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H1N1 e influenza

Autor:

Tainá Fagundes Behle

Médica residente do Serviço de Infectologia do HCPA.

Última revisão: 22/01/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 32 anos, branco, procura o servico de emergência devido a febre e dispneia. Ele relata quadro de dor na garganta, tosse úmida e pouco produtiva, mialgia intensa, febre de ate 38,7°C (temperatura axilar aferida) e episódios de cefaleia holocraniana com início no dia anterior ao da consulta. Apresenta também dor ventilatório-dependente, mal-estar, astenia e adinamia. Refere piora significativa dos sintomas nas ultimas 24 horas, com dificuldade progressiva para respirar e deambular.

Ao realizar exame, e possivel verificar que o paciente esta em regular estado geral, prostrado, febril (temperatura axilar 38,2°C) e apresenta frequência cardiaca de 101 bpm, frequência respiratória de 24 rpm e pressao arterial de 100/60 mmHg.

Não há particularidades no aparelho cardiovascular e no abdome. No aparelho respiratório, verifica-se murmúrio vesicular em ambos os hemitórax, mas está diminuido difusamente. Há raros sibilos em campos médios pulmonares, sem outros achados significativos.

A partir do raio X de tórax com infiltrado intersticial bilateral, não são observadas áreas de consolidação ou atelectasias. O hemograma e normal, apresentando apenas discreta leucopenia, sem desvio à esquerda. Velocidade de sedimentação globular (VSG) de 20 mm/h. As provas de função hepática e renal estão normais.

O paciente afirma não ser tabagista, nem apresentar outras doenças. Relata também ter realizado vacinas apenas na infância. Nao faz uso de qualquer medicação cronicamente.

 

Definição

A gripe, ou infecção pelo vírus influenza, é a causa mais importante de doença respiratória aguda nos consultórios médicos. Caracteriza-se por ser uma doença febril aguda, geralmente autolimitada, causada pelo vírus influenza, tipos A e B. Em geral, provoca casos de quadros leves a moderados. Entretanto, pode determinar quadros graves, principalmente em indivíduos suscetíveis, como aqueles em idades extremas (especialmente em crianças no primeiro ano de idade e idosos com mais de 65 anos), gestantes (principalmente nos dois primeiros trimestres) e imunossuprimidos.

A taxa de mortalidade atribuída à gripe varia de 0,2 a 20% dos pacientes afetados pela doença, dependendo também da virulência da cepa viral envolvida.¹

 

O vírus influenza

Os vírus influenza, pertencentes à família Orthomyxoviridae, são classificados em influenza A, B ou C de acordo com as diferenças antigênicas (Tab. 66.1). São compostos por RNA de cadeia simples recobertos por glicoproteínas denominadas hemaglutininas (H – importantes para a adesão ao epitélio respiratório) e neuraminidases (N – importantes para a liberação do vírus das células infectadas). Essas glicoproteínas apresentam-se como espículas que se projetam a partir do envelope viral (Fig. 66.1). A nomenclatura viral padrão considera o tipo de influenza, o local onde foi primeiramente isolado, a designação da cepa e o ano em que foi isolada. Por exemplo, A/Porto Alegre/1/2012, corresponderia a um suposto influenza A, isolado inicialmente de um paciente em Porto Alegre, designado de 1, no ano de 2012. O influenza A ainda pode ser classificado em subtipos com base nas hemaglutininas e neuraminidases (por isso a sigla HN). O influenza A apresenta, no mínimo, 16 hemaglutininas altamente divergentes antigenicamente e, pelo menos, 9 neuraminidases distintas, o que resulta em grande variabilidade antigênica (grande número de sorotipos).

 

 

Figura 66.1

A estrutura do influenza.

 

Definições importantes

Epidemia

A epidemia é um surto de gripe que se restringe a um espaço (p. ex., cidade, estado ou país). Durante epidemias, a taxa de ataque na população não vacinada é estimada em 10 a 20%, mas índices elevados, como 40 a 50%, são relatados.

A transmissão ocorre predominantemente por grandes partículas transmitidas de uma pessoa à outra apenas em uma curta distância. Nas regiões de clima temperado, as epidemias ocorrem quase exclusivamente nos meses de inverno. Provavelmente, tal fato decorra das condições mais favoráveis para a sobrevivência viral. Em geral, durante uma epidemia, há predominância de apenas uma cepa de vírus. Contudo, pode haver a combinação de mais de uma cepa e, até mesmo, a coexistência de influenza A e B.

 

Pandemia

Diferentemente das epidemias, que seguem um padrão, as pandemias são surtos graves, que rapidamente se alastram e atingem diferentes partes do mundo. As pandemias são associadas à emergência de um novo vírus, para o qual a população não apresenta imunidade. As pandemias progridem com extrema rapidez, não respeitam a sazonalizade habitual das epidemias, afetam indivíduos de todos os grupos e faixas etárias com diversas ocorrências de epidemias, que se seguem sucessivamente (caso da gripe espanhola, no tópico “História”). O intervalo entre as pandemias é incerto.

 

Variação antigênica

A capacidade de mudar a antigenicidade é uma das mais marcantes características do vírus influenza. As alterações na estrutura genética originam vírus aos quais a popu lação não apresenta qualquer resistência, determinando alto risco de gravidade da doença. Tal fenômeno ocorre com as duas glicoproteínas de superfície (HA e NA) e de duas formas distintas.

 

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Derivação antigênica

A derivação antigênica é a menor das trocas antigênicas.

O fenômeno é mais extensamente estudado com a HA.

Acredita-se que os anticorpos gerados pela exposição a uma cepa viral não neutralizem cepas que sofreram variação antigênica com a mesma eficácia. Sendo assim, há uma seleção das cepas mais resistentes, bem como o predomínio destas nas epidemias subsequentes. A variação antigênica ocorre dentro de uma mesma cepa viral, resultando em vírus “mutantes”, semelhantes ao original, mas nunca em novos vírus. Esse processo ocorre em todos os tipos de influenza (A, B e C).

 

Salto antigênico

O salto antigênico é o processo pelo qual duas ou mais diferentes cepas virais ou cepas de dois ou mais diferentes vírus recombinam-se, formando um novo vírus. Não há qualquer (ou, em certos casos, há mínima) relação sorológica entre HA (ou NA) das cepas que antecedem com as cepas que resultam do salto antigênico. Ao contrário do salto, a derivação antigênica causa “mutação natural” vagarosa com cepas reconhecidas, apresentando menor morbidade e mortalidade. Entretanto, o salto antigênico ocorre apenas no influenza A, pois este infecta outros animais que não apenas o homem, proporcionando um ambiente mais propício para as recombinações virais. Os suínos são o reservatório mais significativo para a ocorrência desse evento de recombinação viral, pois podem ser infectados concomitantemente pelos influenza humano e aviário, além do suíno.

 

Epidemiologia

História

Apenas em 1933 o vírus influenza A foi isolado, inicialmente em furões, por Smith e colaboradores.²  Logo após, em 1939, o vírus influenza B foi isolado e, posteriormente, em 1950, o influenza C foi identificado. Somente em 1974 o vírus foi isolado em humanos. A mais importante das pandemias por influenza, a gripe espanhola, ocorreu entre 1918 e 1919 e foi responsável por cerca de 21 milhões de mortes no mundo. Também conhecida como gripe suína, a pandemia de 1918 foi causada pela vírus influenza tipo A, do subtipo H1N1. A pandemia foi dividida em três ondas epidêmicas, sendo que a segunda foi considerada a de maior letalidade, com uma taxa entre 6 a 8%. Outras quatro pandemias ocorreram até o final do século passado. No ano de 2009, foram obtidos os primeiros relatos de uma nova epidemia de doença respiratória aguda por influenza A (H1N1), no México, causada por um novo vírus circulante. Essa última pandemia resultou da recombinação de influenzas de origem aviária, suína e humana, ocasionando um salto antigênico e um grande número de indivíduos suscetíveis mundialmente. Felizmente, essa cepa não foi tão patogênica como a da gripe espanhola.

 

O impacto da doença

As epidemias por influenza estão associadas regularmente a altos índices de morbidade e mortalidade, expressados por números elevados de casos de pneumonia e internações relacionadas ao influenza e/ou mortes durante o período de epidemia. As cepas que mais se destacam nesse processo são influenza A (H3N2) e influenza A (H1N1) em determinados anos, e influenza B em qualquer ano. Acredita-se que os índices de doença relacionados ao influenza sejam subestimados, pois nem todos os casos de influenza associados a morte manifestam-se com pneumonias. Historicamente, os altos índices de morbidade e mortalidade ocorrem devido aos grupos de risco (indivíduos com múltiplas comorbidades – incluindo cardiopatias e pneumopatias –, os que precisam de cuidados médicos com frequência por doença metabólica crônica, disfunções renais, hemoglobinopatias ou imunodeficiências, e os com doença neurológica que comprometa o funcionamento correto das vias respiratórias).

Outros grupos nos quais o influenza determina doença potencialmente mais grave são as gestantes e os obesos. As crianças também têm sido reconhecidas como um significativo grupo afetado pela doença. Não apenas os índices de hospitalização estão elevados (sobretudo nas crianças com menos de 2 anos), como também os índices de complicações (principalmente otite média e pneumonia) são preocupantes.

 

Transmissão

A transmissão ocorre de pessoa para pessoa por meio da inalação de gotículas respiratórias ou por contato direto com material contaminado (Fig. 66.2). O curto período de incubação (de 1 a 7 dias, com uma média de quatro dias) possibilita a rápida disseminação. A domesticação dos animais certamente contribui para uma maior disseminação da doença para os humanos. Acredita-se que adultos permaneçam infectantes de 5 a 7 dias após o início dos sintomas. Em crianças, esse intervalo é muito maior, o que aumenta o risco de contágio. A maior taxa de infecção a partir de animais foi relatada durante a denominada gripe aviária, causada pelo vírus influenza A H5N1, que ocorreu na Ásia, entre 2003 e 2004.

 

 

Figura 66.2

Funcionamento da gripe.

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Sinais e Sintomas

Os primeiros sintomas ocorrem agudamente, sendo os mais característicos da doença dor de garganta, febre e mialgias. Outros sintomas comuns são cefaleia, calafrios, tosse seca e prostração. As manifestações gastrintestinais, como diarreia e vômitos, são mais frequentes em crianças. A febre geralmente ocorre nas primeiras 72 a 96 horas. Pode estar associada a hiperemia conjuntival e coriza. Sintomas como fraqueza, tosse seca e mal-estar podem persistir por semanas após a resolução do quadro.

A ocorrência de miosite e rabdomiólise é rara e pode desenvolver falência renal e dificuldade de deambulação por acometimento da musculatura proximal dos membros inferiores. Há casos de encefalite associados à gripe, ocorrendo durante o quadro ou, na maioria dos casos, de 2 a 3 semanas após. Essa encefalite é denominada letárgica e caracteriza-se pela tríade clássica de febre, letargia e movimentos anormais do globo ocular (este é o mais frequente, ocorrendo em cerca de 75% dos casos).

Para adultos, o período de infectividade é de cerca de cinco dias e inicia concomitantemente aos sintomas. Para crianças, pode ser de até 10 dias e iniciar antes mesmo do surgimento de qualquer manifestação clínica. Em pacientes imunossuprimidos, esse período pode variar de semanas a meses.³ Em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), o vírus pode causar descompensação infecciosa do quadro. Estima-se que o vírus influenza seja responsável por cerca de 25% das exacerbações de etiologia viral. Embora o mecanismo não esteja bem estabelecido, acredita-se que esteja relacionado a mediadores inflamatórios e a modificações na resposta celular tipo T, aumentando a sensibilidade a outros alérgenos.

O quadro clínico da influenza A H1N1 assemelha-se muito ao da influenza sazonal. As apresentações clínicas variam desde sintomas respiratórios leves até pneumonias leves a moderadas e quadros súbitos de desconforto respiratório grave. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),4 a síndrome respiratória aguda grave ocorre mais comumente em mulheres, com uma maior prevalência entre 15 e 49 anos de idade. Contudo, a grande maioria dos casos são leves e autolimitados.

A ocorrência de pneumonia viral felizmente é rara em casos de gripe sazonal. No entanto, está associada a uma maior gravidade no quadro, pois cursa com destruição do epitélio respiratório, determinando quadros de insuficiência respiratória grave. Em muitos casos, pode haver infecção bacteriana, geralmente posterior à infecção viral, sendo os agentes mais frequentes Streptococcus pneumonial, Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Streptococcus do grupo A. Já nos casos de infecção bacteriana pós-gripal, além dos agentes citados, inclui-se também a ocorrência de doença por Klebsiella pneumoniae. Embora o S. pneumoniae seja o mais prevalente, o S. aureus tem papel bastante significativo por estar relacionado aos quadros mais graves.

O raio X de tórax pode evidenciar normalidade, infiltrados intersticiais bilaterais, consolidações, áreas de atelectasias e muitos outros achados. Nos casos graves, pode haver leucopenia e alteração de provas de função hepática. Nos casos leves, o hemograma pode evidenciar resultados normais ou discreta leucocitose, bem como aumento de marcadores inflamatórios (velocidade de hemossedimentação e proteína C-reativa).

 

Complicações

As principais complicações relacionadas à doença são as pulmonares, incluindo pneumonia primária (pelo próprio vírus influenza) e pneumonias bacterianas secundárias.

As complicações neuromusculares e cardíacas são menos frequentes. Os grupos de risco são seguramente mais suscetíveis às complicações (Quadro 66.1).³ A taxa de mortalidade em pacientes com mais de 85 anos, por exemplo, é cerca de 16 vezes maior do que entre pacientes de 65 a 69 anos.5,6 Indivíduos com Aids apresentam taxa e duração de hospitalizações maiores do que a população em geral.7

Os pacientes transplantados também estão sob alto risco de influenza e suas complicações. Em média, dois terços desses pacientes desenvolvem pneumonia (seja ela viral ou bacteriana), com uma mortalidade que pode ser de 50%.

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Pneumonia viral aguda

A pneumonia viral aguda afeta sobretudo pacientes com mais de 45 anos, cardiopatas, que apresentam sintomas clássicos do influenza (febre, tosse pouco produtiva e mialgia). Outras manifestações dessa condição são dispneia e cianose intensas. O raio X evidencia infiltrado difuso, semelhante à congestão pulmonar. A mortalidade, nesses casos, é de cerca de 80%. Os achados anatomopatológicos incluem bronquite necrotizante, membrana hialina, hemorragia e edema intra-alveolares e inflamação intersticial. Síndrome do desconforto respiratório do adulto e disfunção de múltiplos órgãos podem ocorrer em pacientes gravemente doentes e geralmente precedem a morte.

 

Pneumonia bacteriana secundária

Esse tipo de pneumonia caracteriza-se por recorrência de febre e dispneia após 4 a 14 dias de resolução dos sintomas. Outras manifestações são tosse produtiva e consolidações pulmonares. Os agentes mais comuns são S. pneumoniae, S. aureus, H. influenzae e, ocasionalmente, outros bacilos gram-negativos.

A pneumonia por S. aureus é geralmente fulminante e apresenta como sintomas cianose de cor vermelho-cereja ou azul-violeta, expectoração de cor salmão-rósea, sem consolidações pulmonares evidentes. A doença evidencia múltiplos microabscessos. Outro importante fator na patogênese das pneumonias bacterianas é o sinergismo existente entre o vírus influenza e os S. pneumoniae. A neuraminidase viral cliva o ácido siálico, causando lesão epitelial e exposição de sítios necessários para a aderência dos pneumococos.

 

Complicações neurológicas

As complicações neurológicas ocorrem raramente e afetam mais crianças. Decorrem fundamentalmente de invasão direta do sistema nervoso pelo vírus. Podem apresentar-se como encefalopatia (síndrome de Reye), encefalomielite, mielite transversa, meningite asséptica, distúrbios neurológicos focais e síndrome de Guillain-Barré. A apresentação dessas complicações geralmente é rápida, e a taxa de mortalidade é de 30%.

 

 

 

Diagnóstico

A reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR) é o exame indicado pela OMS para a identificação qualitativa do novo vírus influenza A, apresentando uma sensibilidade de cerca de 99,3% para a verificação do vírus em secreção naso e orofaríngea. Esse é o único teste que possibilita a confirmação do diagnóstico. O material deve ser coletado nos primeiros dias de início dos sintomas até, no máximo, sete dias.

O teste de imunofluorescência ou Elisa (também conhecido como teste rápido), realizado com material coletado de nariz/garganta, verifica a ocorrência de influenza e é mais útil nas primeiras 24 a 48 horas, período no qual há maior viremia nas secreções.

O diagnóstico específico é realizado por meio de cultura viral coletada por swab de nariz ou garganta. Esses testes são muito importantes em casos de epidemia, e o resultado é obtido em cerca de 48 horas. Outro teste disponível é o de sorologia comparativa com duas amostras em intervalos de 15 dias ou apenas sorologia convalescente.

Em períodos de surto, o diagnóstico é efetuado sobretudo com base na epidemiologia, nos parâmetros clínicos e laboratoriais, com menor custo e valor preditivo comparável ao de testes de imunofluorescência ou Elisa.

 

Tratamento

O tratamento deve ser indicado com base na avaliação clínica do paciente (formas graves) e na existência de fatores de risco. Idealmente, deve ser iniciado nas primeiras 48 horas e mantido em geral por cinco dias. A determinação da duração do tratamento deve ser realizada de modo individual, considerando-se a gravidade do caso e a resposta à terapia. Assim, sabe-se também que pacientes obesos necessitam de doses mais elevadas do antiviral, pois a absorção é errática.¹ Em pacientes hospitalizados, deve-se começar o tratamento ainda que tenham se passado mais de 48 horas do início dos sintomas, uma vez que o tratamento não se destina apenas para combater a doença, mas também para reduzir o risco de disseminação da infecção no ambiente hospitalar. O uso de antivirais específicos (inibidores da neuraminidase), principalmente para casos moderados a graves, diminui as taxas de morbidade e mortalidade da doença.

Há duas classes de drogas disponíveis para o tratamento de infecções causadas por influenza: os inibidores da neuraminidase (oseltamivir, zanamivir, peramivir e outros) e os inibidores da hemaglutinina (amantadina e rimantadina). As antigas adamantinas (amantadina e rimantadina) não são recomendadas habitualmente, pois a quase totalidade dos vírus influenza A (H3N3) são resistentes a esses medicamentos, e estes são inefetivos contra os vírus influenza B.8 Além disso, o vírus influenza H1N1 também é resistente às amantadinas.

 

Inibidores da neuraminidase

Como a neuraminidase viral apresenta um significativo papel na superinfecção bacteriana, o tratamento com esse tipo de drogas reduz também o risco de infecção bacteriana secundária.

 

Oseltamivir. No Brasil, preconiza-se o uso de oseltamivir, inibidor da neuraminidase que apresenta a grande vantagem da administração por via oral. Ainda que não tenha sido registrada no Brasil, já é relatada a resistência do vírus influenza A (H1N1) ao oseltamivir.

O oseltamivir em geral é administrado em uma dose de 75 mg, duas vezes ao dia, durante cinco dias. Em pacientes com clearence de creatinina entre 10 e 30 mL/min, a dose diária deve ser reduzida à metade. Já para pacientes em regime dialítico (hemodiálise ou diálise peritoneal), recomenda-se dose extra após cada sessão. Os eventos adversos mais comuns são náuseas, vômitos e diarreia.

Está indicada dose extra para pacientes que apresentem episódios de vômitos até 1 hora após a ingestão do medicamento. Nos casos de H1N1, a dose pode ser dobrada.

 

Zanamivir. Ainda não há relatos de resistência do influenza a esse medicamento. Contudo, apresenta o inconveniente da utilização por via inalatória, sendo de difícil administração para crianças ou pacientes muito debilitados, e é contraindicado para pacientes com hiper-reatividade de vias aéreas.

 

Peramivir. Esse fármaco ainda não está disponível no Brasil. É o anti-influenza de maior potência in vitro. Apresenta como inconveniente a administração por via intravenosa.

 

Profilaxia

Deve-se ressaltar a importância da realização de medidas gerais higiênicas. Medidas simples, tais como uso de álcool para lavagem das mãos após contato com indivíduos, uso de luvas, avental e máscara comum no contato com doentes, são eficazes para evitar a transmissão da doença.

Da mesma forma, alguns hábitos devem ser reforçados.

Nesse caso, não levar a mão à boca ou ao nariz é extremamente recomendável.

O principal veículo na prevenção, além das medidas gerais, é a vacinação. A realização da vacina na população reduz o número de internações, morte e complicações (infecciosas ou não). É considerada o método mais eficaz contra o influenza e suas complicações.¹ Deve-se priorizar a vacinação de grupos que apresentam maior risco de desfecho fatal (estratégia baseada no risco). Há dois tipos de vacinas: a trivalente inativa (utilizada no Brasil) e a vacina de vírus vivo atenuado. Ambas são de boa tolerabilidade. A vacina de vírus vivo atenuado é a mais eficaz, proporcionando 30 a 50% a mais de proteção, sendo, ainda, administrada por via inalatória (menos invasiva). Além disso, apresenta melhor performance com relação à proteção cruzada.

De acordo com o Advisory Committe on Imunization Practices (ACIP),9 nos Estados Unidos, a vacina para influenza é recomendada para todas as pessoas com 50 anos ou mais, crianças e adolescentes entre 6 meses e 18 anos, e pessoas entre 19 e 49 anos de idade portadoras de comorbidades, gestantes, trabalhadores de casas de cuidados de saúde ou contactantes de pessoas de alto risco. Embora as crianças com menos de 6 meses não possam efetuar a vacinação, recebem a imunidade materna por meio de amamentação.

A vacina é formulada anualmente com base nas cepas mais prevalentes no último ano. Por vezes, uma nova variante surge após a conclusão da fórmula vacinal e pode ser esta a cepa responsável pelos surtos, pois a população não estará imune à ela. Em 2011, por exemplo, a vacina foi criada com duas cepas de influenza A (H1N1 e H3N2) e uma cepa de influenza B. A replicação viral ocorre em embrião de galinha, por isso há a contraindicação vacinal a alérgicos a componentes do ovo. Para a vacina trivalente inativa, a proteção vacinal ocorre em cerca de 2 a 3 semanas, com pico entre 8 a 12 semanas em 70 a 90% dos vacinados até 65 anos.¹ Para que haja máxima proteção, a vacina deve ser aplicada antes que o vírus da influenza esteja disseminado. Reações locais (dor, rubor, formação de tumoração) são relatadas por até 60% dos vacinados e duram até 48 horas. Há relatos de caso de síndrome de Guillain-Barré pós-vacinal, como ocorre com outras vacinas.

A vacina com vírus vivo atenuado não contém timerosal (composto com mercúrio) e pode ser realizada apenas por pessoas saudáveis, sendo contraindicada para pacientes com menos de 5 anos, gestantes, imunossuprimidos (incluindo os que realizam terapia imunossupressora), portadores de doenças crônicas ou alérgicos a algum componente vacinal.

A quimioprofilaxia está indicada em casos específicos e é realizada com oseltamivir, na dose de 75 mg por dia, durante 10 a 14 dias após a última exposição conhecida ao vírus. A despeito das indicações, deve-se ponderar o uso de quimioprofilaxia, pois pode-se estar subtratando pacientes com grandes chances de apresentar a doença, além de induzir resistência aos antivirais disponíveis (fato já observado em países como o Japão, no qual foi liberada a quimioprofilaxia em massa).¹ Pessoas vacinadas com a vacina trivalente inativada depois de iniciada a circulação viral na comunidade devem realizar quimioprofilaxia por 14 dias, período necessário para o desenvolvimento de resposta antigênica no soro. Para os que receberam vacina de vírus vivo atenuado, a profilaxia é dispensável, pois estudos apontam que o desenvolvimento de imunidade é praticamente imediato.

 

Caso Clínico Comentado

Após a realização de exame físico, foram coletados swabs de secreção orofaríngea, instalou-se suporte ventilatório por cateter nasal e realizou-se estabilização inicial do paciente. Foi iniciada antibioticoterapia empírica para pneumonia por germes da comunidade (cefuroxima e azitromicina) e oseltamivir.

O teste rápido para antígeno de influenza e a imunofluorescência para anticorpos contra influenza A evidenciaram resultados positivos. O tratamento inicial foi mantido, havendo melhora gradual dos sintomas respiratórios e do mal-estar geral. No segundo dia de internação, o RT-PCR foi positivo para influenza A H1N1. O paciente apresentou progressão sem necessidade de oxigênio suplementar e sem febre. Ele recebeu alta, após a conclusão do tratamento por cinco dias.

Passados 10 dias, o paciente retornou ao hospital devido a início súbito de febre, dispneia intensa e tosse úmida e produtiva, com expectoração de cor amarelada.

Evidenciaram-se leucocitose pronunciada e marcadores inflamatórios elevados. A parte do raio X de tórax, foi verificado foco de consolidação em base direita. O paciente foi manejado para pneumonia bacteriana secundária ao quadro de influenza. Iniciou-se, então, antibioticoterapia precoce, havendo melhora nos dias seguintes.

Conforme exposto no caso clínico, os sinais e os sintomas sugestivos de influenza, sobretudo em períodos de epidemia, são fortes indicadores da doença e suficientes para iniciar o tratamento. Este deve ser sempre realizado o mais precocemente possível, iniciado quando houver suspeita diagnóstica, não havendo motivos para retardar seu início. A administração dos inibidores da neuraminidase é indicada, e a preferência, no momento, devido a facilidade posológica, é para o oseltamivir.

Em geral, os episódios de gripe são leves a moderados, apresentando resposta adequada ao tratamento. Contudo, pode haver, semelhantemente ao caso exposto, diversos sintomas constitucionais, inespecíficos, comuns a múltiplas comorbidades (p. ex., febre, prostração, mal-estar geral).

Não são raras as ocorrências de complicações, sendo as pneumonias bacterianas frequentes e, até mesmo, previsíveis no desenvolvimento de um paciente recentemente tratado para influenza ou ainda em tratamento. As complicações devem ser prontamente reconhecidas e tratadas, reduzindo a incidência de desfechos desfavoráveis.

 

Referências

1. Thompson WW, Shay DK, Weintraub E, Brammer L, Bridges CB, Cox NJ, et. al. Influenza-associated hospitalizations in the United States. JAMA. 2004;292(11):1333-40.

 

2. Smith W, Andrewes CH, Laidlaw PP. A virus obtained from influenza patients. Lancet. 1933;222(5732):66-68.

 

3. Skiest DJ, Kaplan P, Machala T, Boney L, Luby J. Clinical manifestations of influenza in HIV-infected individuals. Int J STD AIDS. 2001;12(10):646-50.

 

4. World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; c2012 [capturado em 10 set. 2012]. Disponível em: http://www.who.int/en/.

 

5. Klein MB, Lu Y, DelBalso L, Coté S, Boivin G. Influenza virus infection is a primary cause of febrile respiratory illness in HIV-infected adults, despite vaccination. Clin Infect Dis. 2007;45(2):234-40.

 

6. Golden MP, Sajjad Z, Elgart L. Influenza human immunodeficiency virus infection: abscense of HIV progression after acute influenza infection. Clin Infect Dis. 2001;32(9):1366-70.

 

7. Uyeki TM, Sharma A, Branda JA. Case records of the Massachusetts General Hospital. Case 40-2009. A 29-year-old man with fever and respiratory failure. N Engl J Med. 2009;361(26):2558-69.

 

8. Weinstock D, Zuccotti G. Adamantane Resistance in Influenza A. JAMA. 2006;295(8):934-6.

 

9. Fiore AE, Shay DK, Broder K, Iskander JK, Uyeki TM, Mootrey G, et al. Prevention and control of influenza: recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP), 2008. MMWR Recomm Rep. 2008;57(RR7-):1-60.

 

Leituras Recomendadas

Glezen PW. Clinical practice. Prevention and treatment of seasonal influenza. N Engl J Med. 2008;359(24):2579-85.

 

Mandell GL, Bennett JE, Dolin R. Mandell, Douglas, and Bennett’s principles and practice of infectious diseases. 7th ed. Philadelphia: Elsevier; 2010.

 

Rothnberg MB, Haessler SD, Brown, RB. Complication of viral influenza. Am J Med. 2008;121(4):258-64.

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