Autor:
Rodrigo Antonio Brandão Neto
Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 15/12/2008
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Mulher de 26 anos de idade com antecedente de diabetes mellitus do tipo 1, em uso de insulina NPH 20 U SC cedo. Evoluindo há 3 dias com poliúria, polidipsia e queda do estado geral. Há 1 dia com dor abdominal, vômitos e febre aferida pelo termômetro de 38,3 graus.
Ao exame:
Regular estado geral, desidratada +/4+, corada, anictérica, acianótica
PA: 110/65 mmHg
FC:90 b.p.m
Ap Resp: MV+, sem RA
Ap CV:2BRNF, sem sopros
TGI: abdome flácido, doloroso, RHA+, DB negativa
MMII: Pulsos+, sem edema ou sinais de trombose venosa
Laboratório:
Glicemia capilar: 420mg/dl
Glicemia:450 mg/dl
Na: 137meq/l
K: 4,8 meq/l
Corpos cetônicos 4+/4+ na urina
Gasometria arterial: PH 7,22 PO2: 106mmHg PCO2:22 mmHg BIC: 15
Paciente diabético em uso de insulina, evoluindo com quadro de “polis”, queda do estado geral, dor abdominal e vômitos. Os exames revelaram hiperglicemia, cetonemia e acidose metabólica definindo a presença de cetoacidose diabética.
O paciente não apresenta quadro de Estado Hiperosmolar Hiperglicêmico (EHH). Para se calcular a osmolaridade utiliza-se a fórmula: 2 x Na + Glicemia/18. Portanto, teríamos 2 x 137 + 25 = 299 mosm, o que não caracteriza hiperosmolaridade. Os critérios para o diagnóstico de cetoacidose e EHH se encontram á seguir:
cetoacidose diabética:
Estado Hiperosmolar Hiperglicêmico:
Glicemia > 600mg/dL
pH >7,30
Bicarbonato >18 mEq/L
Osmolaridade >320 mOsm/kg
O achado de febre não é freqüente em pacientes com cetoacidose, e mesmo se estiver ausente não se pode descartar que o fator precipitante seja infeccioso. Mas, caso esteja presente, a febre tem um alto valor preditivo de que a descompensação ocorreu por infecção. Logo, uma procura ativa de foco infeccioso com, no mínimo, uma radiografia torácica e exame de urina 1 é necessária neste caso.
A paciente em questão apresentou leucocitúria no exame de urina 1 com nitrito positivo, caracterizando provável infecção urinária, sendo colhida urocultura. A radiografia de tórax não revelou alterações.
Em relação a dor abdominal, é um achado muito característico de cetoacidose, ocorrendo em cerca de 30% dos casos, e provavelmente tem correlação com alteração de prostaglandinas na parede muscular intestinal, e tende a melhorar muito com a hidratação inicial do paciente. Neste paciente será necessário iniciar hidratação e, caso a dor abdominal persista, a investigação deverá ser complementada com exame de imagem abdominal.
Os princípios para o manejo do paciente com cetoacidose diabética seguem abaixo:
Infundir 1000 a 2000 mL de SF a 0,9% na 1a hora. Após 250 – 500 mL/h NaCl a 0,45% (se Na sérico normal ou alto) ou 0,9% (se Na sérico baixo)
Quando glicemia atingir 250 mg/dL na CAD e 300 mg/dL no EHH, mudar para soro ao meio (NaCl 0,45% e glicose a 5%) numa velocidade de 150 a 250 mL/h para manter glicemia entre 150 a 250 mg/dL na CAD e 250 a 300 mg/dL no EHH.
Infundir SF 0,9% - 10-20 ml/Kg/h. Não exceder 50 ml/Kg/h
Continuar a infusão do déficit calculado por mais 48h (~ 5m/kg/h) com SF 0,9% ou 0,45%.
É realizada concomitantemente com a hidratação. Iniciar apenas após correção de hipotensão e hipocalemia (K < 3,3 mEq/l).
Bolus |
Via endovenosa |
Via SC ou IM |
OBSERVACOES | |
0,1 – 0,15 U/Kg |
Bolus 0.4 U/Kg (1/2 EV e ½ IM ou SC |
A via SC/IM pode ser usada em CAD leve | ||
Manutenção |
0.1U/Kg/h |
0.1U/Kg a cada hora SC ou IM |
| |
Ajuste |
Queda da glicemia < 50-70 mg/dL/h |
Dobrar dose a cada hora |
10 U EV a cada hora |
|
Queda da glicemia > 70 a 100 mg/dL/h |
Diminuir dose pela metade |
Diminuir dose pela metade |
| |
Glicemia < 250 mg na CAD ou < 300 mg/dL no EHH |
0.05 a 0.1 U/Kg/h |
3-6 U/h |
Mudar para soro ao meio |
Quando o paciente conseguir alimentar-se normalmente, continuar infusão endovenosa até 2h após dose de insulina rápida associada à NPH na dose habitual, se o paciente já fazia uso. Na primo-descompensação calcular dose em 0.4 a 0,6 U/Kg, 50% na forma de insulna basal e 50% na forma de bolus.
Iniciar infusão de K após resultado de K e função renal. Pode ser reposto como KCl ou KPO4, conforme K sérico inicial e a cada 2h, conforme esquema:
Nível serico de K (mEq/L) |
Quantidadade de K adicionado no soro de reposição (mEq/L) |
> 5 |
Não repor |
4-5 |
20 |
3-4 |
30-40 |
=3 |
40-60 |
Indicada na acidose metabólica grave (pH <6.9-7,0).
Deve ser administrada com solução hipotônica. Acrescentar 50 a 100mEq de bicarbonato em 1 litro de NaCl a 0,45% num período de 1h. Esta dose pode ser repetida a cada 2h e/ou ate pH > 7,0.
Não repor bicarbonato se pH inicial >7,0
Geralmente a reposição não é necessária. Repor na CAD se houver disfunção ventricular esquerda, ausência de melhora do nível de consciência, apesar do tratamento da cetoacidose, PO3- < 1,0 mg/dl, anemia ou insuficiência respiratória. Não há estudos de reposição de PO3 no EHH.
Adicionar 20-30 mEq/L no soro de manutenção.
Tratamento da causa base
Antibioticoterapia de largo espectro se infecção presente
Heparina de baixo peso molecular para prevenção de trombose
Anti-eméticos
Glicemia <200 mg/dL
Bicarbonato sérico > 18
PH >7.3.
Na fase inicial do tratamento avaliar a glicemia capilar a cada hora e eletrólitos, gasometria venosa, osmolaridade, e glicemia plasmática a cada 2 horas.
Prescrição |
Comentário |
1-Jejum
|
Inicialmente o paciente deve ser mantido em jejum. A expectativa é de resolução do quadro com a medicação apropriada em poucas horas. |
2-SF0,9% 1000 ml + KCl19,1 % 10 ml em 1 hora |
A hidratação inicial é com 1000 ml de solução fisiológica na primeira hora. Depois, conforme comentado no texto, esta hidratação será realizada com 250-500 ml por hora de solução fisiológica à 0,9 ou 0,45%, de acordo com o sódio sérico. Como o paciente encontra-se em normocalemia, mas provavelmente com perda de potássio corporal total pode-se repor uma ampola de KCl ou 25 meq de potássio em cada litro de soro administrado. |
3 - Insulina Regular 9 U EV agora 4 - Insulina Regular 25 U + 250 ml de solução fisiológica em BIC iniciar com 60 ml hora |
A insulinoterapia recomendada inicialmente é com um bolus endovenoso de 0,15 U/ Kg de peso. Estamos pressupondo uma paciente de 60 Kg e, portanto, a dose inicial é de 9 unidades. Em seguida, o paciente é mantido em solução de infusão contínua de insulina. Nesta diluição sugerida teremos em 10 ml infundido 1 unidade de insulina e a taxa de infusão de insulina será de 6 unidades de insulina/hora. Ajustes da dose de insulina foram especificados no texto. |
5-Ceftriaxone 2 gramas EV 1 x ao dia. |
É necessário realizar o tratamento da infecção urinária concomitante da paciente, que possivelmente foi o fator precipitante da cetoacidose. O ceftriaxone é uma opção boa para este tratamento. Outra opção seria uma quinolona como a ciprofloxacina. A presença de febre indica ITU alta, portanto não é apropriado usar norfloxacina. |
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