Autor:
Lucas Santos Zambon
Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.
Última revisão: 22/09/2014
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Especialidades: Infectologia/Medicina de Emergência /Medicina Hospitalar /Dermatologia
Paciente do sexo feminino, 60 anos, portadora de artrite reumatoide há 15 anos, atualmente em uso de prednisona 60mg/dia há três meses prescrito em ambulatório, procurou atendimento de pronto-socorro contando história de febre e astenia há três semanas, evoluindo com dor abdominal, lesões de pele por todo o corpo e tosse seca, todos nos últimos sete dias. Ao exame físico chamavam a atenção a presença de pápulas e nódulos eritematosos difusamente no corpo da paciente, ausculta pulmonar com estertores em ambas as bases, ausculta cardíaca normal, abdômen com pequena hepatoesplenomegalia, FR 20cpm, FC 80bpm, PA 120x80mmHg, SatO2 92% em ar ambiente, afebril.
Realizou radiografia de tórax que mostrou infiltrado bilateral reticular. Também realizou hemograma logo na chegada, com os seguintes achados:
Tabela 1 - Hemograma da Paciente
HEMOGRAMA COMPLETO, SANGUE |
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Eritrograma |
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Eritrócitos |
3,41 milhões/mm³ |
4,0 - 5,4 milhões/mm³ |
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Hemoglobina |
9,4 g/dL |
12,0 - 16,0 g/dL |
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Hematócrito |
28,5 % |
35,0 - 47,0 % |
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VCM |
83,6 fL |
80,0 - 100,0 fL |
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HCM |
27,6 pg |
27,0 - 32,0 pg |
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CHCM |
33,0 g/dL |
32,0 - 37,0 g/dL |
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RDW-CV |
18,4 % |
9,5 - 16,0 % |
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RDW-SD |
47,9 fL |
34,0 - 54,0 fL |
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Observação Série Vermelha |
Anisocitose + 62 eritroblastos/100 leucócitos |
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Leucograma |
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Leucócitos |
16,20 mil/mm³ |
4,00 -11,00 mil/mm³ |
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Neutrófilos |
94% |
15,3 mil/mm³ |
1,60 - 7,00 mil/mm³ |
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Bastonetes |
6,0% |
1,0 mil/mm³ |
0,00 - 0,70 mil/mm³ |
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Segmentados |
88,0% |
14,3 mil/mm³ |
1,30 - 7,00 mil/mm³ |
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Eosinófilos |
1,0% |
0,2 mil/mm³ |
0,05 - 0,50 mil/mm³ |
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Basófilos |
0,0% |
0,0 mil/mm³ |
0,00 - 0,20 mil/mm³ |
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Linfócitos |
3,0% |
0,5 mil/mm³ |
0,90 -3,40 mil/mm³ |
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Monócitos |
2,0% |
0,3 mil/mm³ |
0,20 - 0,90 mil/mm³ |
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Observação Série Branca |
granulações tóxicas (+) |
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OBS: PRESENÇA DE PMN NEUTRÓFILOS FAGOCITANDO FUNGOS. |
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Este incomum achado no hemograma, que além de anemia de padrão normocítica-normocômica, e leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda, apresentava também neutrófilos fagocitando fungos e motivou uma investigação mais profunda. Foi então realizada biópsia de uma lesão cutânea da paciente.
A descrição da biópsia foi a seguinte:
1. Microscopia: Fragmento de pele exibindo epiderme com acantose irregular e ortoqueratose. Na derme superficial, média e profunda, presença de numerosas figuras ovaladas em macrófagos e interstício, por vezes formando ninhos, com extensão para septos do subcutâneo. Tal achado confere diagnóstico de histoplasmose.
2. Imuno-histoquímica:
LEISHMANIOSE (IPX11-179) - Inespecífico.
TOXOPLASMOSE (IPX11-180) - Inespecífico.
TRIPANOSSOMA CRUZ (IPX11-181) - Negativo.
HISTOPLASMA (IPX11-182 e 201) - Positivo (duas reações).
Esta paciente apresentava diagnóstico de histoplasmose disseminada. A histoplasmose é uma micose causada por fungo dimórfico, o Histoplasma capsulatum. É considerada classicamente uma micose endêmica, embora o fungo tenha um comportamento oportunístico em pacientes com depressão da imunidade celular.
A maior parte das infecções é assintomática ou autolimitada, porém alguns indivíduos vão desenvolver quadros pulmonares agudos ou infecção disseminada, algo que é mais comum em pacientes imunodeprimidos.
Nos casos disseminados, estudos de necropsia mostram que ocorre envolvimento do fígado, baço, linfonodos, medula óssea, glândula adrenal e da mucosa do trato gastrointestinal. Além disso, 2/3 dos casos mostram acometimento do sistema nervoso central. Em cerca de metade dos casos há acometimento cutâneo, que se caracteriza por lesões polimórficas e se apresentam sob a forma de pápulas, nódulos, ulcerações e lesões moluscoides localizadas ou ulceradas.
Os fatores de risco para ocorrência de histoplasmose incluem: AIDS, extremos de idade, imunodeficiências primárias, uso de imunossupressores como corticoides, medicações usadas para rejeição em transplantes e terapias com inibidores de TNF-alfa.
O quadro clínico pode ocorrer anos após a exposição. A doença disseminada progressiva ocorre de duas formas: aguda, mais comum em crianças e pacientes muito imunocomprometidos, e crônica, mais comum em adultos idosos, sendo mais frequente em pacientes do sexo masculino. Casos crônicos podem apresentar pancitopenia, hepatoesplenomegalia, elevação de enzimas hepáticas e lesões de orofaringe, além de lesões cutâneas, cerebrais e em glândulas adrenais.
O diagnóstico da histoplasmose baseia-se no encontro do fungo em secreções e/ou tecidos e nas reações sorológicos específicas, como no caso apresentado.
Na terapia primária da histoplasmose disseminada, particularmente nos pacientes com AIDS, a anfotericina B é a droga de escolha e deve ser administrada numa dose total de 35mg/kg. Cerca de 75-80% dos pacientes mostram remissão completa das manifestações clínicas, mas as recidivas são comuns quando a droga é suspensa. Terapêutica de manutenção a longo prazo é necessária para manter a remissão clínica nestes pacientes; a própria anfotericina B, na dose de 1mg/kg, duas vezes por semana, pode ser uma alternativa, embora o itraconazol na dose de 200mg/dia, por via oral, seja também altamente eficaz nesta situação. Formulações lipídicas da anfotericina B na dose de 3 a 5mg/kg/dia também podem ser empregadas e parecem ser mais eficazes que a formulação desoxicolato. Após 1 a 2 semanas de uso, e melhora do paciente, a terapia sequencial com itraconazol deve ser realizada.
Wheat J, Kauffman CA. Pathogenesis and clinical manifestations of disseminated histoplasmosis. Disponível em www.uptodate.com. Última visualização em 24 de abril de 2014.
Ferreira MS, Borges AS. Histoplasmosis. Review Article. Rev. Soc. Bras. Med. Trop. vol.42 no.2 Uberaba Mar./Apr. 2009
Deepe GS Jr, Bullock WE. Histoplasmosis: a granulomatous inflammatory response. In: Basic Principals and Clinical Correlates, Gallin JI, Goldstein IM, Snyderman R (Eds), Raven, New York 1988. p.733.
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