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Taquicardia Ventricular

Autores:

Igor Ribeiro de Castro Bienert

Residente de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR HC-FMUSP).

Tatiana Andreucci Torres

Residente de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR HC-FMUSP).

Marco Túlio Hercos Juliano

Residente de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR HC-FMUSP).

Leonardo Vieira da Rosa

Médico Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Doutorando em Cardiologia do InCor-HC-FMUSP. Médico Cardiologista da Unidade Coronariana do Hospital Sírio Libanês.

Última revisão: 29/11/2009

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INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

Arritmias ventriculares complexas estão presentes em 10 a 20% dos indivíduos aparentemente saudáveis.

A prevalência de taquicardia ventricular (TV) é de 1 a 3%, aumentando com a idade (4% em idosos), e até 15% em pacientes com doença estrutural cardíaca.

A TV polimórfica deve sempre ser considerada indicadora de risco, ao contrário de extrassístoles ventriculares (EV) e taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) monomórfica, mesmo em casos sem cardiopatia aparente, indicando possibilidade de distúrbios metabólicos, genéticos ou efeito pró-arrítmico de drogas.

Presença de EV ou salvas de TVNS em indivíduos com cardiopatia estrutural contribui para o aumento de risco de mortalidade, inclusive em pacientes pós-infarto agudo do miocárdio (IAM). A redução desses eventos com antiarrítmicos não parece estar relacionada à redução da mortalidade, provocando, por vezes, o aumento do risco de morte cardíaca súbita (MCS).

Presença de disfunção ventricular (FEVE < 40%) é o melhor marcador de risco de MCS em pacientes com arritmias ventriculares complexas.

 

FISIOPATOLOGIA

As arritmias ventriculares dependem de interação entre um substrato arritmogênico (circuitos de reentrada) e a presença de alterações gatilho (extrassístoles ou taquicardias supraventriculares – TSV) e fatores moduladores (isquemia, distúrbios hidroeletrolíticos, catecolaminas).

Na reentrada, existe um circuito de pelo menos duas vias (uma rápida, com período refratário maior, e uma lenta com período refratário menor) anatômicas ou não (p.ex., isquemia), sendo despolarizadas em paralelo. Em presença de gatilho, o estímulo pode encontrar a via rápida em período refratário, seguir pela lenta e retornar posteriormente pela rápida (já repolarizada), entrando em um ciclo contínuo.

 

AVALIAÇÃO CLÍNICA

Doentes instáveis devem ser levados à sala de emergência, monitorados e estabilizados. Avaliação clínica obviamente deve ser feita com o paciente já estável.

No paciente ambulatorial estável, devem ser avaliadas algumas questões essenciais:

 

      doença cardíaca estrutural presente e/ou disfunção ventricular?

      presença de sintomas de síncope ou pré-síncope?

      qual o tipo e a frequência da arritmia ventricular?

      há drogas com potencial arritmogênico envolvidas?

 

DIAGNÓSTICO

Taquicardia com QRS largo é todo ritmo com QRS > 0,12 segundos e frequência acima de 100 bpm. Na maioria das vezes, é de origem ventricular.

TV é definida como 3 ou mais batimentos ventriculares prematuros, usualmente com FC entre 160 a 240 bpm. TV não sustentada é definida por duração menor que 30 segundos e assintomática. Caso contrário, define-se como TV sustentada.

TV pode ser monomórfica (complexos morfologicamente semelhantes) ou polimórfica. Torsade de Pointes é uma forma de TV polimórfica em que a orientação do QRS gira em torno da linha de base, como uma fita de ECG enrolada sobre si mesma.

A distinção entre TV e TSV com condução aberrante é, por vezes, difícil, sendo classicamente realizada pelos critérios de Brugada, propostos em 1991 (Tabela 1).

Parâmetros clínicos ajudam no diagnóstico: história de IAM ou doença cardíaca estrutural em pacientes com taquicardias de QRS largo tem valor preditivo positivo para TV de 98 e 96%, respectivamente. Instabilidade hemodinâmica não tem valor diagnóstico e seu uso pode colocar em risco a vida do paciente.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Para diagnóstico diferencial entre TV e TSV com aberrância, adotamos preferencialmente os critérios de Brugada (Tabela 1).

 

Tabela 1: Critérios de Brugada

1. Existem complexos RS nas derivações precordiais (V1 a V6)?

Se não existem, é TV. Aproximadamente 25% das TVs preenchem esse critério

Se existem, passe ao critério seguinte

2. O intervalo RS é > 100 ms?

Já que existem RS precordiais, analise se, em qualquer uma delas, o início da onda R ao nadir (ponto mais inferior) da onda S é > 100 ms.

Se existir, caracteriza TV. Aproximadamente 50% das TVs preenchem esse critério.

Se RS < 100 ms em todas as precordiais, passe ao critério seguinte.

3. O intervalo RS < 100 ms tem dissociação AV?

Pode ser evidenciada em torno de 20% dos casos de TV, caracterizada pela visualização de ondas P no traçado não conduzindo o QRS.

Pode ser difícil a caracterização, restando ao diagnóstico os critérios morfológicos. Manobra vagal, eletrodo esofágico ou adenosina podem ser utilizados em casos especiais para tentar facilitar a visualização da dissociação.

4. Critérios morfológicos

Analisamos nestes critérios as derivações V1, V2 e também V6

Primeiro passo – morfologia em V1: verifique se o padrão é positivo ou negativo

Critérios em padrão de BRD (predomínio positivo em V1)

            V1 – R monofásico ou RS presente

            V6 – presença de QS ou QR

Critérios em padrão de BRE (predomínio negativo em V1)

            V1 – V2 – onda R > 30 ms ou intervalo RS > 60 ms (início da R ao nadir da S)

            V6 – presença de QS ou QR    

A presença de R trifásico nas taquicardias com padrão de BRD é altamente sugestiva de TSV com aberrância

 

Importante ressaltar que os critérios citados não são aplicáveis ao diagnóstico diferencial de TV com taquicardias via feixe anômalo (antidrômicas). Os três primeiros critérios definem TV, porém há diferenciação com relação a critérios morfológicos, com sensibilidade de 75% e especificidade de 100% (Tabela 2).

 

Tabela 2: Critérios de diferenciação TV x taquicardia AV antidrômica (XY)

1. Existem complexos RS nas derivações precordiais (V1 a V6)? Se não, TV.

2. O intervalo RS é > 100 ms? Se sim, TV.

3. O intervalo RS < 100 ms tem dissociação AV? Se sim, TV.

4. Critérios morfológicos

QRS predominante negativo em V4 a V6? Se sim, indica TV.

Presença de QR em precordiais de V2 a V6? Se sim, indica TV.

Relação QRS:P é > 1:1? Se sim, indica TV. Se não, sugere pré-excitação ventricular.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Exames complementares devem ser solicitados após diagnóstico da TV e estabilização clínica para definição da doença de base e estratificação de risco de MCS.

 

TRATAMENTO

Vale sempre lembrar que QRS largo sem pulso não requer raciocínio diagnóstico, requer medidas de suporte de vida e desfibrilação. Relembre o protocolo do ACLS. TV polimórfica instável deve ser tratada como FV – desfibrilação, e não cardioversão.

Na prática, em pacientes instáveis (dor precordial anginosa, hipotensão com má perfusão, rebaixamento do nível de consciência, confusão, dispneia, edema agudo pulmonar), toda taquiarritmia de QRS largo deve ser considerada TV até prova em contrário, estando indicada a cardioversão imediata.

 

TV Aguda em Pacientes Instáveis

      Sedação: utilizar se paciente acordado, com propofol EV.

      Técnica de cardioversão: cardioversão elétrica (CVE) sincronizada iniciando com 100 J em TV monomórfica. Não há ainda dados suficientes para avaliação adequada do uso de desfibriladores bifásicos.

      Antiarrítmicos: utilizar na manutenção do paciente em dose semelhante à de pacientes estáveis.

 

TV Aguda em Pacientes Estáveis

      Cardioversão química com amiodarona: dose de ataque de 150 mg EV em 10 minutos seguida de manutenção com infusão de 1 mg/min por 6 horas + 0,5 mg/min por 18 horas. Suplementar com dose de 150 mg em 10 minutos, caso TV recorrente ou permanente à primeira dose de ataque. Ainda não dispomos de procainamida ou sotalol endovenoso em nosso meio. A não reversão deve ser tratada com CVE. Fatores de perpetuação, como hipotensão, isquemia, hipocalemia ou hipomagnesemia, devem ser pesquisados e corrigidos.

      Torsade de Pointes: recomenda-se uso de magnésio, 1 a 2 g, diluído em soro glicosado 5%, em 5 a 60 minutos, rápido e acompanhado de desfibrilação em pacientes instáveis.

 

Tratamento Pós-fase Aguda

      Controle de fatores de risco: apresentam risco independente para MCS a hipertensão arterial, diabetes melito, tabagismo e a obesidade. Estresss físico e psíquico aparentemente são fatores de gatilho para eventos.

      Medidas medicamentosas: IECA, BRA e espironolactona podem melhorar o substrato ventricular pelo remodelamento reverso em miocardiopatia isquêmica e mesmo em causas não isquêmicas. Terapêutica antiplaquetária (especialmente o AAS) e antilipêmica com estatinas também parecem ter benefício na etiologia isquêmica.

      Antiarrítmicos: lembrar que eficácia antiarrítmica nem sempre traduz eficácia terapêutica, especialmente em sobrevida. Evitar tratar o eletrocardiograma ou o Holter, principalmente em arritmias benignas em pacientes assintomáticos. Efeitos pró-arrítmicos são muito comuns nas associações de drogas e podem aumentar a mortalidade.

      Betabloqueadores (classe II – bloqueio adrenérgico): 1ª escolha e único grupo com evidência de redução de MCS em isquêmicos. Indicada também como primeira droga em TV polimórfica catecolaminérgica, QT longo congênito e ESV sintomáticas sem cardiopatia estrutural. Efeitos colaterais: aumento do PR, broncoespasmo em asmáticos. Cuidado em disfunção VE (dar preferência ao carvedilol). Dose definida por resposta em ECG de repouso e teste ergométrico. Carvedilol em ICC: objetivar 25 mg 2 vezes/dia em pacientes até 80 kg.

      Amiodarona (classe III – bloqueio dos canais de potássio e aumento da repolarização): indicada na terapêutica de taquiarritmias ventriculares com cardiopatia estrutural especialmente coronariopatia com disfunção e cardiomiopatia hipertrófica. Efeitos colaterais: muito comuns. Toxicidade pulmonar (mais temido), hipo (2 a 4%) e hipertireoidismo (1 a 2%), bradicardia, torsades de pointes, fotossensibilidade e neuropatia. Evitar utilizar em ESV em pacientes sem cardiopatia estrutural. Dose de manutenção 200 a 600 mg/dia. Apresentação em comprimidos de 200 mg e ampolas de 150 mg. Totalmente contraindicada na gestação (classe D).

      Propafenona (classe IC – depressão acentuada da fase 0 do potencial de ação): indicada na terapêutica de taquiarritmias supraventriculares e opção em ventriculares sem cardiopatia estrutural quando contraindicado uso de betabloqueadores (sendo 1ª escolha). Efeitos colaterais: aumento do PR, tontura, alteração de paladar (15%) e broncoespasmo em asmáticos. Reduzir dose em caso de alargamento do QRS. Evitar em FEVE < 40%. Dose 150 a 300 mg a cada 8 horas, até 1.200 mg/dia. Apresentação em comprimidos de 300 mg. Evitar uso no primeiro trimestre da gestação.

      Sotalol (classe III – bloqueio dos canais de potássio e aumento da repolarização): indicado na terapêutica de arritmias ventriculares de via de saída de VD sintomáticas e TVs sustentadas recorrentes, especialmente catecolaminérgicas ou isquêmicas. Efeitos colaterais: cuidado especial quanto a prolongamento QT. Não deve ser iniciada em QTc > 450 e reduzida ou suspensa se QTc > 550 ms (chance 2,5% indução de torsades de pointes). Alarga PR. Evitar associação com amiodarona ou tricíclicos. Dose 80 a 160 mg cada 12 horas. Apresentação em comprimidos de 120,160 e 240 mg. Não causa teratogenicidade.

 

ARRITMIAS VENTRICULARES NO CORAÇÃO ESTRUTURALMENTE NORMAL

Ocorrem em 10% dos casos em pacientes com arritmias ventriculares nas quais não se identifica a etiologia (idiopáticas). Geralmente esses pacientes têm bom prognóstico, e o tratamento inicial é farmacológico, especialmente para TVs monomórficas.

TVs polimórficas sem causa estrutural ou metabólica geralmente são secundárias a canalopatias, e o implante de CDI é a única profilaxia eficaz conhecida. Tratamento agudo segue a rotina do ACLS já comentada.

 

TV Monomórfica Idiopática Repetitiva (TVMR)

Mais frequente em jovens, atletas e 1/3 dos pacientes são assintomáticos. Palpitações e tontura podem ocorrer. Geralmente complexos com padrão de BRE e eixo QRS normal ou inferior (+ em D2/D3/aVF) – origem em septo médio ou VSVD. Morfologia de BRD geralmente ocorre em focos de parede anterior de VE. Em pacientes assintomáticos, apenas orientação. Se sintomáticos, utilizar betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio. Em caso de falha, amiodarona ou ablação por cateter.

 

EV e TV de VSVD

Corresponde a 70 a 80% das TVs idiopáticas. Frequentemente associada a palpitações, tonturas e síncopes, o padrão é de TV com FC entre 160 a 240 bpm monomórfica em BRE e positiva em derivações inferiores (D2/D3/aVF). Geralmente benigna, com excepcionais relatos de MCS. Investigar displasia de VD associada, com ECO, RNM cardíaca e ECG de alta resolução. Tratamento agudo responde bem a adenosina, betabloqueador e verapamil. Profilaxia se faz com sotalol, verapamil, betabloqueador, amiodarona, propafenona, assim como em casos refratários ou de cardiomiopatia associada e ablação.

 

EV e TV de VSVE

Corresponde a 10% das arritmias com origem em vias de saída. Semelhante à VSVD, exceto no padrão ao ECG, caracteristicamente com onda S em D1 e transição +/- do QRS em V1, V2 ou V3.

 

TV Idiopática de VE

Geralmente é bem tolerada e a MCS não é esperada; apresenta sintomas semelhantes à VSVD. A forma fascicular é a mais comum. Morfologia característica de BRD com desvio do eixo do QRS à esquerda em 90 a 95% dos pacientes (origem no fascículo póstero-inferior), e o restante com desvio eixo à direita (origem anterossuperior). FC média entre 170 bpm (100 a 220 bpm). Prognóstico muito bom, a maioria responde bem ao verapamil. Se assintomáticos, com episódios raros, apenas orientar. Se refratários, avaliar ablação por cateter.

 

Síndrome de Brugada

Descrita em 1986, é autossômica dominante, tem 90% de prevalência  masculina e alta relação com MCS. A causa provável é uma mutação de canais iônicos determinando reexcitação (reentrada na fase 2 do potencial de ação), o que provocaria elevação do segmento ST e arritmias ventriculares.

Três padrões de repolarização são descritos (Tabela 3), sendo que só o primeiro é considerado diagnóstico, sendo ainda necessária a associação a 1 ou mais critérios clínicos (Tabela 4, Algoritmo 1). Nos outros padrões eletrocardiográficos, pode ser tentada a conversão com o teste da propafenona (10 mg/kg EV em 10 minutos) ou reposicionar eletrodos de V1 e V2 ao segundo espaço intercostal.

 

Tabela 3: Padrões do ECG na síndrome de Brugada

 

Tipo 1

Tipo 2

Tipo 3

Onda J

= 2 mm

= 2 mm

= 2 mm

Onda T

-

+ ou bifásica

+

Configuração ST-T

Côncavo

Sela

Côncavo ou sela

ST terminal

Descenso gradual

Elevado = 1 mm

Elevado < 1 mm

 

Tabela 4: Critérios clínicos da síndrome de Brugada

FV documentada

TVPM

História familiar de MCS < 45 anos

Familiar com ECG padrão tipo 1

EEF com indução positiva

Síncope

Respiração agônica noturna

ECG não justificável por outros fatores

 

O prognóstico dos pacientes com síndrome de Brugada é variável, baseado em fatores clínicos, eletrocardiográficos e EEF. O papel dos antiarrítmicos ainda não foi definido. Pacientes sintomáticos (síncope, convulsão, respiração agônica noturna não justificável por outros fatores) devem receber terapia profilática com implante de CDI, assim como os pacientes de MCS abortada. Pacientes assintomáticos devem ser submetidos a EEF; caso positivo, devem ser submetidos a implante de CDI.

Pacientes com ECG tipo 1 não espontâneo (ou seja, pós-teste da propafenona) devem ter conduta semelhante, exceto nos casos assintomáticos e sem história familiar de MCS, em que não está indicado EEF ou implante de CDI para profilaxia primária, apenas seguimento próximo.

 

TV Polimórfica Idiopática (TVPM)

Frequentemente são instáveis e há rápida propensão à degeneração ventricular em FV. Excluir causas secundárias como isquemia, metabólicos (hipocalemia), tóxicos (álcool, cocaína) e drogas prolongadoras do QT (sotalol, amiodarona, propafenona, amitriptilina, clorpromazina, citalopram, haloperidol, cetoconazol, claritromicina, hidroxizina, cisaprida, lítio e outras, disponíveis em www.torsades.org).

 

Síndrome do QT Longo Congênito

Ocorre por canalopatia com prolongamento da repolarização, predispondo a pós-potenciais precoces e com dois fenótipos conhecidos: Romano-Ward (autossômico dominante) e Jervell-Langen-Nilsen (autossômico recessivo, associado à surdez congênita). Diagnóstico tem 95% de probabilidade em QTc > 460 ms na ausência de fatores secundários. Critérios específicos de escores são disponíveis na literatura. Tratamento consiste em evitar esportes competitivos e drogas que aumentem QT. A utilização de betabloqueadores tem sido considerada de eleição, associada a marcapasso (visto que bradicardia prolonga o QT). O papel do CDI ainda não é bem definido e tem sido indicado para pacientes recuperados de PCR ou em síncope recorrente apesar do uso de betabloqueadores e/ou marcapasso.

 

Síndrome do QT Curto Congênito

Ao ECG, manifesta-se como intervalo QT menor que 280 ms (ou QTc = 300 ms), com ondas T apiculadas. Geralmente são pacientes com síncope, palpitação e história de MCS abortada ou na família. Devem-se excluir fatores secundários de encurtamento do QT (digoxina, taquicardia, hipertermia, hipercalcemia). O CDI é a única terapêutica eficaz até o momento, associado ou não à quinidina.

 

TVPM Catecolaminérgica

Ocorre em crianças, adolescentes e adultos jovens, caracteristicamente associada a descargas adrenérgicas durante o estresse, sendo reprodutível ao teste ergométrico ou infusão de isoproterenol. O QT é normal; pacientes com MCS abortada deve ser submetidos ao implante de CDI. Betabloqueadores e/ou verapamil são parcialmente eficazes na prevenção de episódios e devem ser utilizados sempre que possível. Profilaxia primária com CDI deve ser considerada em pacientes com refratariedade à medicação em dose plena, inclusive em teste ergométrico.

 

FV Idiopática

De 20 a 25% dos casos de FV primária apresentam a forma oculta da síndrome de Brugada. Independentemente de sua etiologia, sobreviventes de MCS abortada devem ser submetidos a CDI. O índice de recorrência nestes pacientes chega a 30%. Drogas antiarrítmicas nestes pacientes ainda não têm seu papel adequadamente definido.

 

ARRITMIAS VENTRICULARES NO CARDIOPATA ESTRUTURAL

Miocardiopatia Isquêmica

A ICO crônica é responsável por 80% de todas as causas de MCS, sendo a FV a forma mais observada de arritmia durante a ressuscitação cardíaca, geralmente degenerada a partir de uma TV. Assim como as ESV pareadas e a TVNS, a TV e a FV têm sua origem em circuitos formados em cicatrizes em bordos de infartos ou aneurismas ventriculares.

ESV e TVNS devem ser tratadas apenas quando houver sintomas e/ou comprometimento hemodinâmico, sendo os betabloqueadores as drogas de escolha. Amiodarona, sotalol ou mesmo ablação devem ser consideradas em casos refratários. Pacientes com TV instável ou estável devem ser preferencialmente submetidos a implante de CDI, visto que o risco dessa população de MCS parece ser similar. EEF não parece ser bom definidor de risco, especialmente em pacientes com FEVE < 30%. Na impossibilidade de CDI em pacientes com TV estável sem disfunção de VE, betabloqueadores, amiodarona ou sotalol podem ser tentados. Terapêutica etiológica específica (correção de isquemia ativa, IECA, BRA, estatinas, betabloqueadores, espironolactona) está sempre indicada.

 

Miocardiopatia Chagásica Crônica

Há degeneração inflamatória fibrótica com preferência à região apical e formação de aneurisma característico de VE (em dedo-de-luva). A MCS é ocasionada principalmente por TV. O mais consistente preditor de risco é a disfunção de VE. Embora alguns estudos de cardiomiopatia não isquêmica tenham referido pacientes chagásicos, ainda não existem estudos com números definitivos de impacto quanto ao implante de CDI nesses pacientes.

Arritmias ventriculares habitualmente são tratadas com amiodarona, e a terapêutica padrão para ICC está sempre indicada (inclusive o uso de betabloqueadores). Rassi et al. Publicaram, em 2006, um detalhado escore de risco de mortalidade a partir de uma coorte de 424 pacientes chagásicos, atribuindo pontos a 6 variáveis independentes (Tabelas 5 e 6). Maiores ensaios de intervenção, assim como o papel do EEF e do CDI nesses pacientes guiados por escore de risco, ainda estão em fase de pesquisa. Pacientes com classe funcional III/IV devem ser precocemente encaminhados também à avaliação de transplante cardíaco.

 

Tabela 5: Escore de Rassi

Característica

Pontuação

Cardiomegalia

5 pontos

Classe funcional III ou IV

5 pontos

TVNS

3 pontos

Disfunção segmentar de VE

3 pontos

Baixa voltagem QRS em plano frontal

2 pontos

Sexo masculino

2 pontos

 

Tabela 6: Mortalidade em 10 anos por escore de Rassi

Alto risco (= 12 pontos)

Médio risco (= 7 pontos)

Baixo risco (até 6 pontos)

84%

44%

10%

 

Miocardiopatia Dilatada Idiopática

Os diversos mecanismos de fibrose, hipertrofia e degeneração miofibrilar são responsáveis por variados mecanismos de condução elétrica e desenvolvimento de arritmias ventriculares, presentes em até 60% destes pacientes. De modo geral, opta-se pela terapia farmacológica (betabloqueadores e amiodarona), embora estudos com amiodarona guiados pela redução de eventos em Holter ou EEF não parecem ter demonstrado eficácia em redução de MCS. Terapêutica adjunta com IECA, BRA e espironolactona, além de betabloqueadores (carvedilol/metoprolol/bisoprolol) são úteis em reduzir MCS, assim como na etiologia isquêmica. As indicações de CDI serão discutidas a seguir.

 

Cardiomiopatia Hipertrófica

É uma doença hereditária autossômica dominante e uma das principais causas de MCS em jovens, especialmente atletas. À biópsia, ocorre desarranjo miofibrilar, fibrose e deposição de colágeno intersticial decorrente da cicatrização, sendo substrato a arritmias reentrantes.

A estratificação de risco decorre de estudos observacionais e inclui fatores maiores e menores (Tabela 7). Pacientes com qualquer fator de risco maior devem ser submetidos a tratamento com amiodarona e implante de CDI. A exemplo do que ocorre na cardiomiopatia isquêmica e dilatada, na hipertrófica, a indução de TV mono ou polimórfica no EEF ainda não tem papel definido de estratificação, sendo achado inespecífico. Pode ser útil à melhora de qualidade de vida em casos refratários para ablação de foco.

 

Tabela 7: Fatores maiores de risco na CMH

MCS abortada

TV sustentada espontânea

História familiar de MCS

Síncope inexplicada

Hipertrofia > 30 mm

TVNS espontânea

Resposta pressórica anormal ao exercício

 

Displasia Arritmogênica de VD

Embora classicamente descrita como um acometimento de substituição e infiltração de tecido fibroadiposo em VD, sabe-se que o envolvimento de VE é frequente, em geral também de toda a espessura. Metade dos casos apresenta história familiar da doença, e anormalidades estruturais geralmente são identificadas ao ecocardiograma e à ressonância cardíaca.

Ao ECG, apresenta tipicamente presença de ondas T invertidas assimétricas em V1 a V3 e padrão de bloqueio incompleto de ramo direito. Ondas épsilon (pequenas ondas em segmento ST representativas de pós-potenciais tardios) também são achados característicos. As arritmias, principalmente TV, têm origem no trígono da displasia (via de entrada/via de saída/ápice de VD) e morfologia de BRE. O sotalol é o tratamento de escolha, embora a amiodarona possa ser utilizada. Assim como na hipertrófica, esportes vigorosos e/ou competitivos devem ser suspensos. O CDI é recomendado para pacientes com:

 

      MCS abortada;

      TV ou FV documentada, apesar da medicação otimizada;

      doença extensa, incluindo comprometimento de VE;

      história familiar de MCS;

      síncope não explicada por outras causas.

 

INDICAÇÕES DE CDI

Prevenção Primária

Indicada a pacientes com características de alto risco para MSC, porém que nunca tenham apresentado episódio de arritmia ventricular sustentada ou PCR. As características de alto risco para MSC em pacientes com cardiopatias estruturais são: disfunção ventricular, presença de TVNS ou extrassístoles ventriculares (ESV) frequentes (> 10/hora) ao Holter, ECGAR positivo e indução de TV monomórfica ao EEF.

A indicação do CDI para cardiopatias específicas que apresentam função ventricular preservada, incluindo cardiomiopatia hipertrófica, displasia arritmogênica de VD, síndrome do QT longo congênito, TV catecolaminérgica, síndrome do QT curto e síndrome de Brugada, baseia-se na estratificação de risco identificando a presença de uma ou mais características de alto risco para MSC.

 

Prevenção Secundária

Pacientes que apresentaram previamente algum evento arrítmico potencialmente fatal, como:

 

      recuperados de parada cardíaca por FV ou TV sem pulso;

      TV espontânea com instabilidade hemodinâmica;

      TVS com frequência cardíaca = 150 bpm e FEVE = 35%;

      pacientes com síncopes recorrentes de origem indeterminada que apresentem indução de TV/FV clinicamente relevantes ao EEF.

 

Deve-se sempre excluir causas secundárias com possibilidade de tratamento do fator desencadeante da arritmia (p.ex., hipocalemia, hipomagnesemia, prolongamento do intervalo QT adquirido, isquemia ou bloqueio atrioventricular total). Lembre-se sempre de que qualquer indicação de CDI deve ter base em pacientes com expectativa de vida acima de 1 ano. Nas Tabelas 8 a 10 estão as recomendações de implante de CDI atuais segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac)

 

Tabela 8: Classe I (CDI recomendado)

Sobreviventes de IAM com evento há pelo menos 40 dias ou com cardiopatia isquêmica crônica, sob tratamento farmacológico ótimo, sem isquemia miocárdica passível de tratamento por revascularização cirúrgica ou percutânea com:

1.       FEVE = 35% e CF II-III, ou FEVE = 30% e CF I, II ou III;

2.       FEVE = 40%, TVNS espontânea e TVS indutível ao EEF.

Parada cardíaca por TV/FV de causa não-reversível, com FE = 35%.

TVS espontânea com comprometimento hemodinâmico ou síncope de causa não reversível, com FE = 35%.

 

Tabela 9: Classe IIa (indicação razoável)

Pacientes com cardiomiopatia dilatada não isquêmica, CF II-III, com FEVE = 35%.

Pacientes com cardiopatia isquêmica ou não isquêmica, CF III-IV, FEVE = 35%, QRS = 120 ms, para os quais tenha sido indicada TRC.

Sobreviventes de parada cardíaca, por TV/FV de causa não reversível, com FE = 35%.

Pacientes com TVS espontânea, de causa não reversível, com FE = 35%, refratária a outras terapêuticas.

Pacientes com síncope de origem indeterminada com indução de TVS hemodinamicamente instável.

 

Tabela 10: Classe III (CDI não indicado)

Pacientes com TV ou FV incessante.

Pacientes com significante doença psiquiátrica que possa ser agravada pelo implante de um dispositivo ou que possivelmente não fará o seguimento adequado.

Pacientes com IC, CF IV refratária a terapêutica medicamentosa que não sejam candidatos para transplante cardíaco ou TRC.

Síncope de origem indeterminada em paciente sem arritmia ventricular induzida ao EEF e ausência de cardiopatia estrutural.

Pacientes com TV ou FV passíveis de tratamento cirúrgico ou ablação por cateter.

Pacientes com TV devido à causa completamente reversível na ausência de cardiopatia estrutural (p.ex., distúrbio hidroeletrolítico, drogas ou trauma).

 

Algoritmo 1: Fluxograma para indicação de CDI em associação ou não à terapia de ressincronização cardíaca.

TV = taquicardia ventricular; FV = fibrilação ventricular; PCR = parada cardiorrespiratória; CMP = cardiomiopatia; FEVE = fração de ejeção de ventrículo esquerdo; EEF = estudo eletrofisiológico; CF = classe funcional (NYHA); QRS = duração do intervalo QRS ao eletrocardiograma; DCEI = dispositivo cardíaco eletrônico implantável; RC = ressincronizador cardíaco; CDI = cardioversor-desfibrilador implantável; TMO = tratamento medicamentoso otimizado; RNM = ressonância nuclear magnética.

* Não é necessário pesquisa adicional de dissincronia.

** Indução de TV sutentada monomórfica com instabilidade hemodinâmica.

 

BIBLIOGRAFIA

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