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Depressão

Autores:

Lucas Lovato

Médico psiquiatra. Mestre em Psiquiatria pela UFRGS.

Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima

Médico psiquiatra. Mestre em Farmacologia pela UFCSPA. Doutor em Ciências Biológicas: Bioquímica pela UFRGS.

Última revisão: 17/02/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso clínico

Uma paciente do sexo feminino, 53 anos, há três meses realizou mastectomia radical direita por câncer de mama. Durante o esvaziamento axilar, ocorreu lesão nervosa, que causou déficit motor e dor crônica no membro superior do mesmo lado. Terminou o tratamento oncológico restante e, atualmente, utiliza tamoxifeno. O mastologista observa a tristeza e o desânimo da paciente, que está 4 kg mais magra desde sua última revisão, mas ele não relaciona a perda de peso à causa clínica. A paciente relata dificuldade para iniciar o sono e mostra desesperança quanto ao futuro. O médico pensa: "será uma reação normal, esperada? Há situações difíceis mesmo! Se fosse comigo, também estaria mal? Vale a pena medicar se há problemas reais? Será que sou eu que devo abordar depressão?"

 

Definição

A depressão é uma doença crônica e de elevada prevalência. Causa sofrimento para o indivíduo, para a sua família e prejuízos à sociedade. Estima-se que, em 20 anos, ela seja a sua segunda causa de incapacidade no mundo. Além de seus prejuízos diretos, também pode piorar o prognóstico de outras doenças médicas, como já bem estabelecido em sua associação com a doença cardiovascular e com outras doenças crônicas. Constata-se, atualmente, que esse transtorno em geral é subdiagnosticado e subtratado. É importante que o reconhecimento da depressão e, ao menos, noções básicas de seu tratamento façam parte do conhecimento médico em sua formação e prática clínica habitual.1,2

 

Epidemiologia

A prevalência de depressão maior ao longo da vida, observada em um estudo epidemiológico americano, foi de 16,2%.3 A idade mais frequente de apresentação inicial dos sintomas é entre os 25 e os 30 anos, e as mulheres são duas vezes mais afetadas do que os homens. Há frequente ocorrência de comorbidade com transtornos de ansiedade, uso de substâncias e transtornos de controle de impulsos. Um risco significativo para o desenvolvimento de um episódio depressivo é já ter apresentado depressão maior. Um episódio depressivo implica um risco de 50% de um novo; dois ou mais episódios, 70 a 90%.4,5 Um estudo brasileiro verificou depressão maior em 29% de pacientes hospitalizados por motivos clínicos. Em algumas populações portadoras de doenças clínicas crônicas, os índices dos diversos graus de depressão são bastante altos (60% dos pacientes oncológicos, cerca de 30% dos pacientes com doença renal, 43% de portadores de HIV, cerca de 20% dos portadores de artrite reumatoide, entre outros).6,7 Entre os tipos de depressão, 30 a 60% são resistentes (realmente não responsivas a doses e períodos adequados de antidepressivos) aos tratamentos habituais, sendo necessárias condutas mais elaboradas/específicas.7

 

Etiologia

Sobre a etiologia da depressão, discute-se atualmente interações entre o genótipo (herança genética que pode conferir vulnerabilidade ou não vulnerabilidade) e o ambiente (estressores aos quais todos os indivíduos são expostos ao longo da vida, mas de modo diferente quanto à intensidade e ao tempo de duração). Somando-se ao que é geneticamente herdado, ocorrem modificações no epigenoma após o nascimento. Essas são direcionadas por experiências/situações de vida, que também influenciam na determinação final de um fenótipo depressivo. Entre os fatores externos de proteção ou vulnerabilidade ao transtorno depressivo, o estilo parental (atitudes dos cuidadores que geram um clima emocional na criança) apresenta influência significativa.7

 

Patogênese

A patogênese da depressão envolve teorias sobre anormalidades relacionadas às aminas biogênicas, à regulação neuroendócrina e aos sistemas cerebrais específicos. A serotonina é um importante regulador do sono, do apetite, da temperatura corporal, do metabolismo e da libido. Além de participar da regulação do ritmo circadiano e inibir a agressividade, há uma menor quantidade de seus metabólitos na urina e no líquido cerebrospinal de pacientes deprimidos. A noradrenalina está relacionada a sintomas depressivos como anergia, anedonia e redução da libido; a dopamina, ainda que seja improvável sua relação primária com a depressão, tem apresentado papel relacionado a alguns aspectos desse transtorno em observações experimentais; o glutamato, que exerce uma função importante na excitabilidade sináptica e age na plasticidade cerebral, mostra-se alterado em pacientes deprimidos. A hiperatividade do eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal em casos de depressão é um dos achados mais consistentes na psiquiatria. Os pacientes deprimidos apresentam concentrações elevadas de cortisol no plasma, na urina e no líquido cerebrospinal. Sugere-se que sejam áreas cerebrais relacionadas aos transtornos depressivos os gânglios da base, o sistema límbico e o hipotálamo.7

 

Hereditariedade

Há cerca de duas a três vezes mais risco de ocorrer depressão em familiares de primeiro grau de pacientes deprimidos do que na população em geral. Esse risco é ainda maior se o parentesco for com uma pessoa com depressão recorrente e apresentação inicialmente precoce. Entre 21 a 45% da variância fenotípica da depressão é atribuída a fatores genéticos.4,7

 

Sinais e Sintomas

Conforme o DSM-IV-TR, as principais características apresentadas por pacientes com depressão e seu período de duração são apresentados na Tabela 115.1.8

 

Diagnóstico

O diagnóstico de transtornos depressivos é clínico. É importante realizar o diagnóstico diferencial com o trans torno bipolar e com sintomas depressivos secundários a causas clínicas ou medicamentos. O transtorno bipolar pode manifestar-se inicialmente apenas por depressão, e o uso de antidepressivos sem um estabilizador de humor associado pode desencadear em pacientes bipolares uma “virada” maníaca.

 

 

Tratamento

Os princípios gerais para o tratamento de pacientes com depressão podem ser verificados no Quadro 115.1.5,9

Os principais fármacos utilizados para o tratamento de pacientes com depressão estão listados a seguir. 5,9

 

Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS)

Como já definido pelo nome, os ISRSs bloqueiam seletivamente a recaptação da serotonina (5-HT) nos neurônios pré-sinápticos, aumentando sua disponibilidade na fenda sináptica. Sua ação seletiva faz com que apresente pouco efeito sobre outros receptores, havendo poucos efeitos colaterais. São medicamentos relativamente seguros no que diz respeito à possibilidade de intoxicação. De modo geral, seus principais paraefeitos são cefaleia, náuseas, diminuição da libido, orgasmo retardado e insônia/sonolência (Tab. 115.2).

 

Antidepressivos tricíclicos

Os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, imipramina, clomipramina, nortriptilina) realizam sua ação antidepressiva por inibir a recaptação da norepinefrina, da serotonina e, em menor grau, da dopamina. Sua atuação também em receptores histamínicos, colinérgicos e adrenérgicos é responsável por seus efeitos colaterais. Alguns estudos apontam a sua possibilidade de ser mais eficaz em casos graves de depressão, ainda assim, a literatura discute seu uso como medicamento de primeira linha devido aos efeitos colaterais e à possibilidade de intoxicação grave com doses relativamente baixas (p. ex., mais de 1 g para a amitriptilina). Em média, suas doses terapêuticas variam em torno de 150 mg/dia, sendo um pouco menores para a nortriptilina: 75 mg/dia (apresenta uma relação dose-efeito curvilínea; concentrações plasmáticas superiores perdem o efeito antidepressivo). Os principais efeitos colaterais observados durante o uso desses medicamentos são boca seca, constipação, retenção urinária, dificuldade na acomodação visual e midríase, ganho de peso, sedação, disfunção sexual, ortostase, anormalidades da condução cardíaca e, em pacientes idosos, delirium. Algumas contraindicações relacionadas ao uso da maioria desses medicamentos são infarto recente e distúrbios da condução cardíaca, retenção urinária e íleo paralítico e glaucoma de ângulo fechado. A nortriptilina apresenta melhor tolerabilidade do que os demais, menos ganho de peso e menos efeitos sobre o sistema cardiovascular. Interações medicamentosas devem ser observadas.

 

 

 

 

 

 

Outros antidepressivos

Existem diversos outros antidepressivos que também podem ser utilizados como de primeira linha (Tab. 115.3).

•Nos casos leves a moderados de depressão, o uso de antidepressivos apresenta menos evidências. Para essas situações, as modalidades de psicoterapia breve (terapia interpessoal e terapia cognitivo-comportamental [TCC]) talvez sejam opções mais adequadas.

•Se não houver resposta satisfatória com a abordagem inicial, existem várias estratégias que podem ser seguidas: troca do antidepressivo, potencialização do tratamento e combinações de medicamentos.

•Caso ocorram sintomas graves, recomenda-se a associação de medicamentos com TCC.

•A eletroconvulsoterpia é um recurso eficaz no tratamento de pacientes com depressão, podendo ser indicada se houver resistência ao tratamento, em situações específicas (resposta prévia, necessidade de resposta rápida, sintomas psicóticos, etc.) ou por preferência do paciente.

•Quando ocorrem sintomas psicóticos concomitantemente a um episódio depressivo, indica-se o uso associado de um antipsicótico.

•O transtorno bipolar pode ser confundido com depressão unipolar. Por isso, o médico deve estar sempre atento e reavaliar periodicamente o diagnóstico.

 

Caso Clínico Comentado

Como anteriormente citado, o transtorno depressivo é prevalente em pacientes clínicos e pode piorar o prognóstico de muitos deles. Se o médico está com dúvida quanto à ocorrência da doença psiquiátrica, o paciente e sua família também estão. No caso em questão, embora a paciente não relate diretamente, os sintomas depressivos são evidentes. Cabe ao médico guiar a entrevista e avaliar corretamente ou, ao menos, encaminhá-la ao psiquiatra. Deve-se considerar sempre o diagnóstico diferencial com transtorno bipolar. Ao escolher um antidepressivo, deve-se revisar as interações medicamentosas, nesse caso especificamente, com o tamoxifeno – enquanto alguns antidepressivos podem reduzir de forma significativa seu efeito, outros são bem tolerados.

 

Referências

1.Barth J, Schumacher M, Herrmann-Lingen C. Depression as a risk factor for mortality in patients with coronary heart disease: a meta-analysis. Psychosom Med. 2004;66(6):802-13.

2.Moussavi S, Chatterji S, Verdes E, Tandon A, Patel V, Ustun B. Depression, chronic diseases, and decrements in health: results from the World Health Surveys. Lancet. 2007;370(9590):851-8.

3.Kessler RC, Berglund P, Demler O, Jin R, Koretz D, Merikangas KR, et al. The Epidemiology of Major Depressive Disorder Results From the National Comorbidity Survey Replication (NCS-R). JAMA.2003;289(23):3095-3105.

4.Hales RE, Yudofsky SC, editores. Tratado de psiquiatria clínica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.

5.Taylor D, Paton C, Kapur S. The South London and Maudsley NHS Foundation Trust and Oxleas NHS Foundation Trust: prescribing guidelines. 10th ed. London: Informa Healthcare; 2009.

6.Ferreira MH, Colombo ES, Guimarães PS, Soeiro RE, Dalgalarrondo P, Botega NJ. Suicide risk among inpatients at a university general hospital. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):51-4.

7.Lacerda ALT, Quarantini LC, Miranda-Scippa AMA, Del Porto JA, organizadores. depressão: do neurônio ao funcionamento social. Porto Alegre: Artmed; 2009.

8.American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-IV. 4th ed. rev. Washington: APA; 2000.

9.Cordioli AV, organizador. Psicofármacos: consulta rápida. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2011.

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