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Editorial MedicinaNET - Janeiro2012

Última revisão: 20/03/2012

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O MedicinaNET entra numa nova fase em um momento em que questões fundamentais para a saúde são discutidas no Brasil. Desde modelos de gestão em saúde, com a atual disseminação das Organizações Sociais de Saúde (OSS), a formas de organização da atenção primária, passando por discussões sobre a necessidade de novas especialidades médicas no Brasil, como a medicina de emergência e debates sobre a renovação do currículo médico, dentre outros. Nos últimos anos, tem havido intensa discussão sobre o futuro dos sistemas de saúde em todo o mundo. Com o envelhecimento da população, associado ao aumento na incidência e na prevalência das doenças crônicas não transmissíveis e com os custos crescentes das intervenções em saúde, torna-se imprescindível que haja uma mudança de paradigma na maneira como encaramos a saúde, sob pena de assistirmos a uma falência de sistemas de saúde universais, como é o caso do SUS.

Muitas são as hipóteses para explicar a atual crise da saúde, no Brasil e no mundo. A crescente especialização da medicina associada à sua tecnologização, embora tenham trazido avanços indiscutíveis no diagnóstico e no tratamento de várias condições patológicas, trouxeram vários efeitos colaterais, dentre eles o distanciamento do cuidador (profissional de saúde) de seu objeto de cuidado (a pessoa doente), com a interposição de abstrações (mediações) categorizadas como doenças. O sucesso prático de uma intervenção em saúde foi trocado pelo êxito técnico oriundo da especialização médica. Este processo ideológico faz parte hoje do ideário da população, que também passou a entender o cuidado como puro e simples êxito técnico, que pode ser atingido por meio de exames de imagem e testes laboratoriais, sem nenhuma – ou quase nenhuma – ação do cuidador. O raciocínio clínico e a relação humana entre o cuidador e a pessoa doente deixaram de ser a peça fundamental do encontro para se tornarem relíquias de uma medicina ultrapassada, dando lugar à “modernidade” dos exames de alta tecnologia e das intervenções farmacológicas de última geração. O fato é que, mesmo com todo este arsenal tecnológico, não houve grandes avanços em questões básicas, muito mais ligadas às questões contextuais e socioeconômicas do que propriamente a problemas no funcionamento fisiológico dos órgãos e sistemas das pessoas.

A tecnologização e a especialização médicas, embora importantes, têm ocupado um lugar e um tamanho equivocados nos sistemas de saúde, levando a um aumento excessivo dos custos sem uma redução minimamente proporcional dos desfechos desfavoráveis em saúde, muitas vezes, inclusive, levando a piores indicadores de saúde, com aumento de iatrogenias, cascatas de exames e internações hospitalares desnecessárias, taxação de pessoas, medicalização da sociedade e por aí vai...

Nos dias 22 a 24 de junho de 2011, ocorreu em Brasília o 11º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade, cujo mote foi a crítica ao excesso de prevenção, com convidados internacionais ligados ao movimento da prevenção quaternária: Marc Jamoulle, Juán Gérvas e Iona Heath. A prevenção quaternária tem sido conceituada como um tipo de prevenção cujo objetivo principal é evitar a exposição das pessoas a intervenções médicas (intervenções em saúde em geral) desnecessárias e potencialmente danosas. A prevenção quaternária pode e deve ser levada a cabo em todos os níveis de atenção, tanto em intervenções diagnósticas e terapêuticas preventivas como curativas, embora sua vocação principal esteja na atenção primária, particularmente em pessoas assintomáticas.

Pessoas assintomáticas, submetidas a intervenções preventivas que não produzem um grande benefício, têm maior chance de experimentarem apenas os malefícios da intervenção, que incluem a falsa ideia de proteção (quando o exame preventivo ou de rastreamento é negativo), a taxação (labelling), a cascata de intervenções adicionais quando o exame de rastreamento é positivo, os efeitos colaterais destas intervenções adicionais e de tratamentos potenciais, o estresse de toda a situação nos casos com rastreamentos positivos e, por último, o fenômeno do sobrediagnóstico (diagnóstico verdadeiro positivo, porém clinicamente irrelevante). Este tipo de problema (diagnósticos de “processos patológicos” em pessoas sem sintomas e cujo benefício do tratamento é incerto), juntamente com situações clínicas correlatas, tem sido alvo de muitas discussões e controvérsias e tem aparecido na literatura sob várias denominações, como pornoprevenção, prevenção quaternária, medicalização social, fabricação de doenças (disease mongering) e, mais recentemente, sobrediagnóstico (overdiagnosis). Neste mês, dois artigos científicos comentados abordam esta questão em diferentes cenários (Estudo randomizado de rastreamento de câncer de próstata e Angiotomografia computadorizada de tórax e sobrediagnóstico de TEP).

São temas que precisam, com urgência, passar a efetivamente fazer parte da academia (embora já façam parte, ainda são pouco discutidos), sobretudo das disciplinas mais tradicionais da medicina como ortopedia, ginecologia/obstetrícia, pediatria, clínica cirúrgica, clínica médica e suas respectivas subespecialidades.

Uma atenção primária forte, voltada para o SUS e para as comunidades locais, sem o viés do mercado e do complexo médico-hospitalar-industrial, com profissionais de saúde bem formados, com remuneração adequada e plano de carreira, são medidas altamente salutares, com impacto tanto na qualidade dos serviços prestados como na redução de custos e melhora em indicadores de saúde, levando a mais equidade e a um fortalecimento do SUS.

A compreensão de grande parte destas questões passa por uma visão crítica da produção de conhecimento em saúde e de sua consequente aplicação prática. A epidemiologia clínica, instrumento importante para esta visão, e uma base humanística sólida na formação médica, aliadas a uma prática médica que utilize as melhores evidências, podem contribuir para a mudança de paradigma na maneira como encaramos a saúde. Neste contexto, o MedicinaNET, grupo sem vínculos com a indústria farmacêutica ou de equipamentos médicos, que produz vários tipos de conteúdos sobre as mais diversas áreas do conhecimento em saúde, pode ter um papel importante na difusão de informações de qualidade sobre o que tem sido produzido em saúde. Atualmente em associação com o Grupo A, o MedicinaNET inicia esta nova fase com a esperança de que as informações e os conteúdos do site possam contribuir para a disseminação do conhecimento crítico e para o atual debate sobre os rumos da saúde.

 

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