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Complicações do Uso de Sonda Vesical

Última revisão: 01/12/2014

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Áreas: Medicina Hospitalar/Segurança do Paciente

 

Introdução

         O uso de sondas vesicais é prática comum no ambiente hospitalar. As sondas vesicais podem ser utilizadas para diversas indicações. Uma das mais simples e temporária é a coleta de exames de urina, seja análise bioquímica e celular (urina 1), seja urocultura. Ainda podem ser usadas sondagens de alívio periódicas em pacientes com problemas de controle de esfíncter, por exemplo.

         Outras situações de uso mais prolongado, com sondas vesicais de demora, incluem a monitorização de débito urinário em pacientes com condições clínicas agudas. Entre as situações envolvidas nesta monitorização estão os choques de diferentes etiologias e as injúrias renais agudas. As sondas vesicais de demora também são colocadas em diversas cirurgias, permanecendo em alguns pós-operatórios. Também são utilizadas em pacientes prostáticos sintomáticos como ponte para abordagem definitiva do trato urinário. Uma lista de possíveis indicações de uso de sondas vesicais pode ser vista na Tabela 1.

 

Tabela 1 – Indicações de Sondagem Vesical

Monitorar débito em paciente instável/crítico

Na vigência de hematúria macroscópica

Na vigência de obstrução urinária

Em pacientes cronicamente imobilizados

Em pacientes com incontinência urinária

Em pacientes com bexiga neurogênica

Após cirurgia de próstata, bexiga

Após cirurgia ginecológica

Intra e pós-operatório de cirurgia longa

Intra e pós-operatório de cirurgias com grande infusão de volume

Intra e pós-operatório de cirurgia com necessidade de monitoração de débito urinário

Intra e pós-operatório de pacientes com incontinência

Para facilitar cicatrização de feridas sacrais/perineais

 

 

Complicações da Sonda Vesical

         A despeito das diversas indicações de uso de sondagem vesical, frequentemente as sondas são usadas sem indicação, ou então são mantidas sem que haja necessidade, predispondo à ocorrência de eventos adversos e complicações do uso.

         Uma das complicações mais frequentes são as infecções urinárias. A presença de bactérias na urina é quase universal em pacientes que fazem  uso de sondagem vesical de demora há mais de uma semana. A taxa de bacteriúria em usuários de sonda vesical é de 3 a 10% por dia de sondagem. Dos que desenvolvem bacteriúria, 10 a 25% terão sintomas de infecção.

         As infecções urinárias associadas a sondas vesicais são a causa mais comum de bacteremia secundária à assistência à saúde. Estima-se que 20% das bacteremias intra-hospitalares venham do trato urinário, e a mortalidade desta condição chega a 10%. Infecções urinárias recorrentes, como resultado do uso de sondagem vesical crônica pode levar a pielonefrite aguda ou crônica, ou até mesmo a câncer de bexiga. Além de infecções urinárias, é possível ocorrer epididimite decorrente da manipulação uretral, sendo que raramente pode ocorrer migração da infecção para os testículos causando orquite.

         Outro problema frequente se refere a material da própria sonda. A ruptura espontânea do balão da sonda vesical é algo que pode acontecer. Em caso de retirada da sonda ou perda da mesma por tracionamento, a integridade do balão deve ser examinada com cuidado para verificar se há algum fragmento ausente. Se fragmentos do balão não puderem ser localizados, deve-se realizar uma cistoscopia para identificar os fragmentos retidos na bexiga, uma vez que estes têm o potencial de causar a obstrução uretral.

         É importante ressaltar que a ruptura do balão da sonda vesical ocorre de forma espontânea em alguns casos. Porém, tem maior chance de ocorrer em casos onde se distende exageradamente o balão quando ele é insuflado, uma vez que o balão pode não desinflar. Nesses casos, uma punção percutânea para esvaziar o balão pode ser feita para desinflar o balão, alternativa que não se associa com retenção de fragmentos de balão na bexiga.

         Uma complicação grave é a formação de fístula vesical para outras estruturas pélvicas, podendo ocorrer fístulas com o intestino delgado, com os cólons, com o reto e com a vagina (ou seja, entero-vesical, cólon-vesical , reto-vesical e vesico-vaginal). A presença de ar ou fezes na urina de um paciente com um sonda vesical de demora pode indicar a formação de uma fístula. Quanto maior o tempo de uso de uma sonda vesical de demora maior a chance de ocorrerem estas fístulas. Alguns outros fatores de risco evidentes para a ocorrência desse tipo de complicação são a presença de câncer, realização prévia de radioterapia, história de trauma prévia, e em processos inflamatórios que acometam a bexiga, principalmente infecções.

         Já não tão frequente, uma complicação descrita é a formação de cálculos na bexiga. As pedras ou cálculos se formam devido à presença de um corpo estranho, que no caso é a sonda vesical de demora. Existem também algumas bactérias associadas à formação de cálculos vesicais, que são fragmentadoras de ureia, sendo a bactéria mais frequentemente associada à Proteus mirabilis. O tipo de sonda usada pode influenciar a formação de pedra; no entanto, não há dados que suportem o uso de algum material específico (ou seja, látex, silício) em detrimento de outro.

         Ainda há uma rara complicação que é a perfuração de bexiga, que pode ocorrer tanto para o território intraperitoneal como extraperitoneal. A despeito de ser um evento raro, geralmente é descrito na vigência de uso de sondas vesicais por tempo prolongado. A clínica destes casos é a presença de hematúria e dor abdominal, sendo que pode surgir pneumoperitôneo nas perfurações intraperitoneais.

         Alguns problemas mecânicos com as sondas podem ocorrer. Isso inclui vazamento e obstrução do cateter, coisas que normalmente podem ser evitadas realizando correta manutenção da sonda, ou corrigidas com troca.

         Uma complicação outra é relacionada com a passagem da sonda, que é o trauma de uretra. Isso decorre de passagem traumática da sonda.  Uma revisão sistemática verificou que a porcentagem de pacientes que desenvolvem estenose uretral ou erosão uretral é de 3,4% nas passagens traumáticas de sonda vesical.  

         A presença de dor e sangramento após a inserção da sonda e consequente incapacidade para passar uma nova sonda sugerem que um falso trajeto pode ter sido criado.

         Essas lesões geralmente requerem cirurgia reconstrutiva da uretra, com utilização de cistostomia transitoriamente. Uma consequência da criação de falso trajeto é a possibilidade de infecção de partes moles periuretrais, podendo inclusive surgir abscessos. O diagnóstico muitas vezes é difícil e a infecção pode se espalhar localmente. Isso pode levar a fístulas uretrocutâneas, e em raros casos, podem ocorrer gangrena de Fournier.

         A estenose associada a sondagem inadvertida da uretra ocorre quase exclusivamente em pacientes do sexo masculino. Trauma uretral repetido por sondagem intermitente pode causar a formação de estenose uretral, que por sua vez aumenta a probabilidade de passagem traumática de sonda. A incidência de estenose uretral aumenta com a duração da sondagem crônica, e tende a se desenvolver após pelo menos cinco anos de sondagem intermitente.

         Ainda podemos citar como complicação tardia de uso crônico de sonda vesical de demora a ocorrência de incontinência.  A incontinência pode ocorrer devido à sondagem, mas também está relacionada com a disfunção do esfíncter uretral.

Uma lista das principais complicações relacionadas a sonda vesical está descrita na Tabela 2.

 

Tabela 2 – Complicações da Sondagem Vesical

Bacteriúria assintomática

Infecção de trato urinário

Epididimite e orquite

Retenção de fragmentos do balão da sonda

Fístula de bexiga (entero-vesical, cólon-vesical, reto-vesical e vesico-vaginal)

Perfuração de bexiga

Formação de cálculo de bexiga

Trauma de uretra

Incontinência

 

Complicações de Outros Dispositivos

         Os preservativos acoplados a sistema coletor de urina são outros dispositivos que podem substituir a sondagem vesical em algumas situações, e seu uso é restrito a pacientes do sexo masculino.  A maioria das complicações relacionadas ao uso de preservativos é devido à colocação inadequada ou prolongada e ao acompanhamento inadequado do dispositivo. A maioria das complicações é menor e autolimitada, no entanto, lesões penianas significativas, resultando em cicatrizes e deformidades podem ocorrer. Os pacientes de maior risco para essas complicações são os com perda de sensibilidade, ou seja, pacientes com lesão medular.

         Uma complicação simples é a despigmentação da pele devido à pressão local do dispositivo, algo que é mais comum em pacientes com condições dermatológicas de base, como vitiligo. Efeitos constritivos da fita adesiva do preservativo ou do anel de fixação podem levar à ulceração superficial. Em casos de lesão peniana, o uso do preservativo deve ser temporariamente interrompido e uma sonda vesical (intermitente ou de demora) deve ser utilizada até que a lesão esteja curada. A pressão contínua prolongada no pênis a partir de um preservativo colocado indevidamente pode causar isquemia do tecido, o que pode levar a necrose do pênis e/ou da uretra. Essa rara complicação precisa ser tratada cirurgicamente em boa parte dos casos, podendo ser necessária à reconstrução com enxertos de pele para o pênis.

         Uma alternativa que é raramente utilizada à sondagem vesical é a cateterização suprapúbica. Quando realizada corretamente, as complicações do cateter suprapúbico são incomuns. Complicações associadas com a colocação inicial incluem sangramento cutâneo ou da bexiga e lesões no intestino, que é mais comum se a colocação do cateter suprapúbico é realizada quando a bexiga não está totalmente distendida. As complicações em longo prazo incluem a erosão da pele e problemas com vazamento crônico.

 

Medidas Preventivas Gerais

          Uma avaliação precisa da indicação do uso de sondagem vesical é fundamental no contexto de prevenção de complicações. Além disso, uma revisão diária (ou periódica, a depender do contexto) é necessária para se julgar a necessidade de manutenção da sonda vesical. Estas medidas simples são fundamentais para evitar eventos adversos aos pacientes.

         As medidas mais efetivas na prevenção de complicações relacionadas à sondagem vesical envolvem treinamento e educação permanente sobre o assunto para os profissionais de saúde nos hospitais. Além disso, deve-se realizar um acompanhamento do uso da sonda de forma a identificar se a indicação de uso está correta, e quando é a situação ótima para sua retirada em definitivo.

Entre as diferentes medidas que ajudam a prevenir complicações associadas com sondas vesicais estão incluídas:

- O uso de sondas vesicais apenas para indicações apropriadas (tabela 1);

- Considerar alternativas para sondagem vesical com o uso de camisinhas acopladas a coletor em pacientes masculinos (uripen®, etc);

- Realizar treinamento adequado para a equipe médica e outros profissionais de saúde sobre a colocação e manutenção da sonda vesical;

- Retirar prontamente sondas vesicais sem indicação de uso;

- Não realizar troca de sonda vesical sem indicação;

- Usar um sistema de drenagem contínua fechado para sondas vesicais de demora;

- Não irrigar rotineiramente pacientes sondados; cateteres são irrigados apenas em circunstâncias específicas (pós-operatório, terapia farmacológica, manejo de hematuria macroscópica).

 

 

Referências

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