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dengue

Autores:

Euclides F. de A. Cavalcanti

Médico Colaborador da Disciplina de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 24/11/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

Dengue é a doença viral transmitida por mosquitos mais prevalente no Brasil e no mundo. É causada por um Arbovírus do gênero Flavivírus e transmitida por mosquitos hematófagos, sendo o principal o Aedes aegypti.

A Dengue é endêmica em todo o Brasil, com exceção da Região Sul, apresenta picos epidêmicos relacionados ao período de chuvas das regiões, embora casos sejam identificados durante todo o ano.

O período de incubação após a picada do inseto pode variar de 3 a 14 dias, sendo tipicamente de 4 a 7 dias. As manifestações clínicas da Dengue são variáveis, indo de infecção assintomática e quadros febris autolimitados até síndrome hemorrágica com choque.

 

ACHADOS CLÍNICOS

Dengue Clássica

Doença febril aguda associada a mialgia e cefaleia (classicamente retro-orbitária), que costumam ser intensas. Artralgia, náuseas, vômitos e exantema também são comuns. A febre costuma durar 5 a 7 dias e alguns pacientes apresentam evolução bifásica, com recorrência da febre após melhora inicial.

Manifestações hemorrágicas espontâneas (epistaxe, melena, metrorragia, petéquias) ou prova do laço positiva podem estar presentes e, às vezes, são graves, mas é importante ressaltar que não caracterizam por si só o diagnóstico de febre hemorrágica da dengue (FHD).

 

Febre Hemorrágica da Dengue

O fator determinante da febre hemorrágica da dengue é o extravasamento plasmático por disfunção endotelial, que pode ser expresso por meio de hemoconcentração, hipoalbuminemia e/ou derrames cavitários.

As manifestações clínicas iniciais são as mesmas da Dengue clássica, mas entre o 3º e o 7º dia do início do quadro surgem sintomas que alertam para a possibilidade de evolução para febre hemorrágica da dengue, como vômitos importantes, dor abdominal intensa, hepatomegalia dolorosa, letargia e derrames cavitários (pleural, pericárdico, ascite). Em geral, estes sinais de alarme precedem as manifestações hemorrágicas e os sinais de insuficiência circulatória que podem existir na febre hemorrágica da dengue. O paciente pode evoluir para instabilidade hemodinâmica e choque.

Os 4 critérios diagnósticos de febre hemorrágica da dengue definidos pela OMS1,2 são:

 

1.    Febre por 2 a 7 dias.

2.    Aumento na permeabilidade vascular (síndrome de extravasamento de plasma) evidenciado por hemoconcentração (aumento no hematócrito maior do que 20%) e derrames cavitários (derrame pleural ou ascite).

3.    Trombocitopenia (< 100.000 plaquetas/mm3).

4.    Tendência a hemorragia (prova do laço positiva) ou sangramentos espontâneos.

 

Dependendo da intensidade do extravasamento para o terceiro espaço, pode haver colapso circulatório com choque por hipovolemia, caracterizando a síndrome do choque da dengue (SCD), que representa o extremo de gravidade da doença, podendo levar ao óbito.

 

AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM SUSPEITA DE DENGUE

Sinais de Alarme

A presença de sinais de alarme deve ser pesquisada em todos os pacientes com suspeita de Dengue, pois indica a possibilidade de gravidade do quadro clínico e de evolução para febre hemorrágica da dengue ou síndrome do choque da dengue. Deve também ser dada atenção a sinais de choque ao exame físico.

 

Tabela 1: Sinais de alarme na Dengue e sinais de choque

Sinais de alarme

Dor abdominal intensa e contínua; vômitos persistentes; hipotensão postural e/ou lipotímia; hepatomegalia dolorosa; hemorragias importantes (hematêmese e/ou melena); sonolência e/ou irritabilidade; diminuição da diurese; diminuição repentina da temperatura corpórea ou hipotermia; aumento repentino do hematócrito; queda abrupta de plaquetas; desconforto respiratório.

Sinais de choque

Hipotensão arterial; pressão arterial convergente (PA diferencial < 20 mmHg); extremidades frias, cianose; pulso rápido e fino; enchimento capilar lento (> 2 segundos).

 

Prova do Laço

Embora seja exame inespecífico, o Ministério da Saúde3 recomenda a prova do laço em todos os casos suspeitos de Dengue, pois é um exame de triagem que representa fragilidade capilar. Os passos para realizar a prova do laço são os seguintes:

 

1.    Desenhar um quadrado de 2,5 cm de lado (ou uma área ao redor da falange distal do polegar) no antebraço da pessoa e verificar a PA.

2.    Calcular o valor médio: (PAS+PAD)/2.

3.    Insuflar novamente o manguito até o valor médio e manter por 5 minutos em adulto (em crianças, 3 minutos) ou até o aparecimento de petéquias ou equimoses.

4.    Contar o número de petéquias no quadrado. A prova será positiva se houver 20 ou mais petéquias em adultos e 10 ou mais em crianças.

 

Exames Laboratoriais

Específicos

Isolamento viral e PCR são os exames mais específicos para diagnóstico de Dengue, mas são pouco disponíveis. São utilizados principalmente para fins epidemiológicos ou em estudos científicos.

Sorologia para Dengue deve ser solicitada a partir do 6º dia de doença (geralmente não revela alterações antes deste período) e é o exame confirmatório de escolha (disponível e barato), embora possa resultar em falso-positivo por reação cruzada com outros vírus.

 

Inespecíficos

O hemograma é o principal exame. O aumento do hematócrito confirma a presença de hemoconcentração, tendo importância prognóstica e terapêutica. O leucograma pode revelar leucopenia com linfocitose e as plaquetas podem estar normais ou diminuídas (implica maior gravidade).

As transaminases podem estar normais ou moderadamente elevadas, ocasionalmente em valores de até 15 vezes acima da normalidade. A albumina sérica pode estar baixa, refletindo extravasamento de plasma.

Radiografia de tórax e ultrassonografia de abdome podem ser solicitadas em casos mais graves e podem revelar derrames cavitários.

Outros exames, como eletrólitos, gasometria e coagulograma, podem ser solicitados conforme necessário.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA DENGUE

Como a Dengue tem uma grande variabilidade de apresentações clínicas, são muitos os diagnósticos diferenciais. Dentre os principais, temos influenza, enteroviroses, doenças exantemáticas (sarampo, rubéola, parvovirose, escarlatina, eritema infeccioso), síndromes mono-like (p.ex., mononucleose, citomegalovirose, toxoplasmose), hepatites virais, meningococcemia, endocardite, pneumonia, infecção urinária, febre amarela, leptospirose, malária, salmonelose, riquetsioses, farmacodermias e alergias cutâneas.

 

CLASSIFICAÇÃO DE GRAVIDADE E TRATAMENTO DA DENGUE

Os pacientes com suspeita de Dengue são aqueles com febre por até 7 dias, acompanhada de pelo menos 2 sinais e sintomas inespecíficos (cefaleia, prostração, dor retro-orbitária, exantema, mialgias, artralgias) e história epidemiológica compatível. Classificar o paciente conforme a gravidade ajuda a orientar a abordagem terapêutica. O Ministério da Saúde orienta classificar o paciente com Dengue em grupos de A a D3, lembrando que esta classificação é dinâmica e que o paciente pode ser inicialmente classificado como grupo A e evoluir para formas mais graves.

 

Grupo A: 1) Prova do Laço Negativa e Ausência de Manifestações Hemorrágicas Espontâneas; 2) Ausência de Sinais de Alarme

Conduta Diagnóstica

Exames específicos (sorologia/isolamento viral): solicitar para todos os casos suspeitos de Dengue em períodos não-epidêmicos. Em períodos epidêmicos, pedir os exames por amostragem (conforme as orientações da vigilância epidemiológica local), quando houver dúvida diagnóstica, em gestantes (diagnóstico diferencial com rubéola), crianças, idosos e pacientes com comorbidades.

Exames inespecíficos: solicitar hemograma para todos os pacientes, em especial gestantes, crianças, idosos ou pacientes com comorbidades.

 

Conduta Terapêutica

Hidratação oral abundante (60 a 80 mL/kg/dia), utilizando-se soro de reidratação oral (SRO) e líquidos caseiros (água, chás, suco de frutas, água de coco etc.).

Sintomáticos: dipirona ou paracetamol para dor ou febre. Em pacientes adultos com dor muito intensa, pode-se associar codeína na dose de 7,5 a 30 mg a cada 6 horas. Antieméticos (p.ex., metoclopramida, bromoprida) e antipruriginosos (p.ex., hidroxizina, loratadina) podem ser utilizados se necessário.

Evitar o uso de salicilatos ou anti-inflamatórios, pois têm potencial hemorrágico.

 

Orientações aos Pacientes e Familiares

Orientar quais são os sinais de alarme e orientar retorno imediato ao hospital em caso de aparecimento deles.

O paciente deve retornar para reavaliação no 1º dia do desaparecimento da febre (entre o 2º e o 6º dia de doença). Alguns autores julgam que este período marca o início da fase crítica e de maior risco para evolução para febre hemorrágica da dengue, mas sabe-se que muitos dos pacientes não apresentam esta evolução bifásica da febre e que a febre hemorrágica da dengue pode evoluir sem ser precedida por período afebril. Portanto, atentar aos sinais de alarme durante todo o período.

 

Grupo B: 1) Prova do Laço Positiva ou Manifestações Hemorrágicas Espontâneas, Sem Repercussão Hemodinâmica; 2) Ausência de Sinais de Alarme

Conduta Diagnóstica

Exames específicos (sorologia/isolamento viral) e hemograma obrigatórios para todos os pacientes.

 

Conduta Terapêutica

  Hidratação oral conforme indicado para o grupo A até o resultado do hemograma.

  Pacientes com hemograma normal: tratamento ambulatorial conforme indicado para grupo A.

  Pacientes com hemoconcentração leve (hematócrito aumentado em até 10% do valor basal ou > 40% e < 44% em mulheres e > 45% e < 50% em homens) e/ou plaquetopenia discreta (entre 50 e 100.000/mm3) e/ou leucopenia (< 1.000 cels/mm3): tratamento ambulatorial com hidratação oral vigorosa (80 mL/kg/dia) e reavaliação clínico/laboratorial para re-estadiamento em 24 horas, ou antes, se surgirem sinais de alarme.

  Pacientes com hemoconcentração mais intensa (> 10% do valor basal ou > 44% em mulheres e > 50% em homens) ou plaquetopenia mais severa (< 50.000/mm3): manter internado para hidratação oral e/ou endovenosa por um período mínimo de 6 horas. O objetivo é oferecer 80 mL/kg/dia, iniciando o primeiro 1/3 nas primeiras 4 a 6 horas na forma de solução salina isotônica. Após a etapa inicial de hidratação, reavaliar clínica e laboratorialmente. Se hematócrito normalizar, manter hidratação oral vigorosa e orientar retorno para reavaliação clínico/laboratorial em 24 horas, ou antes, se surgirem sinais de alarme. Se a resposta for inadequada, manter o paciente em leito de observação com hidratação parenteral.

  Sintomáticos conforme orientado para o grupo A.

 

Importante: ao surgirem sinais de alarme ou aumento do hematócrito na vigência de hidratação adequada, é indicada a internação hospitalar. Pacientes com denque e plaquetopenia < 20.000/mm3, sem repercussão clínica, devem ser internados e reavaliados clínica e laboratorialmente a cada 12 horas.

 

Grupo C: 1) Algum Sinal de Alarme Presente; 2) Manifestações Hemorrágicas Presentes ou Ausentes

Conduta Diagnóstica

  Exames complementares específicos obrigatórios.

 Exames inespecíficos: hemograma, tipagem sanguínea, albumina sérica, eletrólitos, transaminases, gasometria, radiografia de tórax e ultrassonografia de abdome.

 

Conduta Terapêutica

  Hidratação intravenosa abundante por no mínimo 24 horas.

 Iniciar com 25 mL/kg em 4 horas com soro fisiológico ou Ringer lactato, preferencialmente em bomba de infusão contínua. Reavaliar hematócrito em 4 horas e repetir esta fase até 3 vezes, se não houver melhora do hematócrito ou dos sinais hemodinâmicos.

  Se houver melhora clínica e laboratorial, iniciar etapa de manutenção com 25 mL/kg em 8 horas, seguida de 25 mL/kg nas 12 horas seguintes.

  Se a resposta for inadequada, repetir a conduta anterior com 25 mL/kg em 4 horas. Se houver melhora, retornar a etapa de manutenção com 25 mL/kg em cada uma das etapas seguintes (8 e 12 horas).

  Se a resposta for inadequada, tratar como paciente do grupo D com hipotensão (ver abaixo).

 

Grupo D: Paciente com Estreitamento da Pressão ou Hipotensão Arterial ou Choque

Conduta Diagnóstica

 Exames complementares específicos obrigatórios.

 Exames inespecíficos: hemograma, tipagem sanguínea, albumina sérica, eletrólitos, transaminases, gasometria, radiografia de tórax e ultrassonografia de abdome.

 

Conduta Terapêutica

 Hidratação intravenosa abundante: iniciar com bolus de solução salina isotônica ou Ringer lactato, 20 mL/kg, seguido de 10 a 20 mL/kg/hora até que os sinais vitais e o débito urinário melhorem. Reavaliação clínica (a cada 15 a 30 minutos) e do hematócrito após 2 horas e, posteriormente, a cada 2 a 4 horas.

  Se a resposta for inadequada, avaliar a hemoconcentração.

  Hematócrito em ascensão e choque, após hidratação adequada: utilizar expansores plasmáticos (coloides sintéticos – 10 mL/kg/hora ou albumina – 3 mL/kg/hora).

 Hematócrito em queda e choque: investigar hemorragias e transfundir concentrado de hemácias, se necessário.

  Encaminhar para unidade de terapia intensiva, utilizar vasopressores, se necessário.

  A administração de fluidos endovenosos deve ser suspensa quando o paciente estiver ingerindo fluidos normalmente, tiver hematócrito normal, além de boa diurese e normalização dos sinais vitais. Geralmente não é necessário mais do que 48 horas de hidratação endovenosa, e excesso de líquidos após isso pode precipitar hipervolemia e edema pulmonar. Sinais de hipervolemia devem sempre ser verificados, principalmente nos idosos e nos pacientes com comorbidades cardíacas, diminuindo-se a velocidade de infusão, se necessário.

 

ALGORITMO

Algoritmo 1: Abordagem do paciente com suspeita de Dengue.3

BIBLIOGRAFIA

1.    Deen JL, Harris E, Wills B, et al. The WHO Dengue classification and case definitions: time for a reassessment. Lancet. 2006;368:170.

2.    WHO. Dengue hemorrhagic fever: diagnosis, treatment, prevention, and control. 2. ed. Geneva: World Health Organization, 1997.

3.    Brasil. Ministério da Saúde. Dengue: diagnóstico e manejo clínico. Série A. Normas e manuais técnicos. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2007

4.    Wills BA, et al. Comparison of three fluid solutions for resuscitation in Dengue shock syndrome. N Engl J Med. 2005;353:877

5.    Rotmam AL, et al. Clinical presentation and diagnosis of Dengue vírus infection – Uptodate 2008 –www.uptodate.com. Software 16.3

6.    Guzman MG, et al. Dengue: an update. Lancet Infect Dis. 2002;2:33-42.

7.    Marinho LAC. Dengue. In: Tavares W, Marinho LAC. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2007. p.214.

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