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Haloperidol ou Ziprasidona para o Tratamento de Delirium em Pacientes Críticos

Última revisão: 18/01/2019

Comentários de assinantes: 1

Autor: Vitor Maia Teles Ruffini

 

 

Contexto Clínico

 

O delirium tem alta incidência em pacientes internados na UTI, afetando de 50 a 75% dos pacientes em ventilação mecânica invasiva (VMI). Está associado a maior mortalidade, tempo prolongado de VMI, tempo longo de internação, risco de disfunção cognitiva persistente e maiores custos de internação. O delirium pode se apresentar de duas formas. Na forma hiperativa, o paciente pode ficar agitado e combativo, representando um risco para si mesmo e para a equipe assistencial. Já a forma hipoativa dificulta a participação do paciente na terapêutica, sobretudo nas intervenções de enfermagem, fisioterapia e terapia ocupacional.

O uso de antipsicóticos para tratamento de delirium é uma prática disseminada nas UTIs, sendo utilizada tanto no hiperativo quanto no hipoativo. Contudo, existem poucas evidências sobre o uso dessas medicações no delirium. As melhores evidências atuais sugerem que seu uso não acarreta benefício para os pacientes com delirium. O objetivo do MIND-USA foi avaliar o efeito de haloperidol, um antipsicótico típico, ou ziprasidona, um antipsicótico atípico, na duração do delirium e coma em pacientes críticos.

 

O Estudo

 

O MIND-USA foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, placebo controlado e multicêntrico. Foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) como investigação de nova aplicação para uma medicação. Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos internados em UTI que estivessem em uso de suporte ventilatório não invasivo ou invasivo, vasopressores ou balão intra-aórtico (BIA).

Foram excluídos pacientes com déficit cognitivo ou demência, definido como Informant Questionnaire on Cognitive Decline in the Elderly (IQCODE) maior ou igual a 4,5, gestantes, lactantes, uso prévio de antipsicóticos por outro motivo, o fato de estarem moribundos, apresentar resolução rápida da disfunção orgânica, ser incapazes de enxergar, ouvir ou falar, não compreender inglês, estarem privados de liberdade, participantes de outros ensaios clínicos ou que tivessem fatores de risco para complicações das medicações, como história de torsades de pointes, QT alargado, história de síndrome neuroléptica maligna e alergia a haloperidol ou ziprasidona.

A presença de delirium foi detectada pelo Confusion Assessment Method for the ICU (CAM-ICU), uma ferramenta validada que identifica essa condição pela presença de alterações agudas ou flutuantes no estado mental, desatenção, alteração do nível de consciência e pensamento desorganizado. Os pacientes incluídos poderiam ter ou não delirium no momento da randomização. Os pacientes que não tivessem delirium seriam avaliados duas vezes por dia com o CAM-ICU para detectar seu surgimento até que essa condição fosse diagnosticada ou ocorresse alta da UTI, óbito, desenvolvimento de critério de exclusão ou se passassem 5 dias sem delirium.

Os pacientes incluídos foram randomizados para receber haloperidol 2,5mg, de 12/12h, por via intravenosa (1,25mg se maior de 70 anos); ziprasidona, 5mg, de 12/12h, por via intravenosa (2,5mg se maior de 70 anos) ou placebo. A dose da medicação poderia ser aumentada de acordo com a resposta até um máximo de 20mg/dia de haloperidol e 40mg/dia de ziprasidona. O seguimento dos pacientes foi feito com aplicação do CAM-ICU, 2x/dia, sendo considerado 1 dia com delirium se, pelo menos, uma das avaliações fosse positiva para tal.

A Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS) foi utilizada para classificar o delirium como hiperativo (maior que 0) ou hipoativo (0 ou menos). A medicação seria suspensa se o paciente apresentasse CAM-ICU negativo para delirium por 4 dias consecutivos, tivesse alta da UTI ou completasse 14 dias de uso. Também foi feita avaliação diária para a ocorrência de efeitos adversos do uso das medicações, como prolongamento de QT, sintomas extrapiramidais, acatisia e distonia.

Os plantonistas também eram treinados e incentivados a implementar uma série de medidas adicionais para tratamento do delirium (ABCDE treatment bundle), incluindo controle da dor; seleção adequada de sedativos e analgésicos; outras medidas para avaliação, prevenção e tratamento de delirium; testes regulares de despertar e avaliação de critérios de extubação. O desfecho primário foram dias livres de delirium ou coma, definido como número de dias que o paciente estava vivo e permaneceu livre de delirium ou coma durante o período de 14 dias da intervenção. Vários desfechos secundários de eficácia e segurança também foram avaliados, como duração do delirium, tempo livre de VMI, sobrevida em 30 e 90 dias, ocorrência de torsades de pointes, síndrome neuroléptica maligna e sintomas extrapiramidais. A análise estatística foi ajustada para múltiplas comparações para o desfecho primário, mas não para os desfechos secundários.

Foram incluídos 566 pacientes com idade média de 60 anos, predominância de cor branca e sexo masculino, sendo que 89% deles apresentavam delirium hipoativo e 11%, hiperativo. As causas mais comuns de internação na UTI foram síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA), sepse, proteção de vias aéreas e doenças pulmonares como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica. Mais de 90% dos pacientes estavam em uso de VMI e mais de 30% estavam em uso de vasopressores ou BIA no momento da randomização.

A mediana de uso da medicação do estudo foi de 4 dias. A dose média de haloperidol foi de 11mg/dia, e de ziprasidona, de 20mg/dia. Do total, 21% também fizeram uso open-label de outros agentes antipsicóticos e 90% deles estavam em uso de analgesia ou sedação. Não houve diferenças entre os grupos para as características basais. A mediana de dias livres de delirium ou coma foi de 8,5 (IC 95%, 5,6 a 9,9) para o grupo placebo, 7,9 (IC 95%, 4,4 a 9,6) para o grupo haloperidol e 8,7 (IC 95%, 5,9 a 10,0) para o grupo ziprasidona, não havendo diferença significativa entre os grupos. Também não houve diferença significativa para nenhum dos desfechos secundários de eficácia e segurança avaliados.

 

Aplicação Prática

 

O estudo MIND-USA concluiu que o uso de haloperidol ou ziprasidona não tiveram efeito na duração do delirium em pacientes internados na UTI por insuficiência respiratória aguda (IRA) ou choque. Tal resultado está de acordo com os resultados de ensaios clínicos menores anteriores, como o Hope-ICU e REDUCE, que demonstram não haver benefício com uso de haloperidol para a profilaxia de delirium.

Deve-se interpretar os resultados do presente estudo com cautela, pois mais de 90% dos pacientes avaliados estavam em uso de VMI, sedação e analgesia. Dessa forma, é difícil extrapolar esses resultados para pacientes que estejam em ventilação espontânea e sem uso de sedativos e/ou analgésicos, pois tais intervenções podem contribuir para perpetuação do delirium.

O baixo percentual de pacientes com delirium hiperativo (11%) também compromete a generalização dos resultados, pois esta é a população que potencialmente mais se beneficiaria com o uso de antipsicóticos para controle da agitação e prevenção de eventos adversos associados como quedas, retirada acidental de sondas e extubação acidental. Assim, é possível que o desempenho dos neurolépticos fosse diferente nessas populações de pacientes, sendo necessários estudos adicionais para compreender melhor o seu papel.

Atualmente, os antipsicóticos são utilizados de forma corriqueira para o controle de delirium em pacientes na UTI. Os resultados do MIND-USA sugerem que se deve restringir cada vez mais o seu uso, reforçando a ideia de que devem ser reservados para pacientes com delirium hiperativo com o objetivo de controle de agitação e prevenção de eventos adversos associados.

 

Bibliografia

 

1.             Girard TD, Exline MC, Carson SS, et al. Haloperidol and ziprasidone for treatment of delirium in critical illness. N Engl J Med. DOI: 10.1056/NEJMoa1808217. Disponível em: https:/www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1808217

Bleck TP. Dopamine Antagonists in ICU Delirium. N Engl J Med. DOI: 10.1056/NEJMe1813382. Disponível em: https:/www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe1813382?query=recirc_curatedRelated_artic

Comentários

Por: Arthur Amaral de Souza em 20/12/2018 às 23:54:05

"Excelente tema e discussão. :)"

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