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Colangite esclerosante primária CEP

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 10/08/2011

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Área: Gastroenterologia

 

Quadro clínico

Paciente com retocolite ulcerativa (RCUI) em controle com uso de sulfassalazina em dose de 3 g/dia. Há três meses com quadro de prurido, exames laboratoriais com fosfatase alcalina e gamaglutamiltransferase (GGT) mais de 10 vezes acima do valor normal, com bilirrubina três vezes acima do limite da normalidade; as enzimas hepáticas estão normais. A colangiografia revelou lesões alternando estenoses com dilatações das vias biliares.

Paciente com doença colestática associada à doença inflamatória intestinal. A colangiografia apresenta alterações sugestivas de colangite esclerosante primária, a qual será discutida a seguir.

 

Colangite esclerosante primária (CEP)

Doença colestática crônica e progressiva, caracterizada por inflamação da árvore biliar tanto intra como extra-hepática, alternando com áreas sem inflamação desenvolvendo fibrose obliterativa desta árvore. A etiologia da doença é desconhecida, mas provavelmente apresenta importante componente autoimune. Uma variante é a doença de pequenos ductos biliares com achados colestáticos e histológicos típicos da doença, mas sem alterações colangiográficas associadas.

 

Etiologia e patogênese

Etiologia essencialmente desconhecida. Podem ter papel contribuidor:

 

         infecções: reovírus tipo 3 tem tropismo por vias biliares; investigações realizadas sem demonstrar correlação direta;

         mecanismos tóxicos: endotoxinas bacterianas;

         lesões isquêmicas na via biliar;

         mecanismos genéticos: achados incidentais e 60 a 80% dos pacientes com CEP com achado de Anca-p. HLA B8 em 60% dos pacientes comparado a 25% da população normal;

         mecanismos imunes: paciente apresenta 50% dos casos; níveis de IgM aumentado e a maioria dos pacientes tem autoanticorpos positivos.

 

Histopatologia

Dependendo do estágio da doença, ocorre desde inflamação portal até cirrose biliar franca com ductopenia e extensa fibrose periductal com obliteração também denominada “onion skinning”. Ocorre infiltrado nas zonas portais com linfócitos, alguns polimorfonucleares e ocasionalmente macrófagos. Granulomas são raros ou ausentes.

 

Classificação de Ludwig

         Estádio 1: poucas lesões ductais com inflamação portal e edema.

         Estádio 2: acometimento periportal com lesões ductais disseminadas e expansão portal com necrose.

         Estádio 3: fibrose em ponto, lesão precursora da cirrose.

         Estádio 4. cirrose biliar.

 

Epidemiologia

Poucos dados diretos de prevalência. Sabe-se, por exemplo, que cerca de 2,4% dos pacientes no Reino Unido com RCUI têm CEP. Dados da Suécia, por sua vez, mostram prevalência de 170 casos de RCUI a cada 100.000 pessoas, e destes, 3,7% apresentam CEP. A CEP apresenta forte relação com RCUI e doença de Crohn, sendo que 71 a 78% dos pacientes com CEP têm RCUI e 2 a 10% dos pacientes têm Crohn. A variação é regional e, no Japão, apenas 18% dos pacientes com CEP têm doença inflamatória intestinal.

 

Quadro clínico

A apresentação clínica é muito variável. O início é normalmente insidioso, sendo fadiga e prurido os sintomas mais comuns na apresentação. Pode haver ainda quadro de dor intermitente em hipocôndrio direito e o paciente pode ter surtos de colangite acompanhados de icterícia transitória. Os ataques podem ainda ser causados por cálculos (alguns autores consideram como parte do espectro da CEP); neste caso a colangiopancreatografia endoscópica (CPRE) pode inicialmente sugerir doença calculosa; depois, o paciente evolui com fibrose progressiva das vias biliares e pode evoluir com hipertensão portal, cirrose e suas complicações como ascite e sangramento por varizes de esôfago. Outro fator decisivo para o diagnóstico é o fato que 60 a 80% dos pacientes apresentam doença inflamatória intestinal.

Pode ocorrer sobreposição com outras doenças, como a hepatite autoimune; nestes casos, ocorre principalmente em crianças e adultos jovens. Os achados bioquímicos e histológicos são de hepatite autoimune, mas com alterações colangiográficas de CEP. As séries mostram que de 1,4 a 17% dos pacientes com CEP podem apresentar sobreposição com hepatite autoimune. A maior série de casos encontrou a associação em 8% dos portadores de CEP.

A pancreatite autoimune também pode apresentar associação. Neste caso, temos estenose do ducto pancreático associado com aumento de pâncreas com aumento de IgG, em particular IgG4. O achado histológico é de infiltrado linfocítico, que é responsivo a terapia com glicocorticoides, e lesões colangiográficas compatíveis com CEP. Alguns pacientes apresentam aumento de IgG4 sem alterações pancreáticas.

 

Diagnóstico

Depende da presença de alterações bioquímicas compatíveis com colestase e com alterações típicas na colangiografia. Existe grande variedade entre as apresentações colangiográficas nos diferentes pacientes, pois não é uma doença com distribuição igual na árvore biliar. A lesão característica é a chamada “onion skinning” e pode ser vista na colangiografia. A biópsia hepática é reservada para casos em que a CPRE deixar duvidas.

A CEP muitas vezes tem alterações histológicas compatíveis com as vistas em pacientes com hepatite autoimune e pode até mesmo apresentar autoanticorpos similares,  como anticorpor antimúsculo liso e ANA, podendo inclusive se manifestar associada a hepatite autoimune como uma síndrome de overlap ou sobreposição. A doença inflamatória intestinal é frequentemente associada e, às vezes, a principal pista para o diagnóstico.

A doença apresenta ainda associação com HLA DR 52 em cerca de 55% dos casos, o que, na verdade, representa um valor preditivo baixo, pois a frequência esperada na população é de 30%.

Alguns autoanticorpos estão positivos; o Anca-p, por exemplo, é positivo entre 60 e 85% dos pacientes com CEP e 35 e 85% dos pacientes com RCUI.

A colangiorressonância magnética é um método relativamente novo utilizado nestes pacientes e poderá substituir a CPER eventualmente, mas ainda sem validação suficiente para tal.

O importante é conseguir realizar a diferenciação de outras doenças que evoluem com colangiopatias, entre elas:

 

         doenças bacterianas intestinais ascendentes que podem complicar doença calculosa biliar ou anastomose bileodigestiva;

         infecções oportunistas como CIMV, Cryptosporidium em pacientes com imunodeficiência, em particular pacientes com HIV positivo;

         injúria vascular na árvore hepática, pós-cirurgia, uso de droga citotóxica seletiva ou hemoglobinúria paroxística noturna;

         anormalidades congênitas.

 

Critérios diagnósticos

1.     Presença de anormalidades colangiográficas típicas (envolvendo ductos biliares segmentares ou difusamente).

2.     Compatibilidade com quadro clínico, bioquímico (revelando colestase) e histológico: a histologia pode ser dispensada em quadros típicos.

 

Devem ainda ser excluídas outras doenças, pois as manifestações da CEP são inespecíficas. As condições que devem ser excluídas são:

 

         cálculo biliar (exceto se relacionado a estase);

         cirurgia de trato biliar (com exceção da colecistectomia);

         anormalidades congênitas da árvore biliar;

         colangiopatia associada ao HIV;

         lesão isquêmica da via biliar;

         neoplasia de ductos biliares (exceto se CEP diagnosticada previamente);

         exposição a irritantes químicos (fluoxoredina, formalina);

         evidência de outra doença hepática, como cirrose biliar primária ou hepatite crônica ativa.

 

Exames de imagem

Ultrassonografia

Raramente é diagnóstica e pode até ser normal. Pode-se visualizar espessamento do ducto biliar e dilatações da árvore. Alterações biliares em correlação direta com a CEP são encontradas em 41% dos pacientes e incluem cálculos, colecistite, entre outras lesões.

 

Tomografia de abdome

Como achados inespecíficos, podem ocorrer espessamento de vias biliares e dilatações saculares de ductos intra-hepáticos. Achados de hipertensão portal como esplenomegalia e ascite podem aparecer, assim como lesões em massa nas vias biliares.

 

CPRE

Alterações variam de múltiplas estenoses a uma lesão chamada de estenose dominante. Os ductos podem ter calibre normal a dilatado, por vezes com dilatações saculares.

 

História natural e evolução

A progressão é variável e flutuante. Uma série de casos de mais de 21 anos em pacientes com CEP sem receber medicações mostrou que alguns pacientes evoluíram assintomáticos durante todo este período e outros apresentaram progressão para cirrose oito meses após o diagnóstico.

A sobrevida média até morte ou após transplante é de 12 anos.

Idade, estádio histológico e valores da bilirrubina sérica são fatores independentes de evolução.

 

Complicações

Em paciente com estenose severa ou estenose dominante, as complicações são mais frequentes. Estas estenoses dominantes ocorrem em 10% dos casos, os quais, se ficarem sem intervenção, evoluem com colestase progressiva até colangite.

A estenose dominante é definida como lesão estenótica com 1,5 mm ou menos no ducto biliar comum ou menor ou igual a 1 mm no ducto hepático. Ocorre em 45 a 60% dos pacientes durante o seguimento; nestes pacientes, sempre suspeitar de colangiocarcinoma, que ocorre em 10 a 15% dos pacientes. Estes pacientes apresentam com maior frequência colangite, prurido e piora das alterações colestáticas.

Em pacientes com aumentos importantes da bilirrubina, colangite ou piora das dilatações em exames de imagem, está indicada a colangiografia para avaliar presença de estenose dominante. Pode ainda levar a cirrose biliar. A colangite supurativa é uma complicação bem conhecida. Se a doença persistir por longo prazo, pode evoluir para colangiocarcinoma (ocorre em até 6 a 8% dos pacientes, taxa que pode ser subestimada).

 

Características da RCUI nos pacientes com CEP

         Poupa reto;

         ileíte backwash;

         curso leve ou quiescente;

         aumento de cinco vezes no risco de neoplasia colônica; fazer colonoscopia a cada um a dois anos; o uso de ácido ursodesoxicólico pode diminuir o risco, embora haja controvérsia;

         aumento do risco de infecções da bolsa de colostomia em pacientes com protoclectomia;

         aumento do risco de complicações de estomias como ileostomia;

         pode levar a cirrose biliar.

 

Tratamento

Até hoje, não há tratamento médico que previna a progressão. Vários imunossupressores foram tentados, como prednisona, azatioprina, metotrexato e penicilamina, todos com benefícios limitados. Um estudo usou prednisona 10 mg e colchicina 0,6 mg, sem benefício com nenhuma das medicações. Outros dois estudos sugerem benefício com metotrexato, mas estudos subsequentes não confirmaram o benefício.

Estudos com ácido ursodesoxicólico apresentam melhora bioquímica, mas sem melhorar outros prognósticos. Assim, o consenso de CEP da American Association of Study of Liver Diseases não recomenda seu uso.

 

Tratamento endoscópico

Para tratar estenoses dominantes, a dilatação endoscópica costuma ser o tratamento inicial. Caso não se tenha sucesso, pode-se tentar dilatação com balão por colangiografia percutânea. Alguns autores, entretanto, preferem colocar endoprótese. Vale lembrar que pacientes com estenose dominante apresentam indicação de realizar biópsia endoscópica ou escovado com citologia para excluir malignidade. Em casos de colangites recorrentes, profilaxia com antibióticos, e em casos refratários, cirurgia pode ser indicada, desde que sem cirrose. O transplante hepático ortotópico é a última opção, que pode ser considerada para cirrose.

Deve-se lembrar que a CEP é uma doença colestática que pode evoluir com má absorção de vitaminas. Assim, rastreamento para osteoporose a cada dois a três anos é indicado. Em caso de osteopenia, usar cálcio 1 a 1,5 g/dia e vitamina D 1.000 unidades/dia. Em caso de osteoporose, é recomendado uso de bifosfonado.

O prurido pode ser tratado com colestiramina em dose de 4 a 16 g/dia. Outras opções incluem rifampicina 150 mg/dia, e fenobarbital pode ser usado em pacientes não respondedores.

 

Medicação

Resinas sequestrantes de ácidos biliares

Modo de ação

Ligam-se aos ácidos biliares no intestino, diminuindo sua absorção no íleo terminal, reduzindo, assim, o pool hepático de ácidos biliares, levando a um aumento da conversão de colesterol em ácidos biliares nos hepatócitos. Como consequência, há um aumento da síntese e expressão dos receptores de LDL, determinando uma queda dos níveis de LDL-colesterol.

Diminuem de 15 a 30% os níveis de LDL-colesterol e podem levar a um pequeno aumento do HDL-colesterol; não exercem ação nos níveis de triglicerídeos (podem aumentar em pacientes com hipertrigliceridemia prévia).

 

Indicação

As resinas são drogas sem efeito sistêmico, sendo, por isso, a única classe de droga aprovada para o tratamento de hipercolesterolemia na infância. São considerados também a opção de escolha para mulheres em idade fértil. Servem ainda para tratamento de prurido em doenças colestáticas.

 

Posologia

         Colestiramina: 4 a 24 g/dia, 30 minutos antes das refeições.

         Colestipol: 5 a 30 g/dia, 30 minutos antes das refeições.

         Colesevelam: 3,75 g/dia, às refeições.

 

Apresentação comercial

Medicação

Apresentação comercial

Colestiramina

Questram pó – misturar com água

Colestipol

Colestid – tablete de 1 g, pacote com grânulos de 5 g

Colesevelam

WelChol – tablete de 625 mg

 

Efeitos adversos

Os mais comuns são alteração da função intestinal (plenitude abdominal, flatulência e constipação), ocorrendo em 30% dos casos.

Contraindicados em obstrução biliar completa e obstrução intestinal.

 

Classificação na gestação

Classe C.

 

Monitoração

Podem levar a um aumento de enzimas hepáticas e de fosfatase alcalina.

 

Interações medicamentosas

As resinas podem reduzir a absorção de diversas drogas quando dadas simultaneamente. Assim sendo, deve-se dar outras drogas 1 hora antes ou 4 a 6 horas após a administração de resinas.

 

Bibliografia recomendada

1.       Chapman R, Fevery J, Kalloo A, Nagorney DM, Boberg KM, Shneider B et al. Diagnosis and management of primary sclerosing cholangitis. Hepatology 2010 Feb;51(2):660-78.

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