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Disacusia

Autores:

Michelle Lavinsky-Wolff

Médica otorrinolaringologista. Mestre em Cirurgia pela UFRGS. Doutoranda em Epidemiologia da UFRGS.

Luiz Lavinsky

Médico otorrinolaringologista. Professor associado de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAMED/UFRGS). Coordenador do Programa de Atendimento ao Surdo Severo e Profundo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Especialista em Otologia. Doutor e Pós-doutor em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Cláudia Schweiger

Médica otorrinolaringologista. Médica contratada do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Fellow em Laringologia e Voz no HCPA. Mestre em Ciências Médicas: Pediatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Última revisão: 21/02/2013

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Versão resumida do capítulo original, o qual pode ser consultado, na íntegra, em Gusso & Lopes, Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática (2 vols., Porto Alegre: Artmed, 2012). Obra indicada também para consulta a outros temas de Medicina de Família e Comunidade (MFC), pela abrangência e a forma como o conteúdo é abordado, além de reunir importante grupo de autores.

 

 

Do que se trata

         A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 10% da população mundial apresenta algum grau de perda auditiva. No Brasil, são cerca de 15 milhões de indivíduos acometidos, dos quais 350 mil têm perda auditiva considerada severa ou profunda.1

         A PA é um problema que pode acometer indivíduos de todas as idades. Na criança, pode ser confundida com quadro de déficit de atenção e hiperatividade, podendo estar associada a prejuízo no desempenho escolar, troca de fonemas e/ou atraso no desenvolvimento da fala.

         A perda auditiva relacionada à idade é conhecida como presbiacusia. Caracteriza-se por perda auditiva lentamente progressiva, bilateral, mais acentuada nas frequências altas do audiograma. Estima-se que 25% da população americana entre 65 e 74 anos e 38% da população maior de 75 anos apresente algum grau de presbiacusia. É causa de isolamento social e perda de autonomia, associado à ansiedade, depressão e declínio cognitivo no idoso.2

         A determinação da etiologia da perda auditiva é fundamental para a determinação do prognóstico e do tratamento, que pode envolver medidas comportamentais, clínicas, cirúrgicas e/ou reabilitação com amplificação sonora.

 

O que pode ocasionar

         Habitualmente, a onda sonora é captada pelo pavilhão auricular e conduzida através do conduto auditivo externo (CAE) até a membrana timpânica (MT). A onda sonora provoca vibração da MT, movimentando a cadeia ossicular, o que resulta em movimento de pistão do estribo. A mobilidade do estribo movimenta o fluido da orelha interna através das espiras da cóclea. No interior da cóclea está o órgão de Corti, cujas células são despolarizadas pela mobilidade do fluido intracelular, gerando um estímulo elétrico que é transmitido via nervo auditivo até o cérebro.3 Nesse ponto, a mensagem auditiva é decodificada e interpretada.

         Os problemas de audição podem ser causados por qualquer distúrbio que interfira na transmissão da onda sonora do meio externo ao sistema nervoso central. A patologia pode estar localizada na orelha externa (pavilhão auricular e CAE), orelha média (MT, cadeia ossicular e espaço da orelha média), orelha interna (cóclea, canais semicirculares e conduto auditivo interno) e/ou conexões centrais.

         A perda auditiva é considerada condutiva se a onda sonora for impedida, em algum grau, de atingir as estruturas da orelha interna. Dessa forma, a audição fica prejudicada, mesmo se o restante da via auditiva (orelha interna, nervo auditivo e conexões centrais) estiver intacta. São exemplos de perda auditiva condutiva: deformidades congênitas no pavilhão auricular, cerume, perfuração timpânica, erosão ou fixação da cadeia ossicular. A surdez condutiva geralmente está relacionada com problemas na orelha externa e média.3

         A surdez é considerada sensório-neural quando a patologia envolver estruturas da orelha interna e nervo auditivo. A surdez é dita mista quando houver componentes condutivos e sensório-neurais associados.

         As Tabelas 167.1 e 167.2 sumarizam as principais etiologias a serem consideradas no diagnóstico diferencial da perda auditiva condutiva e sensório-neural, respectivamente.

 

O que fazer?

Anamnese

         Deve-se lembrar que a surdez é um sintoma e pode representar uma série de patologias que merecem investigação.

         A entrevista da pessoa com dificuldade para escutar tem como principal objetivo identificar a causa do problema. Só assim será possível planejar um tratamento adequado e tentar estabelecer um prognóstico para cada caso.

         É importante caracterizar se o problema é uni ou bilateral, de evolução lenta ou de instalação súbita, se tem comportamento estável ou flutuante. A associação com outros sintomas otoneurológicos, como vertigem e/ou zumbido, deve ser questionada.

         A presença de otorreia crônica e fétida associada à perda auditiva lembra casos de otite média crônica colesteatomatosa (Tabela 167.1). Quadros de PA associados a otorreia e otalgia, principalmente quando ocorre mobilização do pavilhão auricular, são comuns em casos de otite externa. História de banhos de imersão, hábitos de limpeza e manipulação traumática do CAE estão frequentemente associados ao início do quadro.

 

Tabela 167.1. Principais etiologias no diagnóstico diferencial de perda auditiva condutiva

Orelha externa

Características

Manifestações clínicas

Malformação congênita

Falha no desenvolvimento na 8ª a 28ª semana de gestação

Surdez condutiva leve a moderada, até 60 dB em casos de atresia ou estenose significativa

Cerume

Produto de glândula sebácea e ceruminosa

Se impactado, pode causar perda auditiva condutiva (5-40 dB), desconforto, sensação de orelha cheia, prurido, zumbido

Acúmulo: aumento da produção, alteração anatômica ou estreitamento do CAE, falha no mecanismo de “autolimpeza”, uso de cotonetes e protetores auriculares

Otite externa

Bloqueio do CAE por acúmulo de debris, edema ou inflamação

Dor à manipulação do pavilhão auricular e trágus, otorreia

Tumores

Carcinoma epidermoide: tipo histológico mais comum entre os malignos

Dor, otorreia, perda auditiva

Exostoses e osteomas: crescimentos ósseos benignos do CAE recobertos por pele normal

Ausência de resposta a múltiplos tratamentos com antibiótico

Orelha média

Congênita

Atresia ou malformação da cadeia ossicular

Otoscopia normal

Perda auditiva condutiva

Otoesclerose

Osteodistrofia localizada da cápsula ótica com fixação do estribo; mobilidade da cadeia ossicular prejudicada

Otoscopia normal

Evolução progressiva. Componente coclear pode gerar surdez mista

Autossômico dominante, penetrância variável

Otite média aguda (OMA)

Secreção na orelha média: diminuição da vibração da cadeia ossicular

Otalgia, febre, sensação de orelha cheia

Otoscopia: hiperemia, abaulamento da MT

Após resolução do quadro: secreção ainda pode se manter na orelha média por períodos variáveis

Otite média com efusão (OME)

Efusão na orelha média na ausência de sinais de infecção

Mais comum em crianças

Geralmente segue episódio reconhecido ou não de OMA

Períodos prolongados de perda auditiva durante os anos de aquisição de linguagem podem gerar atraso no desenvolvimento da fala

Perfuração timpânica

Por trauma, infecções, cotonete, otite média crônica

Perda auditiva de graus variáveis dependendo da localização e do tamanho da perfuração

Perfurações pequenas e localizadas em quadrantes anteriores e inferiores: menor grau de perda auditiva

Otorreia episódica relacionada a quadros de contaminação com água do meio externo ou episódio de Infecção de Vias Aéreas Superiores – IVAS

Otite média crônica colesteatomatosa

Crescimento de epitélio escamoso na orelha média

Perda auditiva, otorreia fétida contínua, indolor

Possibilidade de envolvimento e erosão da cadeia ossicular, mastoide e CAE

Otoscopia: graus variáveis de destruição das estruturas da orelha média; o epitélio pode ser visível

Tumor do glomo jugular

Paragangliomas benignos do promontório coclear ou bulbo da jugular. Erosão óssea adjacente

Massa avermelhada retrotimpânica pulsátil

Perda auditiva condutiva, zumbido pulsátil

 

         Na criança com surdez desde o nascimento, é importante detalhar a história peri e pré-natal, prematuridade, internação em centro de tratamento intensivo e uso de antibióticos. Infecções como citomegalovírus (CMV), rubéola e sífilis no período pré e perinatal podem ser causa de surdez profunda e devem ser investigadas.

         No adulto, a anamnese também inclui a busca por comorbidades que possam alterar o suprimento energético da orelha interna, tais como aterosclerose, diabetes melito, dislipidemia, alterações hormonais, anemia, doença cerebrovascular, doença cardiovascular, entre outras.

 

Exame físico

         Os seguintes passos são importantes no exame físico com o intuito de diferenciar perda auditiva condutivas e sensório-neurais:

 

                         I.          Palpação do trágus e manipulação do pavilhão auricular: Se essas manobras provocarem otalgia, pode-se estar diante de um quadro de otite externa (Tabela 167.1).

                       II.          Otoscopia: Inicialmente se realiza a inspeção do CAE em busca de lacerações, hiperemia, otorreia ou alguma lesão suspeita. Frequentemente há cerume no CAE, que deve ser removido antes de se seguir com a investigação da perda auditiva, até que a completa visualização da MT seja alcançada. Muitas vezes, a simples remoção do cerume já altera o padrão da perda auditiva. A MT deve ser inspecionada em seus quatro quadrantes.

 

Tabela 167.2. Principais entidades envolvidas no diagnóstico diferencial da perda auditiva sensório-neural

 

Características

Manifestações clínicas

Surdez genética

Autossômica dominante ou recessiva (mais comum)

Associada à síndrome ou à mutação espontânea

Perda auditiva presente ao nascimento, progressiva desde o nascimento ou de início na idade adulta

Infecções

CMV, rubéola, toxoplasmose, sífilis gestacional ou perinatal

Perda auditiva em graus variados podendo ser a causa de surdez congênita profunda

Presbiacusia

Perda auditiva associada ao envelhecimento

Mais significativa após os 60 anos, bilateral, simétrica, iniciando com perda em altas frequências (agudos)

Intensidade e progressão influenciadas por: infecções, uso de medicamentos, genética, exposição ao ruído ao longo da vida, comorbidades

Dificuldade de escutar ou compreender sons agudos em locais ruidosos

Zumbido pode estar associado

Doença de Ménière

Anormalidade na hemostase iônica e dos fluidos da orelha interna

Crises episódicas de vertigem

Excesso de endolinfa e distensão do labirinto membranoso

Piora da perda auditiva e zumbido durante crises, plenitude aural

Perda auditiva em frequências baixas (graves), flutuante

Perda auditiva induzida por ruído (PAIR)

Ocupacional, uso de fones de ouvido em volume alto

A perda auditiva inicia em altas frequências, progressão gradual

Perda auditiva em indivíduos suscetíveis se intensidade e tempo de exposição forem suficientes

Geralmente a perda auditiva não ultrapassa 45 dB nas frequências baixas e 75 dB nas altas

Tumores

Orelha interna: geralmente benignos

Perda auditiva unilateral ou assimétrica

Mais comum: neurinoma do acústico (schwannoma vestibular)

Zumbido unilateral, desequilíbrio, cefaleia, hiperestesia facial

Alterações sistêmicas e metabólicas

Diabetes, hiperinsulinismo, aterosclerose, doença vascular periférica, hipertensão, dislipidemia, alterações tireoidianas: fatores possivelmente associados com perda auditiva

Geralmente perda auditiva bilateral, simétrica e lentamente progressiva

Surdez autoimune

Deposição de imunocomplexos na orelha interna

Perda auditiva bilateral, assimétrica, flutuante e pode ser rapidamente progressiva

Pode estar associada a outras doenças autoimunes sistêmicas

Ototoxicidade

Substâncias que podem afetar o sistema auditivo e vestibular

Perda auditiva associada ou não com zumbido, labirintopatia periférica

Antibióticos e quimioterápicos: gentamicina, estreptomicina, tobramicina, cisplatina; amicacina, neomicina, entre outros

Alguns diuréticos (furosemida) e salicilatos também são classicamente associados

Neurológica

Acidente vascular cerebral (AVC), esclerose múltipla e malformação de Arnold-Chiari podem se manifestar com perda auditiva e vertigem

AVC: perda auditiva, ataxia de início recente, dificuldades na articulação das palavras, vertigem, instabilidade

Arnold-Chiari: perda auditiva, dor facial, cefaleia, fraqueza muscular

 

         A presença de alterações estruturais da orelha média, tais como perfuração timpânica, retrações da MT e erosão da cadeia ossicular, é sinal de otite média crônica. Achados de opacidade da MT, coloração amarelada ou presença de nível líquido retrotimpânico indicam presença de líquido na orelha média, caracterizando otite média com efusão. É comum encontrar otoscopia normal em indivíduos com queixa de perda auditiva, já que a otoscopia não é alterada nas perda auditiva sensório-neurais e nas perdas auditivas condutivas que não envolvam a MT, tais como otoesclerose, malformação ou interrupção da cadeia ossicular.4

 

                     III.          Acumetria: O teste com o diapasão pode ajudar a distinguir se a perda auditiva é secundária a problemas da orelha média (perda auditiva condutiva) ou da orelha interna (perda auditiva sensório-neural).5 Inicialmente, compara-se a percepção do som na frente do pavilhão auricular (via aérea) nas duas orelhas. Após, segue-se com o teste de Rinne e o teste de Weber.

-      Teste de Weber: o diapasão é posicionado no centro da testa. A pessoa é questionada em qual orelha o som é mais alto. Se o som é percebido da mesma forma em ambas as orelhas ou se não é possível localizá-lo, o teste é considerado normal ou Weber indiferente. Nos casos de perda auditiva condutiva, o Weber lateraliza para o mesmo lado da perda auditiva. Em casos de perda auditiva sensório-neural, a lateralização é para o lado oposto da orelha acometida.

-      Teste de Rinne: o diapasão é posicionado no osso da mastoide (via óssea) e, após, na frente do pavilhão auricular (via aérea). A pessoa é questionada em qual das duas posições o som é percebido mais alto. Em situações normais, a condução do som por via aérea é mais alta do que por via óssea. Nesses casos, o Rinne é considerado positivo. O teste de Rinne é negativo quando a percepção do som é maior por via óssea do que por via aérea. Rinne negativo indica perda auditiva condutiva daquele lado. O teste de Rinne é positivo em indivíduos com audição normal com ou sem perdas com sensório-neurais.

 

Exames complementares

         Indivíduos sem etiologia clara definida para a perda auditiva (como otite externa ou tampão de cerume) devem ser submetidos ao teste audiométrico.

         A audiometria tonal e vocal é útil para confirmar o grau de perda auditiva (leve, moderada, severa ou profunda) e se ela é condutiva sensório-neural ou mista. As Figuras 167.1, 167.2 e 167.3 exemplificam diferentes tipos de traçados audiométricos.

         Para aqueles casos com perda auditiva sensório-neural sem causa identificada, recomenda-se a realização de avaliação laboratorial para identificar anormalidades metabólicas que possam estar associadas à perda auditiva. O Quadro 167.1 lista os principais itens a ser considerados na avaliação laboratorial.

 

Figura 167.1. Audiometria com perda auditiva sensório-neural bilateral simétrica em altas frequências, compatível com quadro de presbiacusia.

 

 

 

Figura 167.2. Audiometria com perda auditiva condutiva à direita.

 

 

 

Figura 167.3. Audiometria com características de perda auditiva induzida por ruído e perda sensório-neural mais pronunciada na frequência de 4.000 Hz.

 

Quadro 167.1. Principais exames laboratoriais solicitados para avaliação de perda auditiva sensório-neural sem causa identificada

Hemograma completo

Glicemia

Função tireoidiana

VDRL

Testes de autoimunidade (fator antinuclear [FAN], fator reumatoide)

Perfil lipídico

 

         Em casos de surdez sensório-neural progressiva unilateral ou assimétrica, a ressonância magnética (RM) de encéfalo e nervos auditivos deve ser acrescentada na investigação diagnóstica para exclusão de tumores, como o neuroma do acústico.

         A tomografia computadorizada de orelhas pode ser solicitada na investigação de casos com otite média crônica para avaliação de extensão da doença e complicações. Também pode auxiliar para avaliação morfológica da orelha interna em casos de suspeita de malformações congênitas como causa de surdez sensório-neural.

         Em crianças menores de 2 ou 3 anos de idade ou para aquelas que não cooperam com a audiometria, a avaliação auditiva pode ser realizada usando testes comportamentais. As reações da criança perante os estímulos sonoros de diversas características são observadas. Estudos eletrofisiológicos da via auditiva podem ser agregados na investigação dos limiares auditivos da criança.6

 

Conduta proposta

Tratamento

         Quando se estiver diante de um indivíduo com surdez, é importante lembrar que, por trás desse sintoma, há várias possibilidades diagnósticas que devem ser investigadas antes de se partir para o tratamento.

         A remoção de cerume é o primeiro passo em pessoas com queixa de perda auditiva. Não deve ser realizada em pessoas sem queixas de hipoacusia ou desconforto, já que, nesses casos, a eliminação do cerume costuma acontecer espontaneamente.7 Quando indicada, a remoção deve ser realizada com métodos e instrumentos apropriados. Os métodos de remoção envolvem agentes ceruminolíticos, irrigação e remoção manual.

         No cenário da atenção primária, sugere-se iniciar com gotas ceruminolíticas, que não requerem equipamento e oferecem menor risco de perfuração timpânica do que a irrigação.7 A dose de 3 gotas, 3 vezes ao dia, por 5 dias costuma ser suficiente para dissolver o cerume.

         É frequente a necessidade de irrigação, mesmo após o uso das gotas ceruminolíticas, para complementar a remoção do cerume. Deve-se evitar irrigação em casos de perfuração timpânica (para evitar dano às estruturas da orelha média) e otite externa.

         Prefere-se seringa larga (200 mL) com água em temperatura ambiente. O pavilhão auricular é tensionado para trás e para cima de modo que o CAE fique o mais retificado possível. Evita-se que a ponta da seringa ultrapasse o terço lateral do CAE para evitar proximidade com as estruturas da orelha média (geralmente não mais do que 8 mm dentro do canal). O jato da seringa é direcionado para cima. Após cada jato de água, deve-se realizar otoscopia para avaliar o sucesso do procedimento.8

         A remoção manual deve ser realizada por profissionais com experiência e equipamento adequados. É mais precisa, porém requer visualização adequada, geralmente com otoscópio ou microscópio binocular associados a instrumentos específicos, tais como cureta, aspiração, porta algodão. Deve ser preferida em pessoas com alterações otológicas conhecidas (perfuração timpânica), cirurgias otológicas prévias ou imunodeficiência, condições que, associadas à irrigação, podem predispor a infecções.

         Indivíduos com perda auditiva condutiva devem ser encaminhados para se avaliar quanto à possibilidade de tratamento cirúrgico. Casos de perfuração timpânica, otoesclerose e interrupção de cadeia ossicular são candidatos a tratamento cirúrgico com chance de ótimos resultados auditivos. A amplificação sonora com aparelhos auditivos também é uma opção para indivíduos que apresentem risco cirúrgico aumentado ou que não desejem realizar cirurgia.

         A cirurgia é o tratamento de primeira escolha para a otite média crônica colesteatomatosa. O principal objetivo, nesse caso, é a erradicação da doença da orelha média e mastoide. Muitas vezes é necessária a remoção de estruturas da orelha média acometidas pelo colesteatoma, gerando piora da intensidade da PA no pós-operatório. Após o controle da doença, pode ser necessário um segundo tempo cirúrgico com ênfase na reconstrução das estruturas responsáveis pela condução do som.

         Crianças com otite média com efusão (OME) podem ser manejadas com conduta expectante por até três meses se não apresentarem dificuldades na aquisição da linguagem e fala e com perda auditiva 3 20 dB.9 As avaliações clínicas e audiométricas devem ser repetidas a cada três meses até a resolução do quadro ou encaminhamento para tratamento cirúrgico. São indicações para referência imediata para tratamento cirúrgico crianças com alterações estruturais da MT ou orelha média, com sintomas outros além da perda auditiva, como vertigem e/ou dor. Crianças com perda 3 21 dB, OME bilateral por mais de três meses ou unilateral por mais de seis meses também são referenciadas para avaliação cirúrgica para colocação de tubo de ventilação.9

         Em indivíduos com perda auditiva sensório-neural, recomenda-se o controle e a interrupção de fatores associados com a perda auditiva, tais como exposição a ruído, uso de fármaco ototóxico, doenças sistêmicas/metabólicas.

         O controle da doença de Ménière tem como um dos objetivos reduzir a perda auditiva e o zumbido associados com as crises de vertigem. Envolve medidas comportamentais e medicamentosas. Entre as primeiras, estão a redução da ingesta de sal, cafeína, nicotina e álcool.10, 11 O tratamento farmacológico pode envolver o uso de diuréticos, beta-histina e corticoide.

         A reabilitação da perda auditiva com amplificação sonora é uma opção para indivíduos com perda auditiva, independentemente da idade. Pode ser realizada com as seguintes estratégias:

 

Aparelhos auditivos de amplificação sonora individual (AASI)

         É uma opção para indivíduos que apresentem perda auditiva que interfira em suas atividades sociais e profissionais e que estejam motivados para melhorar essa dificuldade.

         Na criança com deficiência auditiva, a amplificação sonora deve ser feita logo que o diagnóstico tenha sido firmado, preferencialmente no primeiro ano de vida. A precocidade do encaminhamento para diagnóstico e reabilitação auditiva é essencial para que a criança tenha chance de um melhor desenvolvimento da linguagem.12

 

Implante coclear (IC)

         O IC é a primeira integração bem-sucedida entre uma prótese manufaturada e funções neurais do cérebro humano. Um processador, usado externamente, distribui sinais elétricos com frequência e amplitude específicas para uma prótese implantada na orelha interna a fim de estimular diretamente as fibras remanescentes do nervo auditivo.13 Esse recurso tem habilitado indivíduos com surdez pré e pós-linguais à compreensão da fala e da linguagem. As avaliações a longo prazo revelam que os resultados clínicos tendem a se aprimorar com o passar dos anos.14 Em função dos resultados de reabilitação auditiva em surdos profundos, o número de cirurgias tem aumentado, e mais de 100 mil indivíduos em todo o mundo já foram submetidos ao IC.

         O IC é uma opção terapêutica para indivíduos com surdez severa e profunda nos quais não se observa benefício clínico satisfatório com o uso de AASI. Idealmente reserva-se essa alternativa para: (1) crianças com surdez congênita severa a profunda nos primeiros anos de vida; (2) adultos com surdez pós-lingual e com tempo de privação auditiva reduzido.15, 16

 

DICAS

      Se a remoção de cerume estiver sendo dolorosa, não é interessante insistir para evitar lesões traumáticas. Preferir um curso de gotas ceruminolíticas, que deixam o tampão de cerume mais macio e facilitam o procedimento em um segundo momento.

      Sempre que houver otorreia e sinais inflamatórios na orelha externa e média que dificultem a realização da otoscopia, deve-se priorizar o tratamento da entidade aguda e, após a resolução do quadro, reavaliar a otoscopia. O diagnóstico tende a ficar mais fácil e preciso.

 

Quando encaminhar

      Crianças com perda auditiva devem ser encaminhadas com vistas à reabilitação auditiva tão logo seja possível, de preferência ainda no primeiro ano de vida.

      Adultos com linguagem oral estabelecida, surdez severa ou profunda e desempenho insuficiente com AASI devem ser encaminhados para avaliar a possibilidade de reabilitação com implante coclear.

      Indivíduos com patologia da orelha média e perda auditiva condutiva em que há opção de tratamento cirúrgico (perfuração timpânica, otoesclerose, otite média com efusão, otite média colesteatomatosa, etc.) devem ser encaminhados.

      Indivíduos com perda auditiva sensório-neural unilateral ou assimétrica devem ser encaminhados para investigação de tumores, como neurinoma do acústico.

 

Erros mais frequentemente cometidos

      Colocar aparelho auditivo em qualquer tipo de surdez, sem se preocupar em conhecer a doença que pode estar sendo a causa do problema.

      Não identificar (e, portanto, não encaminhar) casos de surdez que possam ser melhorados ou curados cirurgicamente.

      Não encaminhar crianças surdas em idade precoce para reabilitação auditiva.

      Esquecer que, por trás de surdez unilateral ou assimétrica, pode haver um tumor.

      Realizar remoção de cerume com irrigação em indivíduos com perfuração timpânica.

 

Prognóstico e complicações possíveis

         O prognóstico da surdez depende da sua etiologia. A perda auditiva pode ser resolvida com uma simples remoção de cerume. A presbiacusia tem uma evolução lenta e gradual. O tratamento cirúrgico para perdas auditivas condutivas e implante coclear pode resultar em ótimos resultados de reabilitação auditiva.

 

Atividades preventivas e de educação

         Infecções perinatais ainda são uma importante causa de surdez congênita no Brasil.17 Atividades preventivas incluem vacinação e controle da transmissão vertical de infecções como sífilis, rubéola, citomegalovirose e toxoplasmose. Incentivar o uso de equipamento de proteção individual para exposição a ruído ocupacional é uma medida importante na prevenção da perda auditiva induzida pelo ruído. A exposição recreacional com fones de ouvido também deve ter seu volume e duração controlados.

 

Referências

1.        World Health Organization. WHO calls on private sector to provide affordable hearing aids in developing world [Internet]. Geneva; 2001 [capturado em 5 mar. 2008]. Disponível em: www.who.int/inf-pr-2001/en/pr200l-34.html.

2.        Parham K, McKinnon BJ, Eibling D, Gates GA. Challenges and opportunities in presbycusis. Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;144(4):491-5.

3.        Weber PC. Etiology of hearing loss in adults, 2011 [Internet]. Waltham: Up-ToDate; 2011 [capturado em 20 fev. 2011]. Disponível em: www.uptodate.com/contents/etiology-of-hearing-loss-in-adults.

4.        Assessment of hearing loss. New York: BMJ Group Limited; 2011.

5.        Vikram KB, Naseeruddin K. Combined tuning fork tests in hearing loss: explorative clinical study of the patterns. J Otolaryngol. 2004;33(4):227-34.

6.        Campos CAH, Costa HOO. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 2003.

7.        Roland PS, Smith TL, Schwartz SR, Rosenfeld RM, Ballachanda B, Earll JM, et al. Clinical practice guideline: cerumen impaction. Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;139(3 Suppl 2):S1.

8.        Dinces AE. Cerumen [Internet]. Waltham: UpToDate; 2011 [capturado em 20 fev. 2011]. Disponível em: www.uptodate.com.

9.        American Academy of Family Physicians. Head and neck surgery: otitis media with effusion. Pediatrics. 2004;113(5):1412-18.

10.    Santos PM, Hall RA, Snyder JM, Hughes LF, Dobie RA. Diuretic and diet effect on Menière’s disease evaluated by the 1985 Committee on Hearing and Equilibrium guidelines. Otolaryngol Head Neck Surg. 1993;109(4):680.

11.    Coelho DH, Lalwani AK. Medical management of ménière’s disease. Laryngoscope. 2008;118(6):1099-201.

12.    Yoshinaga-Itano C, Sedey AL, Coulter DK, Mehl AL. Language of early – and later-identified children with hearing loss. Pediatrics. 1998;102(5):1161.

13.    Lavinsky-Wolff M, Lavinsky L. Análise comparativa de duas técnicas de implante coclear: estudo de coorte com resultado em longo prazo [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2008.

14.    Beadle EAR, McKinley DJ, Nikolopoulos TP, Brough J, O’Donoghue GM, Archbold SM. Long-term functional outcomes and academic-occupational status in implanted children after 10 to 14 years of cochlear implant use. Otol Neurotol. 2005;(26):1152-60.

15.    Papsin BC, Gordon KA. Cochlear implants for children with severe-to-profound hearing loss. N Engl J Med. 2007;357(1154):2380-7.

16.    Rubinstein JT. Paediatric cochlear implantation: prosthetic hearing and language development. Lancet 2002;360(9331):483-5.

17.    de Nobrega M, Weckx LL, Juliano Y. Study of the hearing loss in children and adolescents, comparing the periods of 1990-1994 and 1994-2000. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2005;69(6):829-38.

 

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