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Aprendendo a manter os pacientes seguros em uma cultura do medo

Última revisão: 26/04/2010

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Aprendendo a manter os pacientes seguros em uma cultura do medo

 

A ameaça de culpa ou imperícia paira sobre os médicos que trabalham para evitar erros

 

Dra. Pauline W. Chen

 

Publicado em 11 de Março de 2010 na New York Times

 

Uma tarde, durante minha época de treinamento, eu assisti uma das minhas melhores amigas, outra residente de cirurgia, ser levada ao escritório do chefe de departamento. Uma semana antes, ela tinha estado em um atendimento de emergência quando um paciente desenvolveu um ritmo cardíaco rápido e irregular. Ele ficou inconsciente e teria morrido logo se minha amiga não tivesse realizado o atendimento de parada cardíaca. Eu achei que sua intervenção realmente provava seu valor como médica.

 

Mas tinha havido um mal-entendido durante o atendimento sobre um dos medicamentos que havia sido administrado. Perguntas se transformaram em uma discussão acalorada entre a minha amiga e uma enfermeira, e o que deveria ter sido motivo de festa (ter salvo o paciente) rapidamente se transformou em um debate. Na manhã seguinte, minha amiga encontrou-se descrita em um relatório sobre o incidente, uma forma que os profissionais que trabalham no hospital podem usar para comunicação de acidentes. A enfermeira acredita que minha amiga cometeu imperícia ao ordenar que uma medicação fosse feita muito rapidamente, apesar de ter salvo a vida do paciente.

 

"Não importa se estou certa ou errada”, minha amiga me disse após tomar conhecimento do relatório. "Esse relatório sobre o incidente será uma marca permanente".


Eu não podia discutir com ela, ela estava expressando o que todos nós médicos em formação acreditamos ser verdade. Embora, muitas vezes, nós discutíssemos erros entre nós, dissecando os acontecimentos com grande precisão, também evitávamos toda a documentação formal dos erros que havíamos visto. U
ma vez que estes contratempos eram discutidos em reuniões de departamento, as narrativas acabavam por apontar para alguém que poderia ser responsabilizado. Os “Relatórios de incidentes”, descritos para nós no nosso primeiro dia de trabalho como uma ferramenta para diminuir erros e aumentar a transparência, tornou-se um caminho para que outros no hospital "pegassem os residentes no pulo."


Mesmo agora, meu coração pula quando ouço a expressão "relatório de incidentes."


Mas, ao longo da última década, os hospitais têm feito cada vez mais da segurança do paciente uma prioridade. Incorporando as lições aprendidas em indústrias de alto risco como a aviação e energia nuclear, centros médicos em todos os estados dos EUA começaram a promover protocolos, procedimentos e listas de verificação para evitar erros na assistência à saúde.

A principal dessas iniciativas tem sido um impulso para uma maior divulgação e transparência - e menos medo. Devemos falar sobre nossos erros. Devemos, se necessário, discutir o tema com outras pessoas. Devemos dizer que estamos arrependidos. E devemos redigir relatórios de incidentes. Tudo isso, os médicos têm sido assegurados, vai melhorar a segurança ao diminuir a culpa e o risco de processos por erro médico.

 

Mas um estudo recente indica que os atuais médicos em formação ainda podem ser hesitantes em documentar erros. Este ano, uma publicação da Joint Comission relatou que a maioria dos residentes nunca escreveu um relatório de incidente. E de acordo com um documento emitido em março de 2010 de uma comissão de especialistas em educação médica e cuidados de saúde que trabalham com o Instituto Lucian Leape do National Patient Safety Foundation (EUA), jovens médicos ainda estão saindo para a prática com pouca instrução ou treinamento em segurança do paciente.

 

Mudar uma cultura de saúde que prejudica alguns dos princípios mais importantes de redução de erros - confiança, trabalho em equipe e comunicação - provou ser muito mais difícil do que uma lista de verificação de segurança levariam a supor.

 

"Os jovens médicos estão sendo educados em uma cultura tóxica", disse Dr. Lucian L. Leape, um especialista em segurança do paciente na Faculdade de Saúde Pública de Harvard, que foi presidente da comissão do relatório. "O ambiente atual é hierárquico, estressante para o indivíduo, impulsionado por um sistema de pagamento injusto e humilhante, que trabalha contra a melhoria da segurança do paciente." Para assegurar uma assistência em saúde segura, os médicos em treinamento precisam de tempo para refletir sobre suas ações, de um senso de comunidade com os colegas e outros profissionais de saúde e apoio para dedicar-se livremente na discussão e divulgação de erros.

 

Notavelmente, as escolas médicas e programas de formação clínica durante muito tempo negligenciaram a segurança do paciente em seu currículo obrigatório, mas nos últimos anos, várias instituições dos EUA têm tentado fazer isso, com variados graus de sucesso. Muitos tiveram dificuldade em encontrar apoio financeiro, suporte dos líderes e médicos com formação em segurança do paciente.

 

E sem o conhecimento adequado e liderança, as instituições correm riscos. No estudo dos residentes e dos relatórios de incidentes, por exemplo, os pesquisadores descobriram que os administradores do hospital e educadores contaram à maioria dos formandos sobre a importância da segurança do paciente. "Mas os residentes não estavam cientes do procedimento para o preenchimento de relatórios de incidentes ou até mesmo onde poderiam encontrar os formulários", disse Rangaraj Ramanujam, um professor adjunto da gerência na Owen Graduate School of Management da Vanderbilt University em Nashville e autor sênior do estudo. "Parece mundano, mas em termos de modelagem de comportamento, este tipo de informação de base é muito importante."

 

A recompensa para as instituições que conseguiram fazer da educação em segurança do paciente uma prioridade, tem sido dramática tanto para os estudantes quanto para os pacientes. Seis anos atrás, a Faculdade de Medicina da Universidade de Illinois em Chicago, instituiu um extenso programa de educação para a segurança do paciente, que envolveu uma série de workshops e palestras necessários para estudantes de medicina a partir de seu primeiro ano. Os graduandos começaram a ocupar cargos de importância na área de segurança do paciente em sistemas hospitalares e outros centros médicos acadêmicos. Mais recentemente, a universidade começou a incorporação de educação para a segurança em seus programas de residência médica. Residentes que antes temiam relatórios de incidentes, agora apresentam mais de 100 por mês.

 

"Somos um hospital muito mais seguros agora", disse o Dr. David Mayer, co-diretor executivo do Instituto para Excelência de Segurança do Paciente da Faculdade de Medicina. "Temos a sorte de ter uma liderança incrível no centro médico que nos permitiu avançar com isto”.

Eu chamei minha amiga de residência esta semana, e ela riu quando eu trouxe seu fatídico relatório de incidentes. Apesar de seus piores medos na época, o chefe da divisão não a demitiu. Em vez disso, ele passou sua reunião discutindo maneiras de como os médicos poderiam colaborar melhor com os enfermeiros.

 

"Desde este incidente eu venho preenchendo relatórios de incidentes”, minha amiga me disse, lembrando do evento. "As coisas estão começando a mudar. Mas eu acho que você tem que sentir que o que você está dizendo realmente importa e que os responsáveis estão realmente ouvindo. Caso contrário", ela acrescentou, "é como os não-tão-bons velhos tempos".


 

Currículo

A Dra. Pauline W. Chen é cirurgiã e trabalha com oncologia e transplante hepático. A Dra. Chen é graduada pela Universidade de Harvard e pela Universidade Northwestern Feinberg School of Medicine e completou a sua formação cirúrgica na Universidade de Yale, no National Cancer Institute e na Universidade da Califórnia, Los Angeles, onde ela trabalha atualmente como membro do corpo docente do Departamento de Cirurgia. Ela escreve periodicamente na New York Times, compartilhando suas experiências e insights sobre o sistema de saúde, e também para começar a construir uma ponte sobre o fosso crescente entre médicos e pacientes. A coluna é exibida às quintas-feiras em http://health.nytimes.com/

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