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Doença pulmonar obstrutiva crônica

Autores:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Gustavo Gusso

Médico de família e comunidade. Professor da disciplina de Atenção Primária à Saúde (APS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC). Mestre em Medicina de Família pela Universidade de Western Ontario. Doutor em Ciências Médicas pela USP.

Última revisão: 11/12/2012

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Versão resumida do capítulo original, o qual pode ser consultado, na íntegra, em Gusso & Lopes, Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática (2 vols., Porto Alegre: Artmed, 2012). Obra indicada também para consulta a outros temas de Medicina de Família e Comunidade (MFC), pela abrangência e a forma como o conteúdo é abordado, além de reunir importante grupo de autores.

 

Do que se trata

         A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma doença respiratória comum que causa incapacidade substancial, redução da qualidade de vida e risco aumentado de morte prematura. Há um corpo substancial de evidências mostrando que o tabagismo é o principal fator de risco para essa doença, sendo responsável por mais de 90% dos casos. Um achado fisiopatológico característico, presente em todos os estágios da doença, é a inflamação pulmonar crônica, o que recentemente contribuiu para a compreensão da DPOC como uma doença complexa com manifestações pulmonares e extrapulmonares, com a presença de inúmeras comorbidades, como doença cardiovascular, câncer de pulmão, perda de massa muscular, diabetes melito e depressão, o que possivelmente tenha impacto adicional sobre a qualidade de vida, hospitalizações e redução da sobrevida.1

         DPOC é um termo que abrange uma série de condições patológicas que têm em comum a obstrução não totalmente reversível ao fluxo aéreo. O termo DPOC engloba os conceitos de enfisema pulmonar e bronquite crônica, embora enfisema refira-se a uma alteração patológica da arquitetura do parênquima pulmonar e bronquite crônica seja definida clinicamente. Além disso, alguns indivíduos com asma podem, a longo prazo, desenvolver uma obstrução não totalmente reversível ao fluxo aéreo, sendo, dessa forma, classificados como portadores de DPOC. A Figura 136.1 ilustra, de forma esquemática, as relações entre enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma e DPOC.

 

Figura 136.1. Relações entre enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma e DPOC.

 

 

         Existem diversos sistemas de classificação e definições com algumas variações, entretanto talvez a definição mais utilizada seja a da Iniciativa Global para a doença pulmonar obstrutiva crônica da Organização Mundial de Saúde (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease – GOLD),2, 3 que inclui os componentes extrapulmonares na definição de DPOC. A definição da GOLD declara que “a DPOC é uma doença passível de prevenção e tratamento com efeitos extrapulmonares significativos que podem contribuir para a gravidade em pacientes individuais. O seu componente pulmonar é caracterizado por limitação ao fluxo aéreo que não é totalmente reversível. A limitação ao fluxo aéreo é geralmente progressiva e associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas ou gases nocivos”. É interessante notar que essa definição difere das anteriores pelo fato de enfatizar o seu componente extrapulmonar (inflamação sistêmica), que tem se mostrado importante do ponto de vista clínico, pois contribui para a gênese das comorbidades e confere aos portadores de DPOC um maior risco de morbimortalidade por outras causas.

         Atualmente, a World Health Organization4 estima que seja a quarta causa de morte no mundo, respondendo por 5% de todas as mortes. Em países de baixa renda, a DPOC é a sexta causa de morte, nos de renda intermediária, é a terceira causa e, nos países desenvolvidos, encontra-se na quinta posição. As projeções indicam que pode chegar à terceira posição em 2020. No Brasil, a mortalidade por DPOC passou de 7,88/100.000 pessoas na década de 1980 para 19,04/100.000 na década de 1990, um aumento de 340%.5 O aumento da mortalidade por DPOC observado nas últimas décadas pode ser um artefato decorrente da melhora tanto no diagnóstico clínico como na qualidade das estatísticas de saúde em todo o mundo. Por outro lado, a redução de mortalidade por causas cardiovasculares, na maioria dos países a partir da década de 1980, não apenas prolongou o tempo de vida como também aumentou o tempo de exposição ao tabaco, fazendo um aumento real na incidência e uma maior demanda por assistência médica e hospitalizações por DPOC serem possíveis.6 No Brasil, o primeiro estudo de prevalência de DPOC, de base populacional, foi realizado em Pelotas, (RS) no início da década de 1990, mostrando uma prevalência de 12,7% em adultos com mais de 40 anos.7 Mais recentemente, o estudo PLATINO (Projeto Latino-americano de Investigação em Obstrução Pulmonar), mostrou uma prevalência geral de DPOC de 15,8%, sendo 18% em homens e 14% em mulheres. 8 Esse estudo encontrou uma forte associação de DPOC com baixo nível socioeconômico, mesmo após ajuste para tabagismo, ocupação e outros fatores de risco associados à DPOC.9 Do total de participantes com diagnóstico de DPOC no estudo, 87,5% não havia sido diagnosticado anteriormente. A Tabela 136.1 mostra as prevalências de DPOC de acordo com os estágios de gravidade encontradas na Grande São Paulo. As Tabelas 136.2 e 136.3 mostram, respectivamente, as prevalências de DPOC na Grande São Paulo, de acordo com a faixa etária e com o tempo de escolaridade.8

         É importante ressaltar que a prevalência de DPOC encontrada na faixa etária acima dos 60 anos (25,7%) na Grande São Paulo pode estar superestimada, uma vez que a utilização da relação fixa entre o volume respiratório forçado no primeiro segundo e a capacidade vital forçada – VEF1/CVF < 0,70 – pode produzir resultados falso-positivos em idosos, como será discutido mais adiante.

         A espirometria diagnóstica foi preditora da realização de espirometrias de seguimento, que, por sua vez, foram preditoras de maior controle da pessoa com DPOC, mais visitas com seu generalista e interconsultas com pneumologista e um menor número de hospitalizações.10 Alguns estudos relatam uma subutilização importante da espirometria na atenção primária (< 35% dos indivíduos com diagnóstico de DPOC), a despeito das recomendações. Também há evidências de que a instituição de avaliação espirométrica pós-broncodilatador em pessoas com suspeita de doenças pulmonares obstrutivas melhora a diferenciação diagnóstica entre asma e DPOC.11

         Há necessidade de maior utilização da espirometria como recurso auxiliar no diagnóstico. Embora a espirometria isoladamente não seja suficiente para o diagnóstico (o rastreamento de DPOC com espirometria não está indicado), sua não utilização resulta em sub e sobrediagnóstico.9

 

Tabela 136.1. Prevalência de DPOC de acordo com os estágios de gravidade

Estágio

Prevalência

I

10,1%

II

4,6%

III

0,9%

IV

0,2%

Fonte: Menezes e colaboradores.8

 

Tabela 136.2. Prevalência de DPOC de acordo com a faixa etária

Faixa etária

Prevalência

40-49 anos

8,4%

50-59 anos

16,2%

= 60 anos

25,7%

Fonte: Menezes e colaboradores.8

 

Tabela 136.3. Prevalência de DPOC de acordo com o tempo de escolaridade

Anos de estudo

Prevalência

0-2 anos

22,1%

3-4 anos

16,3%

5-8 anos

14,4%

> 9 anos

10,4%

Fonte: Menezes e colaboradores.8

 

         Indivíduos com DPOC grave (VEF1 < 50%) têm uma mortalidade de 5 a 10% ao ano. Hospitalização por uma exacerbação aguda é um evento importante e um marcador de gravidade da doença. Estima-se que a mortalidade intra-hospitalar de indivíduos com DPOC internados por uma exacerbação aguda seja da ordem de 7,5 a 11%, e a mortalidade 90 dias após a alta é de 15%, chegando a 49% em dois anos após a alta.3, 12 Indivíduos com DPOC grave e 3 ou mais exacerbações por ano têm uma mortalidade quatro vezes maior do que indivíduos com a mesma gravidade mas sem exacerbações. Embora indivíduos com exacerbações mais graves necessitem de cuidados hospitalares (pronto-socorro, UTI ou enfermaria), a maioria das pessoas com exacerbações agudas de DPOC pode procurar e ser tratada pelo generalista no contexto da atenção primária à saúde (APS).

         A maior parte dos custos diretos com indivíduos com DPOC (78%) se refere a hospitalizações, procura por serviços de emergência e consultas ambulatoriais não agendadas decorrentes principalmente das exacerbações agudas.13

         Embora a função pulmonar seja necessária para diagnosticar a DPOC e classificar sua gravidade, as pessoas com DPOC e os generalistas estão mais interessados em sintomas, funcionalidade e bem-estar geral. As medidas de função pulmonar podem ser utilizadas para monitorar a progressão da doença, entretanto sabe-se que não há uma forte correlação entre a VEF1 e a intensidade dos sintomas ou a capacidade física. O prejuízo na qualidade de vida na DPOC já é observado em níveis modestos de obstrução ao fluxo aéreo, o que reflete a grande heterogeneidade e complexidade dessa condição.14 Há, inclusive, evidências de que o grau de dispneia seja um melhor preditor da sobrevida em cinco anos que o grau de obstrução aérea verificado pelo VEF1.15 Dessa forma, o uso do VEF1 como único ou melhor preditor da evolução e do risco de mortalidade de indivíduos com DPOC é controverso.

         Além disso, pessoas que apresentam resposta insatisfatória do VEF1 ao tratamento broncodilatador podem apresentar melhora significativa em desfechos clínicos em resposta ao mesmo tratamento. Em vista dessas considerações, tem crescido o interesse na avaliação multidimensional ou multissistêmica de indivíduos com DPOC. O Quadro 136.1 ilustra as várias formas de medir os preditores clínicos.

 

Quadro 136.1. Preditores e marcadores de morbimortalidade utilizados no manejo da DPOC

Preditores/desfechos

Medida utilizada

Função pulmonar

Volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1)

Volumes pulmonares

CPT, CRF, VR, CI

Capacidade de exercício

Teste de caminhada dos 6 minutos, ergometria

Grau de atividade física

Sensores de atividade física (contagem de passos/dia)

Estado geral de saúde

Questionário Respiratório de St. George, Questionário de Doença Respiratória Crônica (CRQ)

Questionário Clínico de DPOC (CCQ)

Dispneia

Escala do MRC

Escala de Borg

Exacerbações

Número de exacerbações por ano

Escore multidimensional

Escore BODE – BMI (IMC), Obstrução (VEF1), Dispneia (MRC), Exercício (teste da caminhada de 6 minutos)

Mortalidade

Mortalidade específica ou por todas as causas

Fonte: Glaab e colaboradores.18

 

         O índice BODE é um instrumento multidimensional que incorpora medidas do estado nutricional (índice de massa corpórea – IMC), da obstrução aérea (VEF1), da dispneia (Escala do MRC) (Quadro 136.2) e do estado funcional (teste da caminhada de 6 minutos). Este índice proporciona uma avaliação integrada dos aspectos respiratórios e não respiratórios da doença, o que reflete melhor a sua gravidade, além de incluir domínios relacionados à qualidade de vida de indivíduos com DPOC. O índice BODE prediz mortalidade (Tabela 136.4 e Figura 136.2), hospitalizações e é sensível a mudanças produzidas por intervenções como a reabilitação pulmonar.16, 17

         Mais recentemente, pesquisadores europeus desenvolveram um índice mais simples que o BODE e com melhor capacidade preditiva de mortalidade (ADO Index). Esse índice inclui apenas três variáveis: idade (Age), Dispneia e Obstrução, entretanto sua capacidade preditiva ainda não foi validada em outros estudos, não sendo utilizado rotineiramente na prática.

 

Quadro 136.2. Escala do Medical Research Council (MRC)

Índice de dispneia modificado do MRC, adaptado para uso no Brasil

Tenho falta de ar só durante exercícios intensos.

Tenho falta de ar quando ando apressadamente ou subo escadas ou ladeiras.

Preciso parar para respirar mesmo andando devagar ou ando mais devagar que pessoas da minha idade por causa da falta de ar.

Preciso parar algumas vezes para respirar quando ando menos de 100 metros ou após poucos minutos de caminhada no plano.

Sinto tanta falta de ar que não saio mais de casa ou preciso de ajuda para me vestir ou tomar banho sozinho por causa da falta de ar.

Fonte: Adaptado de Kovelis e colaboradores.19

 

Tabela 136.4. Índice bode para avaliar mortalidade de DPOC

Variáveis

Zero

Um

Dois

Três

VEF1 (% previsto)

= 65

50-64

36-49

= 35

Distância caminhada em6 min (m)

= 350

250-349

150-249

= 149

MRC (escala de 0 a 4)

0 ou 1

2

3

4

IMC (kg/m2)

> 21

= 21

= 21

= 21

Fonte: Celli e colaboradores.16

 

Figura 136.2. Mortalidade de DPOC conforme o índice BODE.

 

Fonte: Celli e colaboradores.16

 

Quando pensar

         O diagnóstico de DPOC deve ser sempre considerado em pessoas, principalmente com mais de 40 anos, que têm um fator de risco, principalmente o tabagismo, e apresentem sintomas respiratórios crônicos, como dispneia aos esforços, tosse crônica, produção regular de catarro e/ou crises de “bronquite” ou “chiado” (Quadro 136.3). Esses indivíduos são candidatos a uma avaliação mais minuciosa, inclusive com realização de espirometria.

 

Quadro 136.3. Indicadores fundamentais para a consideração de um diagnóstico de DPOC

Tosse crônica: Presente de modo intermitente ou todos os dias. Presente, com frequência, ao longo do dia; raramente é apenas noturna. Pode preceder ou aparecer simultaneamente à dispneia.

Produção crônica de expectoração: Qualquer forma de produção crônica de expectoração pode ser indicativa de DPOC.

Exacerbações agudas: Episódios repetidos.

Dispneia:

Progressiva (agrava-se com o passar do tempo).

Persistente (presente todos os dias).

Pior com exercício.

Pior durante infecções respiratórias.

História de exposição aos fatores de risco:

Fumaça do tabaco (incluindo outras formas populares locais).

Poeiras/fumaças industriais e produtos químicos ocupacionais.

Fumaça proveniente da cozinha domiciliar, do fogão à lenha, do carvão e do gás de aquecimento.

Fonte: Adaptado de Global Strategy for Diagnosis Management, and Prevention of COPD.2

 

         História de tabagismo de mais de 70 maços/ano apresenta uma razão de verossimilhança positiva (RVP) ou likelihood ratio positivo (LR+) de 8,0 para DPOC. Ausência de tabagismo apresenta uma razão de verossimilhança negativa (RVN) de 0,16. Produção diária de catarro de mais de um quarto de xícara tem um RVP de 4,0; história de chiado tem um RVP de 3,8; história de dispneia tem um RVP de 2,2; e de tosse, de 1,8. A combinação de achados é mais útil para fechar o diagnóstico do que para excluí-lo. Assim, um indivíduo com qualquer combinação de dois desses achados (tabagismo > 70 maços/ano, história de DPOC ou diminuição dos sons respiratórios à ausculta) tem um RVP de 34 para DPOC, fechando o diagnóstico.20

         Somente três elementos da anamnese e do exame físico se associaram ao diagnóstico de DPOC na análise multivariada: história prévia de DPOC (RVP ajustada de 4,4), presença de sibilos (RVP ajustada de 2,9) e tempo expiratório forçado acima de 9 segundos (RVP ajustada de 4,6). A razão de verossimilhança positiva (RVP ou LR+) combinada desses três fatores foi de 59 (fechando o diagnóstico de DPOC), e a razão de verossimilhança negativa (RVN ou LR-) foi de 0,3.21

         Muitas vezes, a dispneia e a intolerância aos esforços são atribuídas à falta de preparo físico, ao processo de envelhecimento e ao tabagismo, enquanto a tosse crônica (ou pigarro) é considerada uma resposta normal ao tabagismo, o que faz muitas pessoas com tais sintomas não procurarem a APS por acreditarem tratar-se de uma consequência normal da idade e do estilo de vida. Assim, deve-se ter uma postura de busca ativa de casos, quando se depara com indivíduos tabagistas.

         Existe uma discussão considerável sobre quais os melhores critérios diagnósticos para DPOC. Embora a espirometria seja a principal ferramenta diagnóstica, não há consenso sobre qual o melhor parâmetro espirométrico. O parâmetro mais utilizado, preconizado pela GOLD e pela American Thoracic Society (ATS) para diagnosticar obstrução ao fluxo aéreo é a relação VEF1/CVF < 70%. Existem controvérsias quanto a essa classificação, principalmente no que diz respeito à classificação do estágio I (DPOC leve), em que a relação VEF1/CVF está menor que 0,7, mas o VEF1 encontra-se normal (= 80% do predito), como uma “doença”. Assim, a rotulação de indivíduos assintomáticos, mas com espirometria alterada é um problema que deve ser combatido, particularmente no contexto da APS.

 

O que fazer

         A avaliação de indivíduos com suspeita de DPOC na APS deve ser eminentemente clínica, com a utilização da espirometria como ferramenta para medir o grau de obstrução, avaliar o grau de reversibilidade e a progressão da obstrução brônquica, o que tem valor prognóstico. Em todo o mundo, há uma grande discussão sobre qual a melhor maneira de se melhorar o diagnóstico e, portanto, o tratamento de pessoas com DPOC: facilitar a referência da APS para o especialista, facilitar o acesso à espirometria ou instrumentalizar a unidade básica com um espirômetro, treinando alguns profissionais da unidade para realizarem o exame. A alternativa mais aceita é facilitar o acesso direto à espirometria solicitada pelo médico de família ou generalista.

         Após a consideração do diagnóstico de DPOC, o generalista deve fazer a diferenciação com outras doenças que cursam com tosse e dispneia, particularmente a asma. Os principais diagnósticos diferenciais da DPOC são a asma, a insuficiência cardíaca, a tuberculose, as bronquiectasias e o câncer de pulmão (Quadro 136.4).

 

Quadro 136.4. Principais diagnósticos diferenciais da DPOC

Asma

Início na infância ou adolescência, história pessoal de atopia (rinite, alergia, eczema), história familiar de asma, sem história de tabagismo, variação acentuada do grau de sintomas, sintomas noturnos ou de madrugada, obstrução ao fluxo aéreo amplamente reversível, boa resposta ao corticoide inalatório. Pode coexistir com DPOC.

Insuficiência cardíaca (IC)

Dispneia paroxística noturna, crepitações nas bases pulmonares, outros achados de IC ao exame físico, radiografia de tórax mostrando cardiomegalia e edema pulmonar, espirometria com distúrbio ventilatório restritivo. Pode coexistir com DPOC.

Tuberculose

Faixa etária variada; pode ser pouco sintomática; tosse produtiva, hemoptise, febre, sudorese noturna, perda de peso, radiografia de tórax com opacidade em ápices ou cavitação. Pode coexistir com DPOC.

Bronquiectasias

Faixa etária variada; tosse com expectoração purulenta diária, radiografia ou tomografia de tórax com dilatação brônquica. Pode coexistir com DPOC.

Câncer de pulmão

Idade > 50 anos, tosse, expectoração, dispneia, dor torácica, fadiga, emagrecimento, radiografia de tórax com opacidade irregular. Pode coexistir com DPOC.

Outros: bronquiolite obliterante, embolia de pulmão recorrente, massas mediastinais e hipofaríngeas e outras obstruções de vias aéreas (bócio), apneia obstrutiva do sono, síndrome de Löeffler, infecções virais e bacterianas, fibrose cística, aspergilose broncopulmonar alérgica, refluxo gastresofágico

 

Fonte: Price e colaboradores.22

 

         A diferenciação com a asma é extremamente importante, porque as estratégias de tratamento são distintas para as duas condições, embora a cessação do tabagismo seja vital, independente da doença. O tratamento da asma inclui corticoide inalatório em indivíduos com doença persistente para suprimir a inflamação eosinofílica das vias aéreas. No tratamento da DPOC, ao contrário, a inflamação neutrofílica das vias aéreas é pouco responsiva ao corticoide inalatório. Em relação à insuficiência cardíaca, embora a diferenciação possa parecer mais simples (cardiomegalia na radiografia, dispneia paroxística noturna, edema de membros inferiores), muitas vezes não há subsídios clínicos suficientes para o diagnóstico adequado, além disso, as duas condições podem estar associadas com alguma frequência, o que torna o manejo ainda mais complicado, particularmente se o generalista não perceber a associação. Nesses casos, a utilização de exames complementares para a elucidação diagnóstica está indicada.

         A DPOC pode ser classificada como leve, moderada, grave ou muito grave com base nos sintomas e principalmente no grau de obstrução observado na espirometria (Quadro 136.5).

 

Quadro 136.5. Classificação da gravidade da DPOC – Estádios clínicos

Estágio

Característica

Comentários

0 – sob risco

Espirometria normal

Tosse e expectoração muitas vezes precedem o aparecimento de obstrução ao fluxo aéreo por muitos anos. Encorajar e estimular a cessação do tabagismo em indivíduos sob risco é a medida mais importante para reduzir o aparecimento da DPOC.

Pode haver sintomas crônicos (tosse e expectoração)

I – leve

VEF1/CVF < 70%

Neste estágio, o indivíduo pode não ter percebido que sua função pulmonar está comprometida.

VEF1 = 80% do predito

Com ou sem sintomas crônicos

II – moderada

VEF1/CVF < 70%

Os sintomas geralmente progridem neste estágio, com a dispneia aparecendo normalmente aos esforços.

50 % = VEF1 < 80% do predito

Com ou sem sintomas crônicos

III – grave

VEF1/CVF < 70%

A dispneia normalmente piora neste estágio e, muitas vezes, limita as atividades diárias das pessoas com DPOC. As exacerbações agudas geralmente começam a aparecer neste estágio.

30 % = VEF1 < 50% do predito

Com ou sem sintomas crônicos

IV – muito grave

VEF1/CVF < 70%

A qualidade de vida é muito comprometida neste estágio, as exacerbações se tornam mais frequentes e podem ser muito graves.

VEF1 < 30% do predito ou

VEF1 < 50% do predito + insuficiência respiratória crônica

Fonte: Bellamy e colaboradores.23

 

Anamnese

         A história clínica deve ser detalhada e incluir, além da avaliação dos sintomas, a história de vida do indivíduo, incluindo aspectos socioeconômicos, hábitos de vida, aspectos ocupacionais e aspectos psicodinâmicos; o impacto da doença na vida do indivíduo, incluindo limitação de atividades, faltas no trabalho e o impacto econômico; efeito sobre a rotina familiar; presença de sintomas depressivos e/ou ansiosos; disponibilidade de suporte social e familiar; padrão de desenvolvimento dos sintomas; história familiar de DPOC ou outras doenças respiratórias; avaliação da presença de comorbidades, como doença cardiovascular, depressão, anemia, neoplasias, osteoporose e problemas osteomusculares; história de exacerbações e hospitalizações prévias; exposição a fatores de risco, principalmente o tabagismo atual ou pregresso, o tabagismo passivo e/ou exposição ocupacional, incluindo intensidade e duração; história pessoal de asma, alergias, sinusopatia e outras doenças respiratórias; possibilidades para a redução de fatores de risco e, por fim, a adequação do tratamento atual, a percepção do indivíduo sobre sua doença e suas expectativas em relação ao tratamento.

         Os principais sintomas que sugerem limitação ao fluxo aéreo são o chiado, a tosse e a produção de catarro. Tosse é o sintoma mais frequente, precedendo ou aparecendo simultaneamente à dispneia na maioria dos casos (75%). É diária ou intermitente e, geralmente, produtiva. A dispneia é o sintoma mais importante, associando-se a incapacidade física, piora da qualidade de vida e pior prognóstico. É insidiosa no início e progressiva. O chiado está frequentemente presente, tendo sido relatado em 83% dos casos em algumas séries.

 

Exame físico

         O exame físico de indivíduos com suspeita de DPOC deve procurar por sinais de hiperinsuflação pulmonar (tórax em barril, hipersonoridade à percussão do tórax, ausência de íctus, bulhas abafadas, excursão diafragmática reduzida), os quais estão geralmente presentes na doença avançada, além de sinais de obstrução ao fluxo aéreo (sibilos, expiração prolongada) e presença de secreção nas vias aéreas (roncos). A oximetria de pulso, por ser de baixo custo, deve ser incluída no exame físico da pessoa com DPOC. É importante também medir o peso e a altura (IMC) e avaliar sinais de desnutrição e consumo muscular, que comumente acompanham os casos de DPOC graves.

         Avaliação de sinais de comorbidades associadas e de diagnósticos diferenciais deve fazer parte do exame físico. Um dos exemplos típicos é a paciente com suspeita de DPOC que tem, na verdade, insuficiência cardíaca isoladamente ou associada à DPOC. Assim, a avaliação de sinais de insuficiência cardíaca, como estase jugular, hepatomegalia, sopros cardíacos, desvio de íctus, crepitações pulmonares, edema de membros inferiores, deve ser realizada cuidadosamente.

         Do ponto de vista da avaliação formal dos valores diagnósticos de itens do exame físico, apenas quatro deles têm valor diagnóstico independente para DPOC: a presença de sibilos à ausculta pulmonar, o tempo expiratório forçado, a altura da laringe e a expiração prolongada.24

         O sinal de Hoover refere-se à incursão paradoxal do gradeado costal inferior durante a inspiração e pode ajudar no prognóstico. Esse sinal pode estar presente em até 76% dos pacientes com DPOC grave e ser um marcador clínico útil de obstrução severa de vias aéreas para auxiliar em situações de triagem e manejo na emergência, além de um bom preditor de desfechos clínicos. É de fácil observação e tem uma boa concordância interobservador.25 Há ainda o uso de musculatura acessória e o pulso paradoxal, que podem ser úteis em situações de exacerbação aguda.

 

Exames complementares

         O principal exame complementar para o diagnóstico da DPOC e sua classificação de gravidade é a espirometria. Exames de imagem, como radiografia de tórax ou tomografia de tórax, são usados para avaliar diagnósticos diferenciais e comorbidades.

 

Espirométrico (funcional)

         A espirometria é recomendada para todos os fumantes com mais de 40 a 45 anos que apresentam falta de ar aos esforços, tosse persistente, chiado, produção de catarro ou infecções respiratórias frequentes. É importante frisar que, embora a espirometria seja o exame confirmatório de excelência para o diagnóstico de DPOC e sua realização deva ser estimulada, em locais em que ela não esteja disponível o diagnóstico clínico é suficiente para o início do tratamento.

         Os aspectos espirométricos principais na DPOC são o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e a capacidade vital forçada (CVF). A limitação do fluxo aéreo é definida pela presença da relação VEF1/CVF < 0,70 após uso de broncodilatador pela maioria das diretrizes clínicas mundiais. Portanto, esse achado é suficiente, do ponto de vista espirométrico, para o diagnóstico de DPOC.

         Há uma grande discussão, entretanto, sobre os parâmetros utilizados para o diagnóstico de obstrução. Uma relação VEF1/CVF < 0,70 (GOLD e ATS) pode levar a muitos resultados falso-positivos, uma vez que essa relação diminui com a idade em indivíduos saudáveis não tabagistas, o que faz a taxa de falso-positivos aumentar depois dos 50 e fique muito alta após os 70 anos de idade. Por outro lado, embora menos importante, o uso de uma relação fixa como valor de corte pode subdiagnosticar pessoas mais jovens (aumentar a taxa de falso-negativos), conforme ilustra a Figura 136.3.26

 

Figura 136.3. Potencial de subdiagnóstico e sobrediagnóstico de DPOC com o uso de uma relação fixa do VEF1/CVF < 0,70.

 

Fonte: Price e colaboradores.22

 

         De acordo com muitos autores,27 o ideal é utilizar o quinto percentil das equações de referência derivadas de amostras populacionais sadias para determinar o nível inferior de normalidade, ajustado por idade e sexo. Não há motivos para se detectar DPOC “precocemente”, pois não há evidências de que o estágio I da classificação da GOLD seja uma doença ou um fator de risco.27, 28 O risco de rápido declínio da função pulmonar em adultos fumantes com obstrução aérea aumenta substancialmente somente após uma queda do VEF1 abaixo de 65% do predito.

         O VEF1 é utilizado para caracterizar o grau de obstrução e o estádio clínico da DPOC (Tabela 136.4). Ele é expresso em relação aos valores preditos para indivíduos de idade, sexo e altura semelhantes.

 

Radiológico

         A radiografia de tórax frequentemente mostra hiperinsuflação pulmonar, mas tem a função principal de afastar diagnósticos diferenciais e outras comorbidades, como câncer de pulmão, bronquiectasias, insuficiência cardíaca, tuberculose e doença intersticial pulmonar. Radiografia de tórax e tomografia computadorizada de tórax anuais para rastrear câncer de pulmão ou avaliar a evolução da DPOC não estão indicadas.

 

Outros exames

         Alguns exames, embora não sejam necessários para o diagnóstico de DPOC, são importantes para avaliar suas comorbidades e complicações, devendo ser solicitados conforme a suspeita clínica. O hemograma deve ser realizado para afastar anemia e policitemia. O eletrocardiograma e o ecocardiograma podem ser realizados em pessoas com sinais sugestivos de cor pulmonale ou que apresentem sinais ou sintomas de outras doenças cardiovasculares. A oximetria de pulso de repouso e aos esforços deve ser realizada para avaliar hipoxemia e necessidade de oxigênio domiciliar, além da gasometria arterial para confirmação diagnóstica.

 

Conduta proposta

         A abordagem de pessoas com DPOC na APS deve incluir pelo menos quatro componentes: avaliação e monitoramento da doença, redução de fatores de risco, manejo do indivíduo com DPOC estável e manejo das exacerbações agudas.

         Os objetivos do acompanhamento e tratamento de pessoas com DPOC na APS são:

 

      Aliviar os sintomas

      Prevenir a progressão da doença

      Melhorar a capacidade física (tolerância aos exercícios)

      Melhorar o estado geral de saúde e bem-estar

      Prevenir e tratar complicações

      Prevenir e tratar exacerbações agudas

      Reduzir a mortalidade

      Encaminhar ao especialista quando necessário (função de filtro)

      Realizar a prevenção quaternária (não encaminhar ao especialista quando não necessário, não expor a pessoa a intervenções diagnósticas e terapêuticas desnecessárias e prevenir e minimizar os efeitos colaterais do tratamento).

 

Tratamento

         O tratamento inclui modificações do estilo de vida, educação em saúde, intervenções multidisciplinares, tratamento específico e tratamento das exacerbações e das comorbidades (Quadro 136.6). A Figura 136.4 traz um algoritmo que indica a abordagem geral de indivíduos com DPOC com base na classificação de gravidade multidimensional realizada com o índice BODE.

 

Quadro 136.6. Terapias efetivas disponíveis para indivíduos com DPOC estável

Melhoram a sobrevida

Talvez melhorem a sobrevida

Melhoram desfechos clínicos

Cessação do tabagismo

Farmacoterapia com salmeterol e fluticasona

Farmacoterapia com broncodilatadores de ação curta, anticolinérgicos de ação longa, beta-agonistas de ação longa, teofilinas, corticoide inalatório para pessoas selecionadas, alfa-1-antitripsina para pessoas selecionadas, antibióticos para pessoas selecionadas

 

Reabilitação pulmonar

Reabilitação pulmonar

Oxigenoterapia domiciliar para pessoas selecionadas

 

Oxigenoterapia

Cirurgia de redução pulmonar para pessoas selecionadas

 

Cirurgia de redução pulmonar

Ventilação não invasiva para insuficiência respiratória aguda

 

Transplante pulmonar

 

Figura 136.4. Algoritmo para abordagem geral de indivíduos com DPOC.

 

 

         A dispneia é o sintoma mais debilitante da DPOC, e sua relação com descondicionamento físico, imobilização, isolamento social e depressão (Figura 136.5) não deve ser negligenciada. A depressão é comum nos indivíduos com DPOC (41% têm sintomas depressivos), sendo responsável por piora da qualidade de vida e piora na aderência ao tratamento. A mortalidade é 2,7 vezes maior entre os que têm depressão grave.

 

Figura 136.5. Impacto da falta de ar em pessoas com DPOC.

 

 

         Muitas diretrizes de tratamento, incluindo o GOLD, indicam uma abordagem geral baseada principalmente no grau de obstrução avaliado pelo VEF1 (Figura 136.6). Entretanto, como já mencionado, nenhum paciente se queixa da diminuição do seu VEF1, por isso uma classificação de gravidade e uma abordagem que levem em conta desfechos clínicos importantes para o paciente são mais interessantes, particularmente no contexto da APS. Na verdade, a classificação da GOLD, ao basear-se apenas no VEF1, é capaz de diagnosticar e classificar a gravidade da DPOC mesmo na ausência de sintomas,29 o que é paradoxal na APS, particularmente quando se considera a medicalização social e a prevenção quaternária.

 

Figura 136.6. Tratamento de acordo com cada estágio da DPOC.

 

VEF1 pós-broncodilatador é recomendado para diagnóstico e avaliação da gravidade da DPOC.

 

Não farmacológico

         A cessação do tabagismo é de longe a intervenção mais importante para reduzir o risco de desenvolver DPOC e para retardar sua progressão. Há várias estratégias de intervenção para a cessação do tabagismo. Cabe mencionar, entretanto, que mesmo um aconselhamento de 3 minutos realizado em cada encontro com um indivíduo fumante pode ser efetivo. Além disso, avaliação e redução de exposição ocupacional, redução da exposição a poluição ambiental e doméstica, dieta saudável e atividade física regular fazem parte das modificações de estilo de vida de pessoas com DPOC.

         O esclarecimento sobre a natureza da doença, o acolhimento dos medos e inseguranças das pessoas com DPOC, a avaliação de suas dificuldades para o autocuidado, o apoio psicossocial, a participação em grupos na unidade, as orientações práticas sobre o uso de inaladores e a reabilitação pulmonar são parte fundamental das intervenções multiprofissionais e da educação em saúde. Há evidências de que sessões formais de orientações práticas para o uso de inaladores e espaçadores melhoram os desfechos clínicos e reduzem os custos totais com o tratamento. Esta é uma intervenção que não deve ser negligenciada pelo generalista, pois é muito grande o número de pessoas com DPOC consideradas não aderentes ou refratárias ao tratamento que, na verdade, não sabem ou não conseguem utilizar de forma adequada os inaladores e os espaçadores (Figura 136.7). Uma ideia que tem sido utilizada com sucesso é a fabricação caseira de espaçadores com garrafas PET (Figura 136.8), atividade que pode ser integrada a grupos para pessoas com enfermidades respiratórias crônicas, como asma e DPOC, na unidade (o vídeo www.youtube.com/watch?v=DrmpZ8B9XzM orienta a confecção de espaçador).

 

Figura 136.7. Algoritmo para manejo centrado na pessoa com DPOC estável na APS.

 

Fonte: Adaptado de Global Strategy for Diagnosis, Management and Prevention of COPD.2

 

Figura 136.8. Fabricação de espaçadores com garrafas PET.

 

 

Farmacológico

         Os principais objetivos do manejo farmacológico de pessoas com DPOC são a redução na severidade dos sintomas e a prevenção das exacerbações (Figura 136.9). A terapia broncodilatadora é central para o manejo da DPOC. Esse tratamento produz pequenos aumentos da função pulmonar medida pela espirometria e uma redução da hiperinsuflação dinâmica que leva à dispneia da DPOC. Indivíduos com DPOC frequentemente procuram o generalista por dispneia, e os broncodilatadores são o primeiro tratamento prescrito na maioria das vezes. Inicialmente, os broncodilatadores de ação curta, como os ß2-agonistas salbutamol ou fenoterol ou o anticolinérgico ipratrópio podem ser utilizados, mas em indivíduos com sintomas persistentes, os broncodilatadores de longa duração produzem alívio mais uniforme e duradouro. Atualmente, há duas classes de broncodilatadores de ação longa ação disponíveis – ß2-agonistas de longa ação ou LABA (long-acting beta-agonists) – formoterol e salmeterol – e os anticolinérgicos de longa ação ou antagonistas muscarínicos de longa ação ou LAMA (long-acting muscarinic antagonists) – tiotrópio. Ambas as classes de agentes, comparados com placebo, mostraram-se efetivas em aliviar os sintomas de portadores de DPOC. Embora as medicações para DPOC (broncodilatadores) não tenham se mostrado efetivas em impedir o declínio da função pulmonar a longo prazo ou reduzir a mortalidade, sua efetividade para reduzir os sintomas, diminuir as exacerbações e melhorar a qualidade de vida das pessoas justificam sua utilização no tratamento com DPOC.

         O tratamento farmacológico se divide em dois componentes: tratamento de manutenção ou profilático e tratamento das exacerbações agudas. O tratamento de manutenção depende da gravidade da DPOC.

 

Figura 136.9. Algoritmo para farmacoterapia inalatória.

 

Fonte: National Institute for Health and Clinical Excellence.30

 

Intervenções específicas

         Uso de mucolíticos

         Alguns estudos sugerem que a N-acetilcisteína e carbacisteína reduzem o número de exacerbações agudas.

 

         Oxigenoterapia domiciliar

         Indicações:

      PaO2 = 55 mmHg ou saturação de O2 = 88% em repouso.

      PaO2 entre 56 e 59 mmHg ou saturação de O2 = 89% com evidências de cor pulmonale ou policitemia.

 

         Flebotomias (sangria)

         Indicações:

      Cor pulmonale descompensado com hematócrito > 55%.

 

         Vacinação

         Indicações:

      Anti-influenza – anualmente, no outono; está associada a redução de mortalidade.

      Antipneumocócica – uma dose após os 65 anos; alguns autores preconizam que seja repetida a cada cinco anos, porém sua eficácia não é tão bem documentada quanto a da vacina anti-influenza.

      Anti-Haemophilus influenzae – não há indicação.

 

         Reabilitação pulmonar

         É um programa multiprofissional que engloba:

 

      Diagnóstico preciso e avaliação de comorbidades

      Tratamento farmacológico, nutricional e fisioterápico

      Recondicionamento físico

      Apoio psicossocial

      Educação para otimizar a autonomia e o desempenho físico e social

 

Abordagem das exacerbações agudas

         O tratamento das exacerbações agudas inclui o uso de broncodilatadores inalados de curta ação (ß2-agonistas e anticolinérgicos de curta ação) e corticoides sistêmicos. Os antibióticos (p. ex., amoxicilina) estarão indicados se houver o aumento da quantidade de catarro e a modificação do aspecto do catarro para purulento como parte da definição de exacerbação aguda. Dependendo do estágio da DPOC e da gravidade da exacerbação, suplementação de oxigênio para manter a saturação entre 90 e 92% ou suporte ventilatório não invasivo ou mesmo ventilação mecânica poderão ser indicados. Fisioterapia respiratória pode ser necessária em situações selecionadas. A avaliação de outras causas potenciais de exacerbação aguda deve ser realizada se houver dúvida quanto à etiologia da piora dos sintomas. Indivíduos com exacerbações agudas podem ser tratados tanto ambulatorialmente pelo seu generalista como podem necessitar de internação hospitalar, dependendo da gravidade do episódio. Também devem ser internados indivíduos com DPOC estáveis que irão se submeter a alguns procedimentos que poderão causar descompensações, como broncoscopia, biópsia transbrônquica ou biópsia transparietal com agulha ou procedimentos médicos ou cirúrgicos que requeiram o uso de hipnoanalgésicos, sedativos ou anestésicos.

 

Quando encaminhar

         A maior parte dos indivíduos com DPOC pode ser acompanhada exclusivamente na atenção primária, entretanto existem situações que justificam uma avaliação do pneumologista.31 Dentre essas situações, destacam-se:

 

      Incerteza diagnóstica

      DPOC em pessoas com menos de 40 anos

      DPOC em pessoas que posuem um parente de primeiro grau com história de deficiência de a1-antitripsina

      DPOC grave

      Exacerbações frequentes

      Hemoptise

      Dificuldade em controlar os sintomas

      Necessidade de oxigenoterapia domiciliar

      Necessidade de reabilitação pulmonar

      Necessidade de cirurgia

 

         Obviamente essas indicações são diretrizes gerais e não devem ser tomadas como norma absoluta a serem seguidas. Dependendo da experiência do médico generalista que atende a pessoa na atenção primária e da disponibilidade de equipamentos locais para um manejo adequado, a necessidade de referenciamento ao especialista deve ser individualizada, lembrando que o vínculo com a atenção primária permanece.

 

DICAS

      Ao examinar indivíduos com suspeita de DPOC, deve-se procurar por sinais de hiperinsuflação pulmonar – tórax em barril, ausência de ictus, hiper-ressonância e redução da movimentação diafragmática –, que estão geralmente presentes na doença avançada. Embora o exame físico seja uma parte essencial da avaliação, ele é pouco sensível para detectar limitação ao fluxo aéreo.

      Anotar o peso e a altura. Avaliar sinais de desnutrição ou perda muscular, que geralmente acompanham os casos mais graves de DPOC.

      Realizar uma radiografia de tórax para excluir diagnósticos diferenciais ou comorbidades, como câncer de pulmão, tuberculose, insuficiência cardíaca, bronquiectasias e doença pulmonar intersticial.

      Explicar que, para confirmar o diagnóstico, é preciso solicitar uma espirometria, que é o padrão-ouro para diagnosticar e avaliar a gravidade da DPOC. A espirometria deve ser considerada em todas as pessoas com 40 anos ou mais, com história de tabagismo (atual ou pregresso) que se queixam de falta de ar aos esforços, tosse persistente e produção de catarro ou infecções respiratórias frequentes.

      Encorajar fortemente a cessação do tabagismo em todas as oportunidades.

      Lembrar que a DPOC é uma doença suscetível de tratamento. Ser positivo e incentivador.

      Aconselhar sobre modificações de estilo de vida, como dieta e atividade física.

      O uso de inaladores não é intuitivo, e os dispositivos são diferentes, portanto o médico geral deve explicar cuidadosamente o seu uso e demonstrar como se usa cada tipo de inalador e espaçador. Sessões práticas em grupo ou individuais podem ser muito úteis.

      A parceria com toda a equipe da APS deve ser encorajada, com a utilização de todas as formas de intervenção possíveis (consultas médicas, consultas de enfermagem, grupos, visitas domiciliares). Essa parceria permitirá um melhor entrosamento do paciente com a equipe, uma melhor avaliação da aderência, da técnica inalatória, do comprometimento da qualidade de vida e do grau de limitação, da resposta ao tratamento e das comorbidades, principalmente a depressão.

      Usar a escala de dispneia do Medical Research Council (MRC) para avaliar a falta de ar e o grau de incapacidade nas avaliações de seguimento. Se não houver melhora, considerar não aderência, uso inadequado dos dispositivos inalatórios, comorbidades psiquiátricas e ajustar o regime de tratamento para fornecer um melhor alívio dos sintomas.

      Considerar o encaminhamento (referência) ao especialista se não houver nenhum progresso.

 

Erros mais frequentemente cometidos

      Não realizar confirmação espirométrica do diagnóstico.

      Não prescrever broncodilatadores de ação longa para pessoas com DPOC moderado a grave.

      Não fornecer informações adequadas sobre a utilização correta dos dispositivos inalatórios, inclusive com sessões práticas formais de orientação.

      Prescrever corticoide inalatório para pacientes com formas leves ou moderadas.

      Não realizar um plano de manejo individual com informações por escrito, incluindo orientações para eventuais exacerbações agudas.

      Não avaliar corretamente comorbidades médicas e psiquiátricas.

      Não realizar aconselhamento e intervenções farmacológicas para a cessação do tabagismo.

      Não encaminhar os pacientes com DPOC moderada a muito grave para reabilitação pulmonar.

      Não vacinar para influenza.

      Não dar espaço para a expressão das dificuldades, medos e inseguranças dos pacientes.

 

Atividades preventivas e de educação

         Rastreamento Não há indicação de se realizar rastreamento com espirometria ou peakflow de obstrução ao fluxo aéreo em pessoas assintomáticas. A busca ativa de casos sintomáticos por meio da utilização de questionários ou perguntas-chave pode ser realizada na APS e é muitas vezes confundida com o rastreamento. Porém, antes de qualquer busca ativa, é importante preparar a rede para receber as possíveis demandas. Também não está indicada a realização de rastreamento de DPOC em fumantes assintomáticos,32 como recomendado por algumas sociedades de especialistas.

 

Referências

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Leituras recomendadas

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The Primary Care Respiratory Society UK. Diagnosis and management of COPD in primary care: a guide for those working in primary care [Internet]. Lockerbie: PCRS; 2010. Disponível em: http://www.pcrs-uk.org/resources/ copd_guidelinebooklet_final.pdf.

Tsoumakidou M, Tzanakis N, Voulgaraki O, Mitrouska I, Chrysofakis G, Samiou M, et al. Is there any correlation between the ATS, BTS, ERS and GOLD COPD´s severity scales and the frequency of hospital admissions? Resp Med. 2004;98:178-83.

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