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Manejo do Diabetes melito no paciente idoso

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 14/10/2013

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Especialidades: Endocrinologia / Geriatria

 

Introdução e epidemiologia

O diabetes melito (DM) é uma síndrome caracterizada por hiperglicemia resultante de defeitos na secreção de insulina, associados ou não à resistência a ação deste hormônio. Os principais sintomas são: poliúria, polidipsia, polifagia, perda de peso, visão turva, entre outros.

Segundo dados oficiais brasileiros do censo de 1988, 7,8% da população brasileira entre 30 e 69 anos de idade têm DM. Considerando-se que o diabetes aumenta sua prevalência com a idade, esses números certamente são maiores nos indivíduos com 70 anos de idade ou mais. A prevalência da glicemia de jejum alterada, de acordo com o mesmo censo, era de 7,7%. O estudo ainda utilizava, para diagnóstico de diabetes melito, um critério diagnóstico da época, que definia diabetes por meio de glicemia de jejum acima de 140 mg/dL. Outro dado interessante demonstrado pelo mesmo estudo foi que 50% dos pacientes com critérios diagnósticos para diabetes não sabiam que tinham  a doença. Em 1985, estimava-se que existissem 30 milhões de adultos com diabetes no mundo, e este número cresceu para 135 milhões em 1995, atingindo 173 milhões em 2002, com projeção de atingir 300 milhões de pessoas em 2030. Portanto, é provável que a prevalência tenha aumentado na mesma proporção em nosso país.

Um dos fatores mais importantes no aumento da prevalência de diabetes certamente é o envelhecimento da população. Outros fatores que contribuem são a urbanização, os hábitos de vida e o aumento de sobrevida dos pacientes com diabetes.

Um estudo recente realizado em Ribeirão Preto sugere que a prevalência de diabetes seja maior que 12%; outras estimativas sugerem que existam pelo menos 8 milhões de pacientes com diabetes no Brasil, com sua incidência aumentando com a idade. No caso de populações idosas, verificou-se no Nutrition Health and Examination Survey dos Estados Unidos de 2005-2006 que a prevalência de diabetes na população entre 60 e 74 anos de idade era de 17,6%. No Brasil, a influência da idade no aparecimento de diabetes e a tolerância diminuída à glicose foi evidenciada pelo estudo multicêntrico sobre a prevalência do Diabetes no Brasil, no qual se observou variação de 2,7% para a faixa etária de 30 a 59 anos e de 17,4% para a de 60 a 69 anos, ou seja, um aumento de 6,4 vezes relacionada ao aumento da faixa etária.

No mundo, o número de mortes atribuídas ao diabetes é de cerca de 800 mil óbitos, mas este número é certamente subestimado, pois o diabetes não é mencionado em grande número de mortes cárdio e cerebrovasculares em que este foi corresponsável. Números mais realistas sugerem cerca de 4 milhões de óbitos anuais relacionados ao diabetes melito em todo o mundo. A doença está associada a aumento de mortalidade e complicações que comprometem a produtividade e a qualidade de vida dos indivíduos. Além disso, os custos associados para realizar controle metabólico e tratamento de suas complicações são altíssimos, representando de 2,5 a 15% do orçamento anual de saúde nos EUA. O DM é atualmente a 6ª causa de internação hospitalar como diagnóstico primário e está presente em 30 a 50% de outras causas, como cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, colecistopatias, acidente vascular cerebral e hipertensão arterial; cerca de 30% dos pacientes que se internam em unidades coronarianas são portadores da doença. Além disso, o DM é a principal causa de amputações não traumáticas de membros inferiores, e também a principal causa de cegueira adquirida. De 25 a 35% dos pacientes em programa dialítico são diabéticos.

 

Indicações para investigação laboratorial

Existe controvérsia quanto a necessidade de exames de rastreamento para diabetes melito. De qualquer forma, a American Diabetes Association e a US Task Force recomendam favoravelmente a tentativa de realização de diagnóstico precoce nestes pacientes.

A investigação deve ser realizada em pacientes com pelo menos um dos seguintes critérios:

 

1.    Paciente apresentando poliúria e polidipsia.

2.    Perda de peso.

3.    Letargia, cansaço, desânimo.

4.    Infecções de repetição (dermatites, balanopostites, vulvovaginites).

5.    Incontinência urinária, nictúria e enurese noturna.

6.    Sinais e sintomas de doença aterosclerótica: insuficiência vascular periférica, doença cardiovascular, acidente vascular cerebral.

7.    Neuropatia periférica, disfunção erétil.

8.    Quadro clínico compatível com complicações crônicas de DM.

 

Em indivíduos assintomáticos, os critérios são:

 

1.    Idade acima de 45 anos; se normal, repetir em 3 anos.

2.    Pertencentes a grupos de alto risco (nesses casos, a investigação deve ser feita antes dos 45 anos de idade e, se necessário, anualmente).

3.    Obesos (IMC > 27 kg/m2).

4.    Com história familiar de DM (parentes de 1º grau).

5.    Hipertensos.

6.    DM gestacional ou pacientes que deram à luz filhos macrossômicos (> 4,5 kg).

7.    HDL-colesterol < 35 mg/dL ou LDL-colesterol > 130 mg/dL ou triglicerídeos > 250 mg/dL.

8.    Intolerância prévia à glicose ou glicemia de jejum alterada (110 a 126 mg/dL), ou HbAic anormal.

9.    Síndrome de ovários policísticos.

10.         Uso de medicação hiperglicemiante.

11.         Doenças predisponentes (síndrome de Cushing, acromegalia etc.).

 

A recomendação da literatura é que, em pacientes assintomáticos, sejam realizados os exames de rastreamento. Nos pacientes que apresentam as indicações anteriores, a cada 3 anos, o exame de escolha para o rastreamento é a glicemia de jejum.

Para prevenção em todos os pacientes, com alterações ou não de glicemia de jejum, recomenda-se a adoção de estilo de vida saudável, com dieta balanceada e exercícios físicos regulares. A restrição energética moderada, baseada no controle de gorduras saturadas, acompanhada de atividade física leve, como caminhar 30 minutos 5 vezes por semana, pode reduzir a incidência de DM do tipo 2 em 58% das pessoas com risco elevado para o desenvolvimento desta afecção.

Alguns medicamentos utilizados no tratamento do DM, como a metformina, a acarbose, a troglitazona, e medicamentos para tratamento da obesidade, como o orlistat, comprovaram eficácia na prevenção do DM do tipo 2 em, respectivamente, 31%, 25%, 56% e 37% dos pacientes com intolerância à glicose ou com DM gestacional testados. Portanto, poderiam ser utilizados quando houvesse impedimento ou falência das medidas modificadoras do estilo de vida. Ainda assim, deve-se salientar que estudos comparativos de medidas de mudanças dos hábitos de vida, quando comparadas ao uso de medicações como metformina, entre outras, foram invariavelmente superiores para diminuir a progressão de evolução de intolerância à glicose para diabetes melito.

 

Critérios diagnósticos para o diabetes melito e intolerância a glicose

      Glicemia de jejum superior ou igual a 126 mg/dL ou,

      glicemia superior ou igual a 200 mg/dL no tempo 2 horas do teste de sobrecarga oral com 75 g de glicose (GTTO).

 

Quando o teste traz um resultado alterado, é necessário repeti-lo para confirmar o diagnóstico de diabetes. Em 2011, a OMS recomendou que níveis de Hb glicosilada acima de 6,5% também podem ser utilizados para diagnóstico de DM.

 

Intolerância oral à glicose

Em paciente com GTTO com glicemia de 2 horas entre 140 e 199 mg/dL, com glicemia de jejum não preenchendo o critério para o diagnóstico de diabetes, caracteriza-se a tolerância oral diminuída à glicose.

 

Glicemia de jejum alterada

      Glicemias de jejum entre 100 e 125 mg/dL, com GTTO com glicemia menor que 140 mg/dL em 2 horas.

 

Apesar da diferença de denominação e de haver maior risco em estudos do paciente com intolerância à glicose evoluir para diabetes, em comparação com o paciente com glicemia de jejum alterada, ambas sinalizam alterações precoces no metabolismo dos carboidratos que podem progredir para diabetes nos anos seguintes. São estados que podem ser chamados de pré-diabetes. Mudanças no estilo de vida, com implementação de hábitos e alimentação saudáveis, promovem perda de peso e impedem ou retardam a progressão para diabetes. Medicações como acarbose, metformina, troglitazona e orlistat podem eventualmente ser consideradas.

 

Diagnóstico etiológico

Classificação do diabetes melito

Tipo 1

Destruição da célula beta, geralmente causando deficiência absoluta de insulina, de natureza autoimune ou idiopática.

 

Diagnóstico clínico

Diabetes de início abrupto, acomete sobretudo crianças e jovens. Em geral, os pacientes são magros e têm tendência à cetose. Recentemente, foi descrito aparecimento tardio de diabetes desse tipo, podendo ter instalação após os 60 anos de idade. Frequentemente, esses casos não apresentam autoanticorpos, ao contrário da maioria dos pacientes com diabetes do tipo 1, nos quais há o ICA (islet cell antibody), IA2 (antitirosina fosfatase) e principalmente o anti-GAD (decarboxilase do acido glutâmico).

 

Diagnóstico laboratorial

1.    Presença de autoanticorpos: ICA (islet cell antibody), IA2 (antitirosina fosfatase), anti-GAD (decarboxilase do acido glutâmico).

2.    Em descompensação aguda, determinação de cetonúria, cetonemia ou acidose.

3.    Peptídeo C < 0,7 ng/mL = insulinopenia.

 

Tipo 2

Disfunção da célula beta associada a resistência à insulina. Em alguns casos, há uma predominância da resistência insulínica e, em outros, uma disfunção secretória da célula beta.

No diagnóstico clínico, nota-se início em geral insidioso, assintomático por longos períodos. De 60 a 90% dos pacientes têm obesidade ou acúmulo de gordura visceral, cetose rara e história familiar frequente.

Outros tipos de diabetes estão citados na Tabela 1.

 

Tabela 1. Classificação do tipo de diabetes baseada em características clínicas e laboratoriais

DM tipo 1

Diabetes imunomediado (tipo 1A)

Geralmente:

        crianças e adolescentes, mas podem ocorrer no adulto;

        magro;

        cetoacidose ao diagnóstico;

        peptídeo-C baixo ou indetectável ao diagnóstico;

        destruição imune de células beta (antideaminase do ácido glutâmico (GAD), anti-ilhotas, anti-insulina e antitirosina fosfatase 1 e 2);

        presença de outras autoimunidades;

        necessidade de insulina para sobreviver.

Idiopático (tipo 1B):

        insulinopenia permanente;

        cetoacidose episódica;

        ausência de autoimunidade;

        forte herança familiar.

DM tipo 2

        Corresponde a 90 a 95% do diabéticos;

        forte predisposição genética;

        geralmente obesos ou com distribuição visceral de gordura;

        início lento de sintomas ou descoberta acidental da hiperglicemia;

        ausência de autoimunidade contra células beta;

        boa resposta a drogas antidiabéticas orais.

Outros tipos

Defeitos genéticos nas células betas (ex.: MODY)

Mutações no DNA mitocondrial (síndrome MELAS e associação de diabetes e surdez)

Problemas na conversão de pró-insulina em insulina

Defeitos na ação da insulina (síndromes com severa resistência à insulina)

Doenças do pâncreas exócrino

Pancreatite, traumas, infecção, pancreatectomia e câncer pancreático

Endocrinopatias

Acromegalia, hipertireoidismo, hiperaldosteronismo, feocromocitoma, síndrome de Cushing, somatostatinoma, glucagonoma

Droga-induzido

Podem causar destruição, prejuízo na secreção da insulina ou resistência à sua ação

Infecções

Rubéola congênita, coxsackie-vírus B, citomegalovírus, adenovírus e caxumba

Outras formas imunomediadas

Síndrome do homem rígido associado com anti-GAD em 1/3 dos afetados

Anticorpos anti-insulina (associados a lúpus eritematoso sistêmico e outras autoimunidades)

Síndromes genéticas associadas a aumento da incidência de diabetes

Síndrome de Down, Klinefelter, Turner, Wolfran

Diabetes gestacional

Detectado primeiramente durante a gestação

 

Diagnóstico laboratorial (indicações da dosagem de peptídeo C e HOMA)

Em casos duvidosos pode-se utilizar a dosagem de peptídeo C que permite avaliar a capacidade secretória de célula beta. A insulinopenia sugere diabetes tipo 1 (insulinopenia: peptídeo C < 0,7 ng/mL). A importância da realização destes exames é principalmente acadêmica.

Também é possível determinar a resistência e a função secretora da célula beta por meio do homeostasis model assesment (HOMA), que pode indicar se o paciente apresenta ou não resistência a insulina. Este exame não é totalmente aceito pela literatura. A dosagem de autoanticorpos também pode auxiliar na diferenciação entre diabetes do tipo 1 e 2.

 

Outros tipos específicos

      Defeitos funcionais da célula beta;

      defeitos genéticos na ação da insulina;

      doenças do pâncreas exócrino;

      endocrinopatias;

      induzidos por fármacos ou agentes químicos;

      infecções;

      formas incomuns de diabetes imunomediado;

      outras síndromes genéticas geralmente associadas ao diabetes.

 

Em pacientes idosos, uma etiologia de diabetes que deve ser lembrada é o carcinoma de pâncreas. Em pacientes com início do diabetes após 60 anos de idade, sobretudo se apresentam rapidamente a necessidade do uso de insulina, recomenda-se realizar a investigação desta etiologia com exames de imagem. A pancreatite crônica também é particularmente prevalente na população acima de 60 anos de idade.

 

Monitoração do controle ambulatorial

A dosagem da hemoglobina glicada refere-se à mensuração de um conjunto de substâncias formadas com base em reações entre a hemoglobina normal do adulto, que é a hemoglobina A (HbA), e os açúcares, em uma reação denominada glicação. A dosagem da fração A1C (HbA1c) é a mais importante e tem correlação com aumento de complicações, além de ter sido o parâmetro utilizado para controle metabólico nos dois estudos mais importantes sobre o assunto: o Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), que se referia a pacientes com DM do tipo 1, e o UK Prospective Diabetes Study (UKPDS), específico para pacientes com DM do tipo 2. A fração A1C corresponde a cerca de 3 a 6% da HbA total em pessoas sem doenças metabólicas, alcançando até 20% em diabetes com mau controle.

A medida da hemoglobina glicada reflete a glicemia media dos últimos 2 a 3 meses. A hemoglobina glicada deve ser medida rotineiramente em todos os pacientes com diabete como mensuração do controle glicêmico. Níveis de hemoglobina glicada de 5% refletem uma glicemia média durante o dia de aproximadamente 100 mg/dL e níveis de 6% refletem uma glicemia média de cerca de 135 mg/dL. Assim, cada aumento de 1% nos níveis de hemoglobina glicada significam um aumento de cerca de 35 mg/dL na glicemia média diária.

A Sociedade Brasileira de Diabetes recomenda que os testes de monitoração da hemoglobina glicada devem ser realizados pelo menos 2 vezes/ano por todos os diabéticos e 4 vezes/ano, ou seja, a cada 3 meses, em pacientes submetidos a alterações do esquema terapêutico.

Os níveis desejados da hemoglobina glicada, recomendados pela literatura em pacientes com expectativa de vida acima de 10 anos, é de 7%, porém, em pacientes idosos frágeis, os resultados do estudo ACCORD demonstrou que níveis entre 7 e 7,9 podem ser razoáveis nesta população. Em pacientes idosos, recomenda-se que o nível de A1C seja individualizado de acordo com as características de cada paciente. Níveis de HbA1c de 8% ou até superior podem ser apropriados em idosos fragilizados ou com expectativa de vida limitada e em casos em que o médico julgar que os riscos de um controle glicêmico rigoroso sejam maiores do que seus benefícios potenciais.

 

Manejo do paciente idoso com diabetes

A enorme maioria dos pacientes geriátricos diabéticos apresentam diabetes do tipo 2..

A dieta, a perda de peso e a atividade física constituem medidas essenciais no tratamento. Já está bem determinado pela literatura que excesso de nutrientes e vida sedentária são os dois principais fatores ambientais responsáveis pelo aparecimento de diabetes. Dessa forma, a redução calórica diária para os indivíduos que necessitam perder peso é fundamental nestes pacientes. Medidas como suplementação de fibras, verduras, frutas, legumes, adequado balanço entre os macronutrientes (lipídeos, carboidratos e proteínas) enfatizando o consumo de carnes magras e saudáveis, carboidratos de absorção mais lenta e redução da quantidade de lipídeos (com preferência às gorduras monossaturadas e poli-insaturadas) são fundamentais para atingir bom controle metabólico. Estudos demonstraram que, na população de pacientes com mais de 65 anos de idade, o benefício destas medidas é importante.

A implementação de atividade física ajuda na perda de peso e melhora a ação periférica da insulina, diminuindo a resistência e auxiliando o tratamento. São recomendações em relação à atividade física nestes pacientes:

 

      pacientes com DM devem ser aconselhados a realizar pelo menos 150 minutos semanais de atividade física aeróbica de moderada a intensa (atingindo de 50 a 70% da FC máxima esperada);

      na ausência de contraindicações, os pacientes com DM do tipo 2 devem ser encorajados a praticar exercícios de resistência 3 vezes/semana.

 

Em relação à escolha da terapêutica farmacológica, existem poucos estudos específicos na população idosa. Considerando a fisiopatologia do diabetes na maioria dos idosos, a metformina é uma excelente primeira escolha e recomendada como tal para início do tratamento na maioria dos pacientes diabéticos tipo 2, tanto pela Sociedade Americana de Geriatria como pela Associação Americana de Diabetes. Também é sugerida como a primeira medicação a ser utilizada nestes pacientes pelo consenso publicado em 2006 pela European Association for the Study of Diabetes. Deve ser iniciada em doses baixas (250 mg – ½ comprimido de 500 mg 2 a 3 vezes/dia às refeições, explicando ao paciente sobre os efeitos colaterais, em sua maioria, gastrintestinais) com aumentos progressivos de doses, a cada semana, até obtenção de controle metabólico. Caso ocorram efeitos gastrintestinais significativos, pode-se reduzir a dose, sendo a dose máxima efetiva aparentemente de 850 mg 2 vezes/dia, podendo ser considerado seu uso por 3 vezes/dia nas refeições. Outras drogas podem ser adicionadas para otimizar o tratamento, conforme controle glicêmico obtido com a medicação.

A Tabela 2 mostra uma sugestão de abordagem terapêutica inicial no paciente com DM tipo 2.

 

Tabela 2. Abordagem terapêutica do paciente com DM do tipo 2

Atividade física e dieta para todos os pacientes.

Se glicemia de jejum normal e HbA1C até um ponto acima do limite superior da normalidade para o método: acarbose ou metformina (metformina mais potente). Nenhuma das duas causa hipoglicemia isoladamente. A preferência da ADA é fortemente pela metformina.

Se glicemia de jejum elevada e HbA1C até dois pontos acima do limite superior da normalidade para o método: metformina e outro agente hipoglicemiante [sensibilizador da ação (tiazolidinedionas), secretagogos de insulina (sulfonilureias e glinidas) ou acarbose]. A não obtenção do controle indica a necessidade de adição de 3º agente com mecanismo diferente dos dois anteriores ou insulina. O consenso da ADA considera a insulina como segunda droga, considerando que, apesar de mais cara, esta abordagem é efetiva.

Se glicemia de jejum elevada e HbA1C dois pontos acima do limite superior da normalidade para o método, pode-se optar por associar dois agentes hipoglicemiantes potentes com ações diferentes (insulina e hipoglicemiante oral) ou instituir insulinoterapia exclusiva. Nestes casos, a glicotoxicidade e a lipotoxicidade podem ser tão intensas que comprometem a ação das drogas orais. Iniciar a insulinoterapia com posterior retirada ou redução de doses é opção para controle mais rápido da hiperglicemia.

 

A maioria dos autores sugere que, se for necessário adicionar uma terceira medicação para controle do diabetes, provavelmente será melhor adicionar insulina em comparação com a adição de um terceiro agente hipoglicemiante oral. A seguir, são comentadas as diferentes medicações utilizadas para tratar o diabetes e princípios da insulinização.

 

Diferentes hipoglicemiantes orais

Secretagogos de insulina

Compreendem as sulfonilureias e metilglinidas. Seu mecanismo de ação se dá por meio da ligação ao receptor das sulfonilureias na célula beta (SUR1), promovendo diversas ações cujo resultado é a exocitose de grânulos de insulina da célula beta. As metilglinidas têm meia-vida mais curta, ligam-se num sítio diferente do mesmo SUR 1 e são indicadas sobretudo para o controle da hiperglicemia pós-prandial.

As sulfonilureias são administradas 30 minutos antes das refeições, e as metilglinidas devem ser administradas 15 a 30 minutos antes das refeições. Deve-se começar com doses pequenas e progressivamente crescentes até a dose máxima recomendada. Seu uso é associado com diminuição de 1,5 ponto da hemoglobina glicada para as sulfonilureias, mas com efeito um pouco menor com as glinidas; estas precisam ainda ser utilizadas menos vezes ao longo do dia, mas estão associadas com risco um pouco menor de hipoglicemia. As apresentações e a posologia dos principais secretagogos de insulina são descritos na Tabela 3.

 

Tabela 3. Posologia, apresentação e nome comercial dos secretagogos de insulina

Secretagogos

Dose diária (mg)

No de doses/dia

Apresentação (comprimidos)

Nome comercial®

Clorpropamida

100 a 750

1

250 mg

Diabinese

Glibenclamida

2,5 a 20

1 a 2

5 mg

Daonil, Euglucon, Lisaglucon

Glipizida

2,5 a 40

1 a 2

5 mg

Minidiab

Gliclazida

80 a 320

1 a 2

80 mg

Diamicron, Gliclazida, Azukon

Gliclazida de ação prolongada

30 a 120

1

30 mg

Diamicron MR, Azuklon MR

Glimepirida

1 a 8

1

1, 2, 4 e 6 mg

Amaryl, Bioglic, Glymepil, Azulix, Glimebipal

Repaglinida

0,5 a 4mg

1 a 3

0,5, 1 e2

Novonorm, Prandin

Nateglinida

60 a 120

1 a 3

60 e120

Starlix

 

O principal efeito colateral da medicação é a hipoglicemia, que, em idosos, é particularmente deletéria. Desse modo, recomenda-se que sulfonilureias de efeito prolongado, como a glibenclamida e a clorpropamida, sejam evitadas nestes pacientes.

 

Biguanidas

Metformina

Seu mecanismo de ação não é totalmente esclarecido. Age diminuindo a resistência à glicose no fígado, reduzindo a gliconeogênese e a produção hepática de glicose. Alguns estudos sugerem a ação da metformina sobre a resistência periférica à insulina. A posologia recomendada é de 1 a 3 vezes/dia após as refeições, com dose máxima de 2.550 mg/dia. A expectativa com seu uso é diminuir em cerca de 1,5 ponto a hemoglobina glicada, efeito similar, portanto, ao das sulfonilureias. A medicação é contraindicada para pacientes com insuficiência renal (Cr sérica de 1,5 mg/dL), insuficiência respiratória, insuficiência cardíaca congestiva classe funcional III e IV (ICC), insuficiência hepática.

 

Tiazolidinedionas

As tiazolidinedionas, ou glitazonas, disponíveis no mercado são a rosiglitazona e a pioglitazona. São drogas que diminuem a resistência insulínica nos tecidos periféricos por meio de sua ação sobre receptores nucleares denominados PPAR (peroxisome proliferator-activated receptors), principalmente o PPAR-gama. Em geral, são usadas em dose única diária e estão associadas com redução de 0,5 a 1,4 ponto na hemoglobina glicada. Retenção hídrica com consequente edema e anemia por hemodiluição são eventos adversos descritos da medicação; deve-se ter cuidado em pacientes com disfunção cardíaca. As duas principais apresentações são:

 

      rosiglitasona: comprimidos de 4 e 8 mg. Nome comercial: Avandia®;

      pioglitazona: comprimidos de 15, 30 e 45 mg. Nome comercial: Actos®.

 

Inibidores da alfaglucosidase

Inibem a digestão de oligossacarídeos e dissacarídeos em monossacarídeos, pela inibição de enzimas na borda em escova do intestino delgado. Como resultado, a absorção de glicose é retardada, reduzindo a excursão pós-prandial de glicose. Não causa hipoglicemia, exceto se associada à insulina ou secretagogos da insulina; são drogas pouco estudadas na população idosa. A acarbose, sua representante, é iniciada na dose de 25 mg no início das refeições, aumentando progressivamente até dose máxima de 100 mg nas três principais refeições num período de semanas.

 

Novos hipoglicemiantes

Agonistas do GLP-1

O GLP-1 é um peptídeo de ocorrência natural secretado pelas células do trato gastrintestinal e que estimula a secreção de insulina. O exenatide é um análogo do GLP-1 com maior meia-vida, sendo administrado por via subcutânea 2 vezes/dia. A medicação também inibe a secreção de glucagon e diminui o esvaziamento gástrico, sendo associada com diminuição de 0,5 a 1 ponto na hemoglobina glicada, principalmente por diminuir a glicemia pós-prandial, e diminuição de 3 a 6 kg. Efeitos colaterais incluem pelo menos um episódio de náuseas, vômitos ou diarreia em 35 a 40% dos pacientes. Seu uso é aprovado em associação com metformina ou sulfonilureias. O liraglutide é uma medicação desta classe, usado em dose inicial de 0,6 mg/dia, por via subcutânea, aumentando-se a dose até 1,8 mg.

 

Inibidores da DPP-4

Outra opção são os inibidores da DPP-4, que têm ação semelhante aos agonistas da GLP-1. Uma destas medicações é a sidagliptina, que pode ser usada por via oral em dose de 100 mg/dia. Em pacientes com insuficiência renal, a dose é de 25 mg. A medicação está disponível em associação com metformina.

 

Agonistas da amlina

Outra medicação recente utilizada para tratar o diabetes são os agonistas da amlina, cujo representante é a pramlitida, que diminui o esvaziamento gástrico e a liberação de glucagon de forma dependente da glicemia, o que diminui o risco de hipoglicemia. É utilizado em injeções subcutâneas 2 vezes/dia e está associado com diminuição da HbA1c de 0,5 a 0,7 ponto. Cerca de 30% dos pacientes relatam efeitos colaterais gastrintestinais.

 

Uso de insulina em pacientes com diabetes tipo 2

As insulinas são usadas no portador de DM 2 para suprimir a produção hepática de glicose, quando os hipoglicemiantes orais não são suficientes e para pacientes com deficiência relativa ou absoluta de insulina. Um esquema bastante utilizado é a administração de insulina NPH ou glargina ao deitar (bedtime) associada a hipoglicemiantes orais, pois, na maioria dos indivíduos, a resistência à insulina acontece pela manhã, em virtude da elevação de hormônios contrarreguladores hiperglicemiantes. Com a adição de insulina à noite, a produção hepática de glicose noturna é suprimida e o paciente pode apresentar maior benefício com o uso de drogas hipoglicemiantes. A dose de insulina NPH bedtime inicial é de 10 a 15 U ou 0,2 unidade/kg, e da insulina glargina é de 10 U com aumentos graduais até obtenção de glicemias de jejum adequadas entre 80 e 120 mg/dL, sem evidência de hipoglicemia durante a madrugada. Pacientes com peso corporal adequado poderão necessitar de doses iniciais menores. As principais características das diferentes insulinas são descritas na Tabela 4.

 

Tabela 4. Comparação entre ação das insulinas e seus análogos por via SC

Preparações de insulina

Tipo de ação

Início da ação

Pico de ação

Duração de ação*

Aspart (Novorapid®) ou lispro (Humalog®)

Ultrarrápida

5 a 15 min

1 a 2 h

4 a 6 h

Regular (Biohulin®, Humulin®, Insulman®, Novolin®)

Rápida (R)

30 a 60 min

2 a 4 h

6 a 10 h

NPH/lenta (Biohulin NPH®, Humulin N®, Insulman N®, Novolin®)

Intermediária

1 a 2 h

6 a 8 h

10 a 20 h

Ultralenta (Biohulin U®)

Prolongada

2 a 4 h

Não previsível

16 a 20 h

Glargina (Lantus®)

Prolongada

2 a 4 h

Sem pico

20 ->24 h

Detemir (Levemir®)

Prolongada

Cerca de 2 horas

Sem pico

6 a 24 h

*O tempo e o curso da ação de qualquer insulina podem ter variação individual. Não há modificação no perfil de ação de cada insulina rápida ou ultrarrápida quando utilizada na forma de pré-mistura.

 

Complicações crônicas do diabetes

Avaliação das complicações macrovasculares

O rastreamento de complicações macrovasculares deve ser feito periodicamente (anual, se sem anormalidades). Iniciar no momento do diagnóstico nos diabéticos do tipo 2 e aos 35 anos de idade, ou após 20 anos de diagnóstico no diabetes do tipo 1, portanto, no momento do início do acompanhamento na nossa população-alvo.

 

Avaliação vascular

Palpação de todos os pulsos periféricos e carotídeos, lembrando que o aumento de idade aumenta o risco de doença aterosclerótica e que, embora os diabéticos tenham risco aumentado para doença coronariana, eles têm 4 vezes mais risco de desenvolver doença arterial periférica. Na suspeita de doença macrovascular, realizar ultrassonografia de carótidas.

 

Avaliação cardiológica

      Medida da pressão arterial em todas as consultas (a cada 3 meses);

      anualmente, medir a pressão arterial e a frequência cardíaca também em ortostatismo;

      ECG de repouso (iniciar aos 35 anos de idade no diabetes tipo 1 e por ocasião do diagnóstico no diabetes tipo 2);

      indicações para testes cardíacos não invasivos para detectar isquemia (teste de esforço):

-      sintomas cardíacos típicos ou atípicos;

-      ECG sugestivo de isquemia ou infarto;

-      doença vascular oclusiva periférica ou carotídea;

-      pacientes com idade acima de 35 anos, de vida sedentária e com planos de iniciar programa de exercícios físicos;

-      dois ou mais dos seguintes fatores de riscos, além do diabetes:

1.   Colesterol > 240 mg/dL, LDL > 160 mg/dL ou HDL < 35 mg/dL;

2.   PA > 140/90 mmHg;

3.   tabagismo;

4.   história familiar de doença coronariana prematura;

5.   microalbuminúria positiva;

6.   testes recomendados (indicação depende da severidade da suspeita e das condições clínicas do paciente):

o  ECG de esforço: exame de escolha inicial para avaliação de isquemia coronariana;

o  ecodopplercardiograma: em caso de suspeita de insuficiência cardíaca concomitante, pois a presença desta aumenta a necessidade de intervenção;

o  cintilografia cardíaca ou eco com estresse com dobutamina: reservada para pacientes com incapacidade de realizar o teste de esforço, com condições que limitem a interpretação do teste de esforço (como grandes sobrecargas ventriculares) ou para paciente com resultados duvidosos de outros exames;

o  cateterismo cardíaco: em pacientes em que se considera intervenção cirúrgica para doença isquêmica coronariana, ou naqueles em que a presença de episódios de dor em repouso limite a realização de testes com estresse físico ou farmacológico.

 

Avaliação das complicações microvasculares

      DM tipo 1: iniciar investigação de complicações microvasculares 3 a 5 anos após o diagnóstico de DM ou após a puberdade em pacientes nos quais o diagnóstico surgiu antes dos 12 a 13 anos de idade;

      DM tipo 2: iniciar por ocasião do diagnóstico.

 

Em ambos os tipos de diabetes, a avaliação deve ser anual, sendo necessárias observações mais frequentes em pacientes já acometidos, que iniciaram alguma queixa clínica e durante a gravidez. Esta avaliação inclui:

 

      fundoscopia midriática para retinopatia diabética;

      proteinúria de 24 horas ou urina 1 para nefropatia diabética: se este valor for inferior a 430 mg/dL no exame de proteinúria ou pesquisa negativa de proteínas na urianálise, determinar a microalbuminúria de 24 horas; se positivo, confirmar em nova amostra e analisar a depuração de creatinina.

 

Avaliação neurológica

A seguir, são discutidos brevemente os exames e a periodicidade em que devem ser feitos na avaliação neurológica do paciente diabético. Em outra seção, há uma discussão mais detalhada as diferentes complicações do paciente com DM.

 

      analisar anualmente a sensibilidade protetora plantar, com monofilamento de 10 g em 6 regiões do pé;

      exame neurológico, em especial a sensibilidade térmica e proprioceptiva, assim como reflexos apendiculares, anualmente. Na presença de neuropatia, avaliar necessidade de eletroneuromiografia;

      neuropatia autonômica: testes para avaliar a neuropatia cardiovascular, hipotensão postural e taquicardia persistente;

      ultrassonografia de vias urinárias e de bexiga para investigar resíduo miccional (especialmente em pacientes com distúrbios do ritmo miccional ou infecções urinárias de repetição);

      avaliação dos pés: o exame clínico dos pés deve ser realizado em todas as consultas, com atenção especial para a presença de unha encravada ou deformada, deformidades dos dedos ou do arco plantar, áreas de calosidade, presença de rachaduras ou fissuras, micose interdigital etc.

 

A seguir, são discutidas especificamente as diferentes complicações microvasculares do diabetes.

 

Retinopatia diabética

Os pacientes diabéticos apresentam risco de cegueira 25 vezes maior, em comparação com a população não diabética, sendo a retinopatia a causa mais comum.

Os pacientes com retinopatia diabética em geral evoluem assintomáticos até a perda de visão, o que dificulta a compreensão e a complacência de pacientes e a atenção dos médicos para o problema. Os pacientes com edema macular, entretanto, apresentam inicialmente perda de visão central. A Tabela 5 sumariza as recomendações de seguimento nestes pacientes.

 

Tabela 5. Recomendação de intervenção

Realizar exame de fundoscopia de retina em todos pacientes com DM tipo 2 e pacientes com mais de 5 anos de diagnóstico de DM tipo 1 ou diabéticos tipo 1 pós-pubescentes

Pacientes com retinopatia não proliferativa devem realizar fundoscopia a cada 3 a 6 meses

Pacientes com retinopatia proliferativa e edema macular provavelmente necessitam de intervenção terapêutica com fotocoagulação com laser, devendo ser encaminhados para avaliação com oftalmologista

 

Nefropatia diabética

Cerca de 36% dos pacientes com doença renal terminal nos Estados Unidos apresentam nefropatia diabética, sendo esta a maior causa de insuficiência renal dialítica no país. De 14 a 24% dos pacientes com diagnóstico recente de diabetes do tipo 2 apresentam microalbuminúria no momento do diagnóstico.

Embora seja importante para diagnóstico precoce, o exame de microalbuminúria apresenta várias limitações, podendo ser positivo em outras situações como exercício extenuante, febre e descompensação diabética.

O exame deve ser realizado anualmente em todos os pacientes diabéticos do tipo 2 e diabéticos do tipo 1 com mais de 5 anos de doença ou pós-pubescentes. A interpretação de excreção de albumina é resumida na Tabela 6.

 

Tabela 6. Interpretação do exame de microalbuminúria

Normal: < 30 mcg/mg de creatinina ou 30 mg nas 24 horas ou 20 mcg/min

Microalbuminúria: 30 a 299 mcg/mg de creatinina ou 30 a 299 mg nas 24 horas ou 20 a 199 mcg/min

Albuminúria clínica: valores maiores que os citados para a microalbuminúria

 

Em pacientes com microalbuminúria positiva e sem condições que falseiem o exame como as citadas, deve ser repetido o exame pelo menos 2 vezes em período de 3 a 6 meses. Caso pelo menos 2 destes exames sejam positivos, deve ser considerado que o paciente apresenta nefropatia diabética incipiente e deve ser iniciado inibidor de enzima de conversão de angiotensina (IECA). Em pacientes com diabetes do tipo 2, a evidência é semelhante para o uso dos IECA e bloqueadores da angiotensina-2. O controle glicêmico, o controle pressórico, orientações contra o tabagismo e restrição proteica também fazem parte do tratamento.

Caso o paciente apresente proteinúria maior que 1 g/dL, o objetivo é manter pressão arterial menor que 125/75 mmHg.

 

Neuropatia diabética

A neuropatia diabética pode ser subdividida da seguinte forma:

 

1. Neuropatias periféricas focais

A maioria ocorre em pacientes idosos, com recuperação parcial ou completa do déficit motor na maioria dos casos. Pode ocorrer em nervos periféricos e cranianos. No caso de mononeuropatia craniana, o nervo mais comumente envolvido é o III par craniano com oftalmoplegia, enquanto o nervo periférico mais envolvido é o nervo mediano. Os pacientes podem ainda apresentar quadro de mononeurite múltipla com mais de uma neuropatia isolada no paciente. Outras causas devem ser descartadas em pacientes com mononeuropatia de nervo craniano, devendo-se realizar procedimentos de imagem, como tomografia ou ressonância magnética de crânio. O tratamento consiste no controle do diabetes.

 

2. Neuropatias periféricas difusas

a) Motoras proximais

Ocorre principalmente em pacientes idosos. Pode ocorrer neuropatia motora proximal, também denominada amiotrofia. Os pacientes apresentam-se com dor, perda muscular e fraqueza muscular de membros inferiores, que pode ser uni ou bilateral, mas com comprometimento assimétrico, ocorrendo perda de peso associada de até 40%. Não existe tratamento específico, mas controle estrito do diabetes é proposto, assim como fisioterapia, se necessário. Na maioria dos casos, ocorre recuperação gradual, porém esta pode levar meses e, em alguns casos, anos para melhora satisfatória. Alguns casos apresentam vasculite que pode responder à imunossupressão.

 

b) Polineuropatia distal simétrica

É a forma mais comum de neuropatia periférica, com história variável podendo ser extremamente dolorosa ou sem dor, mas com perda da propriocepção e aparecimento de úlceras neuropáticas não dolorosas. Os sintomas apresentam curso intermitente com melhora e piora da dor, mas a destruição de fibras nervosas é progressiva, apesar da melhora dos sintomas.

O tratamento da neuropatia periférica dolorosa inclui controle glicêmico e pressórico, com as seguintes medicações sendo indicadas:

 

      antidepressivos tricíclicos: primeira linha de tratamento para neuropatia periférica dolorosa. Inicia-se a medicação em dose de 12,5 a 25 mg/dia, em dose única, à noite. Essa dose é elevada posteriormente, de acordo com os efeitos colaterais e a demanda do paciente; os aumentos são de 25 mg a cada 3 a 7 dias. A dose pode chegar até 200 mg/dia (dose máxima da nortriptilina de 150 mg). Podem ser utilizados imipramina, amitriptilina, clomipramina e nortriptilina;

      anticonvulsivantes: a carbamazepina é usada tradicionalmente para o tratamento da dor neuropática, porém, novas opções como a gabapentina estão disponíveis, com resultados similares ou superiores. A carbamazepina é iniciada em dose de 100 mg 2 vezes/dia, com aumento de 100 mg a cada 2 dias; a dose recomendada é de 200 a 1.000 mg/dia, dividida em 2 a 4 tomadas. Já a gabapentina é iniciada com dose de 300 mg à noite, com aumento após 3 a 7 dias para 300 mg a cada 12 horas e, depois, a cada 8 horas. Pode-se aumentar 300 mg/dia por semana, com dose máxima em torno de 3,6 g/dia;

      outras medicações: analgésicos opioides parecem ter melhor efeito comparativamente aos não opioides, mas são apenas drogas adjuvantes nessa situação. Outros antidepressivos, como a sertralina, podem ser utilizados em pacientes com intolerância ou contraindicações ao uso de antidepressivos tricíclicos. Outros agentes anticonvulsivantes, como o hidantal, e até mesmo antiarrítmicos são estudados para tratamento da condição, mas ainda não se pode recomendar seu uso.

 

c) Neuropatias autonômicas

Envolvem múltiplos órgãos que controlam diferentes funções corporais. As principais manifestações são descritas a seguir.

 

Sistema cardiovascular

      Hipotensão postural: definida por queda postural de 20 mmHg e 10 mmHg, respectivamente, das pressões sistólica e diastólica do paciente;

      aumento de frequência cardíaca;

      diminuição da variação da frequência cardíaca com o exercício.

 

Alguns testes funcionais podem ser realizados nesses pacientes, como o tilt-table-test para pacientes com importante hipotensão postural sintomática. Uma discussão aprofundada sobre estes testes não é o objetivo desta revisão. Os pacientes podem se beneficiar do uso de fludrocortisona em casos de síncopes de repetição ou caso o paciente apresente hipoaldosteronismo hiporreninêmico com hipercalemia, embora esta medicação não deva ser usada rotineiramente por causa do risco de hipertensão arterial e edema periférico.

 

Trato gastrintestinal

Manifesta-se como anormalidade em motilidade, absorção e secreção do aparelho gastrintestinal. Clinicamente, apresentam-se 2 problemas principais:

 

      gastroparesia diabética: apresenta-se com náuseas, vômitos pós-prandiais e outros sintomas dispépticos. O tratamento é realizado inicialmente com agentes pró-cinéticos, como a domperidona e a bromoprida. Em pacientes não respondedores, pode-se utilizar a eritromicina que se liga aos receptores de motilina em trato gastrintestinal, melhorando a motilidade. A dose inicial é de 250 mg a cada 8 horas;

      diarreia associada a neuropatia autonômica: os pacientes podem alternar quadro de constipação com diarreia, que é predominantemente noturna e de característica explosiva, com vários episódios de evacuações escurecidas. A maioria dos pacientes apresenta remissão espontânea. Em caso de persistência, antibioticoterapia pode ser realizada por 5 a 7 dias, sendo opções ciprofloxacino ou macrolídeos. Caso não exista resposta, é possível usar a loperamida 4 a 8 mg/dia; alguns casos apresentam resposta ao uso de clonidina.

 

Aparelho geniturinário

Apresenta-se com duas manifestações principais:

 

      disfunção erétil: costuma ser multifatorial, mas, na maioria dos pacientes, a neuropatia autonômica apresenta papel importante. Em doses habituais, pode-se utilizar sildenafil, vardenafil ou Tadalafil. Em casos sem resposta, deve-se encaminhar para avaliação urológica;

      disfunção de bexiga ou bexiga neurogênica: os pacientes devem ser orientados a realizar a manobra de Crede durante as micções (comprimir a bexiga durante o ato de micção). O betanecol em dose de 10 a 50 mg 3 vezes/dia também pode auxiliar, mas alguns pacientes necessitam de cateterização intermitente de vias urinárias.

 

Tratamento do pé diabético

A mais terrível complicação da neuropatia diabética é a úlcera neuropática, mas ela é também a mais facilmente prevenível, sendo a causa mais comum de internação de paciente diabético nos Estados Unidos. É responsável por mais de 60% das amputações não traumáticas naquele país.

São fatores de risco para desenvolvimento de úlcera em pé diabético:

 

      neuropatia periférica;

      doença vascular periférica;

      deformidades anatômicas;

      calosidades e locais de alta pressão;

      outras complicações microvasculares associadas;

      edema local.

 

Prevenção

Os pacientes diabéticos devem ser orientado a evitar andar descalços ou com calçados abertos, pois há risco de trauma. Calosidades devem ser tratadas por podologista e caso haja deformidades, calçados específicos devem ser recomendados após avaliação por especialista dos pés.

A pesquisa de neuropatia periférica deve ser realizada pelo menos anualmente, com o teste com monofilamento de 10 g aplicando pressão em pontos específicos do pé, que são indicados no próprio monofilamento. A ocorrência de úlcera neuropática em pacientes com teste do monofilamento é extremamente rara e, nestes casos, a etiologia é isquêmica.

 

Manejo da úlcera em pé diabético

As úlceras cutâneas em pacientes com pé diabético podem ser causadas por isquemia, secundárias a neuropatia ou mistas, quando ambos os componentes estão presentes. O aparecimento destas é extremamente dependente do cuidado que o paciente apresenta com seus pés.

O paciente com neuropatia diabética apresenta diminuição de sensibilidade a traumas, permitindo o desenvolvimento de lesões. Disfunção autonômica pode associar-se com diminuição da transpiração, pele seca e maior propensão a desenvolver fissuras.

A doença arterial periférica, por si só, raramente causa ulceração, porém, quando ocorre trauma regional e infecção local, a demanda por aporte sanguíneo supera a circulação local com o desenvolvimento de lesão. A ultrassonografia com doppler nestes pacientes pode apresentar resultados enganadores, e o fator mais associado com isquemia significativa é a ausência de pulso tibial posterior e pedioso.

A classificação de Wagner – mostrada na Tabela 7 – é a mais utilizada para caracterizar as úlceras de pacientes com pé diabético.

 

Tabela 7. Classificação de Wagner

Classificação

Característica

0

Pé de risco, sem úlcera

1

Úlcera superficial

2

Úlcera profunda

3

Envolvimento ósseo

4

Gangrena parcial

5

Gangrena completa

 

Três aspectos devem ser considerados no tratamento das úlceras em pacientes com pé diabético:

 

1.    Determinar se fluxo arterial é adequado.

2.    Tratar infecção apropriadamente.

3.    Remover a pressão da úlcera e áreas adjacentes.

 

A avaliação clínica é o meio mais apropriado para determinar a adequação da circulação local. Em caso de dúvida, podem ser necessários outros procedimentos, como arteriografia.

O tratamento apropriado de infecção local é muito importante para evolução destes pacientes. Antibioticoterapia tópica não costuma ser apropriada para o manejo destes pacientes. Pacientes com úlceras neuropáticas com circulação adequada não apresentam indicação de antibioticoterapia, exceto casos em que o paciente apresente claros sinais clínicos de infecções, como descarga purulenta, eritema local ou celulite. A antibioticoterapia deve, se possível, ser guiada por cultura de secreções locais, em pacientes com lesões consideradas leves com celulite menor que 2 cm e infecção limitada a pele e tecido subcutâneo. A cobertura deve ser dirigida para Staphylococcus aureus e estreptococos do grupo A, que são os agentes etiológicos mais frequentes. Nessa situação, pode-se utilizar cefalosporinas de 1ª ou 2ª geração, amoxicilina com clavulanato ou clindamicina por 7 a 14 dias de tratamento. Os pacientes com lesões moderadas definidas por celulite maior que 2 cm, linfangite, abscesso profundo envolvendo músculos, tendões e ossos necessitam de cobertura antibiótica de maior amplitude, incluindo agentes gram-positivos, agentes gram-negativos e anaeróbios. Conforme a gravidade do caso, utiliza-se terapia endovenosa ou oral por 2 a 4 semanas. Entre as opções terapêuticas, pode ser utilizado ampicilina/sulbactam, cefalosporinas de 3ª geração, ciprofloxacino ou levofloxacino, ertapenem, piperacilina/tazobactam associados a clindamicina.

As infecções consideradas graves, além de apresentarem as condições descritas nas infecções moderadas, são acompanhadas de instabilidade hemodinâmica ou metabólica. Nestes casos, a terapia deve ser necessariamente endovenosa e com ampla cobertura microbiana, incluindo carbapenêmico, piperacilina/tazobactam associados a vancomicina ou teicoplanina. Em pacientes não responsivos a um curso de antibioticoterapia, pode-se considerar a retirada do tratamento por alguns dias, com coleta de novas culturas para direcionamento apropriado da antibioticoterapia.

Exames de imagem podem ser importantes para definir infecções de partes moles e, embora a radiografia simples seja suficiente na maioria dos casos, a ressonância magnética apresenta melhor desempenho diagnóstico e pode ser necessária. É preferível em relação a estudos cintilográficos em virtude de sua melhor caracterização das lesões, mesmo em casos de suspeita de osteomielite. Deve-se acrescentar que, na suspeita de envolvimento ósseo, a literatura recomenda a biópsia óssea, não só para o diagnóstico como para identificação do agente patógeno.

 

Bibliografia recomendada

1.    Sue Kirkman M, Briscoe VJ, Clark N, et al. Diabetes in older adults: a consensus report. J Am Geriatr Soc 2012; 60:2342.

2.    Abbatecola AM, Paolisso G. Diabetes care targets in older persons. Diabetes Res Clin Pract 2009; 86 Suppl 1:S35.

3.    American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes – 2013. Diabetes Care 2013; 36 Suppl 1:S11.

4.    Sinclair AJ, Paolisso G, Castro M, et al. European Diabetes Working Party for Older People 2011 clinical guidelines for type 2 diabetes mellitus. Executive summary. Diabetes Metab 2011; 37 Suppl 3:S27.

5.    Kirkman MS, Briscoe VJ, Clark N, et al. Diabetes in older adults. Diabetes Care 2012; 35:2650.

6.    McCulloch DK et al. Treatment of type 2 diabetes mellitus in the elderly patient. Disponível em www.uptodate.com acessado em 29 de agosto de 2013.

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