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Cervicalgia e Lombalgia

Autor:

Lissiane Karine Noronha Guedes

Médica Assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP.

Última revisão: 02/07/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

A cervicalgia e a lombalgia são os quadros dolorosos mais comuns da coluna vertebral. Constituem a 2ª queixa de dor no homem adulto, perdendo apenas para os quadros de cefaleia.

A cervicalgia é a dor no seguimento cervical da coluna. Afeta cerca de 50% dos indivíduos em algum momento da vida e apresenta predileção pelo sexo feminino.

A lombalgia, por sua vez, é a dor no seguimento lombar da coluna. Afeta de 65 a 85% da população mundial ao longo dos anos. Corresponde a 3ª causa mais comuns de afastamento do trabalho, a 5ª de internação hospitalar e a 3ª de procedimentos cirúrgicos.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

Etiologia

As dores cervicais e lombares apresentam múltiplas causas já bem definidas. Porém, a real causa da dor não é diagnosticada em um grande número de pacientes, mesmo após vasta investigação clínica/laboratorial e por imagens. Por exemplo, nas lombalgias, apenas 25 a 30% dos pacientes recebe um diagnóstico anatomopatológico provável. A grande maioria constitui, ainda, as chamadas cervicalgias/lombalgias comuns, idiopáticas ou inespecíficas.

Para fins didáticos, podemos classificar as causas de dor em primárias e secundárias. Primárias se fatores locais envolvendo a estrutura da coluna levam à dor, e secundárias se fatores à distância ou não próprios da coluna são os responsáveis pela dor. Podemos ainda dividir as causas em: mecânico-degenerativas (primárias), não mecânicas, psicogênicas, psicossomáticas ou referidas (secundárias). (Tabela 1).

 

Tabela 1: Classificação das causas de lombalgia e cervicalgia

Primárias

Mecânico-degenerativas

Biomecânicas: relacionadas às alterações biomecânicas da unidade funcional espinhal. Há substrato anatomopatológico determinado para a dor (p. ex.: discopatias e osteoartrite).

Lombalgia/cervicalgia comum ou idiopática e distensões musculares: caráter mecânico, sem irradiação ou com irradiações atípicas, e sem alterações anatomopatológicas determinadas (p. ex.: torcicolos, síndromes miofasciais).

Secundárias

Não mecânicas

Inflamatórias: doença vertebral inflamatória de origem sistêmica (p. ex.: espondilite anquilosante).

Infecciosas: discite infecciosa.

Neoplásicas: metástases.

Metabólicas ou relacionadas a doenças sistêmicas: hiperparatireoidismo, ocronose e osteomalácia.

Psicossomáticas ou psicogênicas e dores referidas:

Psicogênicas: a dor é percebida no córtex cerebral, sem estar associada à alteração anatômica local ou sistêmica (p. ex.: fibromialgia, transtornos conversivos, depressão, histeria etc).

Dores referidas: a lesão está em outros sítios que não a coluna (p. ex.: pode ser uma dor referida neurogênica de um infarto do miocárdio, dor viscerogênica como em uma vasculite de carótidas ou espasmo esofágico, e pode ser somática como em um herpes zoster).

 

Causas Mecânico-degenerativas

São relacionadas a alterações da biomecânica na unidade funcional espinhal (UFE), que é a menor unidade de movimento vertebral, constituída por 1 par de vértebras adjacentes, duas articulações sinoviais (zigoapofisárias ou facetárias) e o complexo disco-ligamentar-muscular.

 

1.    Alterações discais

São causas comuns de disfunção mecânica da UFE (85% das causas mecânicas de lombalgia), pois o disco tem a importante função de absorver os impactos e as pressões sofridas pela coluna. Com o seu mau funcionamento, as pressões recebidas se deslocam para outros pontos e estruturas não habilitadas, gerando, assim, lesões permanentes, inflamação e dor.

As alterações discais mais comumente encontradas são discopatias e abaulamentos ou herniações. As discopatias englobam a desidratação discal, as fissuras e as rupturas discais. A desidratação discal é causada pelas alterações dos níveis de proteoglicanos e diminuição de água no núcleo pulposo. As fissuras são lacerações concêntricas do ânulo fibroso, e as rupturas, lacerações radiais. Os abaulamentos e herniações são alterações do contorno discal. Se globais, são chamadas de abaulamentos; se focais, de hérnias.

 

2.    Alterações osseocartilaginosas e capsuloligamentares (10 a 15% das causas mecânicas de lombalgia)

São aquelas que podem acometer a face intervertebral ou platô vertebral, as articulações zigoapofisárias e o complexo capsuloligamentar vertebral, e devem-se mais comumente à osteoartrite.

Na osteoartrite vertebral, inicialmente há lesão cartilaginosa e de osso subcondral. Em estágios mais avançados, há a formação de osteófitos nos platôs vertebrais ou nas articulações zigoapofisárias, podendo haver, desse modo, distensão da cápsula articular, sinovite ou derrame articular, formação de cistos sinoviais e espessamento com pregueamento do ligamento amarelo. Todas estas alterações crônicas podem levar à redução do canal medular ou dos forames de conjugação e a manifestações de estenose de canal vertebral ou a radiculopatias. Além disso, osteoartrite e discopatias podem levar ao desalinhamento vertebral, como consequência da degeneração ligamentar e óssea. O deslizamento vertebral anterior é chamado de espondilólise e pode vir acompanhado de espondilolistese (fratura) da pars interarticularis, ou seja, do istmo entre as articulações interapofisárias que mantém a estabilidade vertebral no plano sagital.

 

3.    Lombalgia/cervicalgia idiopática

É hoje também denominada de lombalgia/cervicalgia comum, inespecífica ou distensão muscular: tem caráter mecânico, porém sem alterações precisas nos exames de imagem que lhes confira um alvo de alteração anatomopatológica na UFE. Algumas vezes, encontramos, ao exame físico, apenas pontos miofasciais na musculatura (triggers points) ou contraturas. Acredita-se que é uma forma anatomoclínica inicial da causas de natureza mecanicodegenerativas.

 

Causas Não mecânicas

Entre elas, podemos citar os processos inflamatórios, infecciosos, neoplásicos e metabólicos da coluna.

 

1.    Doenças inflamatórias

As espondiloartropatias são caracteristicamente um tipo de doença autoimune inflamatória que afeta o esqueleto axial nas ênteses (pontos de inserção de ligamentos e tendões ao esqueleto) e que também podem afetar as articulações sacroilíacas, assim como as grandes articulações dos membros inferiores.

A artrite reumatoide, que também é uma doença autoimune sistêmica, pode acometer a coluna cervical no segmento C1-C2, em 34 a 42% dos casos, determinando subluxação atlantoaxial.

 

2.    Processos infecciosos

Normalmente tem origem no disco intervertebral e são chamados de espondilodiscites, porém podem se estender para as vértebras e tecidos adjacentes com gravidade. Os microrganismos podem atingir a coluna vertebral por via hematogênica, linfática ou por contiguidade (inoculação direta).

 

3.    Tumores

São mais comumente metástases nos corpos vertebrais de carcinomas de pulmão, mama, próstata, rins, tireoide e cólon. O mieloma e a leucemia também podem envolver as vértebras, e todos normalmente levam a sintomas por compressão neurológica ou por fraturas patológicas. Os tumores primários benignos mais comuns da coluna são hemangiomas, cistos ósseos aneurismáticos, osteoma osteoide, osteoblastoma e osteocondroma. Os malignos são osteossarcoma, condrossarcoma, sarcoma de Ewing, linfoma, plasmicitoma e cordoma.

 

4.    Doenças metabólicas ou repercussão de outras doenças sistêmicas

Entre as causas não mecânicas, há uma série de outras doenças sistêmicas que podem levar à dor na coluna. P. ex.: doenças osteometabólicas (osteoporose e hiperparatiroidismo) que normalmente são dolorosas por acometerem estruturas intra ou extrarraquidianas adjacentes, ou por levarem a fraturas.

 

Causas Psicogênicas ou Psicossomáticas e Dores Referidas

1.    Causas psicogênicas e psicossomáticas

A dor é percebida no córtex cerebral, sem estar associada à alteração anatômica local ou sistêmica, geralmente de caráter difuso, descrição imprecisa ou punitiva e forte associação com desencadeantes emocionais. P. ex.: fibromialgia, depressão, histeria etc. A anamnese é a principal arma diagnóstica e os exames complementares e físicos são normais.

2.    Dores referidas

A lesão está em outros sítios que não a coluna. Por exemplo, pode ser uma dor referida neurogênica de um infarto do miocárdio, dor viscerogênica como em uma vasculite de carótidas, espasmo esofágico ou pode ser somática, como em um herpes zoster.

 

Fisiopatologia

É complexa e ainda pouco compreendida. Nas causas mecanicodegenerativas e não mecânicas, seu desenvolvimento ocorre primariamente por meio da instalação de forças anormais sobre a coluna (alterações discais, alterações osseocartilaginosas e alterações capsuloligamentares). Esta biomecânica alterada gera novas lesões locais, que liberam mediadores de inflamação, principalmente dos discos vertebrais. Os mediadores então estimulam nociceptores, encontrados nas articulações sinoviais, no núcleo fibroso do disco intervertebral, nos ligamentos paravertebrais ou nos vasos e nervos protegidos pela estrutura óssea da coluna.

As causas psicogênicas ou psicossomáticas têm a fisiopatologia ainda menos clara e o que se infere até agora é que a dor é percebida no córtex cerebral.

 

ACHADOS CLÍNICOS

Avaliação clínica detalhada, anamnese e exame físico devem ser os instrumentos iniciais de avaliação de todo o paciente com dor na coluna.

 

História Clínica

Caracterização do Paciente

Sempre pesquisar características básicas como idade, sexo, raça, peso corpóreo, situação ocupacional (profissão/situação trabalhista), hábitos e vícios (atividade física, fumo), perfil psíquico e estado civil. Estes dados são importantes, pois com eles podemos determinar grupos de risco para determinadas doenças da coluna. Por exemplo, sabemos que as estenoses de canal vertebral ocorrem mais comumente em pacientes com > 60 anos de idade; e as hérnias discais, em pacientes de 20 a 60 anos, assim como sabemos que condições psicológicas como histeria e doenças conversivas são mais relacionadas à dor aguda na coluna que a depressão. Porém, a depressão é muito prevalente em pacientes com lombalgia crônica comum. Outros fatores de risco conhecidos para lombalgia são a obesidade e o fumo.

 

Caracterização da Dor

Outro passo importante na anamnese é a caracterização minuciosa da dor, pela determinação do tempo da dor, ritmo, etc.

 

1.    Tempo

Aguda: < 3 meses; crônica: > 3 meses e recidivante. A cervicalgia ou a lombalgia mecânica comum normalmente tem início súbito, após esforço inadequado ou sobrecarga de trabalho ou exercícios físicos. A maior parte dos episódios de dor na coluna não incapacita os pacientes. Mais de 50% dos episódios melhora em 1 semana; e 90%, em 2 semanas. Os 7 a 10% restantes continuam a apresentar sintomas por mais de 6 meses, e a partir da 7ª a 12ª semana de dor, já constituem as entidades conhecidas como cervicalgia e lombalgia crônicas.

 

2.    Ritmo

Na coluna, o ritmo é dividido em mecânico e inflamatório. A dor de caráter mecânico é intimamente relacionada às atividades físicas e posturais do indivíduo, ou seja, a dor normalmente é desencadeada pela atividade/exercício e melhora com o repouso. A dor inflamatória ou não mecânica pode aparecer ou piorar com o repouso e melhorar com o movimento. O indivíduo pode apresentar dor noturna, ao acordar e dor acompanhada de rigidez matinal. Entre as dores de caráter inflamatório estão as espondiloartropatias.

 

Pesquisa de Sinais de Alerta

As cervicalgias e lombalgias inflamatórias normalmente apresentam sintomas de alerta (red flags) identificáveis com uma boa anamnese (Tabela 2).

 

Tabela 2: Sinais de alerta nas lombalgias (red flags)

Febre/calafrios

Dor em < 18 anos e > 55 anos de idade

História de trauma violento

Dor constante progressiva e noturna

História de câncer

Uso de corticosteroides sistêmicos

Abuso de drogas

Aids

Perda de peso

Doenças sistêmicas

Restrição da mobilidade

Deformidade estrutural

Perda do controle dos esfincteres, fraqueza muscular/atrofia associada

Rigidez matinal

Envolvimento articular periférico

História familiar de doença reumatológica

 

Pesquisa de Sintomas Neurológicos

As dores na coluna podem ser localizadas ou irradiadas e com ou sem envolvimento neurológico. As irradiações seguem dois padrões básicos:

 

  irradiações típicas: indicando envolvimento de raízes nervosas, como nas cervicobraquialgias ou lombociatalgias;

  irradiações atípicas: sem envolvimento neuronal.

 

As irradiações típicas seguem o dermátomo característico de uma raiz nervosa. As irradiações atípicas normalmente correspondem à dor referida da lesão da coluna ou a pontos miofasciais da musculatura paravertebral. Os pontos miofasciais (pontos gatilhos) são áreas de contratura muscular capazes de reproduzir a dor do paciente.

Se há irradiações típicas da dor para os membros, o próximo passo na anamnese é determinar qual a posição da coluna desencadeia a dor irradiada: extensão, flexão ou inclinação lateral.

Normalmente, nas hérnias discais, a dor aparece no dia seguinte a um esforço maior que gerou ruptura de fibras do anel fibroso do disco intervertebral. A flexão da coluna é normalmente o mecanismo de lesão e o movimento que desencadeia a dor, com irradiação característica da raiz nervosa comprimida pelo disco.

A estenose de canal medular é uma patologia tipicamente do idoso e tem como sintoma a claudicação neurogênica, que é a presença de dor irradiada para membros (nem sempre típica) ao esforço físico, normalmente acompanhada de fraqueza muscular e necessidade de interrupção da caminhada, com melhora dos sintomas após alguns minutos de repouso.

A estenose de canal medular tem causa ainda desconhecida, mas admite-se a participação de isquemia radicular ou aumento da pressão liquórica em decorrência de aderência da pia-máter e osteoartrite. O quadro clínico melhora com a flexão da coluna e piora com extensão por mais de 30 segundos. O modelo de guia para anamnese em coluna está mostrado na Tabela 3.

 

Tabela 3: Guia geral para anamnese da coluna

Tempo de evolução

Dor aguda: < 3 meses

Dor crônica: > 3 meses

Dor recidivante

Ritmo da dor

Mecânico

Inflamatório

Sinais de alerta (red flags)

Febre, emagrecimento, dor noturna, neuropatia etc

Situação trabalhista

Continua trabalhando ou não

Acidente de trabalho, indenização, aposentadoria, litígio trabalhista

Irradiação da dor

Localizada

Irradiada para membros

Fatores de melhora e piora

Posição: flexão ou extensão

Marcha: claudicação neurogênica?

Início da dor

Relação com esforço/trauma

Súbito ou progressivo

 

Exame Físico

O exame físico da coluna é outro elemento importante para o bom diagnóstico e tratamento das dores cervicais e lombares. O exame físico da coluna pode ser dividido em inspeção estática e dinâmica, palpação, avaliação da mobilidade passiva/marcha e manobras especiais. Todo exame da coluna exige um exame neurológico completo com avaliação criteriosa das raízes medulares se o paciente se queixa de dor irradiada.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial das cervicalgias e lombalgias é amplo e, a princípio, devemos diferenciar entre as causas primárias e as secundárias. Estas últimas exigem tratamento específico após investigação complementar.

Os principais diagnósticos diferenciais estão descritos na Tabela 4.

 

Tabela 4: Diagnóstico diferencial das lombalgias e cervicalgias

Causas

Cervical

Lombar

Primárias

Mecânico-degenerativas

Osteoartrite: uncoartrose, das interapofisárias ou dos complexos disco-osteofitários

Osteoartrite: interapofisárias ou complexos disco-osteofitários

Hérnia discal cervical

Listeses e espondilólises

Síndrome do chicote (Whiplash)

Fraturas osteoporóticas ou pós-trauma

Fraturas vertebrais osteporóticas ou pós-trauma

Hérnia discal lombar

Síndromes miofasciais

Canal lombar estreito

Contraturas musculares, torcicolos e distensões ligamentares

Contraturas musculares, distensões musculares/ligamentares

Canal cervical estreito

Síndromes miofasciais

Secundárias

Não mecânicas

Infecciosas: discites, osteomielite

Infecciosas: discites, osteomielite, artrite séptica sacroilíaca

Doenças sistêmicas, osteometabólicas e reumatológicas: acometimento cervical da artrite reumatoide espondiloartropatias, polimialgia reumática, arterite de células gigantes etc

Doenças sistêmicas osteometabólicas e reumatológicas: ocronose, hiperparatireoidismo, osteomalácia, espondiloartropatias

Psicossomáticas ou psicogênicas e dores referidas

Psicogênicas: fibromialgia, depressão, histeria etc.

Psicogênicas: fibromialgia, depressão, histeria etc.

Referidas: infarto agudo do miocárdio, espasmo de esôfago, carotidínea etc

Referidas: cólica renal, dissecção de aorta etc

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Quando algum sinal de alerta (red flags) estiver presente ou se não houver melhora clínica após 1 mês de dor, devem ser solicitados os exames complementares.

 

Radiografia

Radiografias simples de coluna em posição ereta e nas incidências anteroposterior, perfil e oblíqua. As radiografias permitem a avaliação das estruturas ósseas da coluna, alinhamento das estruturas, presença de fraturas ósseas, calcificações, formação de osteófitos ou sindesmófitos, listeses e espondilolisteses. As partes moles e as estruturas adjacentes não são facilmente visualizadas em radiografias.

 

Tomografia Computadorizada

Está indicada para avaliar desarranjos discais, alterações degenerativas facetárias e intervertebrais, o canal medular, recessos laterais e forames intervertebrais: Dentre as principais indicações estão as seguintes:

 

Ressonância Magnética

É a modalidade de escolha para demonstrar afecção espinal oculta e avaliar elementos neuronais e estruturas paravertebrais, incluindo as partes moles.

 

Eletroneuromiografia

Deve ser realizada se há dúvidas do acometimento radicular e de sua causa.

 

Exames Laboratoriais

Importantes quando há sinais de alerta para que sejam feitos os diagnósticos diferenciais. Hemograma, eletroforese de proteínas, provas de atividade inflamatória (velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa) etc.

 

TRATAMENTO

O tratamento das cervicalgias e lombalgias é dividido em: tratamento das causas primárias ou secundárias. Quando o paciente apresenta-se com uma causa secundária, para sua dor, o tratamento deve ser individualizado de acordo com a sua comorbidade. Já os pacientes no grupo das causas primárias, podem ser tratados inicialmente da mesma forma, como veremos a seguir e no Algoritmo 1. Alguns casos, como canal lombar estreito e hérnias discais, posteriormente devem receber tratamento diferenciado com possibilidades cirúrgicas e fisioterápicas específicas.

Esta conduta de generalizar o tratamento inicial de todas as cervicalgias e lombalgias mecânicas, a despeito do conhecimento do diagnóstico estrutural correto, baseia-se em estudos de custo-efetividade e epidemiológicos. Sabe-se que o emprego de imagem para todos os pacientes não é sensível para detectar o diagnóstico estrutural e que a média de recuperação de um quadro de lombalgia/cervicalgia comuns é geralmente rápida. Cerca de 90% dos quadros agudos melhoram dentro de 2 semanas. Logo, esperar por exames não é mais efetivo que o rápido tratamento da dor.

 

Tratamento das Cervicalgias e Lombalgias Mecânicas Agudas

O tratamento para os quadros agudos visa principalmente ao alívio da dor. Acredita-se que quanto mais rapidamente o paciente ficar assintomático, melhor o prognóstico. A posterior combinação com orientações ergonômicas e fisioterápicas, nas escolas de coluna, deve ser feita.

 

Tratamento Medicamentoso Inicial

1.    Analgésicos não opioides: paracetamol (500 mg de 4 a 6 x/dia, máximo 4 g/dia), dipirona (500 mg a 1 g ou 40 gotas até 4 x/dia), clonixinato de lisina (125 mg, 3 a 4 x/dia), ácido acetilsalicílico (500 mg a 1 g 4 a 6 x/dia, máximo de 4 g/dia) e flupirtina (100 mg 3 a 4 x/dia).

2.    Analgésicos opioides: fosfato de codeína (30 a 60 mg 4 a 6 x/dia), cloridrato de tramadol (50 a 100 mg/dose, 4 a 6 x/dia, máximo de 400 mg), oxicodona (10 a 40 mg/dose 2 x/dia), morfina (10 a 30 mg/dose, até 6 x/dia).

3.    Anti-inflamatórios não hormonais (AINH): não foram encontradas diferenças entre as classes dos AINH, podendo-se assim usar inibidores seletivos da Cox-2 ou não. Embora sejam associados a menos sintomas digestivos, costumam se associar à maior risco cardiovascular.

4.    Relaxantes musculares: carisoprodol (150 mg 3 a 4 x/dia) e ciclobenzaprina (5 mg 3 a 4 x/dia, máximo de 40 mg/dia), baclofeno (5 mg 3 x/dia, máximo de 80 mg/dia), tizanidina ( 2 a 4 mg/dose 3 x/dia, máximo de 36 mg/dia).

 

Em revisão sistemática publicada recentemente, analgésicos como o paracetamol, relaxantes musculares, AINH, opioides, benzodiazepínicos e gabapentina para a radiculopatia apresentaram boa evidência de efetividade no tratamento da dor na lombalgia aguda. Em contrapartida, não há evidências claras para o uso de corticosteroides sistêmicos.

Já as revisões em cervicalgia não demonstram claramente a efetividade dos AINH, relaxantes musculares ou infiltração epidural no alívio da dor. Injeções de lidocaína intramuscular (triggers) e metilprednisolona sistêmica até 8 horas do trauma na síndrome de Whiplash são tratamentos com boas evidências de efetividade. Embora sem evidências estatísticas para algumas destas medicações, ainda é consenso o seu uso nos casos de cervicalgia mecânica. Trabalhos melhor elaborados são necessários para responder definitivamente esta questão.

 

Outros tratamentos

  terapias alternativas (massagem e acupuntura) para alívio das dores agudas apresenta pouca evidência de benefício, logo, devemos esperar 3 semanas antes de optar por elas;

  não se recomenda repouso no leito, mas também não devem ser estimulados exercícios que atinjam a coluna no período. Se o repouso alivia a dor, ele deve ser orientado nos primeiros 3 dias.

  a volta à atividade habitual sempre deve ser estimulada;

  fisioterapia com alongamento da musculatura paravertebral e fortalecimento de musculatura abdominal ou cervical deve ser iniciada após fase aguda, pois previne recorrências;

  tração, injeções facetárias ou epidurais e estimulação nervosa elétrica transcutânea parecem ser ineficazes ou minimamente efetivas em alguns estudos randomizados e só devem ser consideradas após falha dos medicamentos orais;

  injeções com toxinas botulínica (Botox A intramuscular) para a cervicalgia mecânica, apresenta resultados ainda controversos.

 

Tratamento da Lombalgia/Cervicalgia Crônica Comum

Estudos recentemente apontam para uma possível implicação da neuroplasticidade na causa da dor crônica da coluna. Acredita-se que a demora no tratamento da dor na fase aguda possa estar implicado na gênese da dor crônica.

Hoje, o que sabemos sobre o tratamento desses quadros se resume a:

 

  exercícios intensos reduzem a dor e melhoram a função da coluna;

  antidepressivos são úteis para 1/3 dos pacientes com dor lombar crônica, principalmente naqueles associados a alterações psicológicas e depressão. Entre os antidepressivos, os tricíclicos são comprovadamente os mais efetivos;

  opioides parecem ser mais efetivos que anti-inflamatórios no alívio sintomático, porém sem ganhos funcionais;

  terapias alternativas (massagem e acupuntura) para alívio das dores crônicas apresentam pouca evidência de benefício, e os trabalhos existentes são de qualidade duvidosa.

 

Finalizando, um quadro de dor crônica normalmente necessitará de abordagem multidisciplinar, com planos de terapia comportamental, fisioterapia de proteção articular, exercícios supervisionados e educação do paciente. As escolas de coluna e programas de exercícios prescritos pelos fisioterapeutas parecem ter efeitos benéficos, porém são poucas as evidências científicas disto. Abordagens cirúrgicas são raramente úteis.

 

Tratamento das Hérnias Discais

Pacientes com sintomas de dor com irradiação típica e na ausência de cauda equina ou déficit neurológico progressivo devem ser tratados de forma conservadora por pelo menos 1 mês.

O tratamento conservador agudo lembra o dos quadros mecânicos não específicos.

 

Medicamentoso

  Analgésicos e anti-inflamatórios não hormonais;

  corticosteroides: podem oferecer vantagens adicionais devido à inibição mais efetiva do processo inflamatório;

  relaxantes musculares;

  opioides: podem ser necessários para alívio da dor, mas devem ser usados apenas por períodos limitados;

  infiltração epidural com corticosteroides, anestésicos e opioides é uma opção após falha do tratamento conservador. Não há evidências de que mudem evolução natural da doença.

 

Cirúrgico

Se dor grave e persistente e déficit progressivo, tomografia ou ressonância deve ser realizada e a cirurgia, considerada.

 

Tratamento da Estenose Espinhal ou Canal Estreito

Há poucas evidências científicas para o uso da terapia não cirúrgica, que consiste em exercícios de bicicleta ou caminhadas, com breves paradas quando acontece a dor; evitar álcool e sedativos e fortalecer musculatura de membros inferiores. Anti-inflamatórios, analgésicos e infiltração com corticosteroide epidural podem ser benéficas, porém sem evidências estatísticas. Estudos sugerem que a cirurgia de descompressão tem resultados melhores no alívio da dor por pelo menos alguns anos. Após 4 anos, porém, 30% podem voltar a ter dor grave.

 

ALGORITMO

Algoritmo 1: Diagnóstico e tratamento das lombalgia.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      Para fins didáticos, podemos classificar as causas de dor na coluna em primárias e secundárias. Primárias se fatores locais envolvendo a estrutura da coluna levam à dor (causas mecanicodegenerativas); secundárias, se fatores à distância ou não próprios da coluna são os responsáveis pela dor (p. ex.: causas não mecânicas, psicogênicas, psicossomáticas ou dor referida).

      As principais causas mecanicodegenerativas que levam à dor lombar/cervical são as alterações discais (p. ex.: hérnias, fissuras), alterações osseocartilaginosas e capsuloligamentares (p. ex.: osteoartrite, espondilolistese) e a lombalgia/cervicalgia idiopática.

      As principais causas não mecânicas de dor lombar/cervical são as doenças inflamatórias (p. ex.: espondiloartropatias), processos infecciosos (espondilodiscites), tumores (p. ex.: mieloma, metástases) e doenças metabólicas (p. ex.: osteoporose, hiperparatireoidismo).

      Causas psicogênicas ou psicossomáticas de dor lombar são comuns, sendo um exemplo a fibromialgia.

      A causa da lombalgia/cervicalgia não é diagnosticada em um grande número de pacientes com esta queixa, mesmo após vasta investigação clínica/laboratorial e por imagens. Logo, a maioria das lombalgias constitui as chamadas cervicalgias/lombalgias comuns, idiopáticas ou inespecíficas.

      O ritmo da dor lombar é dividido em mecânico e inflamatório. A dor de caráter mecânico é desencadeada pela atividade/exercício e melhora com o repouso. A dor inflamatória ou não mecânica pode aparecer ou piorar com o repouso e melhorar com o movimento, e o indivíduo pode apresentar dor noturna, ao acordar e dor acompanhada de rigidez matinal. Entre as dores de caráter inflamatório estão as espondiloartropatias.

      A pesquisa de sinais de alerta (red flags) é fundamental na avaliação de dor na coluna, pois podem indicar lombalgias inflamatórias.

      O exame mais utilizado na avaliação de dor lombar é a radiografia simples lombar, por ser exame amplamente disponível. Em casos selecionados podem ser solicitadas tomografia computadorizada e ressonância magnética.

      Exames laboratoriais como hemograma, eletroforese de proteínas e provas de atividade inflamatória podem ser solicitados na presença de sinais de alerta.

      O tratamento das cervicalgias e lombalgias deve ser iniciado rapidamente.

      As principais opções no tratamento da lombalgia aguda mecânica são os analgésicos não opioides, os analgésicos opioides, os anti-inflamatórios não hormonais e os relaxantes musculares.

      O repouso no leito não é indicado e a volta à atividade habitual deve ser estimulada.

      No tratamento das hérnias discais os pacientes com sintomas de dor com irradiação típica e na ausência de cauda equina ou déficit neurológico progressivo devem ser tratados de forma conservadora por pelo menos 1 mês. Se houver dor grave ou persistente e déficit progressivo deve ser considerada a cirurgia.

 

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