FECHAR

MedicinaNET

Home

Miopatias inflamatórias

Miopatias Inflamatórias

As Miopatias Inflamatórias são um grupo de desordens que têm um achado clínico comum de injúria muscular imune-mediada. Representam o maior grupo de miopatias potencialmente tratáveis ??em crianças e adultos. Representam um grupo de doenças que são mais bem classificadas, com base nas características clinico-patológicas com distintas características, em quatro subtipos: dermatomiosite, polimiosite, miosite necrosante autoimune e miosite por corpúsculos de inclusão. Há um quinto subtipo, denominada de miosite por sobreposição com outras doenças reumáticas. A identificação do subtipo correto e a distinção destas condições de outras doenças que têm características que mimetizam estas condições é fundamental porque cada subtipo tem um prognóstico e resposta às terapias diferentes.

 

Fisiopatologia

Os mecanismos precisos imunopatológicos das Miopatias Inflamatórias são desconhecidos, mas uma patogênese autoimune é fortemente implicada. Na dermatomiosite, a fração do complemento C5b-9 é ativada precocemente (antes da destruição das fibras musculares é evidente) e depositada sobre o endotélio das células, levando à necrose, à redução da densidade do endomísio de capilares, isquemia, e fibras musculares com destruição semelhante à microinfartos. Os mecanismos da injúria parecem relacionadas à invasão das fibras musculares por células T citotóxicas. Autoanticorpos desencadeiam a libertação de citocinas pró-inflamatórias e levam a up-regulation à adesão de moléculas em células endoteliais e facilitam a migração de linfócitos ativados, incluindo as células B, células T CD4 + e linfócitos T CD8 +, e células plasmocitárias dendríticas nos espaços perimisial e endomisial.  As células T CD8 + em particular contêm grânulos de perforina voltadas para a superfície das fibras musculares, que causam mionecrose.

Os fatores que desencadeiam doenças musculares inflamatórias permanecem desconhecidos. Os fatores de risco genéticos e a regulação das respostas imunes contra agentes ambientais têm sido propostos. As interações genéticas são suportadas pelas associações entre o HLA-DRB1 * 03 e outros HLA. Um antecedente de miosite viral é frequente nesses pacientes, a melhor evidência para uma ligação viral envolve o retrovírus, porque a polimiosite ou a miosite por corpúsculos de inclusão desenvolve-se em pessoas infectadas com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). A miosite por corpúsculos de inclusão é um transtorno complexo, porque, além da autoimunidade, existe um importante componente degenerativo, realçado pela presença de depósitos amiloides congofílicos em algumas fibras.

 

Características Clínicas

Pacientes com Miopatias Inflamatórias têm um quadro de fraqueza muscular progressiva. Esses pacientes cada vez mais têm dificuldade com tarefas que requerem o uso de músculos proximais, como se levantar de uma cadeira, subir escadas, ou levantar objetos, que exigem músculos distais, como abotoar botões ou segurar objetos. No caso da polimiosite, a fraqueza é principalmente proximal em cinturas escapular e pélvica e na miosite por corpúsculos de inclusão o envolvimento é principalmente distal.

Os músculos oculares são poupados em todos os subtipos, mas os músculos faciais são comumente afetados em miosites por corpúsculos de inclusão. Em todos os subtipos da doença, os músculos extensores de pescoço e faringe podem estar envolvidos, o que resulta em dificuldade em segurar a cabeça (queda de cabeça) ou em disfagia. Em casos agudos avançados e raros, os músculos respiratórios podem ser afetados. A atrofia muscular é detectada precocemente na miosite por corpúsculos de inclusão, com seletiva atrofia do quadríceps e músculos do antebraço, mas se desenvolve em todos os subtipos. Mialgia e hipersensibilidade muscular ocorrem especialmente em pacientes com a síndrome antissintetase, mas se a dor é severa e a fraqueza segue um padrão, em que o paciente tem dificuldade em manter o esforço, fascite ou fibromialgia deve ser descartada. Manifestações extramusculares podem ocorrer em todas as Miopatias Inflamatórias, na polmiosite e dermatomiosite ocorrendo manifestações sistêmicas, dermatológicas e articulares, mas manifestações extramusculares são raras na miosite por corpúsculos de inclusão. Entre as manifestações se incluem febre, artralgia e fenômeno de Raynaud, na síndrome antissintetase pode ocorrer envolvimento pulmonar com doença pulmonar intersticial severa, o que ocorre em cerca de 20% dos pacientes, com alterações em tomografia de alta resolução em 70% dos pacientes com anti-Jo1 positivo. Arritmias cardíacas ou disfunção ventricular ocorrem nos casos relativamente raros em que a musculatura cardíaca é afetada significativamente.

 

Características Clínicas Específicas

-Dermatomiosite

A dermatomiosite é observada tanto em crianças como em adultos e ocorrem manifestações cutâneas como o heliotropo periorbital que são manchas azul-violáceas em volta dos olhos. Exantema eritematoso na face, joelhos, cotovelos, maléolos, pescoço, região anterior do tórax e na região de dorso e ombros (no chamado sinal do xale); e uma erupção violácea (sinal de Gottron) nas articulações, que podem evoluir para uma descoloração da mesma. As lesões são fotossensíveis e podem ser agravadas por radiação ultravioleta. A capilaroscopia das unhas, cutículas irregulares e espessas e ponta dos dedos palmares são características de dermatomiosite. Calcificações subcutâneas, por vezes expulsando e causando protusões na superfície da pele e causando ulcerações e infecções, podem ocorrer e são especialmente comuns entre as crianças. A dermatomiosite pode ser limitada à pele (dermatomiosite amiopática). Embora o envolvimento muscular subclínico seja frequente. Os sintomas de dermatomiosite podem sobrepor-se aos de esclerose sistêmica e doença mista do tecido conectivo. Em tais casos, a típica erupção cutânea é transitória ou esvanecente. A miosite de sobreposição está sendo reconhecida como uma entidade distinta; ela se manifesta sem a erupção cutânea que é típica de dermatomiosite, com mudanças patológicas proeminentes perifasciculares, interfasciculares e está frequentemente associada com anticorpos antissintetase. Em adultos, o risco de neoplasias é aumentado durante os primeiros 3 a 5 anos após o diagnóstico da dermatomiosite, com uma frequência de 9 a 32%. A maioria das neoplasias malignas comuns é câncer de ovário, mama, câncer de cólon, melanoma, neoplasia nasofaríngea (em asiáticos) e linfoma não-Hodgkin. O risco de neoplasias necessita de uma avaliação anual nos primeiros três anos após o início da doença, mas a investigação de neoplasias é dependente dos achados clínicos de cada paciente.

 

2-Polimiosite

A polimiosite continua a ser um diagnóstico de exclusão e é melhor definida como uma miopatia proximal subaguda em adultos que não têm erupção cutânea, uma história familiar de doença neuromuscular, exposição a drogas miotóxicas (estatinas, penicilamina e zidovudina), envolvimento dos músculos faciais e extraoculares, endocrinopatia, ou características clínicas sugestivas de miosite por corpúsculos de inclusão.

Artralgias e, com menor frequência, a artrite acompanhada de rigidez matinal podem ser observadas. O comprometimento articular segue um padrão semelhante ao da artrite reumatoide. Manifestações pulmonares também podem ocorrer por miopatia do diafragma e da musculatura intercostal, favorecendo o acúmulo de secreções, hipoventilação alveolar e broncoaspiração.

Miosite autoimune necrosante é uma entidade clínico-patológica distinta que ocorre com maior frequência do que a polimiosite, sendo responsável por até 19% de todas as Miopatias Inflamatórias. Pode ocorrer em qualquer idade, mas é vista principalmente em adultos; começa tanto de forma aguda, atingindo o seu pico durante um período de dias ou semanas, ou subagudamente, progredindo de forma constante e causando severa fraqueza muscular e aumento de enzimas musculares, como a creatinoquinase.

A maioria dos pacientes com miosite autoimune necrosante tem  anticorpos contra 3-hidroxi-3-metilglutaril-coenzima A redutase.

 

Os critérios diagnósticos para polimiosite incluem:

1) fraqueza muscular proximal;

2) elevação das enzimas musculares;

3) alterações eletroneuromiográficas de miopatia;

4) biópsia muscular evidenciando inflamação.

 

A presença de dois critérios torna o diagnóstico provável e três critérios tornam o diagnóstico definitivo. A presença de lesão cutânea como heliotropo, pápulas de Grotton ou rash eritrodérmico permite o diagnóstico de dermatomiosite.

A polimiosite pode ser associada com neoplasias ou ter a forma juvenil.

 

3-Miosites por corpúsculos de inclusão

A miosite por corpúsculos de inclusão é a mais comum e incapacitante miopatia inflamatória entre as pessoas com 50 anos ou mais de idade. Sua prevalência é de 4,9 casos por milhão de habitantes, sendo muito maior quando ajustada para idade.

A doença começa insidiosamente e se desenvolve ao longo de um período de anos, por vezes de forma assimétrica (isto é, pode iniciar ou ser mais grave em uma extremidade ou em um lado do corpo) e progride de forma constante, simulando a fase final de vida em pacientes com distrofia muscular ou doença do neurônio motor lentamente progressiva, embora a inclusão de miosite por corpúsculos de inclusão seja comumente suspeita quando a polimiosite presumida de um paciente não responde ao tratamento. Características que podem levar a um diagnóstico precoce incluem o envolvimento precoce dos músculos distais, especialmente extensores do pé e flexores dos dedos; atrofia dos antebraços e quadríceps e quedas frequentes.

 

Diagnóstico

O diagnóstico do subtipo exato da miopatia inflamatória baseia-se na combinação de história clínica, tempo de progressão da doença, padrão de envolvimento muscular, níveis de enzima muscular, achados eletromiográficos, biópsia muscular, e para algumas condições a presença de certos autoanticorpos. Alterações típicas da pele, com ou sem fraqueza muscular, indicam dermatomiosite; um início de fraqueza subaguda proximal miopática aponta para o diagnóstico de polimiosite ou miosite necrosante autoimune; e fraqueza distal com pontos de atrofia seletiva na miosite por corpúsculos de inclusão.

A eletromiografia é diagnosticamente útil em todos os subtipos da doença para descartar condições neurogênicas e avaliar a atividade da doença. Níveis de creatininoquinase sérica são elevados em todos os subtipos, mas níveis muito altos, desde o início da doença sugerem miosite necrosante autoimune, mas a aldolase é um exame mais específico. Imagem de ressonância magnética é útil para o diagnóstico quando edema muscular está presente ou miofasciite é suspeita, bem como para a identificação dos músculos particulares atingidos por atrofia na miosite por corpúsculos de inclusão. A biópsia é essencial para o diagnóstico de polimiosite, miosite por sobreposição ou outras formas de comprometimento muscular. A pesquisa de autoanticorpos é útil para o diagnóstico de miosite necrosante autoimune e para a classificação dos subtipos distintos e suas associações com envolvimento de órgãos sistêmicas, tais como doença intersticial pulmonar.

Entre as enzimas musculares, o mais sensível indicador de miopatia inflamatória é a creatinoquinase, que é elevada nos pacientes com doença ativa. Os níveis mais altos, até mais de 50 vezes o limite superior do normal são observados em pacientes com miosite necrosante autoimune e os mais baixos (menos de 10 vezes o limite superior do normal) são vistos em pacientes com miosite por corpúsculos de inclusão. Eventualmente níveis de alanina aminotransferase também são elevados, embora algumas vezes seja erroneamente interpretado como uma indicação de doença hepática e que leve a uma investigação com biópsia hepática, em vez de uma biopsia muscular.

A eletroneuromiografia é um exame utilizado para diferenciar uma desordem neurogênica de uma miopática, em que na miopatia, os potenciais trifásicos (normalmente registrados) dão lugar a potenciais polifásicos de baixa amplitude e curta duração. Ocorre aumento da atividade espontânea com fibrilações, descargas complexas repetitivas e positivas acentuadas em ondas. Esses achados são úteis na determinação se a miopatia é ativa ou crônica e em excluir desordens neurogênicas, mas eles não podem ser utilizados para diferenciar Miopatias Inflamatórias das miopatias tóxicas ou distróficas. A RM pode ser usada para identificar o edema, inflamação no músculo ou fáscia, infiltração gordurosa, fibrose, ou atrofia.

A biópsia muscular é importante para o diagnóstico, mas não é necessária em todos os casos como em pacientes com polimiosite que já preencheram os critérios diagnósticos da doença ou com manifestações de dermatomiosite. O exame que mostra inflamação é perivascular e é mais proeminente localizada nos septos interfasciculares ou na periferia dos fascículos. As fibras musculares sofrem necrose ou fagocitose, frequentemente em uma porção de um fascículo muscular, ou a periferia do fascículo, devido à microinfartos que conduzem a hipoperfusão à atrofia perifascicular, o qual é caracterizada por camadas de fibras atróficas na periferia dos fascículos, frequentemente com infiltrados perivasculares e interfasciculares, é diagnóstica de dermatomiosite (ou de miosite de sobreposição, quando as alterações da pele estão ausentes ou são transitórias).

Na miosite necrosante autoimune ocorrem fibras necróticas invadidas ou cercadas de macrófagos.

Os autoanticorpos são detectados em até 60% dos pacientes com Miopatias Inflamatórias. Embora o papel patogênico dos anticorpos não seja claro, alguns parecem ser específicos para fenótipos clínicos distintos e genótipos HLA-DR. Esses anticorpos incluem aquelas contra RNA sintetases, que são detectados em 20 a 30% dos pacientes. Entre os diferentes autoanticorpos que foram identificados, o anti-Jo-1, o mais amplamente disponível comercialmente é responsável por 75% de todas as antissintetases associadas à síndrome antissintetase. Anticorpos contra hidroximetil-glutarase são vistos em 22% dos pacientes com miosite autoimune necrotizante, independentemente do uso de estatina, correlaciona-se com níveis de creatinoquinase e anticorpos associados à dermatomiosite incluem anti-Mi-2, que está associada com as lesões típicas de pele; anti-MDA-5, o que está principalmente associada com dermatomiosite amiopática ou doença pulmonar intersticial pulmonar; entre outros anticorpos.

 

Tratamento

O objetivo do tratamento é aumentar a força muscular, permitir que as atividades diárias sejam realizadas normalmente e evitar complicações extramusculares. Apesar de poucos estudos avaliando sua eficácia, os glicocorticoides são a droga de escolha. A prednisona oral administrada uma vez por dia após o café da manhã em uma dose de 1 mg/Kg de peso corporal, até a dose máxima de 80 mg por dia, sendo o tratamento de primeira linha para dermatomiosite, polimiosite e miosite autoimune necrosante. Para pacientes com importante fraqueza muscular e criticamente doentes, a pulsoterapia com metilprednisolona intravenosa em uma dose de 1000 mg por dia durante 3 a 5 dias pode ser útil. O tratamento é reavaliado em 3 a 4 semanas, a estratégia é de obter níveis de creatinoquinase normais, embora a fraqueza muscular não necessariamente melhore com a normalização da CPK. Após conseguir resposta, pode-se em 4-6 semanas tentar retirar a prednisona usualmente diminuindo a dose em 10 mg por semana, quando se atinge dose de 40 mg pode-se retirar 5 mg por semana e após 20 mg diminuir 2,5 mg por semana, até a retirada. Uma alternativa é de deixar glicocorticoides em dias alternados em pacientes em que se falhou o tratamento com glicocorticoides, ou que apresentam piora dos sintomas com a retirada de glicocorticoides. Assim medicações alternativas incluem azatioprina, micofenolato de mofetil, metotrexato ou a ciclosporina, que podem ser usadas empiricamente para diminuir a necessidade de glicocorticoides. Quando a doença intersticial pulmonar é uma condição coexistente, ciclofosfamida ou tacrolimus podem ser úteis.

A azatioprina é usada em dose inicial de 50 mg ao dia, com aumento até a dose de 200 mg ao dia deve-se realizar hemograma completo a cada duas semanas. Outra alternativa comum é o metotrexate em dose inicial de 15 mg por semana. Em pacientes com doença da pele, os agentes antimaláricos como a hidroxicloroquina 200-400 mg por dia é eficaz em 75% dos pacientes.

Em pacientes com dermatomiosite, ainda é recomendado evitar a luz solarquando glicocorticoides não conseguem induzir a remissão ou os casos rapidamente. A gamaglobulina imune intravenosa (2 g por kg dividida em doses ao longo de um período de 2 a 5 dias consecutivos) é apropriada em casos refratários. Em um estudo, a imunoglobulina intravenosa foi eficaz no tratamento da dermatomiosite refratária; infusões mensais podem ser necessárias para manter a remissão. Outras opções incluem o rituximab (um anticorpo anti-CD20), que em uma dose de 2 g (dividida em duas perfusões em duas semanas de intervalo) parece ser eficaz em alguns pacientes com dermatomiosite, polimiosite, ou miosite necrosante autoimune. Num estudo envolvendo 200 pacientes não houve diferença entre o placebo e o grupo rituximab em curto prazo, mas após nove meses a um ano, mais de 80% dos pacientes referem melhora. Outros agentes biológicos que podem ser considerados como tratamento experimental, como alemtuzumab, eculizumab, anankira e Tocilizumab, só podem ser recomendados em pacientes refratários a outras medidas medicamentosas.

O resultado global em longo prazo de Miopatias Inflamatórias tem melhorado substancialmente, com uma taxa de sobrevivência em dez anos de mais de 90%. Medidas sintomáticas são uma boa opção. Para disfagia, ou risco de vida que não está respondendo à imunoglobulina intravenosa, dilatação cricofaríngea ou miotomia pode ser considerada, tal como acontece com todas as Miopatias Inflamatórias, exercícios de resistência e ocupacional desde que não levem à fadiga. As terapias de reabilitação são úteis para melhorar a deambulação, evitar a queda, evitar atrofia por desuso e evitar contraturas. Embora a expectativa de vida de pacientes com miosite por corpúsculos de inclusão seja normal, a maioria dos pacientes com a doença em estágio final requer dispositivos de assistência, tais como bengala, andador, ou cadeiras de roda.

 

Referências

1-Dalakas MC. Inflamatory Muscle Diseases. New Eng J Med 2015; 372: 1734-1747.

 

2- Dalakas MC, Hohlfeld R. Polymyositis and dermatomyositis. Lancet 2003; 362:971.