam submetidos à cirurgia vascular não pode mais ser utilizado para avaliar o benefício dos betabloqueadores, uma vez que foi demonstrado que os dados dos pacientes deste estudo não eram confiáveis e possivelmente manipulados.

Reconhecendo que hipotensão arterial era potencialmente responsável pelos efeitos do betabloqueio perioperatório, avaliaram a clonidina como um meio alternativo para controlar a resposta ao estresse perioperatório, uma vez que estudos anteriores haviam sugerido que baixa dose de clonidina produz menos hipotensão do que  betabloqueadores. O estudo POISE-2, em que 10.010 pacientes foram aleatoriamente designados para receber clonidina ou placebo, mostrou que a clonidina não teve nenhum efeito sobre as taxas de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou morte.

Alguns comentadores têm sugerido que o dano associado ao uso de betabloqueador no estudo POISE resultou de uma dose excessiva. Uma meta-análise de estudos de betabloqueadores por uma força-tarefa do American College of Cardiology e da American Heart Association mostrou, no entanto, que o aumento do risco de acidente vascular cerebral e morte eram qualitativamente inalterados quando os dados POISE foram omitidos. Outros autores têm sugerido que é mais adequado para iniciar betabloqueadores semanas antes, em vez de horas, antes da cirurgia. No entanto, porque a maioria dos pacientes são atendidos em clínicas pré-operatórios dentro de dias ou semanas antes da cirurgia, a introdução e o ajuste  da dose de betabloqueador apresenta um desafio. Além disso, qualquer que seja a dose de um betabloqueador que um paciente é capaz de receber, sem eventos adversos antes da cirurgia não pode ser assumido como sendo seguro para o uso perioperatório, desde que a hipotensão seja comum após a cirurgia.

Embora alguns infartos do miocárdio perioperatório ocorram devido a trombose, o estudo POISE-2 mostrou que a aspirina não reduziu o risco de infarto do miocárdio, mas aumentou o risco de hemorragias graves. Neste estudo, os pacientes foram randomizados para usar aspirina ou placebo apenas antes da cirurgia e no pós-operatório. Os resultados foram similares entre os dois subgrupos de pacientes e também no subgrupo de pacientes com doença vascular conhecida. A ocorrência de morte ou hemorragia grave foi um preditor independente de infarto do miocárdio. A incidência de infarto do miocárdio e a incidência de hemorragias maiores foi semelhante. Em contraste, outro estudo mostrou os benefícios da aspirina em pacientes que não foram submetidos à cirurgia; nesses pacientes, o risco de infarto do miocárdio é geralmente maior do que o risco de grande sangramento. Estes dados sugerem que a aspirina não deve ser administrada durante o período perioperatório, mas que é importante após 8 a 10 dias da cirurgia para quem tem indicação a longo prazo.

O limiar transfusional é outra preocupação. Existem duas estratégias preconizadas pela literatura,  uma estratégia liberal para transfusão de sangue (nível de hemoglobina, 10 g/dl) e uma estratégia restritiva (nível de hemoglobina, <8 g/dl). Em um estudo em pacientes com fratura de colo de fémur não houve benefício com a estratégia liberal e uma estratégia de transfusão restritiva após qualquer tipo de cirurgia não cardíaca é provavelmente prudente a menos que se prove o contrário.

Os cirurgiões estão frequentemente ocupados em salas de operação, o que limita a sua capacidade de responder rapidamente às complicações médicas pós-operatórias em enfermarias cirúrgicas, assim uma equipe assistencial pode ajudar a identificar episódios como os de hipotensão e ajudar a intervir e facilitar o manejo destes pacientes. Essa ideia é apoiada por dados de uma meta-análise que mostrou menor mortalidade entre os pacientes que se submeteram à cirurgia para uma fratura de quadril e cujo cuidado foi compartilhado entre cirurgiões e geriatras, em comparação com os cirurgiões isoladamente.

Em poucas horas após a cirurgia, a maioria dos adultos retorna a uma enfermaria cirúrgica, e depois disso os sinais vitais são avaliados apenas a cada 4 a 8 horas, em contraste com a intensidade em que é avaliado no período intraoperatório. Além disso, após a cirurgia, os pacientes recebem medicamentos analgésicos que podem comprometer sua consciência e mascarar sintomas cardíacos. Um estudo da Cleveland Clinic mostrou que os enfermeiros detectaram uma incidência de 5% de hipoxemia (definida como a saturação periférica de oxigênio medida por meio de oximetria de pulso [Spo2]  <90%) durante as primeiras 48 horas em uma enfermaria após a cirurgia. Considerando que a hipoxemia com duração superior a 5 minutos está associada a um aumento do risco de isquemia miocárdica, esses resultados sugerem que o monitoramento insuficiente nos serviços de cirurgia representam  risco para os pacientes.

A análise multivariada do POISE-2 mostrou  que a hipotensão clinicamente importante foi um preditor independente de risco subsequente de infarto do miocárdio em 30 dias de seguimento. Os estudos mostraram também que a monitorização com ECG continuo pode identificar isquemia assintomática que está associada de forma independente com infarto do miocárdio.

Os dados são insuficientes para estabelecer os limites mais adequados para a identificação de hipoxemia, comprometimento hemodinâmico e isquemia, além de minimizar o risco de falsos alarmes e fadiga de alarme. Além disso, em estudos randomizados e controlados faltam dados para estabelecer estratégias eficazes de tratamento (por exemplo, betabloqueadores para taquicardia ou isquemia em pacientes com uma pressão sanguínea adequada) e custo-efetividade.

Infartos do miocárdio ocorrem mais dentro de 48 horas após a cirurgia não cardíaca, quando os pacientes estão recebendo medicamentos analgésicos que podem mascarar os sintomas de isquemia. Este uso de medicamentos analgésicos provavelmente explique  por que em 65% dos pacientes  infarto do miocárdio perioperatório ocorra  sem sintomas de isquemia. Infartos do miocárdio assintomáticos estão associados com um aumento no risco de morte dentro de 30 dias,  semelhante  após infartos do miocárdio sintomáticos. Elevações assintomáticas dos níveis de troponina que são interpretados como evidência de lesão miocárdica por isquemia, mas que não preenchem a definição universal de infarto do miocárdio, também estão associados ao aumento da mortalidade em 30 dias.

Apesar de estudos observacionais que sugerem que medicamentos cardiovasculares utilizados para prevenção secundária são benéficos e de baixo custo em pacientes nos quais um infarto do miocárdio perioperatório ou lesão ocorre, uma proporção substancial de pacientes recebendo estas medicações apresentam complicações cardíacas em cirurgias não cardíacas. Sem a monitorização dos níveis de troponina perioperatórios durante os primeiros dias após a cirurgia em pacientes com doenças ou fatores de risco conhecidos vasculares, a maioria dos infartos do miocárdio e lesões irá permanecer não detectada, assim pode ser interessante mensuração de níveis de troponina antes da cirurgia e no pós-operatório para avaliar mudanças nesses níveis detectando precocemente a isquemia silenciosa.

 

Referências

Devereax PJ, Sessler DI. Cardiac Complications in patients undergoing major non cardiac surgery. New Eng J Med 2015; 373: 2258-2269.

 

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