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Pré-natal de baixo risco

Autores:

Maria Lucia Medeiros Lenz

Médica de família e comunidade. Coordenadora da Atenção à Saúde da Gestante e Criança do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição (SSC-GHC). Especialista em Saúde Pública pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Lúcia Naomi Takimi

Médica de família e comunidade da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Sapucaia do Sul, RS.

Última revisão: 13/11/2012

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Versão resumida do capítulo original, o qual pode ser consultado, na íntegra, em Gusso & Lopes, Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática (2 vols., Porto Alegre: Artmed, 2012). Obra indicada também para consulta a outros temas de Medicina de Família e Comunidade (MFC), pela abrangência e a forma como o conteúdo é abordado, além de reunir importante grupo de autores.

 

Do que se trata

         O pré-natal refere-se ao conjunto de consultas ou visitas programadas da mulher gestante com o médico de família e comunidade e sua equipe de saúde, objetivando o acompanhamento da gestação e a obtenção de uma adequada preparação para o parto e puerpério.1 Acompanhar, orientar, educar, rastrear possíveis situações de risco e tratar intercorrências que possam interferir no bem-estar do bebê, da gestante e de sua família correspondem a ações prioritárias de um adequado acompanhamento pré-natal.

         A gestação encontra-se entre os primeiros motivos de consulta em atenção primária à saúde (APS).2, 3 Caracteriza-se por um período de grandes transformações e que requer adaptação à chegada do novo membro da família, constituindo-se assim um momento de maior vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, propício para o desenvolvimento de ações preventivas e de promoção à saúde.4

         Um pré-natal adequado deve começar precocemente – em torno da 10ª semana de idade gestacional,5 garantindo, assim, um maior número de ações de promoção e prevenção, permitindo a identificação precoce de gestações em situação de maior risco e a elaboração de um plano de acompanhamento individualizado.1

 

Quando pensar

         Presume-se que há gestação quando ocorre atraso menstrual. Manifestações clínicas, como náuseas, vômitos, tonturas, salivação excessiva, mudança no apetite, aumento da frequência urinária e sonolência, e/ou modificações anatômicas, como o aumento do volume das mamas, hipersensibilidade nos mamilos, tubérculos de Montgomery, saída de colostro pelo mamilo, coloração violácea vulvar e cianose vaginal e cervical, caracterizam-se como sintomas e sinais presuntivos de gestação.

         A probabilidade de gestação aumenta com o amolecimento da cérvice, o aumento do volume uterino, o aumento da revascularização das paredes vaginais e a positividade da fração ß do HCG no soro materno a partir do oitavo ou nono dia após a fertilização, ou seja, antes que se perceba o atraso menstrual. Em caso de resultado negativo desse exame e com a persistência da amenorreia, o ß-HCG poderá ser repetido em 15 dias.

         A certeza da gestação dá-se com a presença dos batimentos cardíacos fetais (BCF) detectados por sonar (a partir da 10a semana gestacional), a percepção dos movimentos fetais (a partir da 18ª a 20ª semana) e por meio de ultrassonografia (saco gestacional com 4 a 5 semanas menstruais, vesícula vitelina e atividade cardíaca como primeira manifestação do embrião com seis semanas gestacionais).6

 

O que fazer

         Vários parâmetros para diagnosticar patologias obstétricas têm sido revistos sob a ótica da Medicina Baseada em Evidências. Condutas antes preconizadas têm sido questionadas por gerarem gastos desnecessários, além de estresse à gestante e à sua família. As sugestões e solicitações de exames e procedimentos devem sempre ser esclarecidas para a família, para que esta possa optar por fazê-los ou não.7

 

Anamnese

         Após o diagnóstico da gestação, é importante propiciar espaço para que a mulher possa manifestar seus sentimentos e expectativas em relação a essa nova situação. É preciso compreendê-la dentro de seu contexto familiar e social e identificar o momento atual do ciclo de vida da família – se o casal planejava a gestação, se usava ou não algum método anticoncepcional e como está sendo recebida a notícia da gestação. O contexto social em que ocorre é fator determinante, não somente para o bom desenvolvimento da gestação como também para a relação que a mulher e sua família estabelecerão com o futuro bebê.8, 9

         A idade gestacional deve ser estabelecida a partir da data da última menstruação (DUM), utilizando-se o primeiro dia de fluxo. A regra de Naegle consiste em somar 7 dias ao dia da DUM e subtrair 3 do mês da DUM. Utilizando um gestograma ou disco obstétrico, facilmente se identifica a data provável do parto, ou seja, a data em que terão se passado 280 dias após o primeiro dia da DUM.1 Da mesma forma, durante exame físico, descrito adiante e por meio de ultrassonografia obstétrica, é possível calcular a idade gestacional.

         Durante a anamnese, principalmente se uma consulta pré-concepção não foi realizada, é importante obter-se a história clínica e familiar da gestante, identificando principalmente: hipertensão arterial sistêmica, cardiopatias, diabetes, infecções, doenças sexualmente transmissíveis e doenças psiquiátricas. Deve-se identificar o uso atual de medicamentos e, se necessário, substituí-los ou suspendê-los por fármacos mais bem estudados e mais seguros.10

         A história obstétrica prévia é fundamental: conhecer o número de gestações, a ocorrência de partos prematuros, o intervalo entre os partos, o peso de nascimento dos filhos anteriores, a ocorrência de aborto, perdas fetais, hemorragias, diabetes, pré-eclâmpsia e eclâmpsia e a experiência da mulher com o aleitamento materno.

         A pré-eclâmpsia é a primeira causa de morte materna e perinatal no Brasil, além de levar neonatos a apresentarem sequelas de hipoxia cerebral.9 A avaliação do risco individual para pré-eclâmpsia na primeira consulta de pré-natal faz parte de uma estratégia mais ampla da detecção precoce da doença.5 Ver Quadro 115.1.

 

Quadro 115.1. Fatores de risco individuais para pré-eclâmpsia

Fatores de risco para pré-eclâmpsia

Nulíparas ou multíparas

Gestação gemelar

Gestante com 40 anos ou mais

Intervalos entre as gestações > 10 anos

Hipertensão arterial prévia

História familiar ou prévia de pré-eclâmpsia

Diabetes

Colagenoses

Raça negra

Obesidade (IMC = ou > 30 kg/m2)

Doença renal preexistente

Fonte: National Institute for Health and Clinical Excellence.5

 

         As informações coletadas durante a anamnese, bem como a descrição do exame físico e dos exames complementares devem ser registradas no prontuário médico e também em uma caderneta ou carteira a ser entregue à gestante. A mulher, em posse desse documento, além de poder acompanhar melhor a atenção pré-natal que está sendo realizada, facilitará a comunicação entre profissionais de saúde em situação de intercorrências, encaminhamentos para outros serviços ou no momento do parto.1, 9

 

Exame físico

         Para a primeira consulta de pré-natal, preconiza-se um exame físico completo e um exame gineco-obstétrico.9 Nas consultas subsequentes, a avaliação deve ser mais dirigida aos aspectos específicos da gestação.6 O médico de família e comunidade deve também estar alerta para sinais de violência doméstica e proporcionar espaço para que a gestante sinta-se segura em falar sobre esse assunto.5

         Alguns aspectos do exame físico no pré-natal serão mais detalhados neste capítulo, pela sua peculiaridade e importância no período gestacional.

 

Medida da pressão arterial

         Recomenda-se medir a pressão arterial (PA) da gestante em todas as consultas (D), apesar de não haver evidências, por questões éticas, de que a pesquisa regular da pressão arterial reduza a mortalidade materna e perinatal. Além disso, distúrbios hipertensivos geralmente são assintomáticos11 e somente a aferição da PA poderá detectá-los. No Quadro 115.2, seguem as recomendações do Ministério da Saúde,9 conforme os níveis tensionais.

         Uma mudança importante e universalmente aceita ocorrida nos últimos anos foi o abandono do edema como critério para o diagnóstico de pré-eclâmpsia. Também, aumentos relativos de 15 mmHg e 30 mmHg para pressão diastólica (PAD) e sistólica (PAS), respectivamente, não são mais reconhecidos como definidores de hipertensão por importantes institutos na Austrália, Estados Unidos e pela International Society for the Study of Hypertension in Pregnancy (ISSHP). Os mesmos institutos usam uma PAS > 140 mmHg e/ou PAD > 90 mmHg para definição de aumento de PA na gestação. O uso de limiares absolutos para PAS e PAD não é arbitrário; há evidências, no entanto, sustentando seu uso, de estudos de desfecho em diferentes níveis de PA. Esses pontos de corte alertam clínicos e pacientes para doenças hipertensivas e são estabelecidos em práticas clínicas e de pesquisa. Finalmente, o uso da “diminuição” dos sons (fase IV de Korotkoff) não é mais recomendado, e a fase V de Korotkoff (desaparecimento dos sons) deve ser usada como PAD. Isso remove importantes áreas de potencial variação na pesquisa e na prática clínica que confundiam a padronização.12

 

Quadro 115.2. Níveis de pressão arterial (PA) – Avaliação e conduta recomendada

Achado

Avaliação e conduta

Níveis de PA conhecidos e normais antes da gestação:

Níveis tensionais normais:

Manutenção dos mesmos níveis de PA

Manter calendário habitual

Níveis de PA desconhecidos antes da gestação:

Cuidar da alimentação

Valores da pressão inferiores a 140/90 mmHg

Praticar atividade física

 

Diminuir a ingestão de sal

 

Aumentar a ingestão hídrica

Níveis de PA conhecidos e normais antes da gestação:

Paciente com suspeita de pré-eclâmpsia leve:

Aumento da PA em nível menor do que 140/90 mmHg (sinal de alerta)

Repetir medida após período de repouso (preferencialmente após 4 horas)

Níveis de PA desconhecidos antes da gestação:

Remarcar consulta em 7 ou 15 dias

Valores da PA = 140/90 mmHg e = 160/110, sem sintomas e sem ganho ponderal maior que 500 g semanal

Orientar para a presença de sintomas como: cefaleia, epigastralgia, escotomas, edema, redução no volume ou presença de “espuma” na urina, redução de movimentos fetais

 

Orientar repouso, principalmente pós-prandial e controle de movimentos fetais

 

Verificar presença de proteína em exame qualitativo de urina tipo 1 (EQU). Se possível, dosagem em urina de 24 horas (positivo: a partir de 300 mg/24 h)

Níveis de PA superiores a 140/90 mmHg:

Paciente com suspeita de pré-eclâmpsia grave:

Proteinúria positiva e/ou sintomas clínicos (cefaleia, epigastralgia, escotomas, reflexos tendíneos aumentados) ou paciente assintomática porém com níveis de PA superiores a 160/110 mmHg

Encaminhar para um centro obstétrico/hospital

Paciente com hipertensão arterial crônica moderada, ou grave, ou em uso de medicação anti-hipertensiva

Paciente de risco:

 

Encaminhar a um serviço de pré-natal de alto risco. Caso a paciente esteja utilizando medicamentos contraindicados na gestação, eles devem ser suspensos ou substituídos, se necessário

Obs.: O acompanhamento da PA deve ser avaliado em conjunto com o ganho súbito de peso, principalmente a partir da 24ª semana. Mulheres com ganho de peso superior a 500 g por semana, mesmo sem aumento da pressão arterial, devem ter seus retornos antecipados, considerando maior risco de pré-eclâmpsia.

Fonte: Brasil. 9

 

Avaliação do estado nutricional

         Recomenda-se medir peso e altura da gestante para a avaliação do estado nutricional no início da gestação. Calculando-se o índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional ou no início da gestação é possível identificar as gestantes em risco, ou seja, de baixo peso, sobrepeso ou obesidade, conforme o Ministério da Saúde (Tabela 115.1),13 e estimar o ganho de peso adequado total e o esperado para o segundo e o terceiro trimestre, segundo orientação do Comitê do Institute of Medicine (Tabela 115.2).11 A cada consulta, o profissional deverá registrar em um gráfico, conforme sugerido pelo Ministério da Saúde (Figura 115.1),13 o IMC conforme a idade gestacional, para que possa acompanhar melhor o estado nutricional da gestante.

         Gestantes de baixo peso apresentam risco aumentado para trabalho de parto prematuro;11 gestantes com sobrepeso apresentam risco aumentado para diabetes gestacional, hipertensão, pré-eclâmpsia, parto distócico, cesariana, indução do trabalho de parto prematuro, aumento de infecção na ferida operatória, tromboembolia venosa anteparto e complicações anestésicas;11 e gestantes obesas apresentam risco aumentado para hipertensão gestacional.11

 

Tabela 115.1. Classificação do estado nutricional segundo o IMC

IMC

Classificação

= 18,5

Baixo peso

18,5-24,9

Eutrófico – Adequado

25-29,9

Sobrepeso

= 30

Obesidade

Fonte: Brasil.13

 

Tabela 115.2. Ganho de peso recomendado na gestação

 

Aumento total de peso (kg)

Aumento de peso no segundo e terceiro trimestre (kg/semana)

Baixo peso

12,5-18,0

0,5 (entre 0,5-0,6)

Peso adequado

11,5-16,0

0,5 (entre 0,4-0,5)

Sobrepeso

7,0-11,5

0,3 (entre 0,2-0,3)

Obesidade

5,0-9,0

0,2 (entre 0,2-0,3)

Fonte: Institute for Clinical Systems Improvement.11

 

Figura 115.1. Gráfico de acompanhamento nutricional de gestantes.

 

Fonte: Brasil.13

 

Palpação obstétrica e medida da altura uterina

         As manobras de Leopold-Zweifel (Figura 115.2) evidenciam a técnica adequada para a palpação obstétrica. O objetivo desse exame é identificar os polos cefálico, pélvico e dorsofetal com o intuito de verificar a situação e a apresentação fetal a partir da 36a semana de idade gestacional (C). Apresentações desfavoráveis para o parto vaginal devem ser confirmadas por ultrassonografia (D). 5

         A medida da altura uterina (AU) não é exata e está sujeita a variações se vista por diferentes observadores (C).11 A AU é determinada pela medida (em cm) da distância entre a borda superior da sínfise púbica e o fundo uterino, com a gestante em posição supina, com flexão de 90° do quadril e joelho, expondo o períneo,6 ou em uma superfície plana, com os membros em extensão e bexiga vazia.14 O padrão de referência são duas curvas de AU desenhadas a partir de dados do Centro Latino-Americano de Perinatalogia (Figura 115.3). No caso de medidas isoladas, abaixo do percentil 10 ou acima do percentil 90, deve-se pensar primeiramente em erro de cálculo na idade gestacional. Quando acima do percentil 90, deve-se avaliar a possibilidade de polidrâmnio, macrossomia, gestação gemelar, mola hidatiforme, miomatose e obesidade. Quando abaixo do percentil 10, deverá ser descartada morte fetal, oligoidrâmnio ou crescimento fetal restrito (CFR). Se possível, deve-se solicitar ultrassonografia e retorno em 15 dias para reavaliação. Comprovado o CFR, a gestante deverá ser submetida a uma dopplervelocimetria para avaliação da vitalidade fetal.1 A Figura 115.3 evidencia a curva da AU de acordo com a idade gestacional da gestante.

 

Figura 115.2. Manobras de Leopold-Zweifel.

 

Fonte: Fescina e colaboradores.1

 

Figura 115.3. Curva da altura uterina conforme a idade gestacional.

 

Fonte: Fescina e colaboradores.1

 

Exame especular e toque vaginal

         O exame especular e o toque vaginal devem ser realizados de acordo com a necessidade, orientados pela história e pelas queixas da gestante. Embora o exame pélvico seja útil para detectar anormalidades anatômicas, para avaliar a cérvice uterina e detectar doenças sexualmente transmissíveis, a sua realização – em todas as consultas de pré-natal – não prevê com exatidão a idade gestacional, nem prediz trabalho de parto prematuro ou desproporção cefalopélvica (B).5

 

Exame rotineiro de mamas

         O exame de mamas, útil para detectar nódulos e outras alterações, não deve ser realizado com o objetivo de preparação para a amamentação (A).5 Os tratamentos propostos para mamilos planos ou invertidos mostraram-se ineficazes. Com a evolução da gestação e/ou a pega adequada pelo bebê, essas características podem ser naturalmente corrigidas e a amamentação ocorrerá normalmente.9 Antecipar esses problemas reduz a confiança materna em suas possibilidades de amamentar.

 

Ausculta dos batimentos cardíacos fetais e observação da movimentação fetal

         A indicação primária desse exame é o enorme benefício psicológico para os pais (D).5, 6, 11 Os batimentos cardíacos do feto podem ser identificados com o sonar Doppler em torno da 10ª a 12a semana gestacional e com o estetoscópio de Pinnard em torno da 20a semana.11 O ritmo regular e frequências entre 120 e 160 bpm são normais e podem ser medidas por 1 minuto ou frações de 15 segundos multiplicadas por quatro. No terceiro trimestre, a lateralização da paciente para a medida dos BCF é mais adequada, eliminando assim o efeito Poseiro, que pode induzir a uma bradicardia.6 Frequências fora desse intervalo devem levar à suspeita de “estado fetal não tranquilizador”, devendo a gestante ser encaminhada para o centro obstétrico.9 Para definir-se como bradicardia ou taquicardia fetal, essas frequências devem persistir por 10 minutos de observação.

         A identificação de movimento fetal é simples, não requer instrumentalização e não apresenta contraindicações, devendo ser pesquisada. O que não se recomenda é um registro diário de movimentação fetal por não ter se mostrado como prática efetiva na diminuição da mortalidade perinatal (A).5

 

Exames complementares

         Os exames complementares no pré-natal buscam identificar situações e patologias que possam interferir diretamente na saúde da gestante e de seu filho, tais como: incompatibilidade Rh, infecções, hemoglobinopatias, diabetes, malformações.

         A seguir, serão descritos os exames que devem ser solicitados no pré-natal, assim como o manejo a partir dos resultados. A gestante deve ser sempre informada, de forma compreensível, sobre a finalidade de cada exame e sobre os seus resultados. Sugere-se que o médico de família e comunidade registre sempre os exames solicitados e as datas, os resultados e a não realização por opção da gestante, se for o caso.7

 

Hemograma

         Recomenda-se dosagem de hemoglobina na primeira consulta de pré-natal e em torno da 28a semana de gestação (B).5,6,9,11

         Se a hemoglobina encontra-se = 11 g/dL, considera-se adequada, e, a partir da 20a semana, no intervalo entre as refeições, deve-se prescrever suplementação de ferro (60 mg/dia de Fe elementar, ou seja, 1 drágea VO/dia).6 Se hemoglobina = 8 g/dL e < 11 g/dL, considera-se anemia leve a moderada. Para essas gestantes, deve-se solicitar exame parasitológico de fezes e prescrever sulfato ferroso (120 a 240 mg de Fe elementar/dia, ou seja, 2 a 4 drágeas VO/dia, longe das refeições e, se possível, com suco de fruta cítrica). Recomenda-se repetir o exame em 30 a 60 dias; se os níveis estiverem subindo, manter tratamento até atingir 11 g/dL e, posteriormente, reduzir para dose de suplementação até 6 meses após o nascimento do bebê. Se os níveis estiverem inalterados ou diminuídos, verificar adesão ao tratamento e referenciar a um serviço de pré-natal de alto risco. Se a hemoglobina estiver < 8 g/dL, a gestante deverá ser imediatamente referenciada a um serviço de pré-natal de alto risco.9

 

Tipagem sanguínea e fator Rh

         Recomenda-se identificar o tipo sanguíneo e o fator Rh na primeira consulta de pré-natal (B).5, 6 Se a gestante for Rh-negativo, solicitar Rh para o parceiro e Coombs indireto à gestante mensalmente a partir da 28ª semana de gestação se parceiro Rh-positivo ou desconhecido. Se Coombs for positivo ou positivar durante o pré-natal, a gestante deverá ser referenciada a um serviço de pré-natal de alto risco.1 Recomenda-se imunoglobulina anti-D em mulheres com fator Rh-negativo nas seguintes situações: no período pós-parto imediato se o recém-nascido for Rh-positivo, após procedimentos invasivos (amniocentese, biópsia de vilos coriônicos), sangramento de 1º, 2º ou 3º trimestre, abortamento e morte fetal intrauterina, após trauma abdominal, gestação ectópica, mola hidatiforme e após a manobra para versão externa.15

 

Pesquisa de hemoglobinopatias

         A pesquisa do traço falciforme e de outras hemoglobinopatias está recomendada onde a prevalência da doença é elevada.16 Locais onde a prevalência for baixa, deve-se oferecer triagem de hemoglobinopatias usando um questionário de origem familiar.5 Se a gestante for de risco para apresentar traço falciforme ou se o seu HCM, no hemograma, for menor que 27 pg (picogramas), uma pesquisa laboratorial para doença falciforme deve ser oferecida.5 Gestantes com eletroforese de hemoglobina alterada devem ser encaminhadas a um serviço de pré-natal de alto risco.

 

Exame qualitativo de urina (EQU) e urocultura

         O exame qualitativo de urina é especialmente útil na gestação para detectar glicosúria, bacteriúria e proteinúria, ou seja, situações que podem relacionar-se a diabetes, infecção e transtorno hipertensivo. Recomenda-se a sua solicitação na primeira consulta de pré-natal, e, embora não seja consenso de que se deva ou não repeti-lo, mesmo sem risco para pré-eclâmpsia e sem sintomas de infecção urinária,5, 11, 17 alguns autores recomendam a sua repetição por volta da 28ª semana e entre a 33ª e a 35ª semanas gestacionais.1

         A pesquisa de bacteriúria assintomática por urocultura de jato médio é recomendada na primeira consulta de pré-natal.1, 5, 11 Embora não seja consenso que, após um exame normal, deva se suspender a pesquisa, se a gestante permanecer assintomática,11, 17 alguns serviços optam por repeti-la em torno da 28ª semana de gestação.1

         Na vigência de bacteriúria assintomática (> 100.000 unidades formadoras de colônias [UFC]), a gestante deverá receber antibioticoterapia guiada pelo antibiograma, objetivando reduzir o risco de pielonefrite e consequente trabalho de parto prematuro e baixo peso ao nascer. O tratamento deve estender-se por 7 dias, e os antibióticos mais frequentemente prescritos são: cefalexina 500 mg, a cada 6 horas, cefuroxima 250 mg, a cada 8 horas, norfloxacino 400 mg, a cada 12 horas, nitrofurantoína 100 mg, a cada 6 horas, e sulfametoxazol-trimetoprima 1.600/320 mg, a cada 24 horas.18 Na escolha do antibiótico, assim como de qualquer medicamento na gestação, os benefícios e riscos devem ser considerados. O controle deverá ser realizado com a repetição da urocultura uma semana após o tratamento e a cada mês até o parto.17 Na presença de valores entre 10.000 a 100.000 UFC, deve-se acompanhar mensalmente a gestante, solicitando uroculturas de controle até a definição do caso.18

 

Pesquisa de suscetibilidade a rubéola

         As gestantes podem ser rastreadas quanto à sua imunidade à rubéola, caso isso não tenha sido feito na pré-concepção. As suscetíveis, ou seja, não IgG-reagente, devem ser aconselhadas sobre os riscos na gestação e devem ser orientadas a se vacinarem no puerpério imediato (B).1, 5, 11 Se houver contato com caso suspeito de rubéola, a pesquisa de anticorpos específicos pode ser solicitada. A presença de IgM-reagente faz o diagnóstico de infecção aguda e permanece assim até 30 dias após a infecção. Se for IgM-negativo, o diagnóstico se faz com o aumento de quatro vezes no nível de IgG.19 Casos confirmados de infecção aguda materna devem ser encaminhados a um serviço de pré-natal de alto risco, embora isso seja controverso, pois não há conduta específica para esses casos no Brasil, onde o aborto por risco de malformação é ilegal. Os riscos e benefícios de um acompanhamento em outro serviço devem ser discutidos com a gestante e com quem ela quiser dividir o pré-natal.

 

Pesquisa de toxoplasmose

         Existem muitas controvérsias sobre o rastreamento da toxoplasmose na gestação.7 A gestante que já tenha apresentado IgG-reagente em exame anterior (na gestação ou não), não necessita rastreamento. Fundamentados por estudos locais de prevalência, alguns serviços optam por solicitar trimestralmente IgG e IgM para toxoplasmose às gestantes suscetíveis, ou seja, para gestantes não IgG-reagentes. Para essas também devem ser oferecidas orientações preventivas (C),5, 11 tais como: lavar bem as frutas e vegetais, lavar as mãos antes de manipular alimentos, evitar manipulação da terra e de fezes de gatos, cozinhar bem a carne que irá ser ingerida. Um resultado IgM-reagente indica, a princípio, doença ativa, que deve ser comprovada com um teste de avidez do IgG para toxoplasmose. Se alta avidez, exclui-se contato nos últimos 3 a 4 meses; se baixa avidez, confirma infecção recente, e a gestante deverá receber espiramicina 1 g, VO, a cada 8 horas, e ser encaminhada a um serviço de alto risco.20

 

Pesquisa de hepatite B

         A solicitação de HbsAg na primeira consulta de pré-natal permite a orientação de imunização da gestante, caso ela seja soronegativa, ou intervenções pós-natais com o intuito de evitar a transmissão vertical, sendo soropositiva (A).5 Gestantes soronegativas com história atual de acidente com material contaminado, relações sexuais com parceiro em fase aguda da doença ou vítimas de violência sexual, devem receber imunoglobulina hiperimune na dose de 0,06 mL/kg por via intramuscular.19

 

Cultura do estreptococo do grupo beta-hemolítico (GBS)

         A pesquisa da colonização das áreas vaginal e retal pelo GBS visa ao tratamento da gestante com antibioticoterapia intraparto com o objetivo de reduzir o risco de o bebê desenvolver sepse, meningite ou pneumonia por esse agente. A recomendação da pesquisa é controversa. O NICE (2010)5 não a recomenda de rotina dada a ausência de evidência de custo-efetividade, uma vez que permanece incerta a prevalência do problema.5 Entretanto, o CDC21 e o Centro Latino-Americano de Perinatalogia1 recomendam a pesquisa universal entre a 35ª e a 37ª semana gestacional, que é realizada com cultura de swab coletado do introito vaginal e retal. Gestantes com uroculturas positivas para GBS não necessitam testagem por já apresentarem critério para tratamento com antibiótico intraparto.6 Quando realizada, o médico de família e comunidade deve registrar na carteira da gestante a informação da colonização por GBS para que o profissional que fará o parto possa realizar a conduta necessária.

 

Pesquisa de sífilis

         Recomenda-se a realização de VDRL na primeira consulta de pré-natal para todas as gestantes (A).5 Se não reagente, o Ministério da Saúde preconiza a sua repetição em torno da 32ª semana e no momento do parto ou em situação de abortamento.9 Gestantes VDRL-reagente (em qualquer título) devem ser tratadas, assim como o seu companheiro. Um dos testes específicos (FTA-Abs, TPHA ou Elisa), se possível, deve ser solicitado apenas para descartar VDRL falso-positivo, que pode ocorrer mediante doença autoimune, fase aguda de viroses, cirrose hepática, leptospirose, mononucleose, hanseníase, malária e pela própria gestação. No entanto, para rastreamento e acompanhamento mensal da titulação, o VDRL é o exame mais adequado. O seguimento com o VDRL visa a documentar a cura sorológica, com a queda dos títulos em duas diluições (ou de 4 vezes), por exemplo, de 1/8 para 1/2 ou de 1/128 para 1/32.

         Na situação de títulos baixos em que a história for conhecida e o tratamento do casal tenha sido adequado e documentado, é possível considerar cicatriz sorológica e realizar controles mensais com VDRL até o parto.

         O tratamento recomendado para mulheres grávidas com sífilis permanece sendo a penicilina. Na fase inicial da sífilis primária, secundária e latente (com menos de 1 ano de duração), deve ser feito com penicilina G benzatina, 2,4 milhões de unidades, IM, dose única (1,2 milhão de unidades em cada glúteo).22 O Ministério da Saúde recomenda uma segunda dose após uma semana na sífilis secundária e latente recente.9, 23 Para a sífilis com duração de mais de 1 ano ou duração desconhecida, recomenda-se o tratamento com penicilina G benzatina, 2,4 milhões de unidades, IM, semanalmente, totalizando 3 doses.9, 22, 23

         Em caso de alergia à penicilina, o tratamento com outros antibióticos cura a sífilis materna, mas não protege o feto. Por esse motivo, recomenda-se encaminhar a um centro de referência para que seja realizada a dessensibilização à penicilina e o medicamento possa ser utilizado.1

         As gestantes tratadas requerem seguimento sorológico quantitativo mensal durante a gestação, devendo ser novamente tratadas, mesmo na ausência de sintomas, se não houver resposta ou se houver aumento de, pelo menos, duas diluições em relação ao último título de VDRL (p. ex., de 1/2 para 1/8).9 Vale lembrar que a não adesão ao tratamento pelo parceiro é uma das principais causas de não erradicação da sífilis congênita.24

 

Pesquisa de anti-HIV

         Recomenda-se a realização de anti-HIV na primeira consulta de pré-natal e em torno da 30a semana, sempre com consentimento e aconselhamento.9 As gestantes soropositivas devem ser encaminhadas para um serviço de referência. Intervenções adequadas reduzem o risco de transmissão vertical (A).5 Alguns serviços recomendam acompanhamento em serviço de referência também para as gestantes soronegativas cujos parceiros sejam soropostivos.25

 

Pesquisa de diabetes melito

         Recomenda-se a solicitação de glicemia de jejum na primeira consulta de pré-natal e após a 20ª semana de gestação. Se os resultados forem = 85 mg/dL, ou em caso de forte suspeita clínica, deve-se seguir investigando, ou com teste de tolerância à glicose com 75 g (TTG 75 g) e dosagens após 2 horas em torno de 24 a 28 semanas, ou com a imediata repetição da glicemia, caso a glicemia de jejum seja = 110 mg/dL. O diagnóstico de diabetes gestacional deve ser considerado com glicemia de jejum = 110 mg/dL ou com teste de tolerância à glicose com 75 g = 140 mg/dL após 2 horas.9, 26 Atualmente, novos estudos apontam para a necessidade de rever a sequência de exames para rastreamento, incentivando a solicitação de TTG 75 g a todas as gestantes entre 24 e 28 semanas, assim como alterando os pontos de corte para diagnosticar diabetes gestacional (glicemia de jejum = 92 mg/dL ou glicemia após 2 h de TTG 75 g = 153 mg/dL).27 Gestantes com diagnóstico de diabetes devem ser encaminhadas a um serviço de pré-natal de alto risco, embora a tendência mais atual aponte para um controle rigoroso do peso, por meio de dieta e exercício físico (se não houver contraindicação), em nível primário, que permita ganho ponderal entre 300-400 g/semana a partir do segundo trimestre. Caso essas medidas falhem em manter a glicemia em níveis ideais por um período de 1 a 2 semanas (jejum = 95 mg/dL e 1 h pós-prandial > 140 mg/dL), encaminhar para insulinoterapia (B).28

 

         Fatores de risco para diabetes melito gestacional (DMG)

         Alto risco (um ou mais dos seguintes):5, 11

 

      Obesidade (IMC > 30 kg/m2)

      Diabetes em parentes de primeiro grau

      História de intolerância à glicose

      Bebês com macrossomia (maiores que 4.500 g)

      Glicosúria (na presença de intolerância à glicose)

      DMG prévio

 

         Etnias com elevada prevalência de diabetes:

 

      Sul da Ásia (especificamente Índia, Paquistão ou Bangladesh)

      Negros caribenhos

      Oriente Médio (especificamente Arábia Saudita, Emirados Árabes, Iraque, Jordânia, Síria, Omã, Qatar, Kuwait, Líbano ou Egito)

 

Ultrassonografia obstétrica e morfológica

         O exame ultrassonográfico tem valor indiscutível na presença de suspeitas clínicas e intercorrências.9,29 Considera-se ainda que, realizado no primeiro trimestre, detecta precocemente gestações múltiplas e reduz a taxa de indução do parto nas gestações pós-termo; no entanto não reduz mortalidade perinatal.30 O Ministério da Saúde afirma que a sua não realização, sem indicação clínica, não consistiria em omissão ou interferiria na qualidade da atenção prestada. Protocolos internacionais5,11 recomendam a solicitação de ultrassonografia morfológica entre 18 e 22 semanas para analisar estruturas fetais e ainda calcular uma datação confiável da idade gestacional.

 

Pesquisa de aneuploidias fetais

         A pesquisa de síndrome de Down pode ser oferecida à gestante, em especial as com mais de 40 anos. Os riscos e benefícios de tais exames devem ser discutidos com a gestante e com quem ela escolher como acompanhante seguindo os preceitos da abordagem centrada na pessoa. O risco de alterações cromossômicas no feto aumenta com a idade materna.31 Os exames disponíveis são: medida da translucência nucal entre 10 e 14 semanas e testes sorológicos (PAPP-A e ß-HCG livre, entre 10 e 14 semanas; AFP, HCG e estriol não conjugado, entre 15 e 19 semanas; ou AFP, ß-HCG, estriol não conjugado e inibina-A, como teste único entre 15 e 19 semanas).11 Gestantes com testes alterados devem ser encaminhadas para serviços especializados em medicina fetal.5 O acompanhamento pelo especialista visa diagnosticar de forma mais precisa a patologia, oferecer maior esclarecimento quanto ao prognóstico do bebê, quanto à necessidade de investigação adicional e quanto ao risco de recorrência em uma próxima gestação.31

         A Tabela 115.3 resume os exames complementares que poderão ser solicitados à gestante, conforme exames prévios, resultados dos primeiros exames solicitados e situações de risco.

 

Tabela 115.3. Exames complementares que poderão ser solicitados de acordo com a idade gestacional

Período gestacional

Exames complementares

Primeira consulta ou antes da 20a semana (sugere-se revisar com a gestante se ela possui exames pré-concepcionais ou de gestação anterior)

Hemograma

Grupo sanguíneo e fator D (Rh)

Sorologia para sífilis (VDRL)

Anti-HIV (sempre com aconselhamento pré e pós-teste)

Glicemia de jejum

Toxoplasmose IgM e IgG*

EQU e urocultura

Citopatológico para prevenção de câncer de colo de útero

HbsAg

Eletroforese de hemoglobinas**

Rubéola IgM e IgG***

Entre 24-28 semanas

TTG 75 mg glicose****

Toxoplasmose (IgM)*****

A partir da 32ª semana

VDRL

Anti-HIV

Hemograma

Toxoplasmose (IgM)*****

TTG 75g glicose, ~ 32 sem, se houver forte suspeita clínica.

* Se não houver registro de IgG-postivo e IgM-negativo em exame prévio.

**Se houver fator de risco.

***Se a gestante concordar com o exame, devendo ser alertada de que, se não fizer na gestação, deverá fazer logo em seguida com vistas à imunização.

****Se houver suspeita clínica ou alteração na glicemia de jejum ou como único exame de rastreamento.

*****Se IgG e IgM negativos no primeiro exame.

Obs.: Quando for necessário TTG ou sorologia para toxoplasmose no segundo trimestre, pode-se adiantar os exames do terceiro trimestre para realizar duas tomadas.

Fonte: Takimi.7

 

Conduta proposta

         Recomenda-se esclarecer todas as dúvidas que a gestante e sua família possam ter nesse período. Algumas orientações importantes que devem ser discutidas com as gestantes são as seguintes:, 1, 9

 

      Orientar sobre a importância do pré-natal, combinar o número de consultas e estimular a participação do pai do bebê.

      Orientar sobre mudanças físicas e psicológicas que ocorrem na gestação.

      Conversar sobre a sexualidade.

      Orientar sobre uma adequada alimentação e hábitos de vida saudáveis.

      Orientar sobre suplementação de ferro e ácido fólico. O ácido fólico deve ser prescrito ainda no período pré-concepcional (60 a 90 dias antes da concepção) e mantido até o final do primeiro trimestre.

      Alertar para o não consumo de bebidas alcoólicas (em qualquer dose), tabaco e outras drogas.

      Evitar o uso de medicamentos sem orientação médica.

      Alertar para o uso de cinto de segurança e sobre cuidados com atividades físicas que possam causar algum tipo de trauma abdominal.

      Conversar sobre a amamentação, sobre as dificuldades que podem surgir e como manejá-las, sobre os primeiros cuidados com o recém-nascido e sobre a consulta de puerpério.

      Orientar sobre os possíveis sinais e sintomas de pré-eclâmpsia e a necessidade de procurar imediatamente um centro obstétrico.

      Orientar sobre os sintomas de trabalho de parto.

      Conversar sobre o tipo de parto e sobre a possibilidade de ter um acompanhante de sua escolha durante a internação e o parto.

      Estimular uma visita prévia à maternidade, se possível.

 

Quando encaminhar

         A gestação em si traz algum grau de risco à saúde da mãe e do feto, no entanto algumas situações implicam na necessidade de cuidados adicionais.5 Muitas situações, mesmo conferindo risco adicional, não necessitam de encaminhamento a serviços de pré-natal de alto risco, ao contrário, o vínculo prévio estabelecido entre a gestante e o seu médico de família e comunidade e/ou serviço de atenção primária pode atenuar a situação e torná-la mais bem conduzida. Em alguns desses serviços, um pré-natal compartilhado entre médico de família e comunidade e enfermeiro é desenvolvido,32, 33 e estudos evidenciam impressões positivas das gestantes em relação às consultas de enfermagem34 e apontam sugestões para que essas consultas sejam mais efetivas, tais como promover maior participação da gestante no processo educativo e evitar o excesso de informação.33

         Algumas situações necessitam encaminhamento a outros serviços e foram descritas anteriormente ao se comentar as condutas a partir da anamnese e resultados de exame físico ou complementar, tais como: gestantes hipertensas, diabéticas, que apresentam outras comorbidades, gestantes com mau passado obstétrico, etc.

         Independentemente da conduta médica de encaminhar ou não a gestante, o médico de família e comunidade deve acompanhá-la durante todo o pré-natal, mantendo, dessa forma, um vínculo próximo e coordenando a assistência.35

 

Erros mais frequentemente cometidos

         A prática na assistência em APS e no monitoramento e avaliação de programas de atenção à saúde3 permite apontar alguns erros mais frequentemente cometidos e que devem ser evitados:

 

      Não realização de consulta pré-concepcional, quando a detecção de alterações que possam acrescentar risco à gestação poderiam ser tratadas ou controladas; assim, todo contato da mulher em idade fértil com o serviço de saúde, mesmo que ela não esteja planejando engravidar, pode servir como aconselhamento.

      Não prescrição de ácido fólico no período pré-concepcional até o final do primeiro trimestre para prevenção malformações.

      Solicitação de múltiplas ultrassonografias obstétricas, sem critérios clínicos.

      Repetição de exames de laboratório sem critérios clínicos (p. ex., sorologia para toxoplasmose para gestante não suscetível, sorologia específica para sífilis [FTA-Abs] para identificar resposta ao tratamento).

      Não tratamento da sífilis na gestação, por considerá-la cicatriz sorológica, e não tratamento do parceiro.

      Consultas de pré-natal centralizadas no exame físico e em exames complementares e com espaço insuficiente de escuta humanizada, de narrativa e de esclarecimentos de dúvidas.

 

Prognóstico e complicações possíveis

         A seguir, serão comentadas algumas intercorrências comuns à gestação, além das comentadas na descrição dos achados de exame físico e exames complementares.

         Náuseas e vômitos são comuns até a 16a semana de gestação e podem ser amenizados com medidas não farmacológicas: fracionar alimentação, evitar líquidos durante as refeições (preferir nos intervalos), ingerir alimentos sólidos antes de levantar-se pela manhã, consumo de gengibre (A).5 Situações mais persistentes podem ser tratadas com antieméticos por via oral.9, 22

         Constipação e hemorroidas devem ser manejadas com a normalização do hábito intestinal (incentivando o aumento da ingesta hídrica e de fibras), com banhos de assento e analgésicos locais, se necessário.6

         Candidíase vaginal deve receber tratamento preferencialmente tópico. Vaginose bacteriana e/ou tricomoníase podem ser medicadas, após o primeiro trimestre, com metronidazol por via oral, 500 mg, de 12/12 h, por 5-7 dias, ou 2 g em dose única.

         As síndromes hemorrágicas devem ser conduzidas conforme a idade gestacional e as condições clínicas da gestante. Na primeira metade da gestação, deve-se pensar em ameaça de abortamento, abortamento, gravidez molar, gestação ectópica. Na segunda metade, o médico de família e comunidade deve estar atento para possível placenta prévia e descolamento prematuro de placenta.

         Em relação à infecção urinária, tanto a bacteriúria assintomática quanto a cistite devem ser tratadas e acompanhadas com exames urinários de controle. Caso a gestante apresente duas infecções na gestação, um tratamento profilático deve ser prescrito até o final da gestação.22

         Trabalho de parto prematuro (antes de 37 semanas), ruptura de membranas ou pós-datismo (a partir de 41 semanas) requerem encaminhamento para referência hospitalar.

 

Atividades preventivas e de educação

         A formação de grupos de gestantes favorece a troca de experiências e de conhecimento entre profissionais e gestantes e entre elas próprias. Além de ampliar conhecimento e se constituir como nova rede de apoio, oportuniza a expressão de suas dúvidas e temores comuns na gestação.36 O médico de família e comunidade, assim como qualquer profissional de uma equipe de atenção primária, ao ampliar o conhecimento sobre o contexto em que vive a gestante, tende a oferecer um cuidado mais integral.37

         Sugere-se que as atividades educativas às gestantes e familiares sejam norteadas por um referencial pedagógico que possibilite um movimento participativo, onde o coordenador do grupo funcione como um mediador entre os participantes em um espaço de expressão individual e coletiva sobre o período da gravidez e puerpério. É importante também registrar e avaliar todas as atividades educativas36 com o intuito de melhor planejá-las.

         Orientações sobre direitos sociais e trabalhistas também devem fazer parte de um pré-natal qualificado. As gestantes têm direito, assegurado por lei, da presença de um acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais públicos e, além disso, o direito ao conhecimento e à vinculação prévia com a maternidade na qual será atendida.38 Alguns profissionais dos hospitais, ao receber a gestante e o familiar para conhecer a maternidade, transformam essa visita em mais um momento educativo com o objetivo principal de reduzir a ansiedade natural da família no momento do parto.25

         Além da integração promovida nas atividades educativas com gestantes e familiares, os serviços de saúde devem buscar essa mesma integração entre si, ou seja, realizar ações fortemente integradas entre os diferentes pontos de atenção. Uma maneira de propiciar essa integração é conhecer os diferentes serviços a que a gestante tem acesso, procurar estabelecer rotinas pactuadas conjuntamente, trocas de experiências e fornecer informações comuns às famílias, de forma a reforçá-las e evitar cuidados fragmentados.

 

Referências

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3.        Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento e avaliação: relatório de avaliação 2010. Porto Alegre: Grupo Hospitalar Conceição; 2010.

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7.        Takimi LN. Solicitar e avaliar exames complementares. In: Grupo Hospitalar Conceição. Atenção à saúde da gestante em APS [Internet]. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora da Conceição; 2011 [capturado em 20 maio 2011]. Disponível em: http://www2.ghc.com.br/GepNet/publicacoes/atencaosaudedagestante. pdf.

8.        Gutfreind C. Narrar, ser mãe, ser pai & outros ensaios sobre a parentalidade. Rio de Janeiro: Difel; 2010.

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