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Artrite Idiopática Juvenil

Autor:

Cláudia Goldenstein Schainberg

Professora Colaboradora da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. Médica Assistente Doutora do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Última revisão: 10/05/2010

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

As doenças reumáticas também afetam as crianças, constituindo a 7ª condição crônica na faixa etária pediátrica. De fato, as estimativas indicam que 1 a 2% das crianças apresentam queixas reumatológicas. Apesar de não termos dados epidemiológicos precisos no Brasil, nos EUA, a prevalência destes eventos na infância é de 132/100.000 (atualmente há mais de 250.000 crianças com artrite nos EUA), enquanto no Canadá ocorre em mais de 1 a 3% das crianças com menos de 15 anos de idade. Portanto, as doenças musculoesqueléticas da infância correspondem a aproximadamente 2% das consultas ao pediatra em geral e constituem uma das principais causas de incapacidade crônica. O diagnóstico diferencial é amplo e um dos mais complexos na pediatria, já que envolve desde doenças localizadas e regionais até mais de 100 doenças sistêmicas complexas, cuja característica comum é a presença de dor articular com ou sem lesões nas estruturas adjacentes como ossos, músculos, ligamentos e tendões.

As enfermidades reumáticas da infância mais comuns em nosso meio são a febre reumática, que pode afetar gravemente o coração, e a artrite idiopática juvenil (AIJ), que pode restringir os movimentos da criança. Outras doenças sistêmicas mais raras que comprometem o tecido conectivo também podem se manifestar na criança, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES), que pode causar nefrite levando à insuficiência renal, a dermatomiosite e a esclerodermia. Por serem doenças crônicas e insidiosas, todas elas podem afetar o crescimento e o desenvolvimento físico, psíquico e social da criança, exigindo tratamento especializado e complexo, com o intuito de evitar prejuízos e incapacitação funcional permanentes.

A artrite idiopática juvenil, antes denominada artrite reumatoide juvenil (ARJ), é uma doença inflamatória crônica que afeta crianças com idade igual ou inferior a 16 anos e acomete as articulações e eventualmente outros órgãos, como pele, olhos e coração. Sua principal manifestação clínica é a artrite, ou seja, inflamação articular caracterizada por dor, edema e calor localizada em uma ou mais articulações. Sua incidência é desconhecida em nosso país, mas dados dos EUA, Canadá e Europa indicam que cerca de 0,1 a 1 em cada 1.000 crianças apresentam artrite idiopática juvenil.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A causa da artrite idiopática juvenil permanece desconhecida. No entanto, fatores imunológicos, genéticos e infecciosos parecem estar envolvidos, já que estudos recentes mostram certa tendência familiar para a ocorrência da doença; ademais, fatores externos, como certas infecções virais e bacterianas, além de estresse emocional e traumatismos articulares, podem atuar como desencadeantes da doença.

A partir daí, uma série de fenômenos imunológicos são desencadeados, com hiperativação de células T e B, além do recrutamento de polimorfonucleares para o sítio inflamatório, liberação de citocinas proinflamatórias como o TNF, hipertrofia sinovial com formação do pannus e consequente dano ósseo decorrente de atividades osteoclástica exacerbada.

 

ACHADOS CLÍNICOS

História Clínica

Caracteristicamente, a criança com idade igual ou inferior a 16 anos apresenta artrite crônica em uma ou mais articulações por um período mínimo de 6 semanas consecutivas. Além da dor e da inflamação articular, certa dificuldade na movimentação ao acordar (rigidez matinal), fraqueza ou incapacidade na mobilização das articulações podem ser observadas. No entanto, é importante ressaltar que, por terem limiar de dor diferente dos adultos, a dor pode passar desapercebida e a criança pode apenas apresentar um edema articular, alterações à marcha ou quedas frequentes.

De acordo com a forma de apresentação e o número de articulações afetadas, a artrite idiopática juvenil pode ser oligoarticular, poliarticular ou sistêmica. O tipo oligoarticular é o mais comum e acomete até 4 articulações, sendo os joelhos e os tornozelos as mais frequentes. Avaliações oftalmológicas frequentes são recomendadas pelo risco aumentado para desenvolverem iridociclite anterior crônica, geralmente assintomática, mas que pode evoluir para perda visual permanente se não for precocemente diagnosticada. Na doença poliarticular, 5 ou mais articulações são envolvidas, principalmente joelhos, tornozelos, punhos, cotovelos e pequenas articulações das mãos e dos pés; febre pode estar presente. A artrite idiopática juvenil do tipo sistêmica, também chamada de doença de Still, tem caráter insidioso e caracteriza-se pela presença de artrite associada à febre alta (> 39°C) com picos diários e vespertinos acompanhados de erupção na pele (rash cutâneo), linfadenopatia, hepatoesplenomegalia e polisserosite.

 

Exame Físico

O exame físico revela edema das articulações afetadas associado à dor e limitação de movimentos. Na presença de manifestações sistêmicas, febre, eritema cutâneo evanescente, linfadenopatia, hepatoesplenomegalia e polisserosite podem ser observados.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Não existem exames laboratoriais específicos para esta doença. Hemograma pode mostrar anemia de doença crônica, leucocitose e trombocitose, conforme a magnitude do envolvimento inflamatório; as provas de atividade inflamatória como velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa (PCR) podem elevar-se principalmente nas formas poliarticulares e sistêmica. O fator reumatoide (FR) está presente no soro de 10 a 15% das crianças e denota doença mais agressiva e erosiva, similar à artrite reumatoide do adulto. Já o fator antinuclear (FAN) confere um risco aumentado para a ocorrência de uveíte nos casos de doença oligoarticular. Nas fases iniciais, a radiografia simples demonstra apenas osteopenia justa-articular e edema de partes moles, porém, nas fases mais avançadas, deformidades, erosões e anquiloses ósseas são evidentes.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico da artrite idiopática juvenil é clínico e baseia-se no achado de artrite em uma ou mais articulações, com duração igual ou superior a 6 semanas. É fundamental que várias doenças, como as infecções, sejam pesquisadas e afastadas, uma vez que a artrite é manifestação comum de várias doenças reumáticas e não-reumáticas. Portanto, fazem parte do diagnóstico da artrite idiopática juvenil:

 

      doenças do tecido conectivo: lúpus eritematoso sistêmico, dermato/polimiosite, esclerodermia, doença mista do tecido conectivo, vasculites (púrpura de Henoch-Schönlein etc.);

      espondiloartropatias, artrite psoriásica, doença inflamatória intestinal;

      febre reumática;

      condições ortopédicas: traumas, osteocondrites;

      artrites reativas;

      artrites infecciosas: bacterianas, virais, micóticas;

      doenças hematológicas: hemoglobinopatias, anemia falciforme, hemofilia, talassemia;

      doenças linfoproliferativas: leucemia, linfoma;

      neoplasias: localizadas e sistêmicas;

      anomalias congênitas: mucopolissacaridoses, hipermobilidades, febre familiar do Mediterrâneo;

      imunodeficiências: IgA, complemento, hipogamaglobulinemias;

      miscelânea: sarcoidose, amiloidose, raquitismo, reumatismo psicogênico.

 

TRATAMENTO

O tratamento da artrite idiopática juvenil é individualizado e depende do tipo de apresentação da doença: oligoarticular, poliarticular ou sistêmica. Ademais, tratamento específico precoce é fundamental para evitar complicações como deformidades e limitações físicas irreversíveis. Envolvem a interação entre médico, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicoterapeuta e ortopedista, além do apoio fundamental da família, possibilitando uma boa adesão à terapia geral.

Controle da inflamação e da dor é possível com o uso de anti-inflamatórios não hormonais como aspirina, naproxeno e ibuprofeno, aprovados para uso crônico em crianças. Drogas de ação lenta como cloroquina, sulfassalazina e metotrexato devem ser instituídas precocemente para controlar a progressão da artrite idiopática juvenil. Eventualmente e em situações mais graves, imunossupressorres como ciclosporina, azatioprina ou ciclofosfamida podem ser utilizados, além da leflunomide, tomando-se os devidos cuidados com relação à teratogênese. Devido a seus efeitos colaterais graves, como inibição de crescimento, catarata, hipertensão e diabetes, os corticosteroides são reservados para o tratamento das manifestações sistêmicas da artrite idiopática juvenil (em doses altas de 1 a 2 mg/kg/dia de prednisona ou sob a forma de pulsoterapia endovenosa); pode também ser necessário para uso intra-articular, sob a forma de colírios para tratar uveíte, ou ainda em doses baixas, quando os antiinflamatórios não hormonais são contraindicados. Nos casos de doença agressiva e refratária ao tratamento convencional, novas terapias com agentes biológicos como infliximabe, etanercepte, adalimumabe, abatacepte e anakinra são necessárias, apesar do seu custo elevado.

A fisioterapia e terapia ocupacional são fundamentais, devendo ser iniciadas o mais cedo possível para possibilitar a manutenção e a recuperação da mobilidade das articulações afetadas, o fortalecimento muscular, o alongamento de tendões e o aumento da amplitude de movimento articular. Desta forma, é possível evitar a incapacidade funcional da criança.

Além do controle da doença em si e das medidas habituais de reabilitação, apoio psicológico pode ser necessário devido ao caráter crônico da doença, assim como eventuais procedimentos ortopédicos no sentido de permitir uma integração adequada da criança na família, na escola e na sociedade em que vive.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      A artrite idiopática juvenil deve ser suspeitada em artrites com > 6 semanas de evolução em crianças com < 16 anos. O diagnóstico é clínico, pois os exames laboratoriais são inespecíficos, e devem ser afastadas outras doenças para se realizar o diagnóstico. O prognóstico depende do tipo de envolvimento e início de tratamento adequado precocemente.

 

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