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Doença ateroembólica renal

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 10/04/2015

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Introdução

A doença renal ateroembólica, também denominada de ateroembolismo renal, é uma causa neglicenciada de disfunção renal. Ocorre quando cristais de colesterol e outros debris se separam de placas ateromatosas e se alojam em pequenas artérias renais, produzindo oclusão luminal, isquemia e disfunção renal. Com o alojamento destes cristais de colesterol em artérias renais ocorre recrutamento de macrófagos no local e reação inflamatória endotelial. Os componentes do ateroma podem se separar das placas de forma espontânea ou após trauma intravascular, procedimentos angiográficos ou por anticoagulação. Cerca de 70% dos casos são considerados como tendo origem iatrogênica.

A primeira descrição de ateroembolismo ocorreu a partir de achados necroscópicos de 1862, quando se verificou ruptura de placas ateromatosas em coronárias. Desde a década de 1980, se verificou que o ateroembolismo renal é uma síndrome clínica responsável por um número significativo de casos de insuficiência renal aguda.

A doença ocorre principalmente em adultos com mais de 60 anos de idade, sua prevalência é mal definida, mas em estudos de autopsia em idosos submetidos à cirurgia aórtica sua prevalência variava de 12 a 77%. Outro estudo em pacientes com quadro de disfunção renal submetidos à biópsia  encontrou prevalência de 1% de achados compatíveis com ateroembolismo renal, mas com prevalência próxima a 5% em pacientes acima de 60 anos de idade, estima-se que a doença ateroembólica renal seja responsável por até 5% dos casos de insuficiência renal aguda.

 

Fisiopatologia

É necessária para sua ocorrência a presença de aterosclerose difusa em aorta abdominal. Os fatores de risco para sua ocorrência são os mesmos fatores de risco para aterosclerose, com idade superior a 60 anos, sexo masculino, diabetes, hipertensão e tabagismo.

A placa aterosclerótica é caracterizada pela presença de um tampão fibroso que recobre um núcleo contendo restos celulares necróticos, lípides incluindo os cristais de colesterol. Fatores hemodinâmicos, inflamatórios, hemorragia intraplaca e outros fatores estressantes podem levar à instabilidade da placa, erosão e eventualmente ruptura da mesma. Quando a capa fibrosa que envolve o ateroma é desnudada, pode ocorrer a ruptura com componentes lipídicos atingindo a corrente sanguínea, atingindo órgãos periféricos.

O fator precipitante mais comum da doença ateroembólica renal, em estatísticas recentes, é a iatrogênica, sendo responsável por cerca de 70-75% dos casos. A doença ateroembólica renal ocorre tipicamente em procedimentos vasculares, durante anticoagulação, trauma mecânico ou trombolise.

A cinenangiocoronariografia é o procedimento mais comumente associado ao ateroembolismo, sendo em pelo menos um estudo responsável por 80% dos casos de doença ateroembólica renal iatrogênica, com risco de 0,06 a 1,8% por procedimento. A anticoagulação oral, por sua vez, é responsável por cerca de 5 a 10% dos casos de ateroembolismo renal.

Uma vez que os cristais de colesterol se desprendem,  se alojam em pequenas artérias de 150-200 mm de diâmetro. A presença dos trombos de cristais pode levar a um processo inflamatório vascular, se formam trombos mais organizados e ocorre um processo de proliferação endotelial levando à obstrução arterial e isquemia.

Histopatologicamente a lesão de risco são as placas erosivas em aorta, já pacientes com placas estáveis em aorta apresentam baixo risco de embolização de colesterol. A anticoagulação e trombolise remove a proteção de trombos em placas ateroscleróticas e aumenta o risco de embolização renal.

Apresentação clínica

A apresentação clínica da doença ateroembólica depende da localização e do tamanho da placa embolizada. A aorta ascendente e o arco aórtico proximal são as principais fontes de êmbolos para artérias cerebrais e artérias retinianas cerebral e artérias da retina. Os êmbolos das artérias renais e viscerais são principalmente originários da aorta descendente torácica e abdominal, assim como ateroembolismo para membros inferiores.

Os episódios de ateroembolismo podem ser leves e até subclínicos, porém alguns pacientes podem apresentar quadros fulminantes com envolvimento de múltiplos órgãos.

Nos casos de ateroembolismo renal podemos ter piora aguda da função renal, mas a evolução de piora de função renal pode ser subaguda ou mesmo crônica. O desenvolvimento de insuficiência renal aguda rápida com aparecimento até uma semana de um evento iniciador claro é a forma de apresentação em 20-30% dos pacientes, em geral estes pacientes apresentam evidência de embolização em outros locais, principalmente gastrointestinal e cutâneo, deve-se lembrar de que a doença ateroembólica renal faz parte de uma doença multissistêmica, em que muitas vezes o diagnóstico é realizado pelo aparecimento das outras manifestações, em particular as manifestações cutâneas.

A forma mais comum de apresentação é a subaguda, com aparecimento de insuficiência renal progressiva que ocorre após várias semanas de um evento inicial. Os pacientes podem ainda ter uma evolução crônica, lentamente progressiva.

A evolução é variável e de 25 a 60% dos pacientes podem necessitar de diálise, mas com um bom número de pacientes podendo descontinuar o suporte dialítico após algum tempo.

As lesões de pele são a manifestação extrarrenal mais comum ocorrendo em algumas séries em 35% dos casos, com estudos recentes se aproximando a 70% dos casos. Um estudo com avaliação histológica só encontrou ateroembolismo cutâneo em 6% dos casos, o que contradiz os achados de estudos epidemiológicos. As lesões cutâneas clássicas são síndrome do dedo azul e livedo reticular. A lesão pode evoluir para ulceração, infartos digitais ou gangrena, necessitando amputação. Os pacientes muitas vezes têm pulsos distais palpáveis. Outra manifestação cutânea comum é o livedo reticular, que ocorre em extremidades inferiores devido à oclusão de pequenas artérias.

O trato gastrointestinal é também frequentemente afetado, o que ocorre em cerca de 20 a 50% dos casos. Além de dor abdominal e diarreia, pode ocorrer perda de sangue oculto ou macroscópico, este sangramento pode se originar em qualquer sitio do trato gastrointestinal e eventualmente pode ser severo. A dor abdominal, por sua vez, é causada por isquemia da parede do intestino, causando má absorção e diarreia. O diagnóstico depende de evidências de embolização para outros locais. Existem ainda descrições de embolia para pâncreas com evolução com pancreatite e colecistopatia acalculosa.

As manifestações neurológicas, por sua vez, são descritas em 4-23% dos pacientes, os sintomas mais comuns sendo confusão mental, episódio isquêmico transitório, déficits neurológicos e alterações visuais como escotomas, perda de campo visual, placas retinais de colesterol, amaurose fugaz e muito rara cegueira permanente.

Manifestações raras incluem infarto de medula espinhal, miosite e infartos esplênicos. A tabela 1 cita as principais manifestações clínicas de ateroembolismo. Os principais fatores de risco por sua vez são sumarizados na tabela 2.

 

Tabela 1: Manifestações clínicas do ateroembolismo

 

 

Rim

• Insuficiência renal aguda, subaguda e crônica

• Hipertensão grave não controlada

• Infarto renal

Pele

• Livedo

• Síndrome do dedo azul

• Ulceração e gangrena

• Púrpura

Sistema Gastrointestinal

• Dor abdominal

• Sangramento gastrointestinal

• Isquemia intestina, infarto e obstrução

• Pancreatite, colecistite, e alteração da função hepática

• Infartos esplênicos

Coração

• Isquemia miocárdica

Sistema nervoso central

• Ataques isquêmicos transitórios

• Amaurose fugaz

• Estado mental alterado

• Infarto cerebral

• Infarto medular

Olho

• Embolia retiniana

Sinais sistêmicos

• Febre

• Perda de peso

• Mal-estar

• Mialgia

• Anorexia

 

 

Achados laboratoriais

Os achados são inespecíficos, como anemia, leucocitose, trombocitopenia e elevação de marcadores inflamatórios como o VHS ou a PCR.

Um achado importante para o diagnóstico é a presença de eosinofilia, que ocorre principalmente durante a fase aguda  da doença,sendo achado em cerca de 50% dos pacientes nesta fase da doença; a leucocitose também é um achado mais frequente na fase aguda. Outros achados relevantes  incluem hipocomplementemia,  que foi relatada em 39 % dos pacientes em um estudo. Pode ocorrer ainda proteinúria, em geral em níveis modestos, mas com descrições de ocorrência em níveis nefróticos.

O diagnóstico definitivo é realizado através da biópsia renal. O exame de fundo de olho é importante na avaliação destes pacientes.

 

Diagnóstico diferencial

Os diagnósticos diferenciais incluem nefropatia por contraste, nefrite intersticial induzida por drogas e glomerulonefrite secundária a endocardite bacteriana subaguda. Na nefropatia por contraste, o aumento dos níveis de creatinina ocorrem imediatamente após o estudo angiográfico, com pico de deterioração em 3-4 dias e melhora em período de mais 3-4 dias. A evolução dos pacientes com ateroembolismo renal, por sua vez, é bem mais lenta.

A vasculite sistêmica é outro diagnóstico diferencial, o exame de urina com proteinúria, hematúria e cilindros hemáticos é sugestivo de vasculite, a ausência destes achados é praticamente excludente de vasculite como diagnóstico diferencial.

A endocardite aguda pode causar glomerulonefrite com hipocomplementemia, o que dificulta o diagnóstico diferencial. Neste caso, o exame de urina é decisivo para descartar ou sugerir este diagnóstico. Deve-se acrescentar ainda, que nestes casos também é esperada a presença de febre e outras manifestações sistêmicas, a ecocardiografia também é importante para a avaliação diagnóstica.

 

Tratamento

O objetivo do tratamento é para restringir a extensão do dano isquêmico e prevenir a embolização recorrente. O tratamento é principalmente de suporte. O ateroembolismo espontâneo ocorre quase exclusivamente em pacientes com envolvimento aterosclerótico vascular severo. Se após cirurgia vascular ou angiografia, a embolização pode ser limitada pode ser limitada ao episódio inicial. Estabilização e melhora gradual pode seguir a inflamação de pequenos vasos e depois recanalização ocorre. O paciente típico  terá perda gradual de peso, anorexia, dor abdominal e dor digital com cicatrização de lesões digitais isquêmicas.

 

Podemos utilizar para realização do diagnóstico os critérios clínicos, que incluem a tríade clássica diagnóstica do ateroembolismo, que inclui:

 

• A exposição ao fator precipitante

• insuficiência renal aguda ou subaguda

• sinais periféricos de embolizações

 

Em casos de suspeita elevada, os estudos histológicos podem auxiliar, podendo ser coletada amostra de rim, pele ou músculo.

A prevenção é baseada em restrição de exposição a fatores precipitantes, tais como retirada de anticoagulação se possível, assim como evitar outros procedimentos angiográficos.

A disfunção cardíaca e hipertensão devem ser tratadas de forma agressiva.

Quando necessária diálise, o método de escolha é diálise peritoneal, pois é associada a maiores chances de se reverter a necessidade de diálise.

O uso de estatinas em estudos observacionais sugere que possa haver benefícios na prevenção de episódios de ateroembolismo. O fator protetor das estatinas nestes casos é provavelmente atribuído à estabilização da placa e regressão por mecanismos anti-inflamatórios hipolipemiantes.

A remoção cirúrgica da fonte de êmbolos pode ser o tratamento definitivo, mas é um procedimento de alta morbidade, com melhor indicação quando a fonte de êmbolos é localizada na aorta infrarrenal.

Procedimentos endovasculares também são associados a complicações e lesões vasculares e recomendações definitivas sobre sua utilização não podem ser realizadas.

 

Tabela 2: Fatores de em risco para doença renal ateroembólica

 

      • Sexo masculino

• Idade superior  a 60 anos

• Caucasianos

• Hipertensão

• Tabagismo

• Diabetes mellitus

• Doença vascular aterosclerótica

• Doença cardíaca isquêmica

• Doença cerebrovascular

• Aneurisma da aorta abdominal

• Doença vascular periférica

• Nefropatia isquêmica

 

 

Referências

1-Solari F, Ravani P. Atheroembolic renal disease. The Lancet 2010 375: 1650-1660.

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