Autores:
Sergio Henrique Prezzi
Preceptor do Programa de Residência Médica em Clínica Médica do Hospital Nossa Senhora da Conceição e do Programa de Residência Médica do HCPA. Especialista em Medicina Interna, Nefrologia, Cardiologia e Terapia Intensiva.
Guilherme Heiden Teló
Médico contratado do Serviço de Medicina Interna do Grupo Hospitalar Conceição.
Título de Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Mestrando Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde: Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da UFRGS.
Última revisão: 04/11/2013
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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013. |
Um paciente do sexo masculino, 62 anos, com história clínica de troca valvar aórtica há seis meses, procura atendimento médico por sentir mal-estar e ter febre alta há cinco dias. Ele afirma não apresentar sintomas respiratórios, geniturinários ou gastrintestinais. Ao realizar exame, verificou-se estado geral regular: taquicardia (frequência cardíaca: 110bpm); temperatura axial de 39,2oC; aparelho cardiovascular: ritmo regular, bulhas normofonéticas, 2 tempos, sopro diastólico em base; aparelho respiratório: murmúrio vesicular normal, sem ruídos adventícios; abdome: depressível, indolor, ruídos hidroaéreos aumentados; extremidades: bem perfundidas, sem edema. Na investigação inicial, constatou-se: hemograma evidenciando leucocitose com desvio à esquerda, velocidade de sedimentação globular (VSG) e proteína C-reativa elevados, eletrocardiograma e raio X de tórax normais. Foram solicitados exames culturais e ecocardiograma transtorácico para elucidação do caso clínico.
A endocardite infecciosa ocorre na superfície endotelial do coração, com acometimento principal das valvas cardíacas. Sua lesão característica, a vegetação, é uma massa amorfa constituída de fibrina, plaquetas, células inflamatórias e microrganismos que se aderem às valvas cardíacas, próteses valvares, locais de defeitos septais (shunts) ou endocárdio mural.
A endocardite aguda tem início geralmente entre 2 a 6 semanas, com quadro de febre alta e sinais de toxemia. Já a endocardite subaguda tem quadro clínico insidioso (> 6 semanas), com febre baixa e sintomas constitucionais.
Houve um aumento na faixa etária dos indivíduos com endocardite, especialmente nos países desenvolvidos, relacionados às doenças valvares degenerativas (mitral e aórtica), em contraposição ao declínio da doença reumática.
Um subgrupo importante em jovens contempla os usuários de drogas injetáveis (tricúspide).
Na infância, geralmente está relacionada com cardiopatias congênitas.
Valvas cardíacas protéticas Endocardite prévia Coarctação aórtica
Cardiopatia congênita cianótica complexa Derivações cirúrgicas sistêmico-pulmonares
Doença reumática
Doença cardíaca degenerativa Miocardiopatia hipertrófica
Prolapso mitral com regurgitação ou espessamento valvar
Outras cardiopatias congênitas (exceto comunicação interatrial tipo ostium secundum)
•Lesão endotelial (fluxo de alta velocidade – condições predisponentes).
•Deposição de plaquetas e fibrinas (superfície atrial das valvas tricúspide e mitral; superfície ventricular das valvas aórtica e pulmonar) endocardite trombótica não bacteriana.
•Episódios de bacteriemia:
–procedimentos dentários com sangramento;
–procedimentos geniturinários;
–procedimentos respiratórios;
–procedimentos gastrintestinais;
–procedimentos cutâneos.
Adesão e multiplicação de microrganismos endocardite infecciosa.
Endocardite aguda: Staphylococcus aureus, enterococos. Endocardite subaguda: Spretococcus viridans, enterococos, Spretococcus bovis (pólipos intestinais), HACEK. Usuários de drogas injetáveis: Staphylococcus aureus (tricúspide).
Início precoce (< 12 meses) Staphylococcus epidermidis, S. aureus, bacilos gram-negativos, fungos.
Início tardio (> 12 meses): patógenos semelhantes aos da infecção de valva nativa.
Gerais – febre (mais comum), mal-estar, perda ponderal, sudorese noturna, náuseas, vômitos, fator reumatoide positivo
Cardíacas – sopro (mais comum), insuficiência cardíaca, bloqueio atrioventricular, pericardite, abscessos
Neurológicas – acidente vascular cerebral, aneurismas micóticos
Renais – glomerulonefrite, insuficiência renal, infartos renais
Hematológicas – anemia normocítica e normocrômica, elevação de VSG, leucocitose, infarto esplênico, esplenomegalia
Articulares – artralgias, mialgias
Periféricas – petéquias, hemorragias subungueais, nódulos de Osler (lesões dolorosas em polpas digitais, imunológicas), manchas de Janeway (lesões hemorrágicas, indolores, embolização séptica), manchas de Roth (lesões ovais retinianas, imunológicas)
Pulmonares – embolia pulmonar (tricúspide)
O quadro clínico da endocardite depende dos seguintes fatores:
•Resposta inflamatória (produção de citocinas).
•Resposta imunológica (produção de imunocomplexos).
•Infecção de sítios distantes.
•Embolização de fragmentos da vegetação.
•Comprometimento local.
Hemocultura positiva
Microrganismos típicos em duas hemoculturas separadas (S. viridans, S. bovis, HACEK, S. aureus, enterococo adquirido na comunidade).
Hemoculturas persistentemente positivas (todas de três ou a maioria de quatro hemoculturas com intervalo de 1 h ou apenas duas com intervalo de 12 h). Cultura única positiva para Coxiella burnettii.
Evidência de envolvimento endocárdico
Ecocardiograma positivo (massa oscilante sobre a valva, estruturas de suporte, trajeto dos jatos regurgitantes ou material implantado; abscesso; deiscência de prótese).
Regurgitação valvar nova.
Critérios menores
Lesão cardíaca predisponente ou uso de drogas injetáveis.
Febre de 38oC ou mais.
Fenômenos vasculares: embolia arterial importante, infartos sépticos pulmonares, hemorragia intracraniana, hemorragia conjuntival, manchas de Janeway. Fenômenos imunológicos: glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth, fator reumatoide.
Evidências microbiológicas que não preenchem o critério maior.
Evidências ecocardiográficas que não preenchem o critério maior.
Diagnóstico definitivo – critério histopatológico; dois critérios maiores; um critério maior e três menores; cinco critérios menores.
Diagnóstico possível – um critério maior e um menor; três critérios menores.
Ecocardiograma transtorácico: abordagem inicial para a maioria dos pacientes.
Ecocardiograma transesofágico: maior sensibilidade, abordagem inicial se houver alto risco (especialmente presença de próteses valvares) ou moderada a alta suspeição clínica. Também é recomendado para identificação de complicações.
Profilaxia (amoxicilina, 2 g, VO, 1 h antes do procedimento) é recomendada em situações restritas, como procedimentos dentários com manipulação da gengiva, na região periapical dentária ou perfuração da mucosa oral; procedimentos invasivos do trato respiratório com incisão ou biópsia da mucosa; procedimento cirúrgico com envolvimento de pele ou tecido musculoesquelético infectado.
A profilaxia também é indicada para as situações apresentadas a seguir:
•Prótese valvar.
•endocardite infecciosa prévia.
•Cardiopatias congênitas:
–Cianótica não reparada:
–Reparadas com material protético ou dispositivos durante os primeiros seis meses após o procedi- mento.
–Reparada, porém com defeitos residuais.
•Transplantados cardíacos (desenvolvimento de valvu- lopatias).
No tratamento empírico, considerar:
Valva nativa: penicilina cristalina, de 2 a 3 milhões U, 4/4 h, + oxacilina, 2 g, 4/4 h, + gentamicina, 1 mg/ kg, 8/8 h.
Valva protética: vancomicina 1 g, 12/12 h, + gentamicina, 1 mg/kg, 8/8 h.
Após identificação do germe pela hemocultura, o esquema de antibiótico deve ser ajustado.
A opção de tratamento cirúrgico na endocardite bacteriana pode ser considerada em pacientes com instabilidade clínica, como os que apresentam insuficiência cardíaca grave, devido à disfunção valvular, ou comprometimento hemodinâmico secundário, devido à insuficiência mitral ou aórtica.
Outras condições, como endocardite por germes resistentes, formação de abscesso perivalvar, eventos embólicos ou grandes vegetações, também são potenciais indicações cirúrgicas.
Ecocardiograma transesofágico que demonstra imagem filamentar, móvel aderida aos folhetos da prótese valar aórtica, compatível com vegetação.
O paciente em questão foi submetido ao ecocardiograma transtorácico, que não possibilitou identificação de vegetação, porém evidenciou leve regurgitação valvar aórtica. Tendo em vista alta suspeição clínica, realizou-se, de forma complementar, ecocardiograma transesofágico, que demonstrou imagem filamentar, móvel, aderida aos folhetos da prótese valvar aórtica, compatível com vegetação (Fig. 8.1). Posteriormente, duas hemoculturas identificaram o germe S. aureus, confirmando o diagnóstico de endocardite infecciosa (2 critérios maiores – Duke modificado). Esse caso atenta para a suspeição clínica de endocardite em pacientes com condições predisponentes (especialmente próteses valvares e endocardite prévia) e febre, especialmente se há sopro cardíaco associado. Ademais, destaca-se a necessidade de complementação de exame com o ecocardiograma transesofágico nesse subgrupo de pacientes (sensibilidade de cerca de 90%).
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