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3 Aspectos Clínicos da Malária

Última revisão: 10/09/2009

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Reproduzido de:

Ações de Controle da Malária – Manual para Profissionais de Saúde na Atenção Básica [Link Livre para o Documento Original]

Série A. Normas e Manuais Técnicos

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Secretaria de Vigilância em Saúde

Diretoria Técnica de Gestão

Brasília / DF – 2005

 

3 Aspectos Clínicos

3.1 CICLO BIOLÓGICO DOS PLASMÓDIOS

Para que se possa conhecer bem a doença e entender a ação dos medicamentos antimaláricos, para a administração adequada do tratamento, é necessário o conhecimento do ciclo biológico dos plasmódios.

Os plasmódios se reproduzem por dois processos distintos: a reprodução assexuada, também denominada de esquizogonia que se desenvolve no hospedeiro vertebrado, que é o ser humano, e outra sexuada, também chamada de esporogonia, cuja evolução se faz no hospedeiro invertebrado, o mosquito.

Esquematicamente, o ciclo evolutivo dos parasitos da malária é o seguinte:

Partindo do ponto da picada infectante, os esporozoítos (formas infectantes para o homem), após permanecerem por um breve período na corrente sangüínea, vão localizar-se na célula hepática (hepatócito), onde se multiplicam assexuadamente, dando origem aos esquizontes teciduais primários. O tempo necessário para o desenvolvimento desse ciclo corresponde ao período pré-patente, durante o qual não se encontram parasitos no sangue periférico. Esse período é variável para cada espécie de plasmódio.

Durante o período pré-patente, não há manifestação clínica. Os esquizontes teciduais amadurecem e liberam merozoítos. Após a liberação dos merozoítos, alguns são fagocitados pela células de Küpffer e outra parte vai parasitar os eritrócitos (hemácias). Dentro das hemácias, eles sofrem vários estágios de maturação transformando-se em trofozoítos que se multiplicam pelo processo da esquizogonia sangüínea, resultando em verdadeiros conglomerados de merozoítos nos eritrócitos, os esquizontes sangüíneos. Assim, as hemácias abarrotadas de parasitos se rompem e liberam os merozoítos. É neste momento que o indivíduo infectado começa a apresentar os sintomas da doença.

Os merozoítos liberados vão parasitar outras hemácias e darão continuidade ao ciclo, até que algumas dessas formas deixem de se multiplicar e sofram alterações morfológicas e funcionais, passando a constituir os gametócitos (masculino e feminino) formas sexuadas que não são patogênicas para o homem.

Quando a fêmea de um anofelino suga o sangue do indivíduo com plasmódios circulantes, com razoável número de formas sexuadas (gametócitos masculino e feminino), estas passarão por uma transformação no estômago do mosquito. Há a fecundação dos gametos, originando o ovo ou o zigoto que se transforma em oocineto. Este penetra na parede do estômago e cai na hemolinfa do mosquito, transformando-se em oocisto, o qual dá origem a esporozoítos, que se alojam nas glândulas salivares do mosquito, quando a partir daí as fêmeas tornam-se infectantes, estando, portanto, aptas a transmitirem a doença ao sugar o sangue de um outro indivíduo, fechando assim, o ciclo evolutivo dos plasmódios.

O Plasmodium vivax tem a capacidade de, após instalação no hepatócito, permanecerem latentes, originando os hipnozoítos (do grego hypnos = sono) permanecendo por um tempo variável, sendo os responsáveis pelas chamadas recaídas da doença (Figura 6).

 

 

 

3.2 DESCRIÇÃO DOS ASPECTOS CLÍNICOS

A febre geralmente vem precedida por sinais e sintomas inespecíficos caracterizados por mal-estar, cefaléia, cansaço e mialgia. O ataque paroxístico inicia-se com calafrios seguido por uma fase febril, com temperatura corpórea podendo atingir até 41°C.

Após um período de duas a seis horas, ocorre defervecência da febre e o paciente apresenta sudorese profusa e fraqueza intensa. Após a fase inicial, a febre assume um caráter intermitente, dependente do tempo de duração dos ciclos eritrocíticos de cada espécie de plasmódio: 48 horas para P. falciparum e P. vivax (malária terçã); e 72 horas para P. malariae (malária quartã). Entretanto, a constatação desta regularidade é pouco comum, em decorrência de: a) tratamento precoce realizado ainda na fase de assincronismo das esquizogonias sangüíneas; b) infecção por populações distintas de plasmódios e c) infecção em primo-infectados por retardo da resposta imune específica.

Em áreas de alta endemicidade malárica, é comum encontrar pessoas portando o parasito da doença sem manifestações clínicas. Enfim, o quadro clínico para todas as espécies de plasmódio é muito semelhante, fazendo exceção para os casos graves e complicados de Plasmodium falciparum.

Em crianças lactentes e pré-escolares, a expressão clínica da doença costuma ser inespecífica, podendo, inclusive, inexistir a febre, o mais importante sintoma da doença. Manifestações como astenia, anorexia, tosse, náuseas, vômitos, diarréia, dor abdominal, tonteiras, artralgia e mialgia podem ser as primeiras queixas da doença.

Em crianças, é comum o aumento do fígado que pode se tornar palpável no final da primeira semana a partir do início da sintomatologia, enquanto o baço poderá ser palpado com maior freqüência a partir da segunda semana de doença.

A anemia também é um achado freqüente, podendo ser bastante acentuada, principalmente em pacientes graves, crianças e gestantes. No entanto, o grau de anemia está na dependência de diversos fatores, dentre os quais, a espécie do plasmódio (geralmente mais intensa nos casos onde o P. falciparum é o causador da doença), o número de parasitos e a presença de outros fatores como desnutrição e parasitose intestinal.

A icterícia geralmente só está presente em casos raros de malária, especialmente quando há demora em iniciar a terapêutica específica. Outro sinal clínico observado com muita freqüência é a colúria, determinando confusão diagnóstica com hepatite. Essa dúvida é facilmente esclarecida pela dosagem das aminotransferases, que estão muito elevadas nos casos de hepatite e pouco elevadas ou mesmo em índices normais na malária.

Na malária grave por P. falciparum, pode-se encontrar hiperparasitemia, anemia grave (hemoglobina abaixo de 5 g/dl), distúrbios hidroeletrolíticos e equilíbrio ácido-básico, edema agudo de pulmão, distúrbios hemorrágicos, icterícia acentuada, insuficiência renal aguda, coma, convulsões, choque circulatório (malária álgida) e hipoglicemia acentuada.

A insuficiência renal aguda pode ser decorrente de desidratação e/ou hipovolemia, sendo usualmente reversível, desde que se realize a hidratação adequada e o tratamento específico da doença.

 

3.3 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da malária deve levar em consideração dados epidemiológicos clínicos e laboratoriais.

 

Diagnóstico Epidemiológico

Para o diagnóstico epidemiológico, é importante avaliar as seguintes informações:

 

      área de procedência do caso;

      existência de casos na região;

      tempo de permanência na área endêmica.

 

Diagnóstico Clínico

Por orientação dos programas oficiais de controle, em situações de epidemia e em áreas de difícil acesso da população aos serviços de saúde, indivíduos com febre são considerados portadores de malária. Entretanto, os sintomas da malária são extremamente inespecíficos, não se prestando à distinção entre a malária e outras infecções agudas do ser humano. Além disso, indivíduos semi-imunes ao plasmódio podem ter parasitos da malária, mas sem sintomas da doença (portador são ou assintomático). Portanto, o elemento fundamental no diagnóstico clínico da malária, tanto nas áreas endêmicas como nas não-endêmicas, é sempre pensar na possibilidade da doença. Como a distribuição geográfica da malária não é homogênea nem mesmo nos países onde a transmissão é elevada, tornam-se importantes, durante a elaboração do exame clínico, resgatar informações sobre a área de residência ou relato de viagens indicativas de exposição ao parasito, confirmando a importância do diagnóstico epidemiológico.

Além disso, informações sobre transfusão de sangue ou uso de agulhas contaminadas podem sugerir a possibilidade de malária induzida.

O diagnóstico clínico é baseado nas manifestações clínicas da doença associado aos achados epidemiológicos. Contudo, o diagnóstico de certeza da malária é laboratorial, que, além da confirmação clínica, identifica a espécie de plasmódio, fundamental para orientar o tratamento.

O diagnóstico laboratorial pode ser específico e inespecífico.

 

Diagnóstico Laboratorial

Exames específicos:

 

Gota Espessa

Essa é a técnica mais utilizada para o diagnóstico laboratorial da malária e continua sendo considerada como o “padrão ouro” para a confirmação específica da doença.

Após coleta de sangue, por meio de punção digital e sua distribuição adequada em lâmina de vidro, é realizada a coloração e leitura ao microscópio. Essa técnica é importante, pois permite a visualização do parasito, identificação da espécie e o estágio de desenvolvimento e quantificação, imprescindíveis para a avaliação clínica e controle de cura do paciente.

O exame da gota espessa deve ser de 100 campos microscópicos examinados com aumento de 600 a 700 vezes, o que equivale a 0,25ml de sangue. A avaliação da parasitemia pode ser expressa semiqualitativamente em “cruzes” ou quantitativamente em mm3, conforme quadro a seguir.

 

Quadro 1. Avaliação semiquantitativa e quantitativa da densidade parasitária por plasmódio na gota espessa de sangue

Número de parasitos contados / campo

Parasitemia semiquantitativa (cruzes)

Parasitemia quantitativa (por mm3)

40 a 60 por 100 campos

+ /2

200 a 300

1 por campo

+

301 a 500

2 a 20 por campo

++

501 a 10.000

21 a 200 por campo

+++

10.001 a 100.000

200 ou mais por campo

++++

> 100.000

Obs.: para exames com menos de 40 parasitos por 100 campos, expressar o resultado pelo número de parasitos contados.

 

Esfregaço Sanguíneo

O diagnóstico parasitológico da malária pelo esfregaço sangüíneo tem a vantagem de facilitar a identificação da espécie por permitir maior detalhe da morfologia dos plasmódios, mas, por outro lado, em baixas parasitemias, há uma redução da sua sensibilidade cerca de dez vezes, se comparado à gota espessa.

 

Imunotestes

Também chamado de testes rápidos, os imunotestes para diagnóstico de malária vêm sendo amplamente avaliados.

Recentemente, outro método de diagnóstico rápido foi desenvolvido. Tem a vantagem de capturar antígenos de P. falciparum e não P. falciparum. Trata-se de um teste baseado em fitas de detecção por imunocromatografia, o qual utiliza anticorpos monoclonais e policlonais, marcados com ouro e dirigidos contra a enzima desidrogenase do lactato específica do parasito (pDHL) presente no sangue total do paciente. É um método bastante rápido, de fácil manuseio e que, dependendo de seus resultados, poderá ser aplicado no campo quando indicado, levando-se em consideração o seu custo benefício.

 

Outros Métodos

Existem ainda outros métodos que podem ser utilizados no diagnóstico da malária, como a Imunofluorescência Indireta, Elisa e a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), de grande importância em pesquisa, porém, não usados rotineiramente para diagnóstico laboratorial. O PCR é de grande importância em laboratórios de referência para a malária.

Exames inespecíficos:

 

Hemograma

A anemia é um achado comum, geralmente do tipo normocítica e normocrômica. Anemias severas podem ocorrer em portadores de malária por P. falciparum, quando o número de formas assexuadas chega facilmente a 50.000 e mesmo a 100.000/mm3 de sangue.

As infecções por P. vivax têm parasitemias usualmente entre 1.000 e 5.000 formas assexuadas/mm3 de sangue, sendo raras as parasitemias mais elevadas. Nos casos de infecções por P. malariae, mais raras entre nós, as parasitemias, geralmente, situam-se entre 100 e 500 parasitos/mm3 de sangue. As infecções por estes dois últimos parasitos produzem graus de anemia menos significativos.

Os portadores de malária podem apresentar leucopenia, entretanto, não raramente os leucócitos podem estar normais. Eventualmente, a leucocitose pode ocorrer, geralmente pela depressão imunitária que acompanha o doente da malária, predispondo-o a infecções concomitante, geralmente por micro-organismos Gram-negativos. Na análise diferencial dos leucócitos, costuma-se encontrar com mais freqüência uma linfocitose.

As plaquetas, em geral, estão diminuídas, sobretudo nos casos de malária por P. falciparum, nos quais é possível encontrar trombocitopenias inferiores a 20.000 plaquetas/mm3 de sangue.

 

Alterações Bioquímicas

Pode existir também elevação da uréia, da creatinina, das bilirrubinas e das enzimas, por exemplo, aminotransferases (transaminases), 5’-nucleotidase e gama-transpeptidase (GAMA-GT). Os pacientes mais graves estão acidóticos, com baixa concentração de bicarbonato e baixo pH plasmático nos capilares. As alterações hidroeletrolíticas (sódio, potássio, cloro, cálcio e fósforo) variam. As concentrações de ácido láctico no sangue e no líquido cefalorraquidiano são altas tanto nos adultos como nas crianças.

 

3.4 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Qualquer processo infeccioso, que tenha a febre como um dos elementos clínicos para nortear o diagnóstico, se constitui em diagnóstico diferencial com a malária, como, por exemplo, hepatites, leptospirose, pneumonia, infecção do trato urinário, septicemias, meningoencefalites, febre amarela, calazar, dengue, etc.

Em crianças que podem apresentar quadros clínicos mais variados e menos típicos, há que excluir as outras doenças febris, tais como doenças infecciosas do trato respiratório, urinário e digestivo, seja de etiologia viral ou bacteriana. Daí a importância da confirmação diagnóstica, por meio da gota espessa, antes da instituição do tratamento.

 

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