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Diagnóstico Diferencial dos Tumores Cervicais

Autores:

Elaine Stabenow

Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Doutorado em Clínica Cirúrgica pela Faculdade de Medicina da USP

Pedro Michaluart Jr.

Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)
Doutor em Medicina pela Fauculdade de Medicina da USP

Última revisão: 24/05/2009

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INTRODUÇÃO

O termo tumor, apesar de impreciso, integrou-se à linguagem corrente para designar o aumento localizado de volume e consistência dos tecidos, provocado por doença benigna, maligna, inflamatória ou mesmo decorrente de traumatismo. Muitas vezes é empregado como sinônimo de neoplasia, principalmente a de caráter maligno. A definição de neoplasia é importante e, dentre as mais aceitas, está a do oncologista britânico, Sir Robert Willis: “Neoplasia é uma massa anormal de tecido cujo crescimento, comparado ao do tecido normal, é maior, incoordenado e persiste mesmo após a retirada do estímulo que provocou a mudança”. A essa definição pode-se acrescentar que esse tumor não tem propósito e é virtualmente autônomo. O caráter benigno ou maligno dessas neoplasias depende de características como grau de diferenciação e anaplasia, capacidade de invasão, ritmo de crescimento e capacidade de gerar metástase.

Na prática clínica, os tumores que acometem a região do pescoço são chamados de nódulos ou massas e não há definição clara que os diferencie. Em linhas gerais, costuma-se nomear de nódulo o tumor bem delimitado, com maior diâmetro de aproximadamente 3 cm ou menos.

Os tumores cervicais podem ser manifestações de diversas doenças que compreendem as neoplasias, processos inflamatórios e afecções congênitas. Seu diagnóstico diferencial fundamenta-se na avaliação clínica complementada por exames subsidiários.

A avaliação clínica de um tumor cervical é complexa e baseia-se na história da moléstia atual e no exame clínico detalhados. O questionário deve ser abrangente e incluir os hábitos tabágico e etílico, exposição sexual, ocupação, história de febre, sudorese, perda de peso, exposição a agentes infecciosos, tuberculose e viagens recentes.

O exame físico é de extrema importância, uma vez que permite localizar o tumor no pescoço. O raciocínio para estabelecimento do diagnóstico diferencial de determinado tumor cervical parte do conhecimento da anatomia topográfica da região, pela qual são definidos os chamados triângulos ou regiões cervicais (Figura 1). Ao conhecer as estruturas profundas correspondentes aos triângulos, bem como as principais doenças que podem acometê-las (Tabela 1), torna-se possível formular hipóteses diagnósticas, que variam em ordem de importância de acordo com a idade e os demais dados da avaliação clínica do doente.

 

Figura 1: Figura esquemática representativa dos triângulos cervicais.

 

Tabela 1: Principais doenças que se manifestam como tumor cervical

Doença neoplásica

Primária (benigna ou maligna)

Glândulas salivares

Glândula tireoide / paratireoides

Neoplasia do corpo carotídeo

Lipoma

Leiomioma / sarcoma

Neoplasia de nervos periféricos

Linfoma

Hemangioma

Neoplasias ósseas

Neoplasias cartilaginosas

Secundária (maligna)

Metástase para linfonodos cervicais

Doença inflamatória

Infecciosa

Viral

 

Bacteriana

 

Granulomatosa

Não infecciosa

Linfadenopatia

 

Tireoidites

 

Sialadenite calculosa

Doença não neoplásica e não inflamatória

Congênita

Cisto de ducto tireoglosso

Tireoide ectópica

Cisto dermoide

Cisto branquial

Linfangioma

Teratoma

Traumatismo

Hematoma

Edema

 

Quanto à idade, em pacientes com até 40 anos, o tumor cervical geralmente é benigno, inflamatório ou congênito. Por outro lado, em pacientes com mais de 40 anos de idade, as lesões malignas são mais comuns (Tabela 2). Excluindo-se as massas tireoideas, pode-se dizer que 80% dos tumores cervicais em pacientes acima dos 40 anos são de origem neoplásica e, desses, 80% são malignos. Dessa forma, todo tumor cervical em adultos deve ser considerado como câncer primário ou metástase cujo primário localiza-se acima das clavículas, até que se prove o contrário.

 

Tabela 2: Frequência relativa de tumores cervicais em cada grupo etário, com sua localização mais comum

0 a 15 anos

16 a 40 anos

Acima de 40 anos

Congênita

Congênita

Neoplásica

Lesão vascular (TA)

Cisto branquial (TA)

Carcinoma metastático (TA/TP)

Cisto branquial (TA)

Cisto ducto tireoglosso (M)

Carcinoma tireoideo (M)

Cisto de ducto tireoglosso (M)

Cisto dermoide (M)

 

Cisto dermoide (M)

 

 

Linfonodopatia inflamatória

Linfonodopatia inflamatória

Linfonodopatia inflamatória

Bacteriana (TA/TP)

Viral (TA/TP)

Viral (TA/TP)

Viral (TA/TP)

Bacteriana (TA/TP)

Bacteriana (TA/TP)

Granulomatosa (TA/TP)

Granulomatosa (TA/TP)

Granulomatosa (TA/TP)

Neoplásica

Neoplásica

Congênita

Linfoma (TA/TP)

Linfoma (TA/TP)

Cisto branquial (TA)

Carcinoma tireoideo (M)

Carcinoma tireoideo (M)

Cisto de ducto tireoglosso (M)

Sarcoma (TA/TP)

Salivar (TA)

 

 

Metastática (TA/TP)

 

 

Vascular (TA/TP)

 

 

Neurogênica (TP)

 

Legenda: TA = triângulo anterior; TP = triângulo posterior; M = linha média e pescoço anterior.

Fonte: Cummings CW.

 

Sinais e sintomas associados são importantes para compor o raciocínio diagnóstico. Um simples sinal, como a mobilidade do nódulo à deglutição, pode auxiliar no diagnóstico diferencial (Tabela 3).

 

Tabela 3: Diagnóstico clínico diferencial dos tumores cervicais mais comuns, segundo o sinal de mobilidade à deglutição

Tumor cervical

Móvel à deglutição (quase sempre tireoideo)

Anomalia congênita

 

Tireoidite

 

Bócio

 

Carcinoma tireoideo

 

Imóvel à deglutição (quase sempre não tireoideo)

Mediano

Cisto dermoide

Lipoma

Linfonodopatia

Lateral

Glândula salivar

Cisto branquial

Linfonodopatia

Fonte: Cordeiro AC.

 

Disfagia, odinofagia, otalgia, rouquidão e sinais de caquexia direcionam o diagnóstico para as neoplasias, enquanto febre, dor e eritema sugerem inflamação. Há ainda a possibilidade de múltiplos diagnósticos. Por exemplo, infecção aguda pode ocorrer em cistos congênitos ou mesmo em metástases. Nesse caso, antibioticoterapia deve ser instituída com posterior reavaliação da causa, após a remissão do quadro infeccioso agudo.

O exame físico costuma ser sistematizado da seguinte maneira:

 

1.    Inspeção estática, pela qual se avalia a localização do tumor cervical, a presença de fístulas e outros nódulos aparentes.

2.    Inspeção dinâmica onde se observa a movimentação do tumor cervical à deglutição, à protrusão da língua e à manobra de Valsalva.

3.    Palpação estática pela qual são avaliados o número de lesões, o tamanho, sua consistência, mobilidade e limites com as estruturas vizinhas, presença de sinais flogísticos, frêmito, pulso ou sopro.

4.    Palpação dinâmica onde a movimentação do tumor frente às mesmas manobras da inspeção dinâmica é apreciada.

 

Na avaliação complementar, exames de imagem são úteis, especialmente a ultrassonografia, a tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética, pois permitem identificar o órgão cervical acometido, dimensionar a lesão e estudar suas relações com as estruturas vizinhas. A tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET-CT) (Figura 2) é empregada para avaliação funcional da região cervical suspeita e, em linhas gerais, está indicada principalmente para identificação de tumores ocultos ou pequenos e para diagnóstico de recidivas. Sua restrição é o diagnóstico falso-positivo causado por processos inflamatórios.

 

Figura 2: Tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET-CT) de um caso com (A) carcinoma tireoideo (seta) com (B) metástases para pulmão (seta) e (C) corpo vertebral de coluna lombar (seta).

Cortesia do Dr. Steven M. Larson, Memorial Sloan-Kettering Cancer Center.

 

Exames hematológicos também são importantes na avaliação de discrasias ou na identificação sorológica de agentes infecciosos.

No final da avaliação de um tumor cervical, por vezes é necessária a confirmação diagnóstica com biópsia. Biópsia cirúrgica a céu aberto não é indicada na avaliação inicial devido à possibilidade de se alterar a disseminação de um eventual tumor maligno e, assim, complicar o planejamento de seu tratamento e diminuir as possibilidades de cura do doente. O exame de escolha é o citológico do material obtido por punção aspirativa por agulha fina (PAAF).

 

CARACTERÍSTICAS DOS PRINCIPAIS TUMORES SEGUNDO SUA LOCALIZAÇÃO NA REGIÃO CERVICAL

Conforme descrito anteriormente, é a localização do tumor no pescoço, o conhecimento das estruturas profundas correspondentes e das principais doenças que podem acometer tais estruturas que permitem formular hipóteses no sentido de estabelecer o diagnóstico diferencial de determinado tumor cervical. Dessa forma, segue-se a descrição das características dos principais tumores cervicais segundo sua localização na região cervical e estrutura anatômica acometida (Tabela 4).

 

Tabela 4: Tumores mais comuns segundo a localização na região cervical

Tumores que podem ocorrer em qualquer região do pescoço

Tumores de linfonodos cervicais

Neoplasias do tecido adiposo

Neoplasias dos nervos periféricos: tumores do tecido muscular; tumores do tecido fibroso

Linfangioma

Hemangioma

Massa traumática; tumores cutâneos

Tumores mais comuns em cada triângulo cervical

Triângulo submandibular

Doenças das glândulas submandibulares

Linfonodopatia

Triângulo submentoniano

Linfonodopatia

Cisto dermoide e teratoma

Triângulo carotídeo superior

Paraganglioma

Linfonodopatia; cistos e fístulas branquiais

Triângulo carotídeo inferior

Doenças da glândula tireoide

Carcinoma de paratireoide

Cisto de ducto tireoglosso

Tireoide ectópica; tumores da laringe, traqueia e esôfago

Triâgulo occipital

Linfonodopatia; neoplasias do tecido adiposo; neoplasias dos nervos periféricos

Neoplasias do tecido muscular; tumores ósseos

Triângulo supraclavicular

Linfonodopatia

 

Tumores que podem ocorrer em Qualquer Região do Pescoço

Principais estruturas:

 

      linfonodos;

      tecido adiposo;

      nervos periféricos;

      tecido muscular;

      tecido fibroso;

      vasos sanguíneos e linfáticos;

      pele.

 

Tumores de Linfonodos Cervicais

Antes de descrever os principais tumores cervicais segundo sua localização no pescoço, é importante lembrar que a rica rede de drenagem linfática cervical desempenha a importante função de conter infecções e neoplasias malignas que acometem a cabeça e o pescoço. A drenagem cervicofacial superficial desemboca nas cadeias profundas, que, por sua vez, deságuam a linfa no sistema venoso. Envolvem todas as estruturas anatômicas do pescoço e, dessa forma, em todos os triângulos cervicais pode haver acometimento dos linfonodos que irá manifestar-se como um tumor cervical.

As linfonodopatias inflamatórias e infecciosas são muito frequentes e, muitas vezes, são a queixa principal, especialmente de crianças. As infecções podem acometer os linfonodos ou se assestar em condições pré-existentes, por exemplo, cisto do ducto tireoglosso.

Quadro com potencial gravidade que precisa de tratamento imediato com ampla drenagem e antibioticoterapia de largo espectro é o que conhecemos por angina de Ludwig. Classicamente, após manipulação dentária, há evolução para abscesso submandibular e no soalho da boca. A coleção de pus nesses espaços cervicais pode causar dificuldade de deglutição ou até obstrução de via aérea (Figura 3).

 

Figura 3: Linfonodopatia reacional necrotizante após infecção de tonsila palatina esquerda (doença de Kikuchi-Fujimoto). Seu diagnóstico diferencial mais importante são as doenças infecciosas.

 

A região cervical é rica em linfonodos que são agrupados em cadeias. Cada cadeia ganglionar drena preferencialmente uma região da cabeça e pescoço, portanto, a localização do linfonodo acometido ajuda a identificar a causa da linfonodopatia. Também é importante observar se o aumento é de apenas um ou de vários linfonodos e se ele é uni ou bilateral. Em crianças, é comum a presença de linfonodos palpáveis de origem inespecífica, que são a causa mais frequente de nódulos cervicais nesse grupo de pacientes. Associados à dor leve, em geral não ultrapassam 3 cm.

Infecções agudas frequentemente manifestam-se com aumento reacional de linfonodos cervicais, sobretudo em crianças e adolescentes. Toxoplasmose, rubéola, mononucleose, citomegalovirose, síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), doença da arranhadura do gato, dentre outras, podem causar linfonodomegalia reacional. A pesquisa sorológica positiva ajuda a elucidar o quadro. Vários linfonodos aumentados e endurecidos geralmente acompanham amigdalites e faringites bacterianas. Além disso, os linfonodos cervicais podem ser sede de doenças fúngicas como a tuberculose.

As doenças linfoproliferativas são doenças de acometimento sistêmico e usualmente existem outros sintomas associados, como febre, adinamia, esplenomegalia e linfonodomegalia em outras regiões do corpo. Também a faixa etária e a ausência de hábitos como tabagismo e etilismo podem ajudar no diagnóstico. Usualmente são múltiplos linfonodos cervicais aumentados, de consistência firme e não aderidos. A citologia pode sugerir o diagnóstico que deve ser confirmado com biópsia excisional de um linfonodo.

Apesar de vários tumores terem capacidade de disseminação linfática e promover metástase em linfonodos cervicais, o mais frequente é o carcinoma epidermoide da mucosa do trato aerodigestivo alto (Figura 4). Outros tumores que, com frequência relativamente alta, também produzem metástases cervicais são os tumores da glândula tireoide (Figura 5), especialmente o carcinoma papilífero e o carcinoma medular.

 

Figura 4: Grande massa na região cervical lateral direita que corresponde à metástase avançada de carcinoma epidermoide de seio piriforme direito, com acometimento da pele (seta): (A) aspecto clínico e (B) tomográfico.

 

Figura 5: Metástases de carcinoma papilífero da glândula tireoide para linfonodos cervicais à direita, em paciente de 22 anos: (A) aspecto clínico, (B) imagem tomográfica e de (C) ressonância magnética em cortes axiais (seta indica um dos linfonodos metastáticos).

 

A localização dos linfonodos comprometidos varia com a do tumor primário que deve ser descrita com precisão no momento do exame físico. Por exemplo, metástases de tumor de assoalho de boca mais frequentemente acometem os linfonodos submandibulares, submentonianos júgulo-carotídeos altos e médios. Já as metástases de tumores da laringe raramente comprometem linfonodos submandibulares ou submentonianos. Nódulo supraclavicular tem maior probabilidade de ser consequente a tumor primário localizado abaixo das clavículas, principalmente câncer de pulmão, mama ou estômago. Normalmente, para a descrição da localização do linfonodo acometido, emprega-se a divisão das cadeias linfáticas em níveis cervicais como mostra a Figura 6.

 

Figura 6: Divisão das cadeias linfáticas cervicais em níveis de I a V.

 

Os diferentes tumores malignos que podem se apresentar clinicamente com metástase cervical têm, por vezes, fatores de risco diversos. A anamnese é importante para a realização do diagnóstico diferencial dessas massas. Por exemplo, os hábitos de fumar e beber, a exposição solar, presença de febre, adinamia, epigastralgia, sangramento nas fezes, dor ou sangramento oral e obstrução nasal são algumas das informações que podem dirigir o raciocínio diagnóstico.

Na suspeita clínica de linfonodo metastático, deve-se evitar sua biópsia excisional, visto que o rompimento dos vasos linfáticos pode ocasionar drenagem anômala e, consequentemente, facilitar o aparecimento de metástases em regiões não usuais e que não são habitualmente tratadas.

Quando a suspeita clínica indica que a estrutura cervical acometida é um ou mais de um linfonodo, a sequência de exames subsidiários que são empregados na definição do diagnóstico é aquela apresentada no Algoritmo 1.

 

Algoritmo 1: Abordagem diagnóstica das linfonodopatias cervicais.

 

Neoplasias do Tecido Adiposo

Os lipomas são neoplasias mesenquimais benignas encapsuladas de células adiposas que geralmente se originam no tecido celular subcutâneo. Podem, por esse motivo, ocorrer em qualquer localização no pescoço, mais comumente acima dos 35 anos de idade. São massas móveis, de consistência fibroelástica e geralmente não causam dor (Figura 7). O tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica. Quando em localizações mais raras, como a retrofaringe, a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética podem auxiliar no diagnóstico.

 

Figura 7: Lipoma em região cervical esquerda: massa de consistência amolecida, que não se move à deglutição.

 

Raramente podem ocorrer lipoblastomas ou lipossarcomas. O lipoblastoma é uma neoplasia benigna de origem no tecido adiposo embrionário, que ocorre quase exclusivamente em crianças. O lipossarcoma é neoplasia maligna do tecido adiposo que acomete doentes entre a 5ª e 7ª décadas de vida. Podem formar tumores de consistência mais firme que os lipomas e gerar metástase principalmente em pulmões e fígado.

A lipomatose simétrica múltipla, chamada de doença de Madelung (Figura 8), também é doença rara, caracterizada por acúmulo de gordura não encapsulada ao redor do pescoço e ombros de pacientes com história de alcoolismo crônico. O diagnóstico é geralmente clínico.

 

Figura 8: Lipomatose simétrica múltipla (doença de Madelung): aspecto clínico e corte axial de tomografia computadorizada mostrando acúmulo de tecido adiposo nas regiões submentoniana e submandibular.

 

Neoplasias de Nervos Periféricos

Devido a sua raridade e variedade de sintomas clínicos, os tumores nervosos periféricos geralmente se apresentam a especialistas de diferentes disciplinas, o que pode resultar em retardo no diagnóstico e variação na conduta. Para o diagnóstico, a história e o exame físico usualmente são complementados com exames de imagem. A investigação com exames eletrofisiológicos não é rotina. A história deve ser direcionada para o local de início, alterações de crescimento da massa, sintomas como dor, adormecimento ou fraqueza e doença similar na família. No exame físico, além de tamanho e consistência da massa, deve-se verificar a presença do sinal de Tinel, que é a presença de choques ou hiperestesia à percussão suave da região acometida. No exame físico geral, deve-se estar atento a outras massas, manchas “café-com-leite” e alterações ósseas. Dos exames de imagem, a tomografia e a ressonância magnética são úteis, sendo a última a mais informativa, pois permite o diagnóstico diferencial com outras neoplasias, como os lipomas.

Os schwannomas ou neurilemomas são as neoplasias neurais mais comuns no adulto, podendo acometer qualquer nervo. São geralmente massas de crescimento lento, diagnosticadas em homens ou mulheres de meia idade. Esses tumores ocorrem quase sempre isolados e, mais raramente, podem fazer parte de síndromes, a neurofibromatose tipo 2, ou schwannomatose.

Neurofibromas, ao contrário dos schwannomas, são tumores não encapsulados. As fibras do nervo passam através do tumor e são frequentemente incorporadas a ele, o que faz com que sua ressecção completa leve a déficits. Podem aparecer isoladamente ou como parte da doença de Von Recklinghausen ou neurofibromatose tipo 1.

A doença de Von Recklinghausen atualmente é classificada apenas como neurofibromatose tipo 1, que tem diferenças genéticas demonstradas em relação à neurofibromatose tipo 2. É uma doença autossômica dominante de penetrância variável que incide em aproximadamente 1:3.000 nascimentos e cerca de metade é devida a novas mutações. Os sinais mais característicos são os neurofibromas associados a manchas “café-com-leite” na pele. Seis ou mais dessas manchas, maiores que 5 mm antes da puberdade ou 15 mm após, são características dessa doença que pode ainda ser acompanhada de gliomas (tumores do sistema nervoso central) ou alterações ósseas. É a síndrome com predisposição mais frequente ao desenvolvimento de câncer e os tumores não se restringem à transformação sarcomatosa das lesões neurais, há também risco aumentado para feocromocitomas, leucemia mieloide crônica juvenil, rabdomiossarcomas, fibrossarcomas, carcinoma epidermoide e tumores carcinoides

Muito raramente, o meningioma extracraniano, de origem na medula espinhal cervical, pode se apresentar como massa no pescoço.

 

Tumores do Tecido Muscular

Rabdomioma, que é neoplasia benigna do tecido muscular esquelético, pode originar tumor na região cervical. O assim chamado rabdomioma extracardíaco, classificado histologicamente como adulto e fetal, apresenta predileção pela região de cabeça e pescoço (aproximadamente 90% dos casos), especialmente o trato aerodigestivo (faringe, laringe e cavidade oral) ou região submandibular e espaço parafaríngeo. As formas fetal e adulta diferem em relação à faixa etária acometida: o fetal ocorre em crianças com faixa etária geralmente abaixo dos 3 anos e o adulto é mais comum na 5ª década, mostrando predileção pelo sexo masculino. Apresentam-se como massa fibroelástica indolor, bem delimitada, associadas ou não a sintomas compressivos. Os exames subsidiários de imagem e citológico auxiliam no diagnóstico diferencial.

Rabdomiossarcomas, que são tumores malignos do músculo estriado, ocorrem na cavidade orbital e região parameníngea de crianças, mas podem muito raramente promover massa cervical, sendo chamados de não parameníngeos. Já foram descritos acometendo as estruturas da região submandibular e laringe.

Menos de 1% dos leiomiomas, que são neoplasias benignas do tecido muscular liso, podem ocorrer na região da cabeça e do pescoço. A origem desse tumor seria a partir do músculo liso da parede dos vasos sanguíneos ou do músculo eretor do pelo, chamado neste caso de leiomioma cútis. Apresentam-se como nódulo indolor e de consistência firme.

Neonatos com tumores do músculo esternocleidomastoideo apresentam-se como massas cervicais que usualmente não aparecem ao nascimento, mas por volta da 1ª a 8ª semana de idade. Ao estudo anatomopatológico, a massa é caracterizada por um tecido fibroso denso na ausência de músculo estriado normal. A verdadeira etiologia dessa lesão, também conhecida como torcicolo congênito, é incerta, entretanto, trauma de parto, isquemia muscular e mau posicionamento intrauterino podem explicá-la. A maioria dos pacientes é primogênita. O torcicolo congênito apresenta-se como uma massa firme, dolorosa, discreta e fusiforme, dentro do esternocleidomastoideo, que lentamente regride de tamanho dentro de 2 ou 3 meses, e continua a regredir até os 8 meses. A massa desaparece em mais de 80% dos casos, portanto recomenda-se apenas fisioterapia.

 

Tumores Derivados do Tecido Fibroso

Podem ser causa de massa cervical os tumores derivados do tecido fibroso. Podem ser benignos, como os fibromas, que se manifestam como nódulos endurecidos, ou malignos, como o fibrossarcoma e o dermatofibrossarcoma protuberans, que é uma massa sólida, indolor, de coloração azulada, que acomete principalmente adultos jovens.

 

Linfangioma

São malformações congênitas dos vasos linfáticos, mais comuns na região cervical, e 90% são diagnosticadas até os 2 anos de idade.

Apresentam-se como massas indolores, amolecidas, mal delimitadas e de tamanhos variáveis (Figura 9), que podem ter transluminação presente. Nas grandes massas, a compressão de estruturas adjacentes pode desencadear sintomas. Tomografia computadorizada ou ressonância magnética são exames úteis para delimitação da extensão dessas lesões.

 

Figura 9: Linfangioma de região cervical lateral direita: massa indolor, amolecida e mal delimitada em triângulo carotídeo superior e occipital.

 

Os linfangiomas têm sido classificados em 3 grupos: 1) linfangiomas simples, que são constituídos de capilares finos; 2) linfangiomas cavernosos, que são compostos de espaços linfáticos dilatados e seu tecido linfoide pode permear outros tecidos, especialmente músculos; 3) higroma cístico, que contém cistos linfáticos com milímetros até centímetros de diâmetro.

 

Hemangioma

São anormalidades do desenvolvimento vascular, geralmente diagnosticados até os 6 meses e que, por vezes, regridem espontaneamente até os 7 anos de idade.

O diagnóstico é simples nas lesões que se manifestam na pele, mas pode ser mais complexo em lesões profundas. Usualmente apresenta-se como uma massa depressível que pode ocasionar alterações da coloração da pele da região e que pode aumentar de volume durante esforços, como o choro. A ultrassonografia, a tomografia e a ressonância magnética podem auxiliar o diagnóstico, assim como delimitar a extensão da lesão.

A conduta é expectante, sempre que possível. Quando há comprometimento de funções, por exemplo, a respiração, a ressecção cirúrgica está indicada. A retirada completa pode ser difícil em vista do possível componente infiltrativo dessas lesões e pode haver sangramento importante durante o procedimento, que pode por em risco a vida do paciente.

Além disso, a região do pescoço pode ser sede de tumores malignos derivados dos vasos sanguíneos como o angiossarcoma (Figura 10), hemangiopericitoma, sarcoma de Kaposi.

 

Figura 10: Angiossarcoma de região submentoniana.

 

Massas Traumáticas

Trauma como causa de massa cervical persistente é incomum, podendo ser decorrente de lesão em vasos, nervos ou musculatura. Hematoma pode ser diagnosticado com exames de imagem (tomografia ou ultrassonografia).

Pseudoaneurismas aparecem em pacientes com história de trauma. Neuromas podem ser decorrentes de trauma cervical invasivo ou pós-cirúrgico.

 

Tumores Cutâneos

Dentre os tumores da pele que podem promover nódulo ou massa cervical encontram-se o cisto sebáceo, também chamado de cisto epidérmico ou queratinoso. Ocorre mais comumente em adolescentes e adultos jovens e manifesta-se como um nódulo de crescimento lento, abaixo da superfície da pele, preenchido com material gorduroso, branco e semissólido, de odor forte e característico, chamado sebum. O cisto sebáceo é macio ao toque, de tamanho variado e geralmente de formato redondo. Pode tornar-se infectado ou romper-se para o exterior. Trauma na pele ou bloqueio das glândulas sebáceas pode causar o cisto sebáceo. A ultrassonografia auxilia no seu diagnóstico.

O pilomatrixoma é um tumor sólido de características benignas, que se desenvolve a partir da matriz de folículos pilosos. Usualmente ocorre em crianças e manifesta-se como nódulo superficial firme, de crescimento lento, solitário e indolor. Exames que podem ser realizados para seu diagnóstico são a ultrassonografia e a punção aspirativa por agulha fina.

 

Tumores mais Comuns em cada Triângulo Cervical

Triângulo Submandibular

Principais estruturas:

 

      glândula salivar submandibular;

      linfonodos.

 

As sialadenites são processos inflamatórios da glândula submandibular que podem ser agudos ou crônicos, infecciosos ou não.

A sialadenite bacteriana aguda apresenta-se como abaulamento na região submandibular, com dor local e saída de secreção purulenta pelo ducto de Wharton à expressão da glândula. Muito frequentemente está associada à sialolitíase, que é comum na glândula submandibular, uma vez que o ducto de Wharton é longo e tortuoso. Neste caso, a palpação bidigital do soalho da boca do mesmo lado pode permitir a identificação do cálculo.

Ao longo do tempo, ocorre alteração crônica do parênquima glandular que pode ser constatada pelo exame ultrassonográfico da região. A tomografia computadorizada também evidencia a glândula alterada, bem como o cálculo presente no ducto glandular.

Neoplasia de glândula salivar deve ser considerada sempre que houver abaulamento sólido no espaço submandibular (Figura 11).

 

Figura 11: Tumor da glândula submandibular esquerda.

 

As lesões benignas em glândulas salivares são usualmente assintomáticas. A paralisia do ramo mandibular do nervo facial e a fixação na pele sugerem processo maligno.

Ultrassonografia, tomografia computadorizada e punção aspirativa podem ser realizadas para confirmar a origem glandular da lesão, fazer o diagnóstico diferencial de linfonodopatia e auxiliar a planejar o tratamento cirúrgico. Uma vasta gama de possibilidades histológicas já foi descrita: adenoma pleomórfico é a mais comum das neoplasias benignas; carcinoma mucoepidermoide, adenoide cístico, ex-adenoma pleomórfico, de células mioepiteliais, adenocarcinoma são os tumores malignos mais frequentes.

 

Triângulo Submentoniano

Principais estruturas:

 

      linfonodos;

      malformações congênitas.

 

Cisto dermoide e teratoma são alterações de desenvolvimento de células pluripotentes.

Os teratomas ocorrem em 1:4.000 nascimentos e menos de 10% desses fica na cabeça e no pescoço. São lesões de desenvolvimento que contêm elementos tissulares das três camadas germinativas. As células encontradas nessa lesão contêm elementos tissulares em qualquer estágio de diferenciação e, quando as células são totalmente imaturas, pode existir malignidade, apesar de ser pouco usual. São raros na cabeça e pescoço, compreendendo 3,5% de todos os teratomas. Em outras regiões do corpo, a relação mulher-homem é de 6:1 e na cabeça e pescoço é semelhante. Geralmente apresentam-se como uma massa no pescoço descoberta ao nascimento e raramente após o primeiro ano de vida. O diagnóstico intraútero pode ser feito pela ultrassonografia quando uma massa cervical de ecogenicidade mista é demonstrada, deslocando a via aérea posteriormente.

Algumas vezes causam sintomas de compressão, com obstrução de vias aéreas superiores acompanhada de estridor, cianose e dispneia. Podem causar também disfagia secundária a compressão do esôfago. Radiografias revelam uma massa de partes moles com espículas calcificadas em 50% dos casos, a traqueia e o esôfago estão sendo deslocadas posteriormente e podem estar associadas a atelectasia pulmonar.

À tomografia computadorizada, apresentam-se como lesões encapsuladas, parcialmente císticas e calcificações podem ser vistas.

Histologicamente são compostas por mistura de elementos do ectoderma, mesoderma e endoderma.

O cisto dermoide apresenta estruturas derivadas do ectoderma e do mesoderma e provém de epitélio retido durante a embriogênese ou por implantação traumática. Consistem de uma cavidade formada por epitélio e preenchida por apêndices de pele. Tipicamente apresentam-se como massas em linha média do pescoço, frequentemente em região submentoniana, mas, além do pescoço, podem ser encontrados na órbita, nasofaringe e cavidade oral. Movem-se com o deslocamento da pele, são indolores a não ser quando infectados. Ao contrário dos cistos do ducto tireoglosso, não se movem com a protrusão da língua.

 

Triângulo Carotídeo Superior

Principais estruturas:

 

      corpo carotídeo;

      linfonodos;

      malformações congênitas (cisto branquial).

 

Paraganglioma é neoplasia originária dos corpos paragangliônicos do sistema nervoso autônomo. Os paragânglios são microscópicos e possuem células T granulares que contêm catecolaminas e células satélites parecidas com as de Schwann, que são de origem neuroectodérmica.

Em cabeça e pescoço, são mais frequentes os paragangliomas na região do corpo carotídeo, região júgulo-timpânica e do nervo vago, mas podem aparecer em outras regiões. Raramente são secretores de catecolaminas, o que faz com que a pesquisa de secreção anormal de substâncias vasoativas só seja realizada se houver suspeita clínica. Os paragagliomas são classicamente benignos, mas até 10% podem ser malignos. Esse diagnóstico é realizado pela presença de metástase em linfonodos cervicais, ou de disseminação hematogênica.

Multicentricidade ocorre em aproximadamente 10 a 15% dos pacientes e pode atingir até 50% dos casos familiares.

A apresentação clínica dos paragangliomas depende do local de origem. Os primeiros sintomas usualmente são os de disfunção do nervo, no caso, rouquidão ou disfagia. Quando não diagnosticados, novos sintomas que dependem da localização do tumor aparecem com o crescimento. Por exemplo, tumores grandes na região do forame jugular podem acarretar disfunção dos nervos glossofaríngeo e espinal acessório.

Seu diagnóstico baseia-se na clínica e em exames de imagem, principalmente ultrassonografia com Doppler, tomografia computadorizada contrastada, ressonância magnética ou angiorressonância e arteriografia.

Com a suspeita de paraganglioma, não deve ser realizada biópsia, mesmo que por punção com agulha fina, devido ao alto risco de sangramento intenso.

O paraganglioma de corpo carotídeo, também conhecido como quimiodectoma, apresenta como sintoma mais frequente massa cervical lateral, pulsátil e móvel no sentido laterolateral, mas não no craniocaudal.

O achado de lesão que capta contraste na região da bifurcação carotídea e que afasta a artéria carótida interna da externa é característico, mas tumores vasculares em qualquer região do espaço faríngeo podem corresponder a paraganglioma. Os exames de imagem também auxiliam na investigação de múltiplas lesões, mas a informação mais importante é a extensão da lesão, especialmente cranial, para que se possa programar corretamente a completa excisão cirúrgica, que é o tratamento preferencial.

Cistos branquiais são anomalias de desenvolvimento do aparelho branquial que, quando se abrem para a pele ou para o aparelho digestivo, formam as chamadas fístulas branquiais.

Atualmente entendemos que os arcos branquiais começam a se desenvolver no início da 4ª semana gestacional, à medida que as células da crista neural migram para a futura região da cabeça e pescoço. De cada lado da extremidade cefálica formam-se depressões externas e correspondentes bolsas internas. No final da 4ª semana, 4 pares de arcos branquiais são visíveis externamente, o 5º e 6º arcos não são vistos na superfície. Os arcos são separados uns dos outros por nítidas fendas, chamadas sulcos branquiais.

Os cistos são mais frequentes que as fístulas, ocorrem indistintamente em relação ao lado do pescoço e ao sexo e nem sempre são evidentes logo ao nascimento, por não apresentarem ainda um conteúdo líquido que os distenda. Podem se desenvolver em qualquer fase da vida, mais comumente antes dos 40 anos.

As anormalidades do 2º arco são as mais comuns. Localizam-se na borda anterior do músculo esternocleidomastoideo e seu trajeto é anterior à artéria carótida interna. Frequentemente o diagnóstico se faz pelo aumento de volume com sinais inflamatórios após episódio de infecção de vias aéreas superiores. Quando infectados, os cistos podem supurar e dar origem a uma fístula secundária. Defeitos dos demais arcos branquiais são bastante raros.

O diagnóstico das anomalias branquiais é clínico e o exame de imagem usado para sua confirmação é a ultrassonografia. Se ainda houver dúvida diagnóstica, deve se proceder à punção aspirativa com agulha fina. Líquido claro ou leitoso rico em cristais de colesterol é característico, porém não patognomônico, de cisto branquial.

Em casos de fístulas, exame radiológico após a injeção de contraste pelo orifício externo pode ajudar a definir sua extensão e trajeto. Tomografia computadorizada e ressonância magnética são usualmente desnecessárias na avaliação dessas afecções.

No caso de fístulas, pode-se injetar corante no ato operatório para facilitar sua identificação.

 

Triângulo Carotídeo Inferior

Principais estruturas:

 

      glândula tireoide;

      glândula paratireoide;

      malformações congênitas;

      laringe, traqueia e esôfago.

 

A glândula tireoide, de formato bilobado, situa-se transversalmente na região cervical, logo abaixo da margem inferior da cartilagem cricoide e abraça as faces anterior e laterais dos primeiros aneis da traqueia.

O diagnóstico das doenças tireoideas é principalmente clínico. Nódulos tireoideos, quando palpáveis (Figura 12), são classicamente móveis à deglutição, ou seja, acompanham o movimento de subida e descida da laringe.

 

Figura 12: Portadora de doença de Basedow-Graves: abaulamento cervical anterior, que se estende para região lateral do pescoço bilateralmente e causa apagamento da borda anterior do músculo esternocleidomastoideo. A massa era móvel à deglutição.

 

Qualquer aumento do volume da glândula tireoide, de origem não inflamatória ou neoplásica, é chamado de bócio. São muito mais frequentes nas mulheres e entre os 20 e 50 anos de idade. Na maioria das vezes, tem crescimento lento e quando atinge grandes dimensões, embora raramente, pode associar-se a sintomas compressivos do trato aerodigestivo, como disfagia e dispneia (Figura 13). Além disso, pode insinuar-se através do estreito torácico superior sendo chamado de bócio mergulhante (Figura 14), o qual não permite a individualização de seu limite inferior à palpação. Quando comprime os troncos venosos, desenvolve nítida estase da jugular à elevação de ambos os membros superiores (sinal de Marañon).

 

Figura 13: Corte axial de tomografia computadorizada de paciente com bócio gigante que promove desvio da via aérea para direita (seta).

 

Figura 14: (A) Radiografia de tórax anteroposterior mostrando desvio de traqueia (seta) para direita por bócio compressivo e mergulhante. (B) Tomografia computadorizada de pescoço e tórax (corte coronal) em portador de bócio mergulhante.

 

Outras doenças benignas que podem acometer a glândula tireoide são as tireoidites e o adenoma folicular, que é uma neoplasia benigna. A tireoidite de Hashimoto é a doença tireoidea mais comum.

A associação com hipertireoidismo confere características clínicas ligadas ao hipermetabolismo, como taquicardia, intolerância ao calor, sudorese excessiva, astenia, perda de peso com aumento do apetite, diarreia, nervosismo e insônia. Ocorrem na doença de Plummer (bócio uni ou multinodular tóxico autônomo) ou na doença de Graves (bócio difuso tóxico) que, além disso, apresenta exoftalmia e edema pré-tibial.

Clinicamente, a diferença entre lesão tireoidea benigna e maligna depende bastante do comportamento evolutivo. O quadro de rouquidão iniciada sem motivo aparente, acompanhada de paralisia da prega vocal, do mesmo lado do nódulo, leva a suspeita de malignidade. Outro sinal de alerta é a linfonodomegalia júgulo-carotídea satélite. Aumenta a suspeita se houver história de câncer tireoideo na família ou de prévia irradiação no pescoço.

Alguns exames, tidos no passado como muito úteis, tal como a cintilografia, feita com iodo ou tecnécio, tiveram a importância bastante reduzida apesar de ainda serem úteis em situações especiais, como o hipertireoidismo associado a nódulos tireoideos (Figura 15). A ultrassonografia e a punção aspirativa de agulha fina assumem hoje papel fundamental. Tomografia computadorizada e ressonância magnética servem para refinar a avaliação de bócio intratorácico. Exames séricos com dosagem de TSH, T4, T3 e anticorpos antitireoideos auxiliam no diagnóstico funcional e das tireoidites.

 

Figura 15: Cintilografia da glândula tireoide com iodo marcado em caso de adenoma autônomo: concentração do radiofármaco em nódulo de lobo direito, com hipocaptação no restante do tecido tireoideo.

 

As neoplasias malignas primárias da glândula tireoide são originadas de tireócitos ou das células C, parafoliculares. As primeiras são os carcinomas foliculares, papilíferos e anaplásicos. As parafoliculares são os tumores medulares que podem aparecer isolados ou associados em síndromes de neoplasias endócrinas múltiplas tipo II (NEM).

Os carcinomas papilífero e folicular são qualificados, em conjunto, como diferenciados e correspondem a 90% dos carcinomas primários da glândula tireoide. O indiferenciado ou anaplásico é raro, extremamente agressivo, resistente às tentativas terapêuticas e recidiva rápido após tireoidectomia total. Há casos em que traqueostomia é o único recurso útil, por certo tempo.

Raramente a tireoide abriga metástases provenientes de outros órgãos. Rim, pulmão e mama são os sítios primários mais citados.

As glândulas paratireoides, também podem manifestar-se como nódulos palpáveis na região cervical, que é um sinal fortemente indicativo de neoplasia epitelial maligna primária, o raro carcinoma de paratireoide, as vezes denominado adenocarcinoma (Figura 16).

 

Figura 16: Aspecto clínico de carcinoma de paratireoide inferior esquerda (nódulo no triângulo carotídeo inferior).

 

Trata-se de neoplasia muito rara, de início unifocal, que, de norma, tem progressão lenta e tendência a invadir órgãos contíguos ou desenvolver metástases tardias por via linfática e hematogênica. Quase sempre o carcinoma paratireoideo aumenta o nível de secreção do paratormônio (PTH) e provoca o hiperparatireoidismo, que resulta na elevação do cálcio sérico. Parece, porém, haver certo gradiente de malignidade nessa apresentação clínica e existem, mesmo, referências à discutida forma de carcinoma de paratireoide não produtora de PTH que seria extremamente rara e o mais agressivo tipo de câncer paratireoideo.

O carcinoma da paratireoide apresenta-se isolado, mas pode se associar à hiperplasia primária difusa das paratireoides e a neoplasia endócrina múltipla.

Quanto ao quadro clínico, podem ser encontrados os mesmos sinais e sintomas ósseos, renais, neuromusculares e gerais dos outros tipos de hiperparatireoidismo primário. Destacam-se instabilidade do humor, irritabilidade, ansiedade, que melhoram com o tratamento do hiperparatireoidismo. A maior velocidade da evolução esperada não se associa comumente à crise hipercalcêmica. A recorrência pode manifestar-se por invasão de estruturas contíguas ou, em 30% dos casos, pelo desenvolvimento de metástases locorregionais e hematogênicas. Para diagnóstico são realizados exames de imagem como ultrassonografia, ressonância nuclear magnética e cintilografia com sestamibi-99mTc (Figura 17), e dosagem de cálcio e paratormônio.

 

Figura 17: Cintilografia das paratireoides com sestamibi-99mTc duas horas após a injeção do radiofármaco. Observa-se concentração do radiofármaco nas 4 paratireoides (setas) em um caso de hiperparatireoidismo secundário.

 

Além do cisto dermoide já descrito anteriormente nesse capítulo, o cisto do ducto tireoglosso também é malformação congênita que pode ocorrer nesse triângulo cervical.

O ducto tireoglosso corresponde ao trajeto de descida da glândula tireoide para o pescoço, a partir da língua. Normalmente se atrofia e desaparece completamente. Quando há persistência de segmentos desse canal, pode haver a secreção e descamação do epitélio para a luz e provocar o aparecimento de lesão usualmente ovalada, fibroelástica na linha mediana do pescoço. Embriologicamente, o ducto tireoglosso pode atravessar o osso hioide e, mais frequentemente, os cistos ocorrem logo abaixo deste.

Clinicamente, os cistos aparecem indistintamente em homens e mulheres e, com mais frequencia, antes dos 40 anos de idade. Por vezes, existe a história de infecção de vias aéreas antecedendo o aparecimento do cisto. Isto se dá porque a infecção leva a hiperplasia do tecido linfoide, o que pode obstruir o orifício de drenagem do cisto na base da língua.

Os cistos aparecem como nódulos na linha mediana anterior do pescoço que podem ter períodos de distensão e de esvaziamento (Figura 18). São móveis à deglutição e é característica a mobilidade craniocaudal à protrusão da língua, observada durante a abertura da boca com o pescoço em extensão, chamado sinal de Sistrunk.

 

Figura 18: Cisto de ducto tireoglosso: nódulo na linha média anterior, próximo à região do osso hioide, móvel à deglutição e à protrusão da língua (sinal de Sistrunk).

 

O diagnóstico é clínico e pode ser comprovado com a ultrassonografia. Esse exame, além de confirmar as características císticas do nódulo em questão, evidencia a glândula tireoide e possibilita o diagnóstico diferencial com anomalias da formação dessa glândula ou nódulos em seu istmo ou pirâmide.

Quando ainda houver dúvida diagnóstica, a citologia com material obtido por punção aspirativa com agulha fina deve ser solicitada.

A distopia tireoidiana ou tireoide ectópica é rara e pode ocorrer na base da língua. O diagnóstico é mais comumente realizado na puberdade quando há aumento fisiológico do tamanho da glândula, que pode acarretar disfunções de deglutição e respiração. O exame cintilográfico com iodo permite o diagnóstico. Devem-se corrigir eventuais distúrbios hormonais e a conduta em relação à massa é expectante, se não houver sintomas. Se persistirem sintomas após a adequação hormonal, deve-se considerar o tratamento com cirurgia ou iodo radioativo.

O timo desenvolve-se da terceira bolsa faríngea e desce até o tórax. Um implante de tecido tímico ao longo desse trato descendente pode resultar num cisto tímico no pescoço. Quase todos são unilaterais (mais comumente à esquerda que à direita) e são de consistência cística em 90% dos casos.

Tipicamente apresenta-se como uma massa assintomática, na região baixa do pescoço, que pode tornar-se dolorosa se infectada ou se rapidamente aumentar de tamanho. Devemos ainda considerar a possibilidade de essa massa tratar-se de um timoma ou raramente um linfossarcoma tímico. A tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética ajudam a diferenciá-lo do higroma cístico que é frequentemente múltiplo. O diagnóstico é confirmado pela presença de corpúsculos de Hassall nos cortes histológicos.

Tumores malignos originados nas estruturas da laringe, quando em fase avançada, podem promover nódulos ou massas cervicais palpáveis no triângulo carotídeo inferior. Geralmente, antes de se tornarem palpáveis, já conferem alguns sinais e sintomas como dispneia, estridor, disfonia e disfagia.

Dentre as neoplasias benignas e malignas que podem acometer esse órgão, destacam-se o carcinoma epidermoide que ocorre em 95% dos casos de câncer da laringe, mais comumente entre a 5ª e a 7ª décadas de vida e está intimamente associado ao tabagismo. Outros tumores são aqueles de origem em glândulas salivares menores, além de outras entidades mais raras, como osteocondromas, condrossarcomas, fibrossarcomas e rabdomiossarcomas.

A laringocele, que é a dilatação anormal do sáculo do ventrículo de Morgani da laringe, localizada entre a falsa prega vocal e a face interna da cartilagem tireoide, pode cursar com abaulamento cervical associado à rouquidão e até mesmo à obstrução de vias aéreas superiores. É mais comum em homens na 6ª década de vida. Exames endoscópicos podem auxiliar no diagnóstico.

A traqueia também pode dar origem a nódulo cervical, como o chamado cisto branquial ou broncogênico. Apresenta-se como nódulo arredondado, fibroelástico, próximo à fúrcula esternal e é assintomático, a não ser que se torne infectado.

Divertículos faringoesofágicos (Zenker) podem cursar como abaulamento cervical inconstante, associado a disfagia, regurgitação e halitose, principalmente nos indivíduos da 7ª e 8ª décadas de vida. Exames de imagem com contraste administrado por via oral podem evidenciar a lesão (Figura 19).

 

Figura 19: Radiografia da região cervical, com contraste administrado por via oral, mostrando um divertículo de Zenker.

 

Triângulo Occipital

Principais estruturas:

 

      linfonodos;

      neoplasia do tecido adiposo;

      neoplasia dos nervos periféricos;

      neoplasia do tecido muscular;

      tumores ósseos / cartilaginosos.

 

Com exceção dos tumores ósseos, as principais lesões das demais estruturas encontradas no triângulo occipital são as mesmas descritas anteriormente em outras regiões.

Os tumores ósseos benignos da coluna cervical conferem dificuldade no diagnóstico e escolha do melhor tratamento devido a sua raridade e principalmente por sua localização delicada. São mais frequentes na 1ª e 2ª décadas de vida e apresentam quadro clínico inicial que pode se caracterizar por dor, torcicolo, rigidez e, mais raramente, déficit neurológico ou massa palpável no pescoço. O diagnóstico nem sempre é feito só pela radiografia simples, sendo necessários exames complementares como a cintilografia óssea e a tomografia computadorizada. Possibilidades histológicas mais frequentes são osteoblastoma, osteoma osteoide, tumor de células gigantes, cisto ósseo aneurismático e osteocondroma. O diagnóstico definitivo é feito por biópsia óssea pela punção ou cirurgia aberta.

Os tumores ósseos malignos que acometem a coluna cervical são basicamente os metastáticos. O quadro clínico e os exames subsidiários são semelhantes àqueles descritos para os tumores ósseos benignos.

 

Triângulo Supraclavicular

Principais estruturas:

 

      linfonodos.

 

Como já foi descrito, os nódulos supraclaviculares têm maior probabilidade de serem consequentes a tumores primários localizados abaixo das clavículas, principalmente câncer de pulmão, estômago e de mama. Mas podem abrigar também neoplasias metastáticas provenientes das regiões da cabeça e do pescoço, como o carcinoma epidermoide de vias aerodigestivas superiores, glândulas tireoide e salivares.

 

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