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Distúrbios da coagulação

Última revisão: 14/07/2014

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Lawrence L. K. Leung, MD

Maureen Lyles D'Ambrigio Professor of Medicine, Stanford University School of Medicine and Veterans Affairs Palo Alto Health Care System, Stanford, CA

 

 

Artigo original: Leung LLK. Coagulation disorders. ACP Medicine. 2010;1-12.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Tradução: Soraya Imon de Oliveira.

Revisão técnica: Dr. Lucas Santos Zambon

 

Sangramentos ou hematomas espontâneos ou excessivos subsequentes a traumatismos ou a cirurgias podem ser causados por defeitos de coagulação, fibrinólise, anormalidades de número ou função de plaquetas, anomalias da integridade vascular ou uma combinação destas anormalidades. Este capítulo aborda os distúrbios hemorrágicos associados a anormalidades da coagulação. Os distúrbios hemorrágicos associados a anormalidades plaquetárias qualitativas ou quantitativas, bem como os distúrbios associados aos vasos sanguíneos são discutidos em outro capítulo.

Os distúrbios da coagulação podem ser hereditários ou adquiridos. Os distúrbios de coagulação congênitos são pouco comuns e caracterizam-se pelo aparecimento nas fases iniciais da vida, bem como pela presença de uma única anomalia que pode ser responsável por todo o quadro clínico. Entre estes distúrbios, a doença de von Willebrand (vWD) é a mais comum. Os distúrbios da coagulação adquiridos são mais comuns do que os distúrbios hereditários, além de serem mais complexos em termos de patogênese. Os distúrbios hemorrágicos adquiridos mais comuns são a hemorragia fármaco-induzida e a coagulação intravascular disseminada (CID).

 

Distúrbios da coagulação hereditários

Doença de Von Willebrand (vWD)

Fisiopatologia

A vWD é o distúrbio hemorrágico hereditário mais comum, com uma prevalência estimada em 0,1 a 1% da população em geral. É causada por uma deficiência ou defeito envolvendo o fator de von Willebrand (vWF). O vWF possui domínios específicos para ligação do fator de coagulação VIII, heparina, colágeno e glicoproteínas Ib e IIb-IIIa (GP-Ib e GPIIb-IIIa) de plaquetas. Estes domínios estão diretamente relacionados às seguintes funções do vWF: (1) ação como molécula transportadora de fator VIII, que lhe permite proteger o fator de coagulação contra a proteólise e prolongar substancialmente sua meia-vida plasmática; (2) localização nos tecidos subendoteliais via ligação ao colágeno e ao heparan sulfato presentes na matriz extracelular; (3) promoção de adesão plaquetária primária, diante das altas taxas de cisalhamento junto à parede, por meio da ligação das plaquetas via GPIb do complexo GPIb-IX-V aos tecidos subendoteliais existentes no sítio da ferida; e (4) sustentação da agregação plaquetária por meio da ligação das plaquetas através de seus receptores de GPIIb-GPIIIa.1 O vWF é sintetizado como subunidades monoméricas na célula endotelial. Estes monômeros sofrem di e multimerização para serem estocados nos corpúsculos de Weibel-Palade. Ao serem secretados pelas células endoteliais, os multímeros de vWF densamente compactados desenrolam-se e sofrem processamento normal pela metaloprotease ADAMTS13 (uma desintegrina-símile e metaloprotease com grupo funcional trombospondina de tipo 1 padrão 13 [disintegrin-like and metalloprotease with thrombospondin type 1 motif 13]), dando origem a multímeros menores. O vWF circula sob a forma de multímeros com tamanhos que variam de 0,5 x 106 daltons (dímero) a 20 x 106 daltons. O vWF é liberado na circulação ou em sítios distantes do lúmen, onde se fixa ao colágeno subendotelial. Os grânulos plaquetários alfa também contêm vWF, que é liberado quando as plaquetas são ativadas. Os multímeros de vWF de 12 x 106 daltons ou maiores são mais efetivos em termos de sustentação da adesão plaquetária.

 

Avaliação laboratorial

As muitas formas variantes da vWD diferem quanto às manifestações clínicas, anormalidades laboratoriais e terapias necessárias. Como o vWF é a proteína transportadora do fator VIII, o tempo de tromboplastina ativada parcial (TTPa) é prolongado quando os níveis de vWF estão baixos. A contagem de plaquetas, ainda que nem sempre, geralmente está normal. O tempo de sangramento em geral está prolongado, mas não de forma suficientemente confiável para ser usado para fins diagnósticos. Um teste de função plaquetária automatizado, realizado com auxílio de um analisador de função plaquetária (PFA-100), é mais eficiente como teste de avaliação para vWF do que a avaliação do tempo de sangramento.2,3 Neste ensaio, uma amostra de sangue total tratada com citrato é aspirada através de um tubo capilar, sob elevadas taxas de cisalhamento, para uma membrana revestida de colágeno contendo um orifício. As plaquetas são ativadas pelo difosfato de adenosina (ADP) ou pela adrenalina. O tempo de fechamento é uma medida da interação plaqueta-vWF.

O diagnóstico da vWD requer a determinação dos níveis de fator VIII e vWF. Entretanto, 2 aspectos dificultam esta quantificação: (1) os exames laboratoriais são notavelmente variáveis; e (2) o grupo sanguíneo do paciente afeta os níveis de vWF – ou seja, os pacientes com sangue de grupo O apresentam níveis mais baixos de vWF do que aqueles com sangue dos grupos A, B ou AB, com uma diferença aproximada de 25 a 30%.4 Os níveis de vWF são medidos por métodos imunológicos ou funcionais. No primeiro caso, o resultado é expresso em percentual de antígeno de vWF normal. Como o vWF circula na forma multimérica fisiologicamente importante, às vezes é útil determinar a composição multimérica do vWF no plasma do paciente. Isto em geral é dispensável no diagnóstico inicial da vWD, mas é útil para identificação da vWD de tipo 2 (ver adiante). A atividade funcional do vWF é mais comumente medida pelo ensaio do cofator da ristocetina (vWF:RCo), que mede sua habilidade de interagir com as plaquetas normais. Esta determinação pode ser feita pelo teste de agregação plaquetária induzida pela ristocetina (APIR), em que a ristocetina é adicionada às plaquetas lavadas normais, em presença de diferentes diluições do plasma do paciente. A ristocetina faz o vWF se ligar às plaquetas (via receptor da GPIb-IX-V), com consequente ativação e agregação plaquetária. Como alternativa, são usadas plaquetas fixadas em formalina, em vez de plaquetas lavadas, e a ristocetina é adicionada. Em seguida, a aglutinação das plaquetas fixadas é medida na presença de plasma do paciente. O ensaio de vWF:RCo apresenta ampla variação intra e interlaboratorial.

 

Variantes clínicas

O esquema de classificação para as variantes de vWD abrange 3 grupos principais: o tipo 1 é uma deficiência quantitativa parcial de vWF; o tipo 2 é uma anormalidade qualitativa de vWF; e o tipo 3 é uma deficiência quantitativa severa e quase total de vWF [Tabela 1].5

 

Tabela 1. Classificação e diferenciação da vWD

 

Tipo 1

Tipo 2A

Tipo 2B

Tipo 2M

Tipo 2N

Tipo 3

vWD do tipo plaquetária

Herança

Autossômica dominante

Autossômica dominante

Autossômica dominante

Autossômica dominante

Autossômica dominante

Autossômica recessiva

Autossômica dominante

Incidência

˜75 a 80%

˜20%

˜5%

Rara

Rara

Incomum

Incomum

Causa

Deficiência parcial de vWF normal

vWF anormal

vWF anormal

vWF anormal

vWF anormal

Deficiência severa de vWF

Membrana plaquetária anormal

Propensão ao sangramento

Leve a moderada

Variável, habitualmente moderada

Variável, habitualmente moderada

Variável, habitualmente moderada

Variável, habitualmente moderada

Severa

Variável, habitualmente moderada

Ensaio de fator VIII

diminuído

N ou diminuído

N ou diminuído

N ou diminuído

diminuído; diminuído

diminuído; diminuído

N ou diminuído

Antígeno do vWF

diminuído

Variável

Variável

Variável

N

diminuído; diminuído

Variável

RCo

diminuído

diminuído

aumentado

diminuído

N

diminuído; diminuído

aumentado

Análise de multímeros de vWF no plasma

N

Somente as formas de baixo peso molecular estão presentes

Somente as formas de peso molecular baixo e intermediário estão presentes

N

N

Variável

Somente as formas de peso molecular baixo e intermediário estão presentes

N = normal; vWF = fator de von Willebrand; RCo = cofator da ristocetina; vWD = doença de von Willebrand.

 

Tipo 1. O vWF de tipo 1 é a forma mais comum de vWD e representa 75 a 80% dos casos. Em geral, é um traço autossômico dominante que costuma se manifestar em heterozigose. Em cerca de 2/3 dos casos, é possível identificar uma mutação candidata junto à região codificadora, promotora ou sítios de splice do gene do vWF. Esta mutação resulta na interrupção da transcrição do gene de vWF, secreção ineficiente de vWF resultante da formação de multímeros anormais ou, em alguns casos, depuração acelerada do vWF.6 Os pacientes com a clássica vWD de tipo 1 têm história de sangramento leve a moderado ao longo da vida, tipicamente junto às superfícies mucosas. É possível que estes pacientes somente descubram que têm um distúrbio hemorrágico ao passarem por uma cirurgia ou sofrerem traumatismo e apresentarem uma hemorragia potencialmente grave. Os níveis de antígeno de vWF, fator VIII e cofator de ristocetina sofrem aproximadamente o mesmo grau de diminuição.

Tipo 2. A vWD de tipo 2 é caracterizada por anormalidades qualitativas de vWF e uma diminuição variável dos níveis de antígeno de vWF, fator VIII e cofator de ristocetina. No tipo 2ª, os multímeros maiores estão ausentes. No tipo 2B, os multímeros ligam-se excessivamente às plaquetas, em decorrência de uma mutação promotora de ganho de função. No tipo 2M, o vWF anormal não se liga à GPIb-IX-V, enquanto no tipo 2N o sítio de ligação de vWF para fator VIII está mutado. Todas as variantes da vWD de tipo 2, com exceção dos raros tipos 2M e 2N, são caracterizadas por uma perda de multímeros de vWF de alto peso molecular detectada pela análise dos polímeros de vWF.

Tipo 3. A rara forma homozigota ou duplo-heterozigota (vWD de tipo 3) é caracterizada por hemorragia grave, TTPa longo e níveis de fator VIII inferiores a 5%. (Em termos de interesse histórico, esta foi a forma de doença apresentada pelo paciente originalmente descrito por Erik von Willebrand, em 1926.)7

Doença de von Willebrand (vWD) do tipo plaquetária. Trata-se de uma forma plaquetária de vWD, antigamente chamada de pseudo-vWD, em que uma GPIb anormal (com ganho de função conferido por mutação) é encontrada nas plaquetas e causa ligação excessiva do vWF plasmático normal às plaquetas não estimuladas.

Em média, os níveis de antígeno de vWF são de 100 UI/dL. Entretanto, a distribuição populacional dos níveis de vWF é bastante ampla, sendo que mais de 95% dos valores giram em torno de 50 a 200 UI/dL. A explicação para esta ampla distribuição dos níveis de vWF não é totalmente conhecida, mas torna inadequado o valor de limiar (níveis de vWF correspondentes a 2 desvios padrão [DP] abaixo da média) comumente adotado para estabelecer o diagnóstico da vWD de tipo 1. A este problema relacionado ao diagnóstico soma-se o fato de os sintomas hemorrágicos leves serem extremamente comuns na população em geral. Em um levantamento recente, foi estimado que 25% dos homens e 46% das mulheres fornecem história positiva de sintomas hemorrágicos, tais como epistaxe, facilidade de contusão e sangramento pós-parto.8 Isto sugere que a vWD de tipo 1 pode ser excessivamente diagnosticada. Por isso, foi proposta a adoção de critérios diagnósticos mais rigorosos – limitar o diagnóstico de vWD de tipo 1 aos pacientes com níveis de antígeno de vWF < 20 UI/dL.9 Os pacientes com diminuição modesta dos níveis de antígeno de vWF (isto é, entre 30 e 50 UI/dL) geralmente não apresentam mutações identificáveis no gene do vWF e, somente em raros casos, podem ser cossegregados com uma história familiar de sangramento. Os pacientes com diminuição modesta dos níveis de vWF (e sem história de sangramento familiar) podem apresentar um risco moderadamente aumentado de sangramento.

 

Tratamento

Tipos 1 e 2 leves ou moderados. No tratamento da menorragia em mulheres com vWD, é necessário realizar uma avaliação ginecológica completa para excluir a hipótese de distúrbio ginecológico subjacente, antes de iniciar o tratamento. No caso das adolescentes ou mulheres adultas que não desejam engravidar no momento, mas podem querer ter filhos futuramente, os anticoncepcionais orais são a terapia de primeira escolha. A 1-desamino-8-D-arginina vasopressina (DDAVP ou desmopressina) é efetiva no tratamento do sangramento traumático e para uso pré-cirúrgico em alguns pacientes com vWD de tipos 1 e 2 leve ou moderada. A administração endovenosa (IV) de DDAVP a uma dosagem de 0,3 mcg/kg em 30 a 50 mL de solução salina normal, no decorrer de 30 minutos, causa consistentemente a liberação de amplas quantidades de vWF a partir dos estoques existentes nas células endoteliais, aumentando a concentração plasmática de vWF e de fator VIII em 2 ou mais de 5 vezes acima dos níveis basais. O pico da resposta em geral ocorre em 30 a 90 minutos e persiste por até 4 a 6 horas. As administrações repetidas de DDAVP no decorrer de um período de 24 horas são inefetivas. Uma taquicardia segue-se à depleção das reservas endoteliais de vWF. Entretanto, a DDAVP pode ser administrada segundo um esquema de 1 dose/dia, por até 4 dias, sem perda significativa da resposta.10 Uma dose alta de DDAVP administrada como spray nasal (Stimate, 300 mcg) pode ser usada no tratamento ambulatorial de pacientes com vWD, tanto para fins de tratamento de episódios hemorrágicos mínimos como para preparação para cirurgias menores.11 Os efeitos colaterais da DDAVP IV em geral são leves, incluindo uma retenção significativa de água e, em casos raros, trombose com infarto do miocárdio. Desta forma, seu uso deve ser evitado no tratamento de idosos. Dada a variabilidade da resposta à DDAVP, o paciente deve ser submetido a uma infusão de exame de DDAVP, antes de passar pelo procedimento planejado, para determinar se é capaz de responder adequadamente. Os inibidores de fibrinólise, ácido eta-aminocaproico (AEAC; 3 g, 3 vezes/dia, via oral [VO], durante 3 a 7 dias) ou ácido tranexâmico (1 a 1,5 g, VO, 3 a 4 vezes/dia), são igualmente úteis para procedimentos odontológicos e eventos hemorrágicos menores. A aspirina e os anti-inflamatórios não hormonais (AINH) devem ser evitados.

Tipos 2 e 3 moderado e severo. Os pacientes com vWD de tipos severos 2A, 2B e 3 necessitam de terapia de reposição com Humate-P – um concentrado de fator VIII pasteurizado de pureza intermediária, que contém alta concentração de multímeros de vWF – ou infusão de crioprecipitado contendo vWF, fator VIII e fibrinogênio. O crioprecipitado geralmente não é recomendado, pois não é viralmente inativado. O DDAVP não é efetivo na vWD de tipo 3. A transfusão de plaquetas normais também pode ser experimentada, considerando que o vWF plaquetário pode ser hemostaticamente efetivo se o sangramento não for corrigido com Humate-P.12 Um vWF recombinante foi desenvolvido, mas ainda precisa passar por testes clínicos.13

Tratamento durante a gestação. O tratamento em geral é desnecessário durante a gestação, em casos de mulheres com vWD. Os níveis plasmáticos de vWF aumentam durante o 2º e 3º trimestres, mas caem de modo rápido após o parto. Chegada a hora do parto, as mulheres devem atingir níveis de vWF:RCo e fator VIII de pelo menos 50 UI/dL antes do parto, que devem ser mantidos no mínimo por 3 a 5 dias após o parto.14 A hemorragia tardia pode ocorrer em 2 a 3 semanas após o parto.15 A DDAVP não é usada antes do parto, pois existe uma preocupação de que este fármaco possa causar hiponatremia severa. Os pacientes com vWD de tipo 2B podem desenvolver uma trombocitopenia que piora no decorrer da gestação, devido ao aumento da concentração plasmática de vWF anormal.16

 

Hemofilia A

A hemofilia A ocorre em cerca de 1 a cada 5.000 nascimentos e é caracterizada por uma deficiência ou defeito do fator de coagulação VIII. O gene codificador do fator VIII, que está localizado no cromossomo X (em Xq28), é um dos genes humanos mais bem conhecidos, com 186 kD e 26 éxons. Este gene codifica uma proteína de cerca de 300.000 Da, que circula no plasma a concentrações baixíssimas e normalmente é ligada e protegida pelo vWF. A fonte primária de produção de fator VIII é provavelmente o fígado, pois a hemofilia A pode ser corrigida com transplante deste órgão.

Como a atividade coagulante do gene codificador do fator VIII é transportada pelo cromossomo X, a doença manifesta-se em indivíduos do sexo masculino hemizigotos. Todas as filhas de um homem hemofílico serão portadoras, enquanto metade dos filhos de uma mãe portadora do traço hemofílico serão também portadores. Aparentemente, as famílias parecem ser afetadas em diferentes graus, dependendo da natureza específica do defeito genético.

A severidade clínica da hemofilia A apresentam correlação significativa com os níveis medidos de atividade coagulante de fator de VIII. Em geral, níveis de fator VIII abaixo de 1% estão associados a sintomas hemorrágicos graves; níveis entre 1 e 5% estão associados à hemofilia moderada; e níveis entre 5 e 25% estão relacionados à hemofilia leve [Tabela 2].

 

Tabela 2. Correlação dos níveis de atividade coagulante do fator VIII aos padrões hemorrágicos observados na hemofilia

Níveis plasmáticos de fator VIII

Padrão hemorrágico

< 1%

Severo; manifestação no primeiro ano de vida; sangramento por circuncisão, hemartrose espontânea e sangramento de tecido profundo

1 a 5%

Moderado; manifestação na infância; sangramento pós-traumatismo, hemartrose espontânea (rara)

5 a 25%

Leve; pode manifestar-se na infância; sangramento pós-traumatismo, pós-cirurgia ou pós-extração de dente

25 a 50%

Pode não ser detectado; pode manifestar-se na fase adulta, como sangramento subsequente a um traumatismo ou cirurgia significativa

 

Cerca de 1/3 dos casos de hemofilia A representam novas mutações e têm história familiar negativa. Mais de 300 genes codificadores de fator VIII anormal foram encontrados. As anormalidades, que incluem mutações pontuais, inserções genéticas e deleções de genes, resultam em uma produção deficiente de fator VIII ou na geração de um fator VIII funcionalmente defeituoso. Uma inversão junto ao íntron 22 do gene do fator VIII, que resulta na formação de uma proteína de fator VIII truncada e instável, é encontrada em cerca de 45% de todos os pacientes com hemofilia A severa (níveis de fator VIII < 1%).17

 

Diagnóstico

O diagnóstico é estabelecido com base no quadro clínico, história familiar (positiva em 2/3 dos casos) e nível de atividade coagulante do fator VIII. Na maioria dos casos, o tipo de história de sangramento e uma história familiar clássica excluem a hipótese de vWD (que, diferente da hemofilia A, possui transmissão autossômica). Uma análise de DNA acurada para detecção do achado comum de inversão do íntron 22 atualmente é disponibilizada nos laboratórios de análise de DNA. Este teste fornece o diagnóstico molecular de aproximadamente 45% dos pacientes com hemofilia severa. No entanto, não deve ser solicitado em casos de pacientes com hemofilia leve ou moderada.

 

Tratamento

Princípios gerais. Os aspectos psicossociais da hemofilia são complexos. Uma criança afetada falta com frequência à escola, é propensa a desenvolver deformidades incapacitantes e corre o risco de ficar viciada em medicações, por causa da dor intensa. Compreensivelmente, os pacientes são bastante preocupados e às vezes atormentados pela culpa. O tratamento deve abordar estes aspectos, além do problema específico da coagulação.

Reposição de fator VIII. Os concentrados de fator VIII são efetivos no controle da hemorragia espontânea e traumática. Os produtos de fator VIII atualmente disponíveis derivam do plasma e passam por graus variáveis de purificação (p. ex., Humate-P [pureza intermediária], Koate-HP [alta pureza] e Monoclate [ultrapuro]), além de serem submetidos à inativação viral. Existem 2 formas de fator VIII recombinante de comprimento integral (Recombinate e Kogenate), que são seguras e eficazes.18,19 Uma 2ª geração, o fator VIII recombinado depletado de domínio B (ReFacto), também foi desenvolvida e tem se mostrado efetiva e bem tolerada.20 O novo fator VIII recombinante tem como vantagem uma atividade específica significativamente aumentada. Além disso, sua formulação final é estável sem adição de nenhuma albumina sérica humana, e isto diminui o potencial risco de transmissão de agentes infecciosos humanos.

A profilaxia odontológica é essencialmente importante para diminuir a necessidade de cirurgia odontológica. O uso de aspirina e AINH deve ser evitado.

Aconselhamento genético e diagnóstico do estado de portador da hemofilia. O aconselhamento genético deve fazer parte do programa de tratamento. Por causa da vida difícil levada pelos indivíduos com hemofilia grave, uma mulher pode optar por interromper a gestação se tiver certeza de sua condição de portadora ou se souber que seu feto está afetado. Existem várias estratégias para detectar os portadores. Em mulheres portadoras, os níveis de fator VIII tipicamente correspondem a metade do normal, enquanto os níveis de vWF permanecem normais. A proporção de fator VIII:vWF em portadores vale 0,5.21 Entretanto, o índice de erro para este teste é de 10 a 17%. A abordagem de análise de linkage permite estabelecer um diagnóstico genético mais acurado. Esta abordagem é baseada na análise dos polimorfismos de comprimento dos fragmentos de restrição (RFLP) encontrados no gene do fator VIII. A análise de homens afetados estabelecerá o padrão para o cromossomo X que carrega o alelo da hemofilia, quando a mutação precisa é desconhecida. Um amplo número de polimorfismos intragênicos e de polimorfismos extragênicos estreitamente localizados permite distinguir as 2 cópias de genes de fator VIII em uma paciente portadora em potencial, identificando sua condição de portadora com maior acurácia.22

Estas sondas moleculares para RFLP agora estão sendo usadas para determinar a condição do feto. É possível obter amostra de tecido para amniocentese ou amostragem de vilosidade coriônica.

Tratamento da hemorragia aguda. Hemorragia em tecidos profundos, hemartrose e hematúria são as formas comuns de sangramento clínico encontradas na hemofilia A. As ameaças agudas impostas à vida são a hemorragia retroperitoneal; sangramento da boca, língua ou pescoço, com comprometimento das vias aéreas; e hemorragia intracraniana. Tanto o exame de ultrassonografia como o de tomografia computadorizada (TC) podem ser usados para identificar hematomas retroperitoneais e intramusculares.

Princípios da terapia de reposição. Níveis plasmáticos de fatores pró-coagulantes da ordem de 100% implicam em 1 unidade de pró-coagulante/mL de plasma. A maioria das pessoas apresenta 40 mL de plasma/kg de peso corporal. Sendo assim, a partir da determinação do volume de plasma do paciente e dos níveis de pró-coagulantes, é possível calcular a quantidade requerida de reposição de fator VIII. Exemplificando, no caso de um garoto de 60 kg que apresenta hemartrose sem complicação no joelho e níveis basais de fator VIII abaixo de 1%, seria suficiente elevar os níveis de fator VIII para cerca de 25% (0,25 U/mL) durante 2 a 3 semanas. O volume de plasma deste paciente é igual a 60 kg x 40 mL/kg, ou seja, 2.400 mL. Ele necessitará de um bolus inicial de 0,25 U/mL x 2.400 mL, ou seja, 600 U de fator VIII. Outro método de estimativa é baseado no seguinte efeito: a infusão de 1 U de fator VIII/kg aumenta em 2% os níveis de fator VIII. Desta forma, dividir o nível desejado de aumento de fator VIII por 2 resultará no número de U/kg requerido. No exemplo citado, 25% do fator VIII implicará em uma reposição de 12,5 U/kg ou 750 U de fator VIII.

A meia-vida biológica do fator VIII é de aproximadamente 12 horas. A dose pode ser repetida a cada 12 a 24 horas, pelo tempo que for necessário para controlar a hemorragia. Em pacientes com hemartrose, os níveis de fator VIII devem ser mantidos por 2 a 3 dias.

Cirurgia eletiva e extração dentária. O tratamento odontológico deve ser realizado por um dentista que tenha experiência no tratamento de hemofílicos. Antes da extração dentária, o fator VIII é administrado para aumentar os níveis do fator para cerca de 50%. O curso do inibidor fibrinolítico EACA deve ser iniciado na noite anterior ao dia da cirurgia, a uma dose de carga de 3 g, VO, e mantido a uma dosagem de 2 a 3 g, 3 a 4 vezes/dia, por 7 a 10 dias, após a conclusão do tratamento odontológico. Em geral, a administração de fator VIII adicional é desnecessária.

Antes da cirurgia eletiva, os níveis de fator VIII devem ser elevados para 50 a 100% (0,5 a 1 U/mL) e, então, mantidos acima de 50% durante os próximos 10 a 14 dias. A manutenção de uma concentração mais alta de fator VIII não diminui a frequência da hemorragia.23

A DDAVP pode ser usada no tratamento da hemorragia traumática aguda de pacientes com hemofilia leve a moderada, e até mesmo na preparação destes pacientes para cirurgias menores. A DDAVP, que causa liberação de VWF e de fator VIII a partir das reservas celulares endoteliais, é infundida a uma dosagem de 0,3 mcg/kg em 50 mL de solução salina, ao longo de 30 minutos, e produz elevação imediata dos níveis de fator VIII. A meia-vida biológica do fator VIII liberado é de 11 a 12 horas. A DDAVP pode ser administrada 1 vez/dia, por 3 a 4 dias.

Tratamento de um inibidor. Os inibidores tendem a ocorrer em pacientes mais severamente afetados, os quais, por sua vez, tendem a receber a maior quantidade de concentrados de fator VIII. Em um estudo recente, envolvendo um único centro e 431 pacientes acompanhados no decorrer de 3 décadas, cerca de 10% dos pacientes com hemofilia A severa apresentavam um inibidor (cerca de 1/3 destes pacientes eram crianças com menos de 10 anos de idade).24 Nem todos os inibidores acarretam problemas clínicos. Os ensaios para inibidores de fator VIII devem ser realizados a intervalos regulares em todos os casos de pacientes com hemofilia severa.

A hemorragia em um paciente com inibidor pode ser prejudicial à vida. Em um paciente com título de inibidores inferiores a 5 unidades Bethesda (UB) e que não promova respostas vigorosas de anticorpos, deve ser administrada uma quantidade maior de concentrado de fator VIII, para tentar oprimir os anticorpos. As terapias alternativas são o fator VIII de porco (Hyate:C), concentrados de complexo de protrombina (p. ex., Konyne e Proplex), para evitar a deficiência de fator VIII,25,26 e concentrados de complexo de protrombina ativada (CCPa), como Autoplex-T e FEIBA.

Foi demonstrado que o fator VII ativado recombinante (rFVIIa) é seguro e efetivo no tratamento de pelo menos 70 a 85% dos 1.500 episódios hemorrágicos apresentados pelos pacientes hemofílicos com inibidores.27,28 O rFVIIa pode competir com o fator VII não ativado normal plasmático pela ligação ao fator tecidual e, desta forma, intensificar a geração de trombina no sítio de sangramento.29 Além disso, doses elevadas de rFVIIa podem ligar-se às plaquetas ativadas e aos fatores IX e X ativados na superfície plaquetária, na ausência de fator tecidual.30

A administração IV de doses altas de IgG tem sido utilizada no tratamento de indivíduos não hemofílicos que possuem inibidores de fator VIII adquiridos. No entanto, esta terapia é ineficaz para os hemofílicos com inibidores (aloanticorpos).

 

Outros distúrbios hemorrágicos hereditários

Deficiência de fator IX (hemofilia B)

A deficiência de fator IX (hemofilia B ou doença de Christmas) é um distúrbio ligado ao X clinicamente indistinguível da hemofilia A. Esta deficiência é menos comum do que a hemofilia A, com incidência aproximada de 1 em cada 35.000 nascimentos. O gene do fator IX está localizado no cromossomo X e produz um fator de coagulação que, assim como outros fatores dependentes da vitamina K, possui uma região rica em ácidos glutâmicos gamacarboxilados. As pontes de íons de cálcio ligam esta região à superfície celular da plaqueta ativada, onde o fator IXa interage com o fator VIIIa para formar um complexo membrana-associado. Este complexo promove a conversão eficiente do fator X em fator Xa (tenase intrínseca). Numerosas inserções, rearranjos e deleções foram identificadas no gene do fator IX. Além disso, a síndrome da hemofilia B é bastante heterogênea.31

Diagnóstico. O diagnóstico da hemofilia B requer um ensaio de fator IX. Os princípios de tratamento são os mesmos do tratamento da hemofilia A. Uma preparação de concentrado de fator IX pasteurizado derivado do plasma (Mononine) exibe uma excelente atividade específica e uma meia-vida biológica desejável de 18 a 34 horas. Atualmente, o fator IX recombinante (BeneFIX) também é comercializado.

Tratamento. Os níveis de fator IX necessários para alcançar o controle da hemostasia em pacientes com hemofilia B são um pouco mais baixos do que os níveis de fator VIII necessários ao tratamento da hemofilia A (cerca de 15 a 20% e 30 a 50%, respectivamente). O fator IX é uma molécula menor do que o fator VIII e está distribuído no espaço da albumina. Quando os cálculos de reposição são realizados, considera-se que a administração de 1 U de fator IX/kg promove um aumento de 1% nos níveis plasmáticos. O fator IX apresenta uma meia-vida bifásica, e seus níveis plasmáticos podem ser mantidos com a infusão do concentrado a cada 24 horas. As técnicas de biologia molecular atualmente disponíveis são capazes de detectar a condição de portador da deficiência de fator IX e possibilitam um aconselhamento genético acurado. A correção perpétua de um distúrbio hemorrágico em camundongos com hemofilia B foi demonstrada com o uso de uma abordagem de terapia genética.32 Entretanto, os estudos clínicos sobre terapia genética para pacientes com hemofilia B têm avançado lentamente.33

 

Deficiência de fator XI

Diagnóstico. Os pacientes com deficiência de fator XI frequentemente são levados à atenção médica quando um TTPa prolongado é detectado no exame pré-operatório. A condição é mais frequente entre os judeus Ashkenazi, embora casos esporádicos tenham sido descritos em indivíduos de diversas etnias. A deficiência de fator XI é herdada como traço autossômico recessivo, e a deficiência heterozigota não está associada a nenhum tipo de sangramento clínico. Os pacientes com deficiência homozigota ou heterozigota composta geralmente apresentam níveis de fator XI abaixo de 15%, e a maioria das manifestações hemorrágicas observadas nestes pacientes está relacionada a trauma ou cirurgia, em especial nos sítios de alta atividade fibrinolítica (p. ex., trato urinário, tonsilas e alvéolos dentários).34 O fator XI exerce papel de suporte na cascata de coagulação. É ativado pela trombina e então passa a atuar em uma retroalimentação positiva, aumentando a geração de trombina e a estabilização do coágulo. Desta forma, o fator XI é primariamente requerido nas situações que representam um desafio hemostático significativo. Isto explica a leve diátese hemorrágica associada à deficiência do fator XI.

Tratamento. Para pacientes com deficiência de fator XI severa (< 15%) que necessitam de cirurgia, o plasma fresco congelado deve ser usado para reposições de níveis de plasmáticos superiores a 50%. Os fármacos antifibrinolíticos orais contendo EACA ou ácido tranexâmico são efetivos para cirurgias menores ou procedimentos odontológicos. Em um recente estudo retrospectivo envolvendo 62 mulheres com deficiência severa de fator XI, cerca de 70% das participantes não apresentaram nenhuma hemorragia pós-parto. Dentre os 30% de pacientes que sofreram hemorragia no pós-parto, algumas tinham história de sangramento clínico recorrente. A hemorragia pós-parto não apresentou relação com o genótipo de fator XI anormal em particular nem com os níveis de fator XI.35 Assim, conforme a necessidade, em vez do uso preventivo, a terapia com plasma fresco congelado é defendida para os casos de parto.

 

Anormalidades fibrinolíticas

Existem 2 distúrbios hemorrágicos congênitos incomuns que foram atribuídos à ocorrência de anormalidades de fibrinólise. A deficiência de alfa-2-antiplasmina, principal inibidor da plasmina, acarreta perda do controle da atividade desta proteína e consequente hemorragia. A atividade fibrinolítica intensificada acompanhada de sangramento clínico leve a moderado também foi associada à deficiência de inibidor de ativador de plasminogênio-1 (PAI-1), que é o inibidor fisiológico do ativador de plasminogênio tecidual (t-PA) e da uroquinase.36 O diagnóstico da deficiência de PAI-1 é dificultado pelo fato de a maioria dos ensaios para atividade de PAI-1 atualmente disponíveis não ser sensível o bastante para distinguir entre níveis baixos normais e deficiência verdadeira. O tratamento de ambos os tipos de anormalidades fibrinolíticas consiste na administração dos agentes antifibrinolíticos ácido tranexâmico ou EACA, que bloqueiam a ligação do plasminogênio e da plasmina à fibrina.

 

Distúrbios hemorrágicos adquiridos

Além dos distúrbios da coagulação hereditários, foram identificados vários distúrbios adquiridos que podem causar hemorragia generalizada.

 

Deficiência de vitamina K

No fígado, existe uma carboxilase dependente de vitamina K que sintetiza o ácido gamacarboxiglutâmico, necessário à função biológica da protrombina e dos fatores VII, IX e X. Na ausência da vitamina K, há síntese de uma protrombina anômala que não possui os resíduos gamacarboxiglutâmicos. Os imunoensaios específicos realizados em casos de deficiência de vitamina K revelam a ocorrência de uma diminuição aguda dos níveis normais de protrombina e de um aumento concomitante dos níveis de desgamacarboxiprotrombina anormal. A mesma desorganização molecular ocorre com os fatores VII, IX e X.37

 

Aspectos clínicos e diagnóstico

A deficiência de vitamina K, que diminui os níveis de protrombina e fatores VII, IX e X, ocorre em casos de desnutrição grave, má absorção intestinal e icterícia obstrutiva. Neste último caso, os sais biliares, necessários para a emulsificação e absorção das vitaminas lipossolúveis (vitaminas A, D, E e K), não conseguem entrar no intestino. A ingesta de antibióticos orais por tempo prolongado suprime a produção de vitamina K pelos organismos intestinais. Este efeito é especialmente marcante em pacientes que, por sua condição, são incapazes de consumir uma dieta nutritiva completa. Há sangramento de mucosas e equimoses diante da queda dos níveis de pró-coagulantes para menos de 10 a 15% do normal.

 

Tratamento

A terapia com vitamina K1 (fitonadiona), com um regime de 10 a 25 mg/dia, VO, durante 2 ou 3 dias – ou com vitamina K1 administrada por via parenteral em pacientes com icterícia obstrutiva – costuma reverter a anormalidade em cerca de 6 a 24 horas. Havendo um sangramento intenso, a administração de plasma fresco congelado (cerca de 3 unidades) restaura rapidamente os níveis de fatores pró-coagulantes [ver Princípios da terapia de reposição, anteriormente].

 

Hemorragia fármaco-induzida

Anticoagulação excessiva após a administração de varfarina e subsequente à hemorragia induzida por varfarina

A superdosagem de varfarina ou a potencialização de sua ação por outros fármacos ou condições médicas sobrepostas (p. ex., má absorção, doença hepática) provoca uma anticoagulação excessiva, que pode ser acompanhada de hemorragia severa. O tempo de protrombina (TP), expresso em relação normalizada internacional (INR), está aumentado. O padrão habitual é o sangramento de mucosa, sangramento gastrintestinal ou equimose. As opções de tratamento dependem da extensão da elevação da INR, da presença/ausência de sangramento e (caso haja) da severidade do sangramento clínico [Tabela 3]. Quando a administração de vitamina K1 é de fato desejável ou necessária, geralmente deve ser feita pela via oral, que está associada a uma rápida absorção. Em casos de sangramento grave, a vitamina K1 pode ser administrada como infusão IV lenta. Esta vitamina não deve ser administrada por via subcutânea, que está associada a uma absorção errática.38 É possível identificar o uso clandestino da varfarina por meio do ensaio de varfarina sérica, que somente é disponibilizado em laboratórios especiais. A ingesta factícia ou acidental de alguns antagonistas de vitamina K de ação prolongada, que são usados como rodenticidas (supervarfarinas), pode acarretar sintomas hemorrágicos prolongados. A síntese de fatores de coagulação dependentes de vitamina K pode ficar comprometida por vários meses, após a exposição inicial. A administração repetida de plasma fresco congelado, suplementado por doses maciças de vitamina K1 oral (100 a 150 mg/dia), pode ser necessária para controlar os sintomas hemorrágicos.

 

Tabela 3. Tratamento da anticoagulação excessiva com varfarina e do sangramento induzido por varfarina

INR em excesso do alvo terapêutico

Ocorrência de sangramento

Recomendações

Até 5

Não

A diminuição da dose é desnecessária, caso a INR seja minimamente prolongada, ou

Diminuir dose de varfarina, ou

Omitir uma dose e suspender a varfarina, quando a INR estiver na faixa terapêutica

> 5 a 9

Não

Omitir as próximas 1 a 2 doses de varfarina, monitorar a INR com maior frequência e suspender o tratamento com doses menores, quando a INR estiver na faixa terapêutica, ou

Omitir uma dose e administrar 1 a 2,5 mg de vitamina K1

> 9

Não

Manter a varfarina e administrar 5 a 10 mg de vitamina K1 oral, monitorar a INR e administrar mais vitamina K1, de acordo com a necessidade. Suspender a varfarina a uma dose menor, quando a INR estiver na faixa terapêutica

Qualquer

Grave

Manter a varfarina e administrar 10 mg de vitamina K1 por infusão IV lenta; administrar plasma fresco congelado, concentrado de complexo de protrombina ativado ou fator VIIa recombinante, dependendo da urgência clínica. Monitorar intensamente e repetir, conforme a necessidade

INR = relação normalizada internacional; IV = via endovenosa.

Adaptado de Ansell J, Hirsh J, Hylek E, et al. Chest 2008; Suppl 6:160S.

 

Hemorragia induzida por heparina

A superdosagem de heparina pode não ser evidente. Causa hemorragia subcutânea e hematomas em tecidos profundos. O TTPa, TP (INR) e tempo de trombina (TT) são amplamente prolongados, contudo o tempo de reptilase (RT) permanece normal. A administração de protamina por via IV, a uma dosagem de 1 mg/100 U de heparina administrada, elimina a resposta à superdosagem. Como a meia-vida da protamina é mais curta do que a meia-vida da heparina, é possível que ocorra rebote de heparina, com necessidade de uma 2ª administração de protamina. As preparações de heparina de baixo peso molecular (HBPM) causam tanto sangramento quanto a heparina não fracionada padrão. A habilidade da protamina de reverter as ações da HBPM é incompleta. A administração de protamina (1 mg/100 U de antifator Xa) pode ser experimentada e, se este tratamento fracassar, a administração de rFVIIa deve ser considerada.

 

Hemorragia decorrente da terapia trombolítica

A terapia trombolítica atualmente é usada em casos de infarto agudo do miocárdio, diante da indisponibilidade das intervenções coronarianas percutâneas, e também em alguns casos de embolia pulmonar e acidente vascular cerebral agudo. As complicações da terapia trombolítica são todas essencialmente hemorrágicas. Em geral, o sangramento permanece confinado a uma exsudação relativamente banal junto aos sítios de invasão vascular. No entanto, também há relatos de hematomas subdurais e hemorragia intracraniana. Os agentes trombolíticos muitas vezes produzem um estado lítico sistêmico significativo, com baixos níveis de fibrinogênio, fator V e fator VIII. Além disso, a geração dos produtos de degradação do fibrinogênio, por sua vez, interfere na formação de um coágulo firme e na função plaquetária. Este distúrbio é tratado com crioprecipitado (para aumentar os níveis de fibrinogênio para cerca de 100 mg/dL), plasma fresco congelado e concentrados de plaqueta.

 

Disproteinemias

As proteínas anômalas associadas ao mieloma e à macroglobulinemia podem interferir na função plaquetária e causar sangramento clínico. Estas proteínas também podem causar anormalidades nos testes de coagulação. Ambas as proteínas do mieloma, IgG e IgA, podem prolongar os TT ao interferirem no processo de polimerização da fibrina. Menos comumente, estas proteínas podem interagir com fatores de coagulação específicos. O tratamento é direcionado para a doença primária. Em geral, estas paraproteínas não causam sangramentos de importância clínica. Quando há sangramento, a plasmaférese corrige rapidamente os defeitos ao promover a diminuição abrupta dos níveis da proteína anormal.

 

Coagulação intravascular disseminada (CIVD)

Fisiopatologia

Muitas circunstâncias distintas podem causar CIVD [Tabela 4]. Em cada caso, a ativação maciça da cascata de coagulação vence os mecanismos antitrombóticos naturais e leva à geração de trombina descontrolada. Esta condição resulta em trombose nos leitos arterial e venoso, levando ao infarto isquêmico e necrose que intensificam o dano, liberam fator tecidual e promovem ativação adicional da cascata da coagulação. A coagulação maciça depleta os fatores de coagulação e plaquetas, dando origem a uma coagulopatia por consumo e sangramentos. O dano tecidual e a deposição de fibrina resultam na liberação e ativação de ativadores de plasminogênio e na geração de plasmina em quantidades que superam a concentração de seu inibidor, a alfa-2-antiplasmina. A plasmina degrada o fibrinogênio, a protrombina e os fatores V e VIII, além de gerar produtos da degradação do fibrinogênio. Estas substâncias interferem na polimerização normal da fibrina e comprometem a função plaquetária ao se ligarem ao receptor de fibrinogênio GPIIb-IIIa existente na superfície das plaquetas. Estes produtos da degradação de fibrina-fibrinogênio atuam, portanto, como agentes anticoagulantes e antiplaquetários circulantes, exacerbando a coagulopatia por consumo e exercendo papel significativo na diátese hemorrágica [Figura 1].

 

Tabela 4. Causas de CIVD

Eventos que iniciam a CIVD:

Septicemia

Pró-coagulantes cancerosos (síndrome de Trousseau)

Leucemia pró-mielocítica aguda

Lesão por esmagamento, cirurgia com complicação

Hemorragia intracraniana grave

Produtos de concepção retidos, rompimento de placenta, embolia por líquido amniótico

Eclâmpsia, pré-eclâmpsia

Incompatibilidade sanguínea ABO significativa, reação transfusional hemolítica

Lesões de queimadura

Pirose

Hipertensão maligna

Oxigenação por bombeamento extensiva (reparo de aneurisma aórtico)

Hemangioma gigante (síndrome de Kasabach-Merritt)

Vasculite severa

Eventos que complicam e propagam a CIVD:

Choque

Ativação da via do complemento

CIVD = coagulação intravascular disseminada.

 

 

 

Figura 1. Na coagulação intravascular disseminada (CIVD) compensada, como aquela observada na síndrome de Trousseau, as manifestações trombóticas são predominantes na apresentação clínica. Na CIVD descompensada, porém, os produtos de degradação fibrina-fibrinogênio exacerbam a coagulopatia por consumo e exercem papel significativo na diátese hemorrágica.

 

A endotoxina liberada durante a septicemia gram-negativa aumenta a expressão de fator tecidual e acelera a ativação pró-coagulante, ao mesmo tempo em que suprime a expressão de trombomodulina. Estas ações inibem o sistema proteína C/proteína S, promovendo, adicionalmente, uma tendência ao desenvolvimento de CIVD.39 Modelos experimentais de endotoxemia também demonstraram a ocorrência de uma supressão marcante da atividade fibrinolítica consequente a um aumento contínuo dos níveis plasmáticos de PAI-1.40 Em pacientes com 1 ou múltiplos hemangiomas associados à trombocitopenia (síndrome de Kasabach-Merritt), a CIVD é provavelmente iniciada pelo contato prolongado entre a superfície endotelial anômala e o sangue em áreas de estase vascular. As plaquetas e o fibrinogênio são consumidos nestes hemangiomas, onde a fibrinólise parece estar aumentada,41 e este consumo pode acarretar hemorragia. A picada de certas cobras também pode causar CIVD. Vários mecanismos foram identificados. O veneno da víbora de Russell, por exemplo, contém uma protease que ativa diretamente o fator X e pode promover uma desfibrinose quase instantânea.

 

Consequências clínicas

As consequências da CIVD dependem de sua causa e da rapidez com que o evento iniciador é propagado. Se a ativação ocorrer de forma lenta, há produção de excesso de fatores pró-coagulantes e isto predispõe ao desenvolvimento de trombose. Ao mesmo tempo, enquanto o fígado conseguir compensar o consumo de fatores de coagulação e a medula óssea mantiver uma produção adequada de plaquetas, a diátese hemorrágica não será clinicamente evidente. A situação clínica consiste principalmente de manifestações trombóticas, que podem ser de trombose venosa e de trombose arterial. As tromboses venosas comumente envolvem a trombose de veias profundas dos membros ou a tromboflebite migratória superficial. Os pacientes também podem desenvolver uma trombose arterial que resulta em isquemia digital, infarto renal ou acidente vascular cerebral. A isquemia arterial pode ser, em parte, resultante de êmbolos formados a partir de coágulos de fibrina junto à valva mitral – uma condição denominada endocardite trombótica ou endocardite marântica. Esta condição por vezes é chamada CIVD compensada ou crônica e corresponde à síndrome de Trousseau42 (CIVD crônica causada por uma malignidade subjacente, mais frequentemente pancreática ou outro tipo de câncer gastrintestinal). As células cancerosas podem produzir fator tecidual ou outro pró-coagulante que ativa o sistema de coagulação.

Quando a reação é rápida e explosiva, o quadro clínico é dominado por uma coagulação intravascular; depleção de plaquetas, fibrinogênio, protrombina e fatores V e VIII; e produção plasmina-mediada de produtos da degradação da fibrina, que interferem adicionalmente na hemostasia. A consequência clínica é uma profunda diátese hemorrágica sistêmica, com exsudação hemorrágica a partir dos sítios de ferida, linhas intravenosas e cateteres, bem como hemorragias nos tecidos profundos. As estrias de fibrina intravasculares produzem anemia hemolítica microangiopática.

 

Diagnóstico

A observação de hemácias microangiopáticas ao esfregaço e a ocorrência de trombocitopenia moderada a severa são achados sugestivos do diagnóstico. Numerosas anormalidades laboratoriais estão presentes na CIVD, dependendo do estágio desta condição. Por causa da depleção de fatores de coagulação, o TTPa e o TP (INR) são prolongados e os níveis de fibrinogênio tornam-se baixos. Como os produtos da degradação da fibrina interferem na polimerização desta, o TT e o RT também são prolongados. Os níveis de produtos da degradação da fibrina, cuja medida é dada pelos níveis de D-dímero, estão elevados. Os níveis plasmáticos de plasminogênio, proteína C e alfa-2-antiplasmina também estão baixos, em decorrência do consumo. Entretanto, estas medidas em geral são desnecessárias. No caso da CIVD compensada, a maioria destes parâmetros pode permanecer normal, exceto quanto à elevação dos níveis de D-dímero, que indica a ocorrência de deposição intravascular de fibrina em ligação cruzada e fibrinólise. Os níveis de fibrinogênio às vezes podem estar altos, pois o fibrinogênio é um reagente de fase aguda. Quando a CIVD se torna descompensada, a coagulação por consumo passa a predominar, e todas as outras anormalidades laboratoriais listadas passam a estar presentes. É essencial repetir a intervalos regulares a contagem de plaquetas e a determinação dos níveis de fibrinogênio e D-dímero. Estes testes fornecem um parâmetro cinético que é bastante útil para fins de avaliação da severidade da CIVD e da escolha do tratamento apropriado.

 

Tratamento

Atualmente, o tratamento deve ser voltado para a doença primária, com o objetivo de “desligar” o evento iniciador. Esta abordagem pode envolver o tratamento quimioterápico de um tumor subjacente, a administração de antibióticos e a drenagem cirúrgica de um abscesso, ou, ainda, o esvaziamento do útero nos casos em que as complicações da gestação constituem a causa incitadora. O suporte hemodinâmico é essencial. O uso de agentes antifibrinolíticos, como EACA ou aprotinina, é contraindicado. Apesar de suas complicações hemorrágicas, a CIVD é uma condição de hipercoagulabilidade severa. Estes agentes bloqueiam o sistema fibrinolítico e podem exacerbar as complicações trombóticas da CIVD. Se o sangramento clínico se tornar significativo, deve ser feita a administração vigorosa de hemoderivados como suporte.

Embora a heparina, ao ativar a antitrombina (AT), seja efetiva em inibir a trombina e, portanto, tenha ação eficaz no tratamento da CIVD, seu uso em geral é limitado às situações de CIVD crônica ou compensada. A HBPM, administrada por via subcutânea, é efetiva no tratamento da trombose venosa em pacientes com síndrome de Trousseau.43 No caso da CIVD descompensada, em que o sangramento é a principal manifestação clínica, a heparina pode exacerbar significativamente o sangramento e, por este motivo, em geral não é indicada. O uso da infusão de AT em altas doses tem sido defendido para estes casos, porém sua eficácia ainda não foi estabelecida por estudos randomizados.44,45

Foi comprovado que a proteína C ativada humana recombinante (APC ou drotrecogina-alfa [ativada]) promove diminuição significativa da mortalidade entre pacientes com sepse severa (mortalidade de 24,7% entre os pacientes tratados com APC vs. mortalidade de 30,8% entre pacientes tratados com placebo).46 Embora seu uso esteja associado a um risco discretamente maior de sangramentos, a APC parece ser um agente efetivo no tratamento da sepse grave, com ou sem CIVD, até mesmo em pacientes com níveis normais de proteína C.47 Em estudos randomizados amplos, nem o inibidor da via de fator tecidual recombinante (TFPI) nem um concentrado de AT diminuíram a mortalidade entre os pacientes com sepse.48,49 Nos casos de CIVD associada a 1 ou múltiplos hemangiomas, estes podem ser excisados quando são localizados e ocasionalmente apresentam boa resposta à irradiação local. As tentativas de controlar a CIVD associada a hemangiomas por meio da administração de heparina, corticosteroides, aspirina e estrogênios fracassaram. A chave para o sucesso do tratamento da CIVD associada à picada de certos tipos de cobras consiste na identificação do tipo de cobra e na imediata administração da antivenenina correta.

 

Hemofilia adquirida e outros distúrbios de inibidores circulantes

Além da hemorragia causada pelos inibidores de aloanticorpo circulante nas hemofilias A e B severas, a hemorragia clínica é ocasionalmente causada por inibidores circulantes dirigidos contra fatores de coagulação específicos, que surgem de maneira espontânea. Como o autoanticorpo antifator VIII adquirido, que produz o quadro clínico de hemofilia adquirida, é o mais comum destes inibidores circulantes, será descrito aqui com certo grau de detalhamento. Entretanto, muitos princípios se aplicam igualmente a outros inibidores.

Os autoanticorpos antifator VIII geralmente são do tipo IgG (com frequência, IgG4) e, portanto, não fixam complemento. Cerca de metade dos pacientes que possuem um inibidor de fator VIII adquirido não apresenta nenhum distúrbio associado identificável. Contudo, foram identificados muitos estados patológicos nos demais pacientes, incluindo distúrbios autoimunes (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico), distúrbios linfoproliferativos, malignidades de plasmócitos, reações farmacológicas (p. ex., reação à penicilina), estado pós-parto e distúrbios cutâneos.50

 

Diagnóstico

Os pacientes que possuem um inibidor de fator VIII adquirido comumente apresentam novos episódios de hemorragia mucosa, hematomas em tecidos moles e equimoses, mas suas histórias são negativas para sangramentos. De forma típica, o quadro clínico de uma hemofilia adquirida causada por inibidor de fator VIII é observado em pacientes idosos ou mulheres jovens, durante a gestação ou no pós-parto. A principal característica laboratorial de um inibidor de fator de coagulação adquirido é o tempo de coagulação prolongado, que não é corrigido pela mistura de partes iguais de plasma de paciente e plasma normal. No caso do inibidor de fator VIII, o TTPa é prolongado, enquanto o TP e o TT permanecem normais. O antibiótico liga-se ao fator VIII com uma cinética complexa, de tal modo que o efeito inibitório somente se torna evidente após uma incubação prolongada. Desta forma, havendo suspeita da presença de um inibidor de fator VIII adquirido, devem ser realizados exames mistos após incubações de 5 e 60 minutos. O diagnóstico pode ser confirmado pela demonstração de níveis muito baixos de fator VIII concomitantes a níveis normais dos outros fatores de coagulação. A determinação do título de inibidor de fator VIII (expresso em BU/mL, em que 1 BU/mL indica uma quantidade de inibidores suficiente para causar inibição total do fator VIII contido em 1 mL de sangue) é útil para a escolha da terapia adequada.

 

Tratamento

A hemorragia causada pelos inibidores circulantes pode ser clinicamente prejudicial à vida. As tentativas de reposição de fator em geral fracassam, pois o inibidor inativa o fator VIII exógeno. Ocasionalmente, diante de títulos baixos de inibidor (p. ex., < 2 a 3 BU/mL), uma reposição maciça de fator VIII consegue sobrepujar o inibidor. Entretanto, este tratamento pode deflagrar uma resposta anamnésica significativa e resultar em níveis aumentados de anticorpo, dificultando ainda mais o tratamento. Para os sangramentos agudos com título de inibidor acima de 5 BU/mL, recomenda-se a administração de CCPa (50 a 100 UI/kg, IV, a cada 8 a 12 horas, até a obtenção de resposta clínica), que pode contornar o bloqueio inibidor fornecendo amplas concentrações de fatores X e VII, ou de rFVIIa (90 mcg/kg, administrado como bolus IV a cada 2 a 3 horas, até a obtenção da resposta clínica).51

Para erradicar os autoanticorpos antifator VIII, a terapia imunossupressora com uma combinação de ciclofosfamida (administrada mensalmente como terapia de pulsos IV ou como terapia VO diária) e prednisona tem sido bem-sucedida na maioria dos casos.52,53 O inibidor geralmente se torna indetectável após 3 a 4 ciclos mensais de quimioterapia.

Há evidências crescentes da efetividade do rituximabe (375 mg/m2, IV, 1 vez/semana, durante 4 semanas).54,55 Em pacientes com títulos altíssimos de inibidor (> 100 BU/mL), uma combinação de rituximabe e ciclofosfamida pode ser necessária.

 

Síndrome de von Willebrand adquirida (vWSa)

Diagnóstico

Os pacientes com síndrome de von Willebrand (vWSa), que geralmente estão na faixa etária de 50 a 69 anos de idade e não possuem história pessoal ou familiar de distúrbio hemorrágico, apresentam sangramentos do tipo mucocutâneo.56 A investigação é o mesma da vWD. A forma adquirida da doença frequentemente ocorre no contexto de uma doença subjacente linfoproliferativa, mieloproliferativa ou cardiovascular. Um estudo mostrou que a vWSa é bastante comum entre pacientes com estenose aórtica severa. As anormalidades do vWF estão diretamente relacionadas à severidade da estenose aórtica e melhoram depois que a valva é substituída.57 É provável que isto seja atribuível a uma proteólise anormal de vWF pela ADAMTS13, resultante de forças de cisalhamento de alta intensidade. A vWSa também está ocasionalmente associada à angioplastia em pacientes com hemorragias gastrintestinais recorrentes. Com frequência, uma pequena gamopatia monoclonal é encontrada por eletroforese de proteínas séricas. O anticorpo anti-vWF presente no plasma é funcional em uma minoria dos casos, como demonstra a inibição de vWF em um ensaio funcional realizado em estudos mistos.58 Contudo, a maioria dos casos envolve anticorpos não neutralizadores de vWF, que podem ser demonstrados pelo ensaio imunossorvente ligado à enzima (ELISA). Provavelmente, o anticorpo liga-se ao vWF e promove sua rápida depuração, diminuindo os níveis plasmáticos deste fator. Também foram descritos mecanismos não imunes (p. ex., adsorção de vWF nas células tumorais). A análise multimérica do vWF plasmático tipicamente revela uma diminuição da concentração de multímetros de alto peso molecular, de modo semelhante ao que ocorre na vWD de tipo 2A.

 

Tratamento

A DDAVP é útil para corrigir a diátese hemorrágica em cerca de 1/3 dos casos de vWSa. A administração de altas doses de IgG intravenosa (1 g/kg/dia, IV, por 1 a 2 dias) geralmente permite conseguir uma reposta temporária satisfatória, com aumento dos níveis de vWF e diminuição do TTPa, que dura de alguns dias a 2 semanas. Se o paciente apresentar uma doença linfoproliferativa, mieloproliferativa ou autoimune definida, a doença subjacente deve ser tratada. Entretanto, a reposta da vWSa à terapia imunossupressora com ciclofosfamida e prednisona geralmente não é tão favorável quanto a resposta alcançada em casos de inibidor de fator VIII adquirido.

 

Hemorragia causada por doença hepática severa

Os pacientes com doença hepática grave podem sofrer hemorragias que ameaçam a vida. Os tipos mais frequentes são as hemorragias esofágicas e gastrintestinais relacionadas a varizes, gastrite ou úlcera péptica. Também pode haver sangramento a partir de sítios de biópsia, bem como durante a após cirurgias. Pode haver sangramento de mucosa e de tecido mole, mas este geralmente não representa o problema hemorrágico dominante.

A coagulopatia da doença hepática severa é complexa e pouco definida. Como o fígado é o principal sítio de síntese de todos os fatores de coagulação, observam-se níveis reduzidos de múltiplos fatores de coagulação, incluindo fibrinogênio, protrombina, fator V e fator VII. O fator VIII constitui uma exceção, talvez por ser um reagente de fase aguda. Níveis aumentados de fibrinogênio anormal com diminuição da capacidade de coagulação também são observados em pacientes com cirrose.59 Além disso, há diminuição da depuração hepática de fatores de coagulação ativados. A CIVD parece ser comum em pacientes com cirrose60 (talvez, devido à deflagração da cascata da coagulação pelo dano tecidual), mas seu papel preciso na hepatite aguda e na doença hepática crônica ainda não foi firmemente estabelecido. A trombocitopenia moderada é comum e resulta de uma combinação de produção de plaquetas diminuída (em decorrência da deficiência de trombopoetina [TPO], uma vez que o fígado é o principal local de síntese da TPO) e destruição de plaquetas aumentada consequente ao hiperesplenismo. A função plaquetária em geral é preservada. Há, ainda, evidências de hiperfibrinólise, porém sua contribuição para o defeito hemostático geral é incerta. O fígado também sintetiza a maioria das proteínas anticoagulantes naturais. Os níveis de AT, proteína C e proteína S estão diminuídos. Entre os melhores testes de avaliação para este tipo de distúrbio, estão o TP, TTPa, contagem de plaquetas, níveis de fibrinogênio e níveis de D-dímero. Os ensaios específicos que podem guiar a terapia são os ensaios de fator V, fator VII e AT. A reposição destinada ao sangramento ativo consiste na administração de plasma fresco congelado, crioprecipitados e plaquetas, de acordo com a necessidade. A administração de CCPa não é recomendada, pois estes concentrados não podem repor todo o déficit de fatores de coagulação e podem exacerbar a CIVD. De forma geral, embora os múltiplos defeitos hemostáticos contribuam para a diátese hemorrágica na doença hepática severa, os fatores hemodinâmicos e anatômicos são os determinantes primários, nesta situação.

 

Fibrinólise primária

Os casos de fibrinólise primária são raros. É provável que muitos dos relatos iniciais de fibrinólise primária representassem uma fibrinólise secundária associada à CIVD. A hematúria pós-prostatectomia pode ser um exemplo verdadeiro de hemorragia causada por fibrinólise localizada. A alta concentração de uroquinase encontrada na urina dos pacientes com esta condição faz o plasminogênio ser convertido em plasmina, e isto resulta em lise de coágulo. Se for possível excluir outras causas de hematúria pós-operatória persistente, a condição poderá ser tratada com administração VO ou IV de fármacos antifibrinolíticos (EACA ou ácido tranexâmico). A instilação local destes fármacos via cateter uretral também é efetiva.

 

Sangramento subsequente ao desvio cardiopulmonar

Uma trombocitopenia leve (cerca de 100.000/mcL) comumente ocorre após a cirurgia de desvio cardiopulmonar, com o nadir no 2º ou 3º dia de pós-operatório.61 Alguns pacientes desenvolvem um distúrbio de função plaquetária significativo, que é provavelmente causado pelo contato entre as plaquetas e o aparelho de oxigenação, com consequente degranulação plaquetária.62 Além da liberação do conteúdo de grânulos das plaquetas, pode haver ativação da fibrinólise aliada a uma modesta depleção de fatores de coagulação.63 A hemorragia, nestes casos, geralmente responde às transfusões de plaquetas. Há relatos de que o uso de DDAVP neste contexto diminui a perda de sangue pós-operatória. Entretanto, uma metanálise de 17 estudos clínicos demonstrou apenas um modesto efeito benéfico.64

Estudos clínicos randomizados demonstraram que 2 agentes antifibrinolíticos, EACA e ácido tranexâmico, são igualmente eficazes em termos de redução do sangramento e da necessidade de transfusão em pacientes submetidos ao desvio cardiopulmonar.65,66 Em comparação aos agentes antifibrinolíticos, a aprotinina (inibidor de protease bovina) foi associada a taxas de mortalidade mais altas, e seu uso não é recomendado para a cirurgia cardíaca de alto risco.67 Os testes pré-operatórios de hemostasia aparentemente são inúteis.

Durante a cirurgia de desvio, os pacientes às vezes são expostos à trombina tópica (cola de fibrina), que é empregada no controle da hemostasia local. Em geral, nestas preparações são usados trombina bovina e traços de outros fatores de coagulação contra os quais o paciente possa desenvolver anticorpos. Os anticorpos dirigidos contra a trombina bovina prolongam o TT, mas são inócuos a si mesmos. Entretanto, as complicações potencialmente graves surgem quando os anticorpos apresentam reação cruzada com a trombina humana. Alguns pacientes desenvolvem anticorpos dirigidos contra o fator V bovino, que apresenta reação cruzada com o fator V humano e pode acarretar sangramento clínico.68,69 Uma revisão dos casos relatados constatou que os anticorpos antifator V associados à trombina, desenvolvidos em 40 a 60% dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca e em 20% dos pacientes que passaram por neurocirurgia, bem como as complicações do sangramento clínico ocorreram em quase 1/3 dos casos.70 Os estudos mistos, empregando plasma do paciente e plasma normal, revelam a presença dos inibidores, enquanto a medida dos níveis de fator apropriado permitirá estabelecer o diagnóstico correto. A plasmaférese por vezes é necessária para controlar o sangramento agudo. A recente aprovação do uso tópico da trombina humana recombinante deve evidenciar esta questão.

 

Avaliação do sangramento pós-operatório

Uma hemorragia grave durante ou após a cirurgia constitui um sério problema clínico, que requer diagnóstico rápido e intervenção imediata. A história de hemorragias do paciente, em especial os resultados decorrentes de procedimentos cirúrgicos anteriores, é extremamente útil. Entretanto, esta história pode ser inadequada ou incompleta. A 1ª questão a ser respondida é se o sangramento tem causa anatômica (p. ex., vaso uniligado) ou resulta de uma falha hemostática sistêmica. Se o paciente apresentar sangramento apenas enquanto estiver na área cirúrgica, isto pode ser sugestivo de uma causa anatômica, como um vaso hemorrágico com uniligadura. O sangramento em múltiplos sítios, particularmente em áreas distintas da ferida cirúrgica, como sangramentos ao redor de um cateter ou a partir de sítios de venopunção, é altamente indicativo de um distúrbio hemorrágico.

A rápida avaliação do contexto clínico total é imperativa. É preciso abordar as seguintes questões:

 

      O paciente tem alguma doença renal, hepática ou maligna subjacente?

      A cirurgia necessitou de técnicas de desvio de bomba ou indução de hipotermia, ou o paciente foi encontrado em choque ou em estado de hipotermia?

      Quantas unidades de sangue e produtos do sangue foram administradas, e por quanto tempo?

      Os testes de avaliação de fatores pró-coagulantes basais foram realizados antes da cirurgia? Ainda há plasma do paciente disponível?

 

O diagnóstico diferencial da hemorragia pós-operatória deve incluir alguns distúrbios hemorrágicos [Tabela 5].

 

Tabela 5. Diagnóstico diferencial da hemorragia pós-operatória

Trombocitopenia por diluição, causada por transfusões maciças

Déficit de função plaquetária adquirido, subsequente ao desvio cardiopulmonar

Neutralização inadequada da heparina

CIVD

Coagulopatia causada por choque hepático

Antitrombina e inibidores de antifator V adquiridos após a exposição à cola de fibrina

Trombocitopenia causada por inibidores GPIIb-IIIa (p. ex., abciximabe)

Hiperfibrinólise pós-cirurgia de próstata

Hemofilia ou vWD não diagnosticada

Trombocitopenia causada por púrpura pós-transfusional

CIVD = coagulação intravascular disseminada; GP = glicoproteína; vWD = doença de von Willebrand.

 

A resolução imediata do sangramento pós-operatório requer um painel de testes de coagulação – incluindo TTPa, TP, TT, ensaio do fibrinogênio e D-dímero – contagem de plaquetas e um esfregaço de sangue adequadamente corado para avaliação das plaquetas e análise da morfologia das hemácias. Esta bateria de testes deve ser realizada imediatamente. Exames mais especializados podem ser obtidos, caso haja evidência de um distúrbio específico.

 

O autor não possui relações comerciais com os fabricantes de produtos e prestadores de serviços mencionados neste capítulo.

O fator VIIa recombinante foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) para uso no tratamento dos inibidores de fator VIII em hemofílicos, mas ainda não está aprovado pelo FDA para os demais usos descritos neste capítulo.

 

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