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Dose única de anfotericina B lipossomal na leishmaniose visceral

Autores:

Marcelo Litvoc

Médico da Disciplina de Infectologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Euclides F. de A. Cavalcanti

Médico Colaborador da Disciplina de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 26/04/2010

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Dose única de anfotericina B lipossomal na leishmaniose visceral

 

Dose única de anfotericina B Lipossomal para a leishmaniose visceral na Índia1

 

Fator de impacto da revista (New England Journal of Medicine): 50,017

 

Contexto Clínico

            A leishmaniose visceral ou Calazar tem suas manifestações clínicas causadas pelo agente etiológico (Leishmanias do gênero donovani) no sistema reticuloendotelial, e que incluem febre de longa duração, síndrome consuptiva, hepatoesplenomegalia exuberante e pancitopenia. Sem tratamento, a taxa de mortalidade é maior do que 90%. A doença é comum na Índia (local do estudo), em grande parte do território Brasileiro - acomete todas as regiões com exceção da região sul - e em outros países em desenvolvimento.

            Os esquemas tradicionais para o tratamento da leishmaniose visceral são os antimoniais pentavalentes e a anfotericina B. Recentemente surgiram outros esquemas de tratamento do Calazar como a miltefosina (primeira droga oral), as formas lipídicas ou lipossomais da anfotericina B e a paramomicina. Desta forma, estudos que comparem as diferentes opções terapêuticas e que levem em conta o custo-efetividade do tratamento e a toxicidade se fazem necessários.

            A anfotericina B desoxilato (anfotericina comum) costuma ser utilizada na dose de 0,75 a 1,0 mg/kg por 15 a 20 dias ou 0,75 a 1,0 mg/kg em dias alternados por 30 a 40 dias2. Toxicidade renal, febre e calafrios são efeitos adversos comuns do tratamento. A anfotericina B lipossomal é outra forma de tratamento e associada à menor toxicidade e melhor penetração tecidual, principalmente no baço e fígado. Doses cumulativas de 20 mg/kg são consideradas adequadas independente do esquema terapêutico, e existem inúmeras formas possíveis de administração, que sempre implicam em um menor tempo de tratamento do que com a anfotericina comum.2 No entanto, a anfotericina B lipossomal tem o custo muito elevado, o que limita a sua utilização na maioria dos países acometidos. Por este motivo, diferentes esquemas terapêuticos com menores doses de anfotericina B lipossomal administradas em dose única têm sido avaliados na Índia. Em um estudo anterior do mesmo autor3 203 pacientes foram tratados com anfotericina B lipossomal na dose de 7,5 mg/Kg em dose única, com taxas de cura de 90% a 91% em 6 meses, o que não foi considerado adequado por não atingir a taxa de cura desejada de pelo menos 95%.

 

O Estudo

            Trata-se de estudo randomizado, não cego, incluindo 412 pacientes em proporção 3:1, que foram randomizados para terapia com anfotericina B lipossomal na dose de 10/mg/kg em dose única (pacientes liberados 24 horas depois) ou tratamento convencional com anfotericina B desoxilato, na dose de 1 mg/kg/dia em dias alternados por 29 dias de internação hospitalar. O critério de inclusão utilizou a demonstração direta do parasita em punção esplênica, que é o diagnóstico de certeza, nem sempre alcançado na prática clínica. Os critérios de exclusão foram infecção pelo HIV, infecção bacteriana concomitante e parâmetros hematológicos desfavoráveis. O desfecho analisado foi a taxa de cura em seis meses.

 

Resultados

            Dos 304 pacientes tratados no grupo alocado para anfotericina B lipossomal 100% tiveram resposta em 30 dias e 106 dos 108 pacientes alocados para o tratamento convencional tiveram resposta (98%). A resposta foi definida por punção esplênica em 30 dias, que é o método padrão ouro. As taxas de cura em seis meses (resposta clínica) foram semelhantes nos dois grupos:  95,7% no grupo da anfotericina lipossomal e 96,3% no grupo de tratamento convencional, sem diferença estatisticamente significativa. No grupo alocado para anfotericina lipossomal os efeitos adversos foram febre e calafrios relacionados à infusão em 40% dos pacientes, além de anemia ou trombocitopenia (2%). No grupo alocado para tratamento convencional foi relatado febre e calafrios relacionados à infusão em 64% dos pacientes, anemia em 19% e hipocalemia em 2%. Hepatotoxicidade ou nefrotoxicidade ocorreram em menos do que 1% dos pacientes nos dois grupos.

 

Aplicação para prática clínica

            Primeiramente, revisemos as recomendações atuais (publicadas no ano de 2006) para o tratamento da leishmaniose visceral do Ministério da Saúde: utilizar como droga de primeira escolha os antimoniais pentavalentes, utilizando a anfotericina B, que é a droga leishmanicida mais potente disponível, em gestantes e como segunda opção para os pacientes que tenham contra-indicações ou tenham apresentado toxicidade ou refratariedade relacionadas ao uso dos antimoniais pentavalentes. Já a anfotericina B está indicada como primeira escolha em pacientes com sinais de gravidade – idade inferior a seis meses ou superior a 65 anos, desnutrição grave, co-morbidades, incluindo infecções bacterianas ou uma das seguintes manifestações clínicas: icterícia, fenômenos hemorrágicos (exceto epistaxe), edema generalizado, sinais de toxemia (letargia, má perfusão, cianose, taquicardia ou bradicardia, hipoventilação ou hiperventilação e instabilidade hemodinâmica). Na impossibilidade de administração desse fármaco, recomenda-se o encaminhamento do paciente a um hospital de referência ou o uso do antimoniato de N-metil glucamina, com extrema cautela.

Sobre o uso da anfotericina B lipossomal as recomendações atuais do Ministério são as seguintes: “A anfotericina B lipossomal apresenta custo elevado, o que pode dificultar o seu uso em saúde pública. Por isso, recomenda-se que sua utilização seja restrita aos pacientes que tenham apresentado falha terapêutica ou toxicidade ao desoxicolato de anfotericina B, transplantados renais ou pacientes com insuficiência renal, sendo esta definida por taxa de filtração glomerular (TFG) < 60mL/min/1,73m2 e por alterações renais histopatológicas, laboratoriais ou de imagem.”

A possibilidade de tratamento com menos dias de internação e menor toxicidade são grandes avanços trazidos pela anfotericina B lipossomal. A dose tradicional proposta é de 3 mg/kg por 5 dias com dose adicional no 10º dia4 ou de 3 mg/kg por 7 dias ou 4 mg/kg/dia por 5 dias5 e, mesmo estes esquemas de tratamento já necessitam de internação muito menos prolongada do que com a anfotericina B comum, que necessita de no mínimo 30 dias de tratamento hospitalar.

No entanto, o custo da medicação é extremamente elevado, o que torna difícil a utilização da medicação em nosso meio. No estudo os autores citam um acordo que reduziu o preço da ampola de 200 dólares para 20 dólares em países em desenvolvimento, o que permitiu a realização do presente estudo. No estudo foram calculados os custos relacionados ao tratamento considerando-se o custo de 20 dólares por ampola de 50 mg. Os custos totais por paciente seriam ao redor de 368 dólares por paciente (incluindo também os custos de monitorização ambulatorial), ao passo que o tratamento de um paciente similar com 15 infusões de anfotericina B desoxilato e 29 dias de internação seria ao redor de 436 dólares. Não é do conhecimento destes editores nenhum acordo similar ao realizado na Índia, proporcionando custo muito menor da medicação, aqui em nosso meio. Cabe aos órgãos de saúde definir se, do ponto de vista farmacoeconômico, a anfotericina B lipossomal se compara favoravelmente aos antimoniais pentavalentes, com os quais internação prolongada também é necessária.

Em relação à dose única de 10 mg/kg utilizada no estudo, é prematuro utilizar as mesmas dosagens antes que se confirmem resultados também em nosso meio. Os autores citam evidências de que a leishmaniose visceral pode ser mais responsiva ao tratamento na Índia do que em outras regiões endêmicas e que, portanto, os resultados podem ser aplicáveis somente à Índia.

 

Bibliografia

1.     Sundar S et al. Single-Dose Lipossomal Amphotericin B for Visceral Leishmaniasis in India. N Engl J Med 2010;362:504-12

2.     Bern Caryn. Treatment of visceral leishmaniasis. In Uptodate version 18.1. Last uptdated January 2010.

3.     Sundar S et al. Single-dose liposomal amphtericin B in the treatment of visceral leismaniasis in India: a multicenter study. Clin Infect Dis 2003; 37 (6): 800-4

4.     Duarte MIS, BAdaró R daS. Leishmaniose Visceral (Calazar). In Veronesi-Focaccia, Tratado de Infectologia 2010, Editora Atheneu.

5.     Leishmaniose visceral grave: normas e condutas / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006. 60 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos)

 

 

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