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Remissão espontânea em câncer de mama invasivo?

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 15/12/2008

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Remissão espontânea em câncer de mama invasivo?

 

A história natural dos cânceres de mama invasivos detectados por rastreamento com mamografia

The Natural History of Invasive Breast Cancers Detected by Screening Mammography. Arch Intern Med. 2008;168(21):2311-2316 [Link para o artigo completo].

 

Fator de impacto da revista (Archives of Internal Medicine): 8,391

 

Contexto Clínico

            A introdução do rastreamento de câncer de mama com mamografia tem sido associada com aumentos sustentados na incidência de câncer de mama em mulheres na idade de rastreamento. Entretanto, se todos estes cânceres recém detectados progredissem e se tornassem clinicamente evidentes conforme as mulheres envelhecem uma redução na incidência de câncer de mama entre as mulheres mais idosas seria observada. O fato é que esta redução não está evidente, levando a questionamentos do tipo: qual é a história natural destes cânceres de mama detectados por rastreamento? Com base nestas dúvidas os autores realizaram este estudo de comparação de incidência cumulativa de câncer de mama antes e depois da instituição de um programa de rastreamento.

 

O Estudo

            Os autores compararam a incidência cumulativa de câncer de mama invasivo (excluindo carcinomas in situ) em coortes de mulheres pareadas por idade em quatro municípios noruegueses antes e depois da instituição de um programa de rastreamento bianual com mamografia. O grupo de mulheres rastreadas incluiu todas as mulheres que foram convidadas a participar de todos os 3 ciclos de rastreamento entre 1996 e 2001 (idade entre 50 e 64 anos em 1996). O grupo controle consistia de todas as mulheres que teriam sido convidadas a participar caso houvesse um programa de rastreamento entre 1992 e 1997 (idade entre 50 e 64 anos em 1992). O período da coorte controle foi escolhido para que o último ano de observação coincidisse com o início do programa de rastreamento, de forma que as mulheres do grupo controle realizassem um único rastreamento de prevalência  ao final de seu período de observação. A avaliação dos cânceres de mama invasivos incidentes foi realizada através da Registro de Câncer Norueguês. Os dois grupos de mulheres eram homogêneos quanto a uma série de fatores de risco para câncer de mama.

 

Resultados

            Como esperado, a incidência cumulativa de câncer de mama invasivo, antes de o grupo controle ser convidado para realizar o rastreamento de prevalência, foi significativamente maior no grupo de mulheres rastreadas do que nas controles (incidência cumulativa em 4 anos: 1268 vs 810 por 100.000 mulheres; taxa relativa:1,57 IC95% 1,44-1,70). Entretanto, mesmo após o rastreamento de prevalência ter sido realizado nos controles a incidência de câncer de mama invasivo permaneceu 22% superior no grupo rastreado (incidência cumulativa em 6 anos: 1909 vs 1564 por 100.000 mulheres; taxa relativa:1,22 IC95% 1,16-1,30). Além disso, observou-se uma incidência mais elevada entre as mulheres rastreadas a cada ano de idade. Os autores concluem que uma vez que a incidência cumulativa entre os controles nunca chegou àquela do grupo rastreado, parece que alguns cânceres de mama invasivos detectados por rastreamento repetido com mamografia não continuariam sendo detectados por uma única mamografia ao final de 6 anos, em outras palavras, é possível que alguns cânceres de mama invasivos detectados por rastreamento regridam espontaneamente.

 

Aplicações para a Prática Clínica

            Existem inúmeras questões que envolvem o rastreamento de doenças que muitas vezes são esquecidas ou suprimidas voluntariamente quando se quer vender a idéia de um mundo sem doenças, ou de um mundo tecnológico em que as doenças podem ser detectadas precocemente e ninguém mais teria de passar por nenhum sofrimento indesejado, como se Pandora nunca tivesse aberto sua caixa. Entretanto a verdade esta longe deste cenário e o tema do rastreamento de doenças deve ser avaliado criticamente, pois sem uma confirmação muito bem demonstrada de seus benefícios, o rastreamento pode levar a mais sofrimento e malefícios do que sua não realização. Este estudo lança novas dúvidas sobre o real impacto do rastreamento em geral e do rastreamento de câncer de mama em particular, mostrando que é possível que alguns cânceres de mama invasivos detectados por mamografia num programa de rastreamento bianual, possam regredir espontaneamente. Notem que estamos falando de cânceres de mama invasivos e não de carcinomas in situ. Evidentemente que este achado pode ter sido fruto de algum tipo de viés em virtude da natureza observacional do estudo, utilizando séries temporais (controles históricos) para comparação de incidências cumulativas de câncer de mama. Entretanto os autores argumentam persuasivamente2 que o resultado (incidência de câncer de mama 22% menor entre as mulheres não rastreadas) não poderia ser fruto de viés de adjudicação, diferenças de risco de base, mudanças na sensibilidade da mamografia ou mudanças históricas na incidência de câncer de mama, nem tampouco fruto de uma mudança no uso de terapia hormonal. De fato há outros relatos de regressão espontânea de cânceres de mama3, bem como de um sem número de outras neoplasias, mas nestes relatos tais remissões espontâneas são descritas como raras. Um exemplo de que o curso clínico das neoplasias pode variar consideravelmente e que o diagnóstico morfológico é um preditor pobre do curso da doença é o câncer de próstata. A maioria dos tumores de próstata cresce lentamente, não produz metástases e não afeta a vida de seus portadores. Por isso este editor acredita que a grande lição deste estudo é mostrar que cânceres detectados por rastreamento não têm o mesmo significado clínico de cânceres detectados pela clínica e que a única maneira de saber se há benefício de um rastreamento específico é estudá-lo de forma controlada e aleatorizada. No caso do câncer de mama, mesmo sabendo-se que alguns cânceres invasivos possam regredir espontaneamente, grandes ensaios clínicos demonstraram o benefício do rastreamento com mamografia, particularmente em mulheres com mais de 50 anos. Já no caso de outras neoplasias, particularmente o câncer de próstata, além de ser uma neoplasia de evolução lenta na grande maioria das vezes, não há ensaios clínicos mostrando que haja benefício com o seu rastreamento.

 

Bibliografia

1. Zahl PH, Mæhlen J, Welch G. The Natural History of Invasive Breast Cancers Detected by Screening Mammography. Arch Intern Med. 2008;168(21):2311-2316. [Link para o artigo completo].

2. Kaplan RM, Porzsolt F. The Natural History of Breast Cancer. Arch Intern Med. 2008;168(21):2302-03.

3. Bodey B. Spontaneous regression of neoplasms: new possibilities for immunotherapy. Expert Opin Biol Ther. 2002;2(5):459-476.

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