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Abordagem do paciente com eritrocitose

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 16/04/2015

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Avaliação do paciente com eritrocitose ou policitemia

A eritrocitose ou policitemia é definida por aumento do hematócrito, que pode representar aumento da massa eritrocitária ou diminuição do volume plasmático, o que é denominado de policitemia relativa. Neste segundo caso causas incluem sexo masculino, obesos e fumantes.

São causas de policitemia relativa, portanto com massa eritrocitária normal que têm causas como desidratação, uso de diuréticos, excesso de cafeína, fumo, álcool, hipertensão arterial e policitemia espúria. Em fumantes, 98% de chance de ser por contração volumétrica, pela presença de carboxi-Hemoglobina (carboxi-Hb) ou por queda da saturação de O2.

Alguns pacientes apresentam níveis altos de hemoglobina e hematócrito, mas massa eritrocitária de tamanho normal; apresentam volume plasmático diminuído e portanto não têm uma policitemia real, sendo por este motivo denominada de espúria.

Descartando o diagnóstico de policitemia relativa, temos a chamada policitemia absoluta. Os pacientes com policitemia absoluta pom ser divididas em policitemia primária, que é chamada de policitemia vera, e policitemia secundária. As policitemias secundárias podem ser consideradas fisiologicamente apropriadas ou inapropriadas. São consideradas condições em que a policitemia é fisiologicamente apropriada principalmente em condições associadas à hipóxia tecidual, como hipoxemia por doença pulmonar crônica (principalmente a DPOC), à hipoventilação alveolar (obesidade grau 3), aos shunts cardiovasculares e às altas concentrações carboxi-Hb, hemácias com alta afinidade pela hemoglobina. Pacientes submetidos a altitudes maiores que 2200 podem evoluir com eritrocitose, inicialmente sintomas como cefaleia, sonolência, palpitações e até edema pulmonar podem ocorrer até obter a resposta adaptativa de policitemia.

Já condições que são associadas à policitemia considerada fisiologicamente inapropriada, incluem neoplasias como carcinoma renal (produz eritropoetina), hepatoma, hemangioma cerebral, leiomioma de útero, carcinoma de ovário. Várias doenças renais são associadas com policitemia secundária incluindo cistos renais, isquemia renal, hidronefrose, transplante renal, síndrome de Barterr e terapia com andrógenos.

A eritrocitose familiar é uma condição que pode ser associada com policitemia severa, ocasionalmente com níveis de hemoglobina superiores a 20 g/dl, complicações como cefaleia crônica, HAS, doença coronariana e AVC podem ocorrer nestes pacientes. Outra condição descrita na literatura é a chamada de policitemia neonatal que cursa com diminuição da aceitação alimentar, pletora, cianose, desconforto, hipotonia, hipoglicemia e aumento de bilirrubinas.

As chamadas policitemias primárias podem ser divididas em policitemia vera e eritrocitose idiopática, a primeira representando uma condição que será discutida um pouco mais a fundo nesta revisão.

Na avaliação inicial, a história e o exame físico podem ajudar a determinar a causa da policitemia. Em pacientes com baixa saturação de oxigênio diagnósticos a serem considerados incluem a doença pulmonar obstrutiva crônica, cardiopatias congênitas e obesidade mórbida. Achados como baqueteamento digital são associados com doenças pulmonares e cardíacas e sugerem estas como a causa da policitemia.

Pacientes com história de tabagismo reforçam a possibilidade de DPOC. Deve-se acrescentar que 3-5% dos tabagistas cursam com policitemia.

A policitemia vera (PV), por sua vez cursa com achados que incluem esplenomegalia, leucocitose e trombocitose, é um diagnóstico raro ocorrendo em 1 a cada 10.000 indíviduos. A doença ocorre em 95% dos casos em pacientes com mais de 40 anos de idade, sendo 85% dos pacientes com mais de 50 anos de idade. Cerca de 75% dos pacientes apresentam esplenomegalia, trombocitose e leucocitose no Policitemia Vera Study Group. A PV cursa ainda com complicações como síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, proteína monoclonal e alterações cutâneas) e síndrome de sweet ou dermatose neutrofílica, a PV pode cursar ainda com tromboses e hemorragias, que se presentes em pacientes com policitemia sugerem o diagnóstico de PV.

Pacientes com carcinoma renal podem apresentar sintomas sugestivos, mas a camada tríade do carcinoma de células renais, que consiste em dor em flanco, massa abdominal e hematúria ocorre na minoria dos casos. O carcinoma renal ocorre em 11 a cada 100.000 indíviduos e destes cerca de 1 a 5% cursam com policitemia. Pacientes com policitemia secundária a doença renal têm 8 a 10 vezes maior chance de desenvolver HAS e disfunção cardíaca.

A probabilidade do diagnóstico varia conforme os níveis de hematócrito, sendo quanto maior o hematócrito, maior a possibilidade da policitemia vera. A tabela 2 sumariza a chance do diagnóstico de policitemia vera (PV), conforme o hematócrito na apresentação.

 

Tabela 2: Probabilidade do diagnóstico de policitemia vera conforme o hematócrito.

 

Homem

Mulher

Probabilidade

<52

<47

15%

52-55

47-50

35-40%

56-57

51-52

45%

58-59

53-54

65%

>=60

>=55%

89%

 

 

Exames complementares

O hemograma mostra leucocitose com mais de 12.000 cels/mm3 em 40% dos casos na PV. As plaquetas por sua vez são maiores que 400.000 cels/mm3 em 60% dos pacientes. Aumentos concomitantes nas três séries hematopoieticas é um achado relativamente específico para o diagnóstico de PV.

Leucocitose também ocorre em outras situações, sendo descrita em 6-20% dos pacientes com carcinoma renal e aproximadamente 10% dos tabagistas. Pacientes com PV apresentam neutrofilia absoluta em 2/3 dos casos e basofilia também em 2/3 dos casos, as plaquetas estão aumentadas em pelo menos 50% dos pacientes e acima de 1.000.000 cels/mm3 em até 10% dos casos.

Em pacientes com suspeita de policitemia espúria, a realização de cintilografia com radiomarcadores para determinar a massa eritrocitária total.

A mensuração da saturação de oxigênio é outro exame necessário na avaliação, em pacientes com saturação de oxigênio menor que 92% ocorre hipóxia tecidual e aumento da produção de eritropoetina. No policitemia vera study group 11% dos pacientes com saturação de oxigênio menor que 92% tinham policitemia. Deve-se considerar ainda que pacientes com doença pulmonar estável, que antes tinham hematócrito dentro dos limites da normalidade, que passem a apresentar policitemia sem alterações dos níveis basais de oxigenação têm indicação de investigação de policitemia primária mesmo se níveis de saturação de oxigênio sejam menores que 92%. Outro fator a ser considerado é que alguns pacientes com PV podem ter alterações de saturação de oxigênio, um estudo por exemplo achou estas alterações em 10% dos pacientes com PV.

A carboxi-Hb também deve ser mensurada na investigação. Quando os níveis são superiores a 4% é possível que ocorra policitemia secundária. Outro exame necessário é a mensuração do volume plasmático e a massa eritrocitária. Quando a massa eritrocitária é normal indica volume plasmático contraído, portanto uma policitemia irreal, no estudo Policitemia Vera Study Group 10% dos pacientes apresentavam massa eritrocitária normal. Também é recomendada a realização de eletroforese de hemoglobina para descartar altas porcentagens de hemoglobinas com alta afinidade por oxigênio, como a HbF, que justificariam hipóxia tecidual e policitemia secundária.

Na suspeita de PV é necessário avaliar a medula óssea, que se apresenta hipercelular em todas linhagens, principalmente em células vermelhas mas sem achados característicos.

A fosfatase alcalina leucocitária e a vitamina b12 também podem ser solicitadas na investigação, e se encontram aumentados em pacientes com PV.

A tabela 3 sumariza os achados que diferenciam a PV, a policitemia secundária e a policitemia espúria.

 

Tabela 3: Diagnóstico diferencial das policitemias

 

Achados

Policitemia Vera

Policitemia secundária

Policitemia espúria

Esplenomagalia

+

-

-

Leucocitose

+

-

-

Trombocitose

+

-

-

Resposta anormal a adrenalina (induz agregação)

+

-

-

SaO2

Normal

Dimuída ou normal

Normal

B12

Aumentada

Normal

Normal

Fosfatase alcalina leucocitária

Aumenta

Normal

Normal

Medula Óssea

Pan-hiperplasia

Hiperplasia eritroide

Normal

Eritropoetina

Diminuída

Aumentada

Normal

Crescimento endogeno c estimulador de formação de colônias erotrocitárias CFU-E

+

-

-

 

 

 

 

 

 

Critérios diagnósticos para policitemia vera

 

Os critérios diagnósticos para policitemia vera são divididos em critérios A e B.

São os seguintes:

Critérios A

A1-Poliglobulia com Hb> 18,5 g/dl em homens e 16,5 g/dl em mulheres com volume eritrocitario total > = 36 ml/kg no homem e 32 ml/kg na mulher, ou volume eritrocitário pelo menos 25% a mais que o limite superior da normalidade.

A2- Ausências de causas secundárias de poliglobulia, para isto é necessário:

-SaO2 >92%;

-Ausência de Hemoglobinas de alta afinidade por O2;

-Produção inapropriada de eritropoetina por doença policística renal ou tumor renal;

A3-Esplenomegalia;

A4-Anormalidade citogenética clonal excluindo cromossomo Philadelphia

A5-Formação de colônias eritroides endógenas in vitro B

B1- Trombocitose > 400.000 cels/mm3

B2- Leuccitose > 12.000 cels/mm3 ou 12.500 cels/mm3 em tabagistas sem febre e infecção

B3- Fosfatase alcalina leucocitária > 100pg/ml

B4- B12  > 900 pg/ml

B5- Biópsia de medula óssea com evidência de panmielose com proeminente proliferação eritroide e megacariocítica

B6-Eritropoetina diminuída

 

PV se todos os A ou A1 + A2 com 2 dos critérios B

 

Tratamento

Não é o escopo desta revisão discutir o tratamento da PV, mas convém discutirmos alguns princípios básicos. A PV é uma doença que tem uma fase inicial pletórica de duração de vários anos usualmente. Nesta fase, o tratamento é sintomático com as flebotomias, com remoção 450 a 500 ml de sangue a cada 2-4 dias, com retirada menor se menos de 50Kg de peso, em cardiopatas as retiradas devem ser menores e em intervalos maiores, o objetivo do tratamento é manter o hematócrito menor que 45%. Devemos lembrar que a flebotomia é associada com perda de ferro que deve ser reposto.

Em pacientes com baixo risco de trombose (< 60 anos, sem episódio trombótico prévio e com Plaquetas <1.500.000/mm3) podem ser tratados com aspirina para seu risco trombótico, uma vez que a medicação reduz significativamente eventos sem aumentar sangramentos.

Em pacientes com risco trombótico intermediário, e alto usualmente, é realizada mielosupressão, naqueles pacientes com risco intermediário a hidroxiureia é uma opção. Caso o risco seja alto, tanto a hidroxiureia como o alfa-interferon são opções aceitáveis. Outras medicações estão sendo estudadas e incluem o anagrelide e imatinib, mas é necessário aguardar os resultados dos novos estudos.

 

 

Tabela 2. Estratificação do risco de trombose e tratamento estratificado pelo risco

 

Risco de Trombose

Características Clínicas

Tratamento

objetivo: Ht <45% homens e 43% mulheres

Baixo

Idade <60 anos

Ausência de trombose prévia

Plaquetas <  1.500.000/mm3

Ausência de fator de risco cardiovascular

Flebotomia + AAS 100mg/dia

Intermediário

Idade <  60 anos

Ausência de trombose prévia

Risco cardiovascular presente (HAS ou DM)

Hidroxiureia 500mg/dia com ajuste de dose até objetivo + AAS 100mg/dia ou INFa 3 milhões unidades 3x/semana + AAS 100mg/dia

Alto

Idade ³ 60 anos e/ou

História de trombose prévia

Hidroxiureia 500mg/dia com ajuste de dose até objetivo + AAS 100mg/dia

 

Referências

McMullin MF, Bareford D, Campbell P, et al. Guidelines for the diagnosis, investigation and management of polycythaemia/erythrocytosis. Br J Haematol 2005; 130:174.

 

Silver RT, Chow W, Orazi A, et al. Evaluation of WHO criteria for diagnosis of polycythemia vera: a prospective analysis. Blood 2013; 122:1881.

 

Landolfi R, Marchioli R, Kutti J, et al: Efficacy and safety of low-dose aspirin in polycythemia vera. N Engl J Med 350:114-24, 2004

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