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Paciente Jovem do Sexo Masculino com Diabetes e Aumento de Peso Recente

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 12/06/2017

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Paciente com Diabetes Melito e Aumento de Peso Recente

 

Paciente do sexo masculino, com 19 anos de idade, apresenta quadro de aumento de peso, de 1 ano de duração, de 14Kg e diagnóstico, há 6 meses, de diabetes melito, em uso de gliclazida, 80mg, 2x/dia. Há 3 meses, com quadro de fraqueza muscular e diminuição da libido.

Ao exame físico, apresenta: pressão arterial (PA), 145x105mmHg; frequência cardíaca (FC), 72bpm; pletora facial; presença de estrias violáceas no abdome; ausculta respiratória e cardiovascular sem alterações. Realizou exames laboratoriais que mostraram apenas testosterona levemente diminuída, com diminuição de hormônio luteinizante (LH) e de hormônio folículo estimulante (FSH) e potássio (K) de 3,4mEq/L.

A história clínica e os exames laboratoriais não são específicos, mas alguns detalhes requerem atenção, como o aumento de peso, a presença de estrias violáceas e pletora facial, a instalação de diabetes melito em idade jovem, mas com comportamento de diabetes melito do tipo 2 ?, já que respondeu ao hipoglicemiante oral. Apresenta, ainda, hipertensão arterial, apesar de jovem, predominantemente diastólica. Todos esses achados, embora pouco específicos, são compatíveis com a síndrome de Cushing.

Os principais sintomas da síndrome de Cushing são ganho de peso, letargia, fraqueza muscular, irregularidade menstrual (no caso de pacientes do sexo feminino), perda de libido, queixas depressivas, psicose e dor osteoarticular. Em crianças, ocorre a diminuição da velocidade de crescimento e aumento de peso. A obesidade é o sintoma mais comum da doença, ocorrendo em 90% dos casos. A distribuição de gordura típica é a central, concentrando-se na face (em “lua cheia”), no tronco e no pescoço (“giba de búfalo”) e poupando as extremidades.

A fraqueza muscular se manifesta em cerca de 60% dos casos, acometendo, em geral, a musculatura proximal. A pletora facial ocorre em 70% dos pacientes, além de hirsutismo e hipertricose (excesso de pelos em áreas cutâneas não dependentes de estrógenos, como a fronte), acne e alopecia. Manifestações como estrias cutâneas purpúricas no abdome inferior, nas coxas e nas axilas são comuns em cerca de 70% dos pacientes. A hipertensão arterial está presente em 75 a 90%, sendo de predomínio diastólico, enquanto o diabetes melito ou a intolerância à glicose podem ocorrer em 40 a 80%.

O hipogonadismo é comum tanto em homens quanto em mulheres. A redução da função gonadal é acompanhada de baixos níveis de gonadotrofinas (LH e FSH), apontando, portanto, para uma causa central. A hipocalemia, como é o caso desse paciente, pode ocorrer, mas é mais frequente em indivíduos com síndrome de Cushing por secreção de hormônio adenocorticotrófico (ACTH) ectópico.

Para a investigação da síndrome de Cushing, pode-se pedir a dosagem do cortisol urinário de 24 horas ou realizar o teste de supressão com dexametasona, ou a dosagem do cortisol salivar da meia-noite. A dosagem de cortisol urinário livre nas 24 horas fornece a medida integrada da secreção de cortisol durante o dia. A principal limitação da aplicação desse exame é a insuficiência renal crônica (clearance de creatinina inferior a 30mL/min).

Para aumentar a sensibilidade do teste, recomenda-se que seja repetido três vezes; níveis normais nas três ocasiões praticamente excluem o hipercortisolismo (sensibilidade entre 95 a 100%), exceto em casos raros de hipercortisolismo cíclico; valores maiores que 300mcg/24 horas são indicativos do diagnóstico da síndrome de Cushing.

A dosagem do cortisol sérico após doses baixas de dexametasona de 1mg entre as 23h e a meia-noite, com dosagem do cortisol sérico (FS) na manhã seguinte, entre as 8h e as 9h. Níveis de FS inferiores a 1,8mg/dL tornam o diagnóstico de síndrome de Cushing pouco provável com sensibilidade de 98% e especificidade entre 85 a 90%.

A dosagem de cortisol sérico à meia-noite também é útil, pois uma das manifestações mais precoces de alterações do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é a perda do ritmo circadiano de secreção do cortisol. Indivíduos normais apresentam diminuição da secreção de cortisol, atingindo o nadir (inferior a 1,8mg/dL) por volta da meia-noite. Nesse caso, o paciente apresentou, em 3 medidas de cortisol urinário livre, aumentos superiores a 800mcg nas 24 horas.

Confirmado o diagnóstico de síndrome de Cushing, deve-se investigar a etiologia. O primeiro passo para o diagnóstico diferencial de doença de Cushing é a mensuração de ACTH no plasma. Uma diminuição da concentração de ACTH no plasma <10pg/mL em um paciente com hipercortisolismo endógeno sugere, normalmente, uma causa ACTH independente ou adrenal.

Os valores de ACTH intermediários entre 10pg/mL e 20pg/mL são menos claros para definir a etiologia da síndrome de Cushing. Se o ACTH está normal ou aumentado (>20pg/mL), trata-se de uma síndrome de Cushing ACTH-dependente; nessa situação, deve-se fazer o diagnóstico diferencial entre a doença de Cushing e a secreção ectópica de ACTH.

Vários testes podem ser utilizados para diferenciar a fonte hipofisária (doença de Cushing) das fontes ectópicas do excesso de ACTH. Dentre eles, estão os seguintes:

               Teste de supressão com altas doses de dexametasona (2mg, a cada 6h, por 48h; há supressão do cortisol na doença de Cushing, mas não no ACTH ectópico).Os coticotropinomas, por serem derivados de células hipofisárias produtoras de ACTH, possuem receptores de glicocorticoides e, assim, são susceptíveis à retroalimentação negativa por esses esteroides; a administração de dose alta de dexametasona deve, portanto, provocar redução da secreção de ACTH pelo tumor e, por conseguinte, redução da cortisolemia, o que não ocorreria em tumores extra-hipofisários, como os responsáveis pela síndrome de secreção ectópica de ACTH. Classicamente, considera-se uma resposta sugestiva de doença de Cushing a redução do FS superior a 50% dos níveis basais;

               Teste de estímulo com hormônio liberador de corticotrofina (em inglês, corticotrophin releasing hormone [CRH]) e/ou acetato de desmopressina (DDAVP) ? que leva ao aumento do ACTH e cortisol, mais importante na doença de Cushing. O CRH é o principal hormônio hipotalâmico estimulador da liberação de ACTH pelo corticotrofo normal e também pelo tumoral. Os primeiros estudos com o teste, realizados na década de 1990, utilizando CRH ovino, demonstraram valores de corte dos incrementos de FS e ACTH indicativos de doença de Cushing de 20 e 50% do basal, respectivamente. Trabalhos mais recentes, feitos com CRH humano (atualmente, é a forma mais disponível), mostram que o aumento do FS acima de 14% do basal e o aumento do ACTH acima de 105% são sugestivos de doença de Cushing, com especificidade de 100% e sensibilidade entre 70 e 85%;

               Teste do DDAVP ? O DDAVP é um agonista dos receptores de vasopressina do subtipo V2, presentes em corticotropinomas, mas também nos corticotrofos normais. O teste foi idealizado com objetivo de identificar os corticotropinomas pelo incremento do ACTH e/ou FS após estímulo, o que estaria ausente nos tumores ectópicos. A resposta sugestiva de doença de Cushing é um incremento em relação ao basal de 20% para o cortisol sérico e 35% para o ACTH, após administração IV de 10mg de DDAVP. Entretanto, aproximadamente 30% das pessoas normais e 20 a 50% dos tumores ectópicos apresentam resposta do cortisol no teste do DDAVP, o que compromete a acurácia do teste. Um estudo recente mostrou baixíssima acurácia diagnóstica (por volta de 50%), o que contraindicaria o seu uso como ferramenta de auxílio diagnóstico.

 

No presente caso, o paciente apresentava ACTH acima de 20pg/mL. A causa mais comum de síndrome de Cushing ACTH-dependente é a doença de Cushing, que é o tumor hipofisário secretor de ACTH; com o uso de dexametasona, ocorreu diminuição do cortisol em 70%, o que sugeriu fonte hipofisária de ACTH.

A ressonância nuclear magnética (RNM) da hipófise, conforme mostra a Figura 1, demonstrou um tumor de 1,6cm (macroadenoma). O paciente foi submetido à cirurgia transesfenoidal, com ressecção do tumor, apresentando melhora clínica e bioquímica da síndrome de Cushing.

 

RNM: ressonância nuclear magnética.

Figura 1 - RNM da hipófise.

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