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Embolização Séptica Pulmonar

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 21/07/2015

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Quadro Clínico

 Paciente de 38 anos, sexo masculino, procura atendimento médico por vir evoluindo há 10 dias com febre medida e episódios de tosse com hemoptise de pequeno volume. Relata também dor torácica bilateral do tipo pleurítica, intensa quando tosse. Paciente portador de hipertensão arterial sistêmica e com insuficiência renal crônica com ClCr estimado em 20ml/min. Ao exame físico encontra-se em Glasgow 15. Ausculta cardíaca com bulhas rítmicas, normofonéticas e sopro sistólico regurgitativo em foco mitral +2/+6.  Ausculta pulmonar com murmúrios vesiculares presentes, com discreta estertoração esparsa. Propedêutica abdominal normal. Exame articular e cutâneo normal. Apresentava os seguintes sinais vitais: FC de 120bpm, FR 26cpm, PA 120x68mmHg, saturação de oxigênio em 92% em ar ambiente, temperatura de 38,6oC.

Por conta da história de febre, dor torácica e hemoptise, o paciente foi submetido a uma tomografia de pulmão. Entretanto, devido à IRC, não foi feito contraste endovenoso. Os achados podem ser vista na imagem 1.

 

Imagem 1 - Tomografia de Pulmão

 

 

 

Diagnóstico e Discussão

Vamos começar pela tomografia: o grande achado, que é exemplificado neste corte da tomografia, é a presença de nodulações periféricas, que são escavadas. Elas estão descritas dessa maneira no laudo tomográfico:

Múltiplos nódulos pulmonares distribuídos por ambos os pulmões, predominantemente periféricos, alguns escavados, medindo até 2,0 cm.

Este achado, principalmente levando em conta o quadro clínico do paciente, que é uma provável sepse, deve levar à hipótese de embolia séptica entre os diagnósticos diferenciais.

Partindo deste princípio, sabemos que a etiologia deste achado é provavelmente bacteriana, sendo mais comum pensar em germes gram-positivos. E junto disso não podemos de forma nenhuma deixar de pensar em ENDOCARDITE BACTERIANA como principal hipótese diagnóstica neste caso. O que estamos vendo é uma manifestação emboligênica desta doença.

A embolia séptica periférica é um fenômeno muito comum na endocardite infecciosa, presente em até  65% dos casos estudados por necropsia. Uma embolia arterial clinicamente significativa (que é identificada no curso clínico) ocorre em pelo menos 30% dos pacientes com endocardite. Isso demostra como esses eventos podem ser negligenciados no contexto diagnóstico do paciente. Basicamente, o que queremos dizer com isso é que se a embolização séptica não é investigada, ela simplesmente não é encontrada. Isso é particularmente comum com a embolia séptica renal e esplênica, que motivam quadro álgico lombar ou abdominal, e nem sempre a hipótese de endocardite vai ser pensada. Em geral, a embolia renal acompanhada de infarto renal pode ser sugerida por história de dor lombar, febre, micro ou macro hematúria transitórias e leucocitose, acompanhadas de insuficiência renal progressiva. Em 25% dos casos, a embolia renal pode cursar sem sintomatologia exuberante, e apenas identificada ao exame anatomopatológico. Isso demonstra a dificuldade na abordagem quando os sintomas de endocardite são preponderantemente os de embolia séptica. Não é à toa que é um diagnóstico difícil nestes casos.

A embolia periférica está mais relacionada à endocardite infecciosa de câmaras esquerdas, sendo mais comum na endocardite infecciosa de valva mitral do que aórtica. Outros fatores que influenciam são a presença de vegetações grandes e com mobilidade acentuada. As maiores taxas de embolização periférica ocorrem quando há vegetações aderidas ao folheto anterior da valva mitral, e menores quando a sua localização é em folheto posterior. Outro fator que implica em embolização é quando ocorrem vegetações que aumentam de tamanho mesmo após a instituição de uma terapia antibiótica adequada. Ainda devemos lembrar que embolização é mais comum na infecção por S. aureus.

A embolização séptica pode se manifestar de diversas formas: como acidente vascular cerebral (AVC); cegueira monocular (obstrução da artéria central da retina); dor abdominal aguda, íleo paralítico e melena decorrentes (oclusão da artéria mesentérica); e dor e gangrena nos membros. A formação de êmbolos que seguem para o SNC é comum e especialmente importante, pois estes êmbolos produzem efeitos adversos sobre as taxas de sobrevida e muitas vezes resultam em incapacitação permanente. Os êmbolos coronários, encontrados em até 50% dos pacientes com endocardite durante a autópsia, frequentemente são assintomáticos, embora às vezes resultem em um franco infarto do miocárdio (IM) ou abscesso. A incidência dos êmbolos arteriais diminui cerca de 10 vezes no decorrer das duas semanas iniciais da terapia antimicrobiana. Mesmo assim, os êmbolos às vezes aparecem tardiamente, depois de a cura microbiológica ter sido alcançada, e não necessariamente apontam a falha do tratamento antimicrobiano.

 

Bibliografia

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